Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8373/17.0T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 10/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA, ANULADO O ACÓRDÃO RECORRIDO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- A segunda reapreciação de prova a efectuar pelo Tribunal da Relação em sede de recrso de Apelação, constitui hoje em dia mais do que um ónus, antes um poder/dever imposto pela amplitude do preceituado no artigo 662º, nº1 e 2 do CPCivil.

II- O Tribunal da Relação omite tal dever, o que decorre da deficiente, ou praticamente inexistente fundamentação das alterações efectuadas, a qual se limitou a julgar insuficientes as justificações do primeiro grau para julgar como provados os factos, daí retirando o seu contrário, isto é, declarando os pontos de facto impugnados não provados.

III- Essa displicência omissiva na elaboração de uma argumentação tendente a sustentar a alteração da materialidade factual posta em crise, com recurso às provas indicadas pelo Recorrente, conduz inexoravalemente à ocorrência da nulidade a que alude a alínea b) do nº1 do artigo 615º, pois não se encontram devidamente especificados os fundamentos de facto em que assentou a decisão.

Decisão Texto Integral:

PROC 8373/17

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I AA e BB vieram propor, contra BANCO BPI, SA, CC, DD e EE, acção com processo comum, distribuída à comarca de ... - Juízo Local de ..., pedindo se declare a nulidade de contratos de abertura de conta e de concessão de crédito, alegadamente celebrados com o Banco R., e consequente exclusão dos nomes dos AA. da central de responsabilidade de crédito, bem como a condenação dos RR. a pagar-lhes, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 2.000, acrescida de juros.

Contestaram os RR. Banco BPI, DD e CC, sustentando a validade dos contratos em causa e impugnando todos eles a responsabilidade a si imputada - concluindo pela improcedência da acção.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção parcialmente procedente, declarando-se inexistentes, em relação aos Autores os aludidos contratos de abertura de conta e de concessão de crédito, com a exclusão do nome daqueles da central de responsabilidade de crédito, e condenando-se os RR, Banco BPI e EE a pagar aos Autores, a título de indemnização, a quantia peticionada, acrescida de juros legais, absolvendo-se os demais Réus do pedido contra si formulado,

Inconformado, veio o Réu BPI interpor recurso de Apelação, o qual a final foi julgado procedente, tendo sido a acção julgada improcedente em relação a este Réu, com a absolvição dos pedidos formulados contra o mesmo.

Irresignados com este desfecho vieram os Autores recorrer, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

a) Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, resultou provado que os AA., não subscreveram tais contratos.

b) Mas, mesmo que tal não resultasse provado, esses contratos careciam sempre do reconhecimento da proveniência da sua autoria pela parte perante o qual o documento é exibido, in casu, AA.

c) Não obstante, os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, sem que nada o fizesse prever, entenderam em sentido contrário, num Acórdão desprovido de qualquer fundamentação, de facto ou de direito, que sustente a alteração e

d) De acordo com o douto Acórdão proferido de que ora se recorre, transcreve-se que: "Decorre da análise da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto que, no tocante a tais ponto [4., 13,16, 17 e 18 dos factos provados], assentou essencialmente a mesma nas declarações prestadas, em sede de audiência de julgamento, pelo A., ora apelado."

e) Não obstante, e contrariamente ao dito, atente-se ao teor da douta decisão proferida em l.ª instância, a qual fundamenta para além do afirmado no Acórdão do TRL:

"Já no que concerne à assinatura dos contratos de abertura de conta e de crédito não hipotecário, foram apresentadas em julgamento duas versões distintas: a dos autores, que negam ter assinado tais contratos e que inclusivamente os desconheciam, e a versão da ré EE, que afirma que tudo foi feito com o conhecimento e consentimento dos pais, que subscreveram ambos os contratos."

"Acontece, porém, que as declarações de parte prestadas pelo autor, BB, contrariamente às prestadas pela ré EE, mereceram inteira credibilidade pela forma pormenorizada, assertiva e espontânea como respondeu, e, bem assim, pela coerência das suas declarações com outros elementos (nomeadamente os documentos juntos aos autos), sendo que a sua conjugação, aliada às regras da experiência comum, permitiu inferir e concluir que os autores não assinaram os contratos objeto dos autos e não receberam qualquer ransferência a crédito pelo réu BPl, desde logo face à documentação junta a fls. 34 verso e 35, conjugado com a confissão da ré EE de que o valor do crédito foi transferido em parte para o seu ex-marido, FF, e o restante para uma conta sua."

"De facto, para além da credibilidade que o depoimento do autor mereceu, é ainda manifesto que inexistem nos autos quaisquer elementos que estabeleçam uma conexão entre os autores e a assinatura do contrato, ou que de outra forma ponham em causa a versão dos factos por si apresentada."

f) Mais, "A corroborar as declarações do autor, esclareceu a testemunha GG, filho daquele, que em 2008 residia com os pais, ora autores, que nunca assistiu ou teve conhecimento da assinatura de qualquer contrato nem nunca ouviu falar de qualquer empréstimo. No mesmo sentido, a testemunha HH, que à data dos factos trabalhava em casa dos autores como empregada ..., declaro que não tinha memória de alguma veza ré EE ter ido a casa dos autores entregar quaisquer documentos."

g) Atente-se, Sábios Conselheiros, que a douta decisão proferida em l.ª instância, não assenta unicamente, nem essencialmente, nas declarações prestadas pelo Autor, ora Recorrente, contrariamente ao afirmado.

"A conjugação de todos estes elementos, aliados às regras da experiência comum e à postura assumida pelo autor em sede de audiência de julgamento, mereceram inteira credibilidade ao tribunal, como já referido, e determinaram que se considerasse provada a factualidade descrita em 4. e 13. inclusivamente saído reforçada tal credibilidade com a postura e o depoimento da ré EE que prestou declarações pouco credíveis e comprometidas, respondendo de forma pouco consistente e até contraditória no que se reporta a circunstâncias alegadamente presenciadas pela mesma e, bem assim, apresentando versões dos factos incoerentes com a restante prova produzida."

h) Também a factualidade dada como provada em 4. e 13., foi:_" (...) inclusivamente saído reforçada tal credibilidade com a postura e o depoimento da ré EE que prestou declarações pouco credíveis e comprometidas, respondendo de forma pouco consistente e até contraditória no que se reporta a circunstâncias alegadamente presenciadas pela mesma e, bem assim, apresentando versões dos factos incoerentes com a restante prova produzida."

"Desde logo, a ré referiu ter ido apenas uma vez a ..., altura em que foram assinados os documentos de abertura de conta e de concessão do crédito (e, bem assim, a livrança em branco e a ficha de informação individual), o que é manifestamente inconsistente com o facto de os referidos contratos terem datas diferentes 817.06.2008 e 23.06.2008, e da ficha de informação individual com base na qual foram conferidas as assinaturas dos autos ter data de 12.12.2007), o que a rénão conseguiu explicar de forma cabal."

i) Ora, facilmente se demonstra que o facto dado como provado em 4., também assentou no depoimento da Ré EE, e na sua versão pouco credível atentas as regras de experiência comum...

j) Contudo, sem que nada o fizesse prever, e sem qualquer justificação, entendeu o TRL que as declarações do Recorrente eram "claramente insuficientes, tendo em vista a prova de qualquer dos factos impugnados".

k) Omitindo ou ignorando, os demais depoimentos prestados e referidos, inclusive, da própria Ré, EE, aliados às regras de experência comum.

1) Alegar, tal como fez o douto TRL, que as declarações do A/Recorrente, não são suficientes não é, sequer, meio de prova ou fundamentação.

m) Atente-se que, segundo a própria Relação de Lisboa :_"IV.  Os depoimentos testemunhais, que a ora Apelante pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Senhora Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (arts. 396° do Cód. Civil e 655.°, n.° 1, do C.P.C.)."

"Se 0 julgador (A 1ª instância entendeu valorar diferentemente da ora Recorrente tais depoimentos, não pode esta Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhais)."

n) Contudo, e contrariamente à S/ própria jurisprudência, os Venerandos Desembargadores, colocaram em causa a convicção do outo tribunal de 1ª instância, que "dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas)."

o) Acresce que, na mesma linha de raciocínio, decidem os Venerandos Desembargadores, dar como não provado o ponto 13, dos factos provados, ou seja, "Em data não concretamente apurada no ano de 2013, o autor deslocou-se ao Banco BPI e tomou conhecimento da existência da abertura de conta no balcão de ... mencionado em 2. e do contrato de crédito não hipotecário referidos em 3."

p) Contudo, em momento algum do douto Acórdão recorrido é mencionada ou referida fundamentação, argumentação ou prova, que justifique que o ponto 13. seja dado como não provado,

q) Não se compreende, nem se pode aceitar, a alteração do ponto 13., sem fundamentação para o efeito, de forma a que os Recorrentes possam contraditá-la.

r) Desconhecendo, assim, com base em que argumentos ou prova o TRL se baseou para a alteração daquele facto dado agora como não provado.

s) Atente-se, contudo, que relativamente a este ponto, foi produzida prova no sentido alegado na decisão de    l.ª   instância, designadamente, que o A/Recorrente, em meados de 2013, "(...) resolveu deslocar-se ao balcão do BPI de ..., momento a partir do qual tomou conhecimento da existência do crédito (o que é compatível não só com as datas das missivas juntas a fls. 141, 117 e 20-datadas de maio, agosto e dezembro de 2013 -" - fls. 9 sentença.

t) A qual, corroborada: " (...) com a informação prestada pelo réu DD de que, por defeito, a correspondência respeitante ao empréstimo apenas é enviada ao primeiro titular-neste caso a ré EE -, o que também permite corroborar a versão dos autores e explicar a razão pela qual só numa fase de incumprimento começaram a receber correspondência reportada ao crédito)"

u) E, ainda, pelo depoimento da testemunha do BPI, Recorrido, II.

v) Não obstante, reitere-se, os Recorridos não se podem pronunciar relativamente aos fundamentos do douto TRL, uma vez que os mesmos são omissos no Acórdão proferido.

w) O que traduz, consequentemente, numa nulidade, que se invoca e aduz!

x) O firmado nos pontos 16. e 17., não é matéria exclusivamente dependente de prova documental, nem a lei assim o exige.

y) Veja-se que "1 - A liberdade na formação da convicção do julgador deverá assentar em elementos probatórios, em presunções judiciais, em regras da experiência comum e/ou em critérios lógicos que, de forma sustentada e segura e tendo em conta as regras da repartição do ónus da prova, permitam uma fundada convicção quanto à verificação dos factos que se tenham como provados."

z) Atente-se ainda à jurisprudência, "1- Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum." SIC (nosso sublinhado).

aa) Assim sendo, não pode do douto TRL alterar, muito menos com a fundamentação insuficiente dada, os pontos 16 e 17 da matéria de facto.

bb)E, também assim o entendeu a Relação de Lisboa : "II. O Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1." instância e dentro do restrito papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto)."

cc) Face ao exposto, dúvidas não restam que o presente Acórdão do TRL é nulo, por violação do disposto no artigo 615.°, n.° 1, b) do CPC, devendo V. Exas., Sábios Conselheiros, regová-lo e mantendo a decisão proferida em l.ª instância.

dd) Sem prejuízo do supra exposto e da nulidade invocada, há, ainda, que ter em consideração o alegado pelos Venerandos Desembargadores, relativamente às assinaturas apostas nos contratos aludidos.

ee) Designadamente, que "(...) não tendo sido produzida, nestes autos, prova pericial, resulta da efectuada, nomeadamente, no âmbito do processo criminal (ponto 19 da matéria provada), não ter sido apurada a alegada falsificação das assinaturas atribuídas aos ora apelados."

ff) Em primeiro lugar, o resultado da prova pericial junta aos autos, é inconclusivo, tal não significando que não tenha existido falsificação das assinaturas dos AA.

gg) Tanto assim é, que foi realizada prova pericial no processo executivo das livranças subscritas nos contratos de crédito não hipotecário e abertura de conta,

hh)e, segundo o relatório, é pouco provável que aqueles contratos, a livrança, as fichas de informação individual, bem como as cópias de adesão a produtos e serviços, tenham todos sido outorgados pelo mesmo punho, in casu, pela A./Recorrente, AA. -Cfr. Doe 1, ponto 3 das conclusões.

ii) "permite afirmar que é pouco provável que tenham sido todos manuscritos pelo mesmo punho a que de acordo com a Tabela de Significância (...) corresponde a um grau de probabilidade compreendido entre os 30% e os 50%".

)}) Ou seja, segundo o Relatório pericial é pouco provável que a Recorrida tenha assinado a livrança, bem como, é pouco provável que tenha outorgato os Does 6 a 10 juntos ao relatório pericial.

kk)Veja-se, no mesmo sentido, a douta sentença recorrida, a fls. 13: "A conjugação de todos estes elementos foi determinante para o tribunal dar como provado que, como foi alegado pelos autores, os mesmos não só não estiveram presentes no balcão do BPI para ajormalização dos contratos de abertura de conta e de empréstimo não hipotecário, como não os subscreveram, ao que acresce que, apesar de não ter qualquer valor neste processo como prova pericial, do documento junto a fls. 148 a 152 resulta que apesar de ter sido realizado um exame à letra para determinar, para além do mais, se se tratava da assinatura dos autores naqueles dois contratos, a mesma foi inconclusiva."

11) " Cumpre ainda referir que, pese embora não tenha sido requerida qualquer perícia nos presentes autos, na convicção do tribunal não subsistiram dúvidas de que os autores não assinaram os contratos em causa. É verdade que o meio idóneo para verificar a autenticidade de uma assinatura é o exame pericial, mas essa autenticidade também poderá ser judicialmente estabelecida, independentemente da perícia, caso a assinatura tenha sido feita na presença de pessoas que declarem de forma perentória e convincentemente terem visto assinar o documento à pessoa a quem a assinatura é imputada, podendo, na mesma medida o tribunal concluir em sentido oposto, caso os elementos probatórios assim o permitam, o que é manifestamente o caso dos autos."

mm) No mesmo sentido vai a jurisprudência da Relação de Guimarães : "I) - O meio idóneo para verificar a autenticidade de uma assinatura é o exame pericial; essa autenticidade pode, porém, ser judicialmente estabelecida, independentemente da perícia, no caso de o escrito ou a assinatura terem sido feitos na presença de pessoas que, interrogadas, afirmem peremptória - e convincentemente - terem visto assinar o documento à pessoa a quem a assinatura é imputada."

nn)Também na Relação de Coimbra , foi proferido Acórdão, no caso em que os peritos não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a assinatura: "Se os peritos não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a pertença da assinatura impugnada ao seu autor aparente, então o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal deve estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível."

oo) Assim sendo, e também por este motivo, o ponto 4 deverá manter-se como provado, revogando-se, igualmente nesta parte, o douto Acórdão recorrido.

pp) Mais, não está, porém, vedado legalmente ao Supremo, verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

qq)E, com o devido respeito, a conclusão do Tribunal da Relação de Lisboa, parte de uma fundamentação deficiente [e até mesmo inexistente], dando como não provados, factos provados ao abrigo do princípio da livre apreciação de prova, os quais não podiam ser postos em causa pelo TRL.

rr) Os poderes decisórios da Relação no âmbito da apreciação da decisão fáctica encontram expressão no mencionado artigo 662°, mas o juízo fáctico que lhe compete formular, tem por base a convicção própria firmada nos meios de prova disponíveis no processo. ss) Sendo que, os Venerandos Desembargadores, omitem e ignoram, por completo, todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento, submetidos aos princípios da oralidade e imediação.

tt) E, de forma evasiva e sem fundamentação, alteram a factualidade dada como provada nos artigos 4, 13, 16, 17 e 18 da sentença recorrida.

uu) Com o devido respeito, o Tribunal da Relação exorbitou e não cuidou de atender a toda a prova, tendo apenas, e sem motivo aparente, uma vez que do Acórdão não resulta terem sido ouvidas quaisquer gravações, julgado insuficientes as declarações de parte do Autor/Recorrente.

vv)Nesse sentido, deverão V. Exas., atender à reapreciação da matéria de facto e à prova produzida em audiência de julgamento, a qual contrapõe, por completo, a alteração, sem fundamento, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

ww) Não restam dúvidas, e foi junta prova documental aos autos, de que os AA/Recorridos, abriram contas, quer em 2007, quer em 2009, em Balcões diferentes, coincidentemente onde a sua filha, aqui Ré, vinha sendo colocada, ...- ... e ....

xx)Mas, nunca o fizeram em ..., nos dias 17/06/2008 e 23/06/2008.

yy)A Ré EE, pediu à S/ estagiária, CC, que conferisse as assinaturas dos seus pais, as quais apostas nos contratos de abertura de conta e de crédito não hipotecário, dizendo-lhe que os contratos haviam sido assinados na sua presença, mas que não podia abonar as assinaturas pelo facto de ser titular dos contratos, e, os demais, serem seus pais.

zz) Essas assinaturas, alegadamente dos Recorrentes, haviam sido recolhidas, segundo a Ré EE, no dia 17-06-2008, quando a mesma supostamente se deslocou a ..., residência dos AA.

aaa) Para o efeito, em sede de depoimento de parte, afirmou a Ré que pediu, verbalmente, autorização ao gerente do Balcão ..., para se deslocar a ..., e levar os documentos para os seus pais assinarem.

bbb) Contudo, o gerente, quando inquirido, não mencionou sequer ter existido qualquer pedido de autorização para a deslocação da funcionária, Ré EE, nem sequer que a mesma tenha levado quaisquer documentos para serem assinados fora do Banco.

ccc) Afirmou, ainda, a Ré, que após a impressão dos contratos, levou-os a ..., os pais/Recorridos, assinaram, e depois devolveu-os no dia seguinte.

ddd) Segundo a Ré EE, esta levou os dois contratos (abertura de conta e crédito não hipotecário), para serem assinados pelos pais, em ..., no dia 17/06/2008.

eee) Contudo, questiona-se, como pode o contrato de crédito ter sido assinado pelos Recorrentes nesse dia, quando o mesmo somente foi impresso a 23/06/2008, tal como consta da data nele mencionada?

fff) Como podem os Recorrentes ter assinado aqueles documentos, se os mesmos, nesse dia em concreto, estavam a trabalhar, conforme documentos juntos pela entidade patronal de ambos?

ggg) Como é que a Ré EE, já tinha na sua conta, a descoberto a quantia de € 30.000,00, quando ainda o crédito não havia sido aprovado pelo Banco?

hhh)   os AA., Recorrentes, nunca subscreveram aqueles contratos...

iii) Nunca remeteram ao Banco BPI, Recorrido,, nem por intermédio da Ré, quaisquer documentos para a celebração desses contratos.

jjj) Nunca assinaram ou formalizaram a FIN, obrigatória.

kkk) Muito menos, subscreveram a livrança, garantia do cumprimento, cuia 2.a pericial irá ser realizada no âmbito do processo executivo.

111) Apenas tiveram conhecimento da existência destes contratos, quando, em meados de 2013, foram confrontados com "postais" do Banco BPI, na sua caixa de correio, conforme documentos juntos com a p.i. e depoimento da testemunha do Banco II.

mmm)  Ora,   é   notório   por   toda   a   prova   junta   aos   autos,

designadamente, pelos movimentos bancários da conta em causa, que os AA., não receberam qualquer quantia proveniente daquele crédito.

nnn) Aliás, a própria Ré EE, assim o afirmou, designadamente, que pagou ao seu ex-marido, FF, as quantias devias a título de tornas.

ooo)   E, transferiu o remanescente para uma outra conta sua.

ppp) Mais, os mandatários e os gerentes do balcão do BPI em ... e ..., assinaram o referido Contrato de Crédito não Hipotecário em representação do BPI e a sua atuação ao longo de todo o processo foi dúbia...

qqq) Não só porque efetuaram as suas assinaturas, mediante abonação, depois de terem sido alegadamente feitas as dos proponentes, ora Recorrentes, contrariando a ordem das assinaturas (primeiro os mandatários do BPI e depois os proponentes),

rrr) mas também porque não entregaram um exemplar do referido Contrato de Crédito aos AA., no suposto momento das respetivas assinaturas, de acordo com o n.° 1 do Art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 359/91, de 21 de setembro.

sss) Não obstante o alegado, vem agora o douto TRL colocar em causa a versão dos Recorrentes e os factos dados como provados, simplesmente porque entende que não são suficientes, sem mais nada fundamentar ou argumentar que contrarie a prova produzida e a convicação do tribunal de l.ª instância.

ttt) Também ficou patentes nos autos pela prova documental junta e olvidada pelos Venerandos Desembargadores, que em 12/12/2007 após terem aberto conta no BPI, os Recorrentes preencheram as designadas FIN (ficha de informação individual), conforme Doe 7 ss, juntos na Contestação do Recorrente.

uuu) Com essa abertura de conta, em 2007, entregaram ao BPI cópia dos seus documentos de identificação pessoal, bem como formalizaram a assinatura que pretendiam que fosse utilizada no Banco.

vvv) Veja-se, no Doc 12 junto com a Contestação do BPI, a Recorrente, apenas declarou que pretendia utilizar o nome "AA", pelo que, questiona-se, se os alegados contratos subscritos pelos Recorrentes em Junho de 2008, cujas assinaturas foram abonadas por semelhança àquelas já existentes no Banco,

www) por que motivo, não foi feita a assinatura da Recorrente conforme havia permitido na sua FIN, 6 meses antes?

xxx) Tornou-se evidente que toda a conduta empregue pelos funcionários do banco, conforme firmado na douta sentença recorrida, ainda mais que dúbia, é ilícita, em clara violação do disposto no artigo 73.° do Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ou «RGICSF»).

yyy) Ora, neste caso em concreto, e nas condutas estatuídas pelos deveres de boa-fé, no âmbito dos títulos de crédito, tem a jurisprudência entendido que «não é compaginável com o grau de diligência exigível atualmente que um Banco prudente, zeloso e cauto, não disponha de técnicas e funcionários especializados na deteção de falsificação de assinaturas.»

zzz) Contudo, e aplicando ao caso dos autos, mais que controlar a semelhança das assinaturas, o Banco Recorrido, tinha o dever de fiscalizar a autenticidade delas, sendo insuficiente a mera inspeção por semelhança, vulgo, "a olho nu" (...)» - cfr. Ac. STJ de 31.03.2009, processo n° 09A197.

aaaa) E, tanto assim é, que considerou que os deveres de cuidado enunciados decorrem de uma obrigação (nos termos do artigo 74.° do RGICSF e por analogia com o artigo 227.°, n.° 1 do CC), sendo aplicável  o  regime  da  responsabilidade civil  obrigacional  e,  em especial, a presunção de culpa decorrente do artigo 799.°, n.° 1 do CC.

bbbb) Mas, uma vez mais, os Venerandos Desembargadores decidiram alterar matéria de facto, sem justificação, sem reproduzirem depoimentos das testemunhas (pelo menos não as transcreveram no douto Acórdão), nem invocaram qualquer prova em contrário.

cccc) Face a tudo quanto supra exposto, deverá também pelas razões aduzidas, ser revogado o douto Acórdão recorrido, mantendo-se, na íntegra a decisão proferida em l.ª instância.

Nas contra alegações o Réu pugna pela confirmação do julgado.

II Põem-se como problemas a resolver no âmbito do presente recurso os de saber: i) se a alteração efectuada pelo segundo grau à factualidade assente é nula nos termos do artigo 615º, nº1, alínea b) por omissão dos elementos de facto que justificam a decisão; ii) se a decisão de direito é de manter.

O primeiro grau deu como assentes os seguintes factos:

1.            Em 17.6.2008, no balcão 0115 - ... do R. Banco BPI, SA, foi celebrado um contrato de abertura de conta de depósito à ordem, à qual foi atribuído o n° 000, sendo co-titulares da mesma a R. EE, na qualidade de Ia titular, e os AA. BB e AA, na qualidade de 2o e 3o titulares, respetivamente.

2.            Em 23.6.2008, no mesmo balcão, foi celebrado um contrato de crédito não hipotecário ao qual foi atribuído o n° 000, pelo valor de € 30.000, e prazo de 120 meses, o qual contém as assinaturas dos três titulares da referida conta, tendo sido disponibilizado naquela data os respetivos fundos.

3.            Os AA. não estiveram presentes no BPI de ..., quer na assinatura do contrato de abertura de conta, quer do contrato de crédito.

4.            Os AA. não subscreveram os contratos referidos em 2. e 3., nem receberam quaisquer quantias provenientes do empréstimo celebrado.

5.            AR. EE foi funcionária do Banco R. desde 2001 até Março de 2013 e exerceu funções de sub-gerente no balcão de ... no ano de 2008.

6.            Em Junho de 2008 a R. EE solicitou à R. CC, que desempenhava as funções de estagiária no Balcão de ... do Banco R., que esta conferisse as assinaturas apostas nos contratos de abertura de conta e de crédito não hipotecário, tendo-lhe referido que os restantes subscritores eram os seus pais, que estes tinham assinado os contratos na sua presença, e justificando não ser a própria a conferir as suas assinaturas por não o poder fazer, dado que era igualmente titular dos contratos.

7.            A R. CC abonou/conferiu as assinaturas dos AA. por semelhança, mediante observação a "olho nu" e por comparação com as assinaturas constantes nos documentos de identificação dos AA., disponíveis no arquivo do Banco.

8.            Desde 12.12.2007 que já constavam da base de dados do R. Banco BPI, os seguintes elementos: (i) quanto ao A.: ficha de informação individual, bilhete de identidade, cartão de contribuinte, comprovativo de morada do mesmo (fatura da água - SMAS de ..., emitida em 14.11.2007), documento comprovativo da profissão e recibo de ordenado, reportado ao mês de Setembro de 2007; (ii) quanto à A.: ficha de informação individual, bilhete de identidade, cartão de contribuinte, recibo de ordenado, reportado ao mês de Dezembro de 2007. e comprovativo de morada.

9.            O R. DD, enquanto gerente do balcão de ..., assinou o contrato de crédito não hipotecário na qualidade de procurador do R. Banco BP3, tendo previamente verificado que do processo constavam os documentos de identificação dos intervenientes e, bem assim, os documentos compro-vativos dos rendimentos e encargos dos mesmos.

 

10.          De acordo com as normas internas do R. Banco BPI, no que respeita à abertura de conta, designadamente no Manual de Clientes e Contas - Abertura, atualização n° 20, datado de 25.6.2008, resulta, para além do mais, como procedimentos, que se a recolha de informação do cliente não for feita presencialmente, deve solicitar-se ao cliente "(•••) o preenchimento da Informação Individual (Mod 4699), no caso de Pessoas Singulares, de forma a permitir a recolha posterior dos respetivos dados para a APC." e ainda que se devem "(■••) abonar as assinaturas dos Clientes, nos campos destinados a esse fim, mediante comparação com a espécime existente no documento de identificação (...)".

11.          De acordo com as normas internas do R. Banco BPI, no que respeita à subscrição de contrato de crédito não hipotecário, designadamente no Manual de Procedimentos, Crédito Pessoal, Atualização n°

12.          datado de 9.6.2008, consta como procedimentos a adotar "(...) Proceder à assinatura do contrato de crédito não hipotecário (Mod. 4187) por dois mandatários do Banco (...) Entregar ao Proponente/Avalista, para preenchimento e assinatura, a documentação obrigatória para contratação da operação. Receber a documentação do Proponente/Avalista, selecionar o botão "Contratação" e registar o contrato.

12.          As prestações do contrato de crédito referido em 2. foram cumpridas até à prestação n° 57, vencida em 15.4.2013.

13.          Em data não concretamente apurada do ano de 2013, o A. deslocou-se ao Banco BPI e tomou conhecimento da existência da abertura de conta no balcão de ... mencionado em 2. e do contrato de crédito não hipotecário referido em 3.

14.          Os AA. receberam uma carta datada de 6.12.2013, remetida pelo Banco BPI, S.A., reportada ao contrato de empréstimo n° 000, onde consta, para além do mais, que: "(...) na sequência dos nossos contactos anteriores, serve a presente para informar que, em virtude da atual situação de incumprimento, consideramos o contrato mencionado em epígrafe definitivamente Resolvido (...) Comunicamos-lhe, ainda que, de acordo com a cláusula 7a da contrato, preenchemos e procederemos à execução da livrança que nos entregou no momento da celebração do contrato para garantia do seu bom cumprimento (...)."

15.          Em 22.9.2014, o R. Banco BPI, SA, propôs contra os AA. e a R. EE, ação executiva que corre termos no Juízo de Execução do Entroncamento do Tribunal Judicial da comarca de ..., com o n° 120/14.4 T8ENT.

16.          Ainda em consequência do referido incumprimento, os AA. têm o seu nome na Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal.

17.          Os AA. deixaram de ter qualquer possibilidade de pedir um novo crédito para fazer face às suas despesas.

18.          Esta situação causou angústia, vergonha e desconforto aos AA.

19.          Os AA. apresentaram queixa-crime por falsificação contra a R. EE e FF, no dia 7.10.2014, inquérito que correu termos no DIAP de ... da comarca de ..., com o n° 450/14.5T9SNT, e que foi objeto de despacho de arquivamento "atenta a carência de indícios no que tange à verificação do crime por parte da denunciada (...)".

Nas suas alegações de recurso de Apelação o Réu/ Recorrido Banco BPI, impugnou a matéria de facto, nomeadamente as respostas dadas aos pontos 4., 13., 16., 17. e 18, tendo procedido à transcrição dos depoimentos considerados relevantes e indicado os documentos tidos por essenciais às modificações pretendidas, tendo concluído, a propósito:

«2.         Dos factos dados como provados, não aceita o Banco os factos com os nºs 4, 13, 16, 17 e 18, entendendo o Banco que a prova deverá ser reapreciada, de forma a alterar a decisão recorrida quanto a estes específicos factos.

3.            Assi, relativamente ao facto nº 4, o Tribunal “a quo”, ao analisar a prova produzida, veio a considerar que os autores não subscreveram os contratos de abertura de conta e de concessão de crédito não hipotecário, nem receberam quaisquer quantias provenientes do empréstimo celebrado.

4.            Entende o Banco que, pela análise dos depoimentos da Ré EE, filha dos Autores e então funcionária do Banco, e da prova pericial junta aos autos, extraída por certidão do processo crime, as assinaturas desses dois contratos são dos Autores.

5.            Com efeito, o processo crime instaurado pelos Autores contra a sua filha, por alegada falsificação de assinaturas nesses contratos, veio a ser objeto de despacho de arquivamento, uma vez que, após ter sido efetuada a prova pericial, resultou da mesma ser inconclusiva a alegada falsificação.

6.            O depoimento da Ré EE, quer neste processo, quer no processo crime, e de acordo com as declarações prestadas em ambos os processos, é plausível, e assertivo, resultando do mesmo que houve necessidade de contrair um empréstimo junto do Banco, onde trabalhava, para fazer face ao pagamento de tornas ao seu marido, de quem se estava a divorciar.

7.            Os pais, ora Autores, prontificaram-se a ajudá-la, e houve necessidade, por decisões internas do Banco, relacionadas com a taxa de esforço, que os pais fossem proponentes do contrato de empréstimo e não fiadores.

8.            Por isso, a conta bancária teve de ser aberta em nome dos três, EE e seus Pais, e o contrato de crédito não hipotecário também assinados pelos 3, como proponentes, subscritores, bem como a livrança.

9.            A Ré EE deslocou-se a ..., onde os seus Pais residiam e trabalhavam, para recolher a sua assinatura em ambos os contratos e também na livrança.

10.          Pediu à colaboradora CC para conferir a assinatura por semelhança com o bilhete de identidade /cartão de cidadão dos seus Pais, documentos que já existiam no Banco, atualizados, desde 12.12.2007, em virtude de os Pais já terem aberto uma conta no Banco nessa data e terem entregue toda a documentação necessária, de acordo com o Manual de Procedimentos Internos e com o Aviso 2/2007 do Banco de Portugal, então em vigor.

11.          Tal Aviso, transposto para o Manual de Procedimentos do Banco, permitia que os elementos de comprovação da identificação recolhidos pelas instituições de crédito podiam ser utilizados na abertura posterior de outras contas pelo cliente, desde que se mantivessem atualizados.

12.          O que era o caso, pelo que a colaboradora CC , após a explicação dada pela Ré EE, conferiu as assinaturas dos Autores em ambos os contratos, mediante observação a “olho nu” e por comparação com as assinaturas constantes dos documentos de identificação dos Autores, disponíveis no Banco.

13.          Verifica-se pelos extractos de conta, juntos aos autos, que para esta conta foram sendo feitas transferências regulares pelos autores, de valores muito semelhantes aos valores da prestação mensal do empréstimo.

14.          A Ré e os seus Pais terão cortado relações no final de 2012, por alegadas disputas relativamente à filha da Ré EE, tendo os pais interposto contra ela vários processos do foro familiar, para além da queixa crime supra referida e deste processo.

15.          Os autores alegam que a filha, naquela época, ia muitas vezes a sua casa, em ..., e que tinha acessos aos documentos de IRS e outros, que estavam arquivados, pelo que, na sua versão, os documentos que foram juntos à proposta de crédito, aprovada, foram obtidos por essa via, e não com o seu consentimento.

16.          As declarações prestadas pelo filho e pela empregada ... dos autores revelam que a filha EE, nesta data 2008, nunca ou muito raramente lá ia.

17.          A conta foi aberta com data de 17.06.2008, o pedido de concessão de crédito tem a data de 18.06.2008 e foi aprovado em 23.06.2008 e de imediato disponibilizado o respetivo valor para a conta em questão, com data valor desse mesmo dia.

18.          Os movimentos que foram feitos na conta, nomeadamente para pagamento de uma quantia avultada ao ex marido da Ré EE - FF - não provocaram nenhum saldo devedor na conta, uma vez que, sendo a data valor do crédito o dia 23.06, todos os movimentos feitos a partir desse dia são regularizados automaticamente.

19.          FF foi ouvido no processo crime (certidão aqui junta) e confirmou as declarações feitas pela Ré EE, quanto ao pagamento das tornas e da sua ida a ....

20.          Também foi efetuado um outro relatório pericial, no âmbito da ação executiva interposta pelo Banco contra os Autores e a EE, e esse relatório, obtido já depois do encerramento da discussão neste processo, vem confirmar que as assinaturas apostas nos dois contratos e na livrança têm uma probabilidade superior a 95 % de serem do punho dos Autores.

21.          O Réu Banco vem requerer a junção aos autos, nesta fase, desse relatório, ao abrigo do disposto no artigo 425º do CPC.

22.          Requer, igualmente, a apreciação e valoração destes dois relatórios, o elaborado pela Polícia Científica no âmbito do processo crime e este, efetuado mais recentemente, no âmbito da ação executiva, por entidade igualmente credenciada, ao abrigo do disposto no artigo 421º do CPC.

23.          Em ambos, não fica excluída a possibilidade da assinatura aposta naqueles dois contratos ser dos Autores.

24.          O que contraria a decisão agora proferida, que considera, para além do mais, que a prova pericial, embora prova por excelência para verificar a autenticidade de uma assinatura, pode ser afastada pela convicção formada pelo Tribunal, por outros elementos probatórios, que entendeu ser o caso dos autos.

25.          Esses outros elementos probatórios consistiram na prova por declarações de parte prestada pelo Autor.

26.          Também de realçar, como prova importante, quanto ao facto provado nº 4, e no sentido da sua não verificação, que os comprovativos dos recibos de ordenado dos Autores, necessários à instrução do processo de concessão de crédito, foram enviados por fax, no dia 17.06.2008, da Escola de Futebol de ..., conforme documento junto aos autos pelo Réu. E GG, testemunha nos autos e filho dos autores, jogava futebol nessa escola.

27.          Quanto ao facto provado nº 13, não ficou provado nos autos que apenas no ano de 2013, os Autores tivessem tomado conhecimento da existência da abertura de conta e do contrato de crédito, até porque a abordagem que nessa data lhes foi feita por um colaborador externo do Banco, que deixou uns avisos na sua caixa de correio e os contactou por telefone e pessoalmente, tinha a ver com um saldo devedor/descoberto em conta, provocado pelo não pagamento de uns seguros, relacionados com o crédito à habitação/hipotecário que tinham contraído, e não com esta dívida em concreto.

28. Também esse facto não deve ser dado por verificado, devendo passar a não provado.

29.Relativamente aos factos provados sob os nºs 16, 17 e 18, devem os mesmos ser dados como não provados, uma vez que nenhuma prova sobre eles foi produzida, para além das declarações de parte do Autor e daquilo a que o Tribunal considerou “as regras da experiência”.

30. No seu depoimento o Autor fez, até, uma declaração que pode indiciar o contrário do que consta do facto provado 17, uma vez que declarou ter sido fiador, em conjunto com a sua mulher, dos imóveis adquiridos pelos seus filhos, desconhecendo as datas desses negócios, muito embora o incumprimento do crédito objeto da presente ação datasse de 2013 e o filho ainda fosse menor em 2008.

31. Ao dar como não provados tais factos, a obrigação de indemnizar os autores em danos não patrimoniais, pela quantia de € 2.000,00 também não se verifica, pelo que dela deve o Banco ser absolvido.

32. O mesmo se passa em relação à responsabilidade civil obrigacional do Réu, em virtude da violação de deveres de boa-fé nos atos preparatórios tendentes à celebração do contrato, pois a correta interpretação das provas produzidas, dos depoimentos prestados e sobretudo do resultado das duas perícias efetuadas, aponta para que a assinatura aposta naqueles contratos foi feita pelo punho dos Autores, que à época quiseram ajudar a filha a pagar as tornas ao ex-marido, e assinaram os contratos com ela, ficando até a transferir para aquela conta um valor mensal que se aproxima do valor da prestação do empréstimo.

33. E o facto de terem entrado em litígio com a filha, por causa da neta, é que veio gerar toda esta reviravolta.

34. Para além de que a filha EE tem em seu poder, e foi admitida tal prova pelo Tribunal, ficando nos autos, uma mensagem de telemóvel, que lhe foi enviada em 21 de Janeiro de 2014 pelo Pai, e que refere “Olá Filhota, o empréstimo que o BPI fez no teu nome e também pôs os nossos nomes é falso e nulo nos termos da lei que estava em vigor, pelo que não te podem obrigar a pagar o que querem. Se quiseres saber porque é que é falso e nulo para te defenderes, marca uma data para podermos falar. Beijinhos para ti e para a Princesa”.»

Analisando.

O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do NCPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor) e de 15 de

Novembro de 2012 da ora Relatora, in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 782º, nº3 do NCPCivil.

Decorre do disposto no artigo 607º do NCPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.

Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.

Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

In casu, os ora Recorrentes insurgem-se contra a alteração da matéria factual efectuada pelo Tribunal da Relação em sede de impugnação recursiva, a respeito, encetada pelo Réu BPI.

O normativo processual a que alude o artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil dispõe o seguinte «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impunham decisão sobre pontos de matéria de facto impugnados diversa da ocorrida.».

Conforme deflui do artigo 662º, nº1 do CPCivil a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

No caso sujeito, o aqui Recorrido BPI, impugnou expressamente determinada matéria factual que no seu entender, face aos depoimentos prestados por vários intervenientes que identificou, indicando as passagens em que baseou a sua discordância, concluindo que deveria ter merecido resposta diversa da obtida, vg os pontos 4., 13., 16., 17. e 18., o que, a ser deferido, conduziria, como condizu, a uma solução jurídica diversa da propugnada pelo primeiro grau.

A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, cfr neste sentido inter alia o Ac STJ de 24 de Setembro de 2013 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.

Com efeito, embora não se tratando de um segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, mas não limita o segundo grau de sobre tais desconformidades previamente apontadas pelas partes, se pronuncie, enunciando a sua própria convicção, não estando, de todo em todo, limitada por aquela primeira abordagem pois não podemos ignorar que no processo civil impera o principio da livre apreciação da prova, cfr artigo 607º, nº5 do NCPCivil (anterior artigo 655º, nº1), cfr Ac STJ de 28 de Maio de 2009 (Relator Santos Bernardino), de 2 de Dezembro de 2013 e 24 de Fevereiro de 2015, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

O Réu, Apelante, aqui Recorrido, no recurso interposto em segundo grau, atacou a matéria de facto dada como assente em primeira instância, o que decorre inequivocamente das conclusões que supra extractamos, sendo que as mesmas não foram, como deveriam ter sido, devidamente apreciadas, o que decorre vítreo da fundamentação encetada no Aresto impugnado, quando a propósito se limita a dizer «Impugna, a tal respeito, o apelante, sustentando deverem ser considerados não provados, os factos 4, 13, 16, 17e 18 da matéria provada. Decorre da análise da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto que, no tocante a tais pontos, assentou essencialmente a mesma nas declarações prestadas, em sede de audiência de julgamento, pelo A., ora apelado. Entende-se, todavia que, atento o óbvio interesse do declarante na decisão da causa, se mostram aquelas claramente insuficientes, tendo em vista a prova de qualquer dos factos impugnados. A tal acrescendo, no que respeita ao aludido ponto 4 que, não tendo sido produzida, nestes autos, prova pericial, resulta da efectuada, nomeadamente, no âmbito do processo criminal (ponto 19 da matéria provada), não ter sido apurada a alegada falsificação das assinaturas atribuídas aos ora apelados. E, bem assim que, achando-se o facto contido no ponto 16 (inserção do nome dos AA. na Centra! de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal) dependente de prova documental, daquele constitui o teor do ponto 17 mera decorrência. Em tais termos, se decide, na ausência de outros meios probatórios, alterar a matéria de facto dada como provada -julgando, na sua totalidade, não provados os questionados pontos 4, 13, 16, 17 e 18.».

A segunda reapreciação de prova que foi feita, que constitui hoje em dia mais do que um ónus, um poder/dever imposto pela amplitude do preceituado no artigo 662º, nº1 e 2 do CPCivil, o que se mostra de todo em todo omitido, situação esta que decorre sem qualquer dúvida da deficiente, ou práticamente inexistente, fundamentação das alterações efectuadas, a qual se limitou a julgar insuficientes as justificações do primeiro grau para julgar como provados os factos, daí retirando o seu contrário, isto é, declarando os pontos de facto  4, 13, 16, 17 e 18, não provados.

Essa displicência omissiva na elaboração de uma argumentação tendente a sustentar a alteração da materialidade factual posta em crise, com recurso às provas indicadas pelo Recorrente, aqui Recorrido BPI, conduz inexoravalemente à ocorrência da nulidade a que alude a alínea b) do nº1 do artigo 615º, pois não se encontram devidamente especificados os fundamentos de facto em que assentou a decisão, os quais terão de ser necessariamente eivados da mesma amplitude imposta à primeira instância, atentos os poderes deveres que impendem hoje em dia sobre o segundo grau, como decorre do nº1 do artigo 662º do CPCivil, onde se estipula «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.», sendo certo que o segundo grau só poderia ter chegado a esta conclusão, após a análise aturada da prova produzida, o que não foi feito.

 A mera constatação deste vício, tolda a imediata apreciação do fundo da questão, a qual por ora fica prejudicada, na medida em que está dependente da subsunção jurídica da factualidade questionada. 

Procedem, assim, as conclusões quanto a este particular.

III Destarte, concede-se parcial provimento à Revista, anulando-se o Acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que reaprecie a matéria de facto posta em crise em sede de recurso de Apelação, no estrito cumprimento do preceituado no artigo 662º, nº1 do CPCivil, fazendo subsequentemente aplicar o direito à materialidade apurada.

Custas pelo Recorrido.

Lisboa, 13 de outubro de 2020

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho 

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).