Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27/04.3GBTMC.S2
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
CULPA
PENA DE PRISÃO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410º, Nº 2, A), E 426º, NºS 1 E 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 72º, Nº 1.
DL N.º 401/82, DE 23-9: - ARTIGO 4º.
Sumário : I - São dois os requisitos para a atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, no caso de ser aplicável pena de prisão. Um de natureza formal: ter o agente entre 16 e 21 anos de idade, exclusive, à data dos factos; outro material: haver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado.
II - Este segundo requisito é de natureza diferente, e mais flexível, do que o previsto no art. 72.º, n.º 1, do CP, que impõe, como condição da atenuação especial, uma diminuição acentuada da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena.
III - Ou seja, para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4.º do DL 401/82 basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime específico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões da ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas. Por isso, sempre que se prove a vantagem da atenuação especial da pena para a ressocialização do jovem condenado, aquela atenuação não pode ser denegada com base em considerações de prevenção geral ou de retribuição
IV - A leitura da fundamentação constante do acórdão recorrido revela de imediato que foram considerações de ilicitude e de culpa, melhor, de ausência de diminuição acentuada da ilicitude e da culpa que determinaram a recusa da aplicação da atenuação especial. Contudo, se essas razões seriam válidas à luz do art. 72.º do CP, já o não são face ao disposto no art. 4.º do DL 401/82, que apenas exige a demonstração da vantagem da atenuação especial para a ressocialização.
V - Para fazer essa avaliação, deveria o tribunal recorrido ter considerado a personalidade global da arguida, que não apenas o comportamento referente aos factos e o mantido em julgamento, assim como deveria ter considerado o seu comportamentos posterior, que se afigura relevante, já que a recorrente se encontra em liberdade há mais de 4 anos.
VI - Há, pois, que apurar, pelo meio que for entendido necessário, qual o comportamento da recorrente nos últimos 4 anos, ou seja, a que se tem dedicado, de que tem vivido, se se tem comportado de acordo com o direito, factos estes que serão essenciais para a decisão relativa à aplicação do art. 4.º do DL 401/82 .
VII - Nestes termos, a decisão recorrida é parcialmente nula, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. RELATÓRIO

AA com os sinais dos autos, foi condenada pelo Tribunal Colectivo de Torre de Moncorvo, por acórdão de 16.7.2007, como co-autora material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Foram ainda julgados e condenados vários outros arguidos, entre os quais BB, co-autor do crime imputado à recorrente, que foi condenado na pena de 5 anos e 4 meses de prisão.
Desse acórdão interpôs a arguida recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 8.10.2008, confirmou integralmente a decisão recorrida.
Novamente inconformada, recorreu a arguida para este Supremo Tribunal. Por acórdão de 23.9.2009, foi decidido anular o acórdão recorrido quanto à pena aplicada, por não ter conhecido da aplicação do DL nº 401/82, de 23-9 (Regime Especial para Jovens Delinquentes), considerando-se prejudicada a questão suscitada sobre a suspensão da pena.
Remetidos os autos à Relação do Porto, esta, por acórdão de 25.11.2009, depois de apreciar a aplicabilidade daquele diploma e a eventual suspensão da pena, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão da 1ª instância.
Desse acórdão recorre de novo a arguida para este Supremo Tribunal, concluindo assim a sua motivação:

I - Por douto Acórdão, foi a arguida, AA condenada pela prática em co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21° do DL 15/93, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
II - Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, foi doutamente decidido declarar nulo o Acórdão recorrido quanto à pena aplicada, na medida em que não havia sido conhecido, nem apresentada qualquer fundamentação do não conhecimento e da não aplicação do Decreto-Lei n° 401/82 de 23 de Setembro.
III - Reenviados os autos para o Tribunal da Relação do Porto, o mesmo julgou improcedente o recurso e em consequência confirmou o Acórdão recorrido.
IV - A questão a analisar pelo Tribunal da Relação, consistia no facto de não ter conhecido e decidido sobre a aplicabilidade à recorrente, à data dos factos menor de 21 anos, da aplicação do Decreto-Lei n°401/82 de 23 de Setembro – regime especial dos jovens delinquentes.
V - Questão que igualmente não foi apreciada no acórdão do Tribunal Colectivo de 1ª Instancia, a quem, salvo o devido respeito, competia, acreditamos que por mero lapso, pois tal questão foi apreciada em relação a outros arguidos no âmbito dos presentes autos.
VI - Nos termos do disposto no n° 2 do art. 379° do CPP, “As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las…2”. Sendo certo que esse poder, no que concerne ao tribunal de recurso, só pode ser exercido negativamente, ou seja, quando o suprimento da nulidade passe apenas pela supressão de excrescências que não deviam ter sido feitas constar da decisão recorrida,
VII – E já não quanto aos casos, como o presente, em que ocorreu uma omissão de pronúncia, pois nestes o suprimento da nulidade implicaria que o tribunal de recurso não se limitasse a alterar o sentido da decisão já proferida, antes tivesse de proferir uma decisão ex novo, sobre a questão que antes nunca havia sido apreciada, e dessa forma, suprimindo um grau de jurisdição, violando a norma constitucionalmente garantida contida no n°1 do art. 32º da CRP.
VIII - Porque se trata de questões específicas que aquele devia ter oportunidade de abordar e decidir, pois que é o tribunal de 1ª instância que está em melhores condições de fundamentar a aplicação ou não do regime penal especial dos jovens adultos, porque mais próximo, e neste caso, passados quase 5 anos, relativamente à recorrente só o tribunal de 1ª instância e agora após ordenar novo relatório social ao I.R.S., para se averiguar das condições de vida actuais da recorrente e suprir a nulidade detectada que só a ele lhe compete, haverá que ordenar o reenvio do processo para o tribunal de 1ª instância. Caso contrário ficará para sempre prejudicado o conhecimento do que vem alegado no que respeita à medida concreta em que a pena havia sido fixada.
IX - Em sentido diverso, entendemos, à semelhança do que defende alguma jurisprudência que a perspectiva a enfatizar deverá ser a da ressocialização, sendo que o fundamento legítimo para recusar a aplicação do regime especial deverá ser a da inexistência de vantagens para a reinserção social da recorrente, pois que foi esse o pensamento que esteve na mente do legislador quando da feitura do Decreto-lei, por forma a proteger os jovens menores de 21 anos.
X - O comportamento da recorrente insere-se, como tem sido denominado em doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de um “mero auxílio” ao crime, praticado pelo seu marido BB, e não de co-autoria.
XI - Atendendo à idade da recorrente, à data com 19 anos de idade, muito jovem, o período de tempo relativamente curto em que praticou os factos – Maio de 2005 a Janeiro de 2006 – um episódio esporádico, ocasional e infeliz na sua vida, e de que está profundamente arrependida, o facto de a ameaça de condenação de pena efectiva, teve profundos reflexos sobre o seu comportamento futuro, regendo a sua actual conduta em estrito cumprimento com o Direito, trabalhando diariamente em feiras em Mirandela e nas imediações, e com dois filhos menores, um deles com meses.
XII - Mesmo se condenada pelo artigo 21° n° 1 do DL 15/93, em pena de 4 anos e 6 meses de prisão, salvo o devido respeito, deverá haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50º nº 1 do C. Penal).
XIII - A suspensão da execução da pena não colide de forma alguma com o conteúdo mínimo da tutela dos bens jurídicos, uma vez que a ameaça de prisão que recai sobre a arguida é suficiente para acautelar as expectativas da comunidade no sistema jurídico penal vigente.
XIV - Não se afigura conveniente integrar a arguida AA no meio prisional, meio esse por muitos caracterizado como uma escola do crime, e por este não se revelar necessário nem conveniente a sua ressocialização.

O sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação rebateu a argumentação da recorrente, pedindo a confirmação do acórdão recorrido.
Realizou-se a audiência de julgamento, tendo a defesa da recorrida reiterado a sua motivação e o sr. Procurador-Geral Adjunto defendido o não provimento do recurso.
Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

Nas conclusões da sua motivação, a recorrente retoma a questão da qualificação dos factos como cumplicidade, e não como co-autoria (ponto X).
Contudo, essa questão foi apreciada e julgada no acórdão deste Supremo Tribunal de 23.9.2009 (ver fls. 2975-2977), estando transitada consequentemente essa decisão.
Duas são as questões a apreciar:
a) Aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes;
b) Suspensão da pena aplicada.

O conhecimento destas questões impõe a análise da matéria de facto, que se transcreve, na parte pertinente:

1. Os arguidos BB, AA, CC, vulgo “Jaime”, DD, vulgo “Toju”, EE, FF, GG, vulgo “Brox” e HH desenvolveram uma actividade de tráfico de substâncias estupefacientes. II prestava auxílio ao companheiro CC, atendendo, por vezes, as chamadas telefónicas feitas por consumidores e passando-as ao companheiro CC, ou por vezes transmitindo-lhe os recados dos consumidores ou anotando os locais de encontro, e acompanhando, algumas vezes, o companheiro aquando das vendas de substâncias estupefacientes.
2. O casal BB e AA desde, pelo menos, início de Maio de 2005 e até 24 de Janeiro de 2006, data em que foram detidos, dedicou-se à venda a troco de dinheiro de heroína e de cocaína, directamente a consumidores que os procuravam, e “distribuidores” que, por sua vez, vendiam nas zonas de Torre de Moncorvo e localidades limítrofes.
3. Entre os seus “distribuidores” encontravam-se os arguidos, CC, DD, EE, FF, GG e HH.
Para além destes, os arguidos BB e AA também utilizaram, como distribuidores, um tal JJ e um tal LL.
4. O casal BB e AA cedia ainda, a troco de dinheiro, heroína e cocaína ao arguido MM, irmão do arguido BB, vulgarmente conhecido por “Calista”.
5. Era o arguido BB quem, em regra, adquiria a heroína e a cocaína, sempre com conhecimento da arguida AA a qual, porém e por vezes, também participava activamente em tal aquisição, designadamente, contactando o fornecedor.
Posteriormente, com a colaboração da AA, o BB preparava esse produto estupefaciente procedendo ao corte e divisão em doses, para posterior venda, quer por intermédio dos distribuidores, quer directamente aos consumidores, na maior parte das vezes mediante contacto telefónico prévio.
6. Quando contactado telefonicamente, para os telemóveis com os números --------- e ---------, o arguido BB utilizava um código pré-estabelecido com os seus “clientes”. Designadamente, utilizava os termos “branca” e “castanha” para designar cocaína e a heroína, palavras “T’shirts”, “calças”, “pneus” e “camisolas”, entre outras, seguido de um algarismo para indicar a quantidade e o tipo de substância estupefaciente pretendida.
7. Quando o arguido BB não estava ou não podia atender o telefone, a arguida AA atendia o telefone, registava os pedidos, combinava os locais de entrega e por vezes encaminhava os consumidores para um dos distribuidores do casal.
Várias vezes a arguida AA acompanhou o arguido BB nas entregas, sobretudo as feitas ao arguido CC “Jaime”.
(…)
26. Os arguidos BB e AA também vendiam algumas vezes heroína e cocaína ao arguido GG, vulgo “Brox”, para consumo deste.
Porém, a partir de, pelo menos, final de Novembro de 2005 e até, pelo menos meados de Dezembro de 2005, os arguidos BB e AA passaram a vender heroína, varias vezes, pelo menos 8, aos arguidos GG, vulgo “Brox” e HH, para estes, em conjugação de esforços, a revenderem, a troco de dinheiro, a consumidores na imediação de bares e da igreja de Torre de Moncorvo, retendo uma percentagem do produto para consumo próprio.
27. Para além da venda através dos distribuidores, e pelo menos desde início de Maio de 2005 até 24 de Janeiro de 2006, data em que foram detidos, os arguidos BB e AA dedicaram-se ainda, em conjugação de esforços e de vontades, à venda de heroína e cocaína directamente a diversas pessoas, designadamente, a:
- NN, entre, pelo menos, Outubro de 2005 até final de 005, e pelo menos duas vezes por semana, heroína e cocaína, respectivamente, a € 40 e € 60 cada grama ou, quando apenas lhe vendiam meia grama, a 20 € a de heroína e a 30 € a de cocaína, sendo mais numerosas as vendas de heroína;
- OO, em data e quantidade não concretamente determinadas, mas pelo menos uma vez, heroína ou cocaína;
- PP, por uma vez, no dia 24/12/05, quatro gramas de cocaína;
- Paulo Jorge Caleijão Braga, pelo menos, nos dias 25/10/05, 8 doses de heroína, e 27/10/05, 4 doses.
(…)
34. Os arguidos BB, AA e CC, este auxiliado pela companheira II, venderam assim habitualmente e de forma profissional, heroína, substância que faz parte da tabela I – A anexa ao D.L. n ° 15/93 de 22 de Janeiro.
35. Os arguidos BB e AA Amaral Costa vendiam igualmente cocaína, substância que integra a tabela I – B anexa ao mesmo diploma legal.
36. Os arguidos BB e AA exerciam também a actividade de feirantes.
(…)
38. No exercício da actividade de venda de produto estupefacientes os arguidos, BB e AA utilizaram os veículos automóveis de matrícula ...-...-ZP, marca A..., e ...-AJ-..., marca V..., apreendidos à ordem destes autos.
(…)
40. No dia 24 de Janeiro de 2006, pelas 18 h, em cumprimento de mandado de busca apreensão emitido no âmbito destes autos a residência dos arguidos BB e AA, fora: encontrados:
A) Na cozinha;
a) 5 embrulhos com o peso total de 19,265g, contendo 17,997g de heroína;
b) 1 par de argolas em ouro que se encontrava numa gaveta do móvel da televisão;
c) 1 anel em ouro que se encontrava na floreira;
d) 1 pulseira em ouro que se encontrava numa gaveta do armário da cozinha;
e) 1 telemóvel de marca SAGEM, que se encontrava num móvel pequeno;
f) 4 cartuchos de calibre 12mm, cor preta, de marca “GLOBALSH0T.COM”, que se encontravam numa cesta em cima de um móvel;
g) 1 telemóvel marca SONY ERIKSON, preto e cinzento;
h) 1 telemóvel de marca SAGEM, cinzento e respectivo carregador que se encontrava no sofá;
i) 1 carregador de telemóvel de isqueiro auto que se encontrava na cesta supra referida;
j) 1 papel manuscrito com o número --------- e o nome Barbosa;
k) 1 cartão de carregamento de telemóvel com o PIN n.° ---- e com o n.° de telemóvel ---------;
l) 1 telemóvel de marca NOKIA 1100, cinzento e azul;
B) Quarto n.° 1
a) 1 espingarda de caça, semi automática, de calibre 12mm, de marca FABARM, com o n° inscrito na coronha -------; modelo Lion H367, com um cano de 61 cm de comprimento, de alma lisa, com o n° -------- inscrito no cano, equipada com “mira telescópica” mecanismo de fíxação de alvo equipada com laser, preta, com o gatilho cromado em dourado, e respectivo livrete, com o n.° N------, emitido em 18.10.2005 pelo Comando-Geral da PSP;
b) 1 pistola semi-automática, calibre 9 mm, de marca ASTRA”GERNÍKA SPAIN, modelo A-100, sem número, uma vez que este foi rasurado, munida de 2 carregadores, com capacidade para serem municiados cada um com 17 munições, cada, de cor prateada e platinas pretas;
c) 1 Porta-chaves com uma chave de um veículo de marca O...;
d) 2 cadernetas da Caixa Geral de Depósitos, uma em nome de AA e a outra em nome de BB, que se encontravam numa bolsa;
e) 5 cheques da Caixa Geral de Depósitos, em nome de AA, que se encontravam na mesma bolsa;
f) 1 auto rádio de marca Cobra, modelo FD-9270, que se encontrava no chão;
g) 1 auto rádio de marca Sony que se encontrava no chão;
h) 3 comprimidos de nimesulida;
i) 1 vídeo de marca Philips, modelo CDl65/00, que se encontrava no chão;
C) Quarto n.° 2
a) 1 máquina de filmar de marca Sony, modelo DCR-DVD91E, lilás, com alça cinzenta, que se encontrava na segunda gaveta da mesa de cabeceira do lado esquerdo;
b) 1 máquina fotográfica de marca Sony, modelo DSC-P52, cinzenta, com o respectivo cartão, que se encontrava na mesma mesa-de-cabeceira;
c) 1 carteira de senhora contento no seu interior um relógio em ouro, com marca ilegível, com a referencia 123753;
d) 1 gargantilha em ouro, com 6 rectângulos, cada um com 3 pedras brilhantes; i) 1 pulseira em ouro, 3 por 1;
f) 1 pulseira de malha grossa em ouro;
g) 1 pulseira em ouro, anelada, com fecho travessão;
h) 1 pulseira em ouro, em aro;
i) 1 pulseira em ouro, fina, com 1 medalha com a inscrição “lembrança de avós”;
j) 1 par de brincos, em ouro, de modelo meia-lua, com filamentos entrelaçados;
l) 1 anel em ouro, com a imagem gravada de mãe e filho;
m) 1 medalha em ouro, com formato de cisne;
n) € 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros) em notas e € 1,55 (um euros e cinquenta e cinco cêntimos) em moedas;
o) 1 caixa quadrada em madeira, com a inscrição Seiko, contendo no seu interior: 1 colar, em ouro, em malha grossa, 1 medalha em ouro, em forma de estrela com a seguinte inscrição: “Estados Unidos Mexicanos”, 1 gargantilha em ouro, com uma medalha estampada no centro e 1 pulseira em ouro de bebé.
D) Na sala de música:
a) 1 auto rádio leitor de CD, de marca Kenwood, modelo KVT-725DVD-B, que se encontrava na gaveta de um móvel:
b) 2 carregadores de pistola vazios, na mesma gaveta;
E) No veículo de matrícula ...-...-ZP:
a) 1 telemóvel de marca Nokia 6600, preto e cinzento;
F) No veículo de matrícula ...-A3-...:
a) 1 telemóvel de marca Alcatel, cinzento.
(…)
47. Dos objectos apreendidos e descritos em 40 a 46, foram utilizados na actividade de venda le produtos estupefacientes que os arguidos prosseguiam, os descritos em: 40: A): a), e), h), i), n); E): a); F): a);
(…)
66. Os arguidos BB e AA vivem maritalmente, sendo casados segundo as leis da etnia cigana, há cerca de 5 anos, tendo a seu cargo uma filha de tenra idade.
67. Fazem as feiras da região e são tidos como pessoas educadas e que gozam de razoável nível económico, sendo de condição social humilde, o BB.
(…)
78. A arguida AA foi condenada por sentença de 30/3/04, em admoestação, pela prática do crime de detenção ilegal de arma de defesa.

Aplicação do Regime Especial para Jovens

O art. 4º do DL nº 401/82, de 23-9, aplicável aos agentes que, à data dos factos, tenham entre 16 e 21 anos de idade, estabelece: “Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.° e 74° [hoje 72.º e 73.º] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”
Assim, são dois são os requisitos para a atenuação especial da pena ao abrigo do regime, no caso de ser aplicável pena de prisão. Um de natureza formal: ter o agente entre 16 e 21 anos de idade à data dos factos; outro material: haver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do condenado.
Este segundo requisito é de natureza diferente, e mais flexível, do que o previsto no art. 72º, nº 1 do Código Penal (CP), que impõe, como condição da atenuação especial, uma diminuição acentuada da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena.
Ou seja, para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4º do DL nº 401/82 basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime específico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões da ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas.
Por isso, sempre se prove a vantagem da atenuação da pena para a ressocialização do jovem condenado, aquela atenuação não pode ser denegada com base em considerações de prevenção geral ou de retribuição.
Definido, assim, o quadro legal da atenuação especial prevista no art. 4º do DL nº 401/82, importa agora apurar se, no caso, se verifica o condicionalismo legal.
O acórdão recorrido recusou a aplicação da atenuação especial com os fundamentos seguintes:

E ponderados os fados apurados, e tendo em conta os itens supra mencionados, desde a gravidade dos factos (punidos pela lei de 4 a 12 anos de prisão), o seu elevado grau de ilicitude, a sua enorme danosidade social, traduzidas na quantidade e qualidade de droga distribuída – heroína e cocaína, venda a vários distribuidores, 5gr. de cada vez 2 a 3 vezes por semana, e a consumidores individuais, durante cerca de 9 meses, agindo o casal em sintonia e conjuntamente (comprando, preparando – corte da droga e divisão – e vendendo), o modo de execução – utilizando os telemóveis e 2 veículos e através de distribuidores de rua, num crescendo permanente de actividade (que se não fora a sua interrupção pela autoridade policial continuaria), do qual a codificação da linguagem usada é um índice; aliado à culpa grave traduzida no dolo directo, visando o lucro fácil, base da sua motivação e acção (cada dose era ao consumidor final vendida a 10.00€, o que implica a venda da grama a retalho a 100,00€), à custa da saúde dos consumidores, bem jurídico protegido pela incriminação, a par da saúde publica em geral - emergente da actividade; e tendo em conta a conduta anterior da arguida que já sofrera condenação por detenção ilegal de arma, e estar em causa o crime de tráfico de droga (e esta continua a ser a 1ª preocupação da sociedade actual) exigindo por isso a sociedade uma permanente acção e vigilância, conducente a um reforço das medidas repressivas e das penas, e se a estes factos juntarmos como devemos a conduta processual da arguida que não prestou declarações, não assumindo os factos e logo não se pode falar em arrependimento (que constitui quase condição sine qua non) e uma vontade de mudar vida (deixando de traficar droga), que a mesma não é consumidora e logo o fim visado é o lucro através da mal dos seus concidadãos e da sociedade, e ainda que não estamos perante uma qualquer jovem, mas uma jovem que desde os 16 anos (vivia há 5 anos maritalmente com o co-arguido) se comporta como uma adulta (constituindo uma família) e sendo o tráfico em apreço praticado por si e seu companheiro, a que se juntava o seu “cunhado” Calista, verifica-se que a arguida não tem condições nem capacidade para se reintegrar na sociedade, deixando de praticar crimes, e por isso não é possível emitir num juízo de prognose favorável à reinserção da jovem, tendo em consideração a globalidade da sua conduta, personalidade e as suas capacidades de integração, factores em que assenta a atenuação especial do art° do DL 401/82, como mencionado supra, não sendo elencadas nenhumas razões para acreditar que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social da arguida com vista ao não cometimento de novos crimes.

A leitura desta fundamentação revela de imediato que foram considerações de ilicitude e de culpa, melhor, de ausência de diminuição acentuada da ilicitude e da culpa que determinaram a recusa da aplicação da atenuação especial.
Contudo, se essas razões seriam válidas à luz do art. 72º do CP, já o não são face ao disposto no art. 4º do DL nº 401/82, que apenas exige, como se acentuou atrás, a demonstração da vantagem da atenuação para a ressocialização.
Para fazer essa avaliação, deveria o tribunal recorrido ter considerado a personalidade global da arguida, que não apenas o comportamento referente aos factos e o mantido em julgamento, assim como deveria ter considerado o seu comportamento posterior, que se afigura relevante, já que a recorrente se encontra em liberdade desde 26.4.2006, ou seja, há mais de quatro anos.
Ora, da factualidade constante do acórdão condenatório apenas resulta que a recorrente é casada com o arguido BB, segundo as leis da etnia cigana, que tem uma filha de tenra idade, que faz as feiras da região e que é tida, tal como o companheiro como pessoa educada, gozando de razoável nível económico; e ainda que já foi condenada em pena de admoestação por detenção ilegal de arma de defesa.
Ignora-se totalmente, como já se referiu, qual o seu comportamento desde que, em 26.4.2006, foi colocada em liberdade.
Há, pois, que apurar, pelo meio que for entendido necessário, qual o comportamento da recorrente nos últimos quatro anos, ou seja, a que se tem dedicado, de que tem vivido, se se tem comportado de acordo com o direito, factos estes que serão essenciais para a decisão relativa à aplicação do art. 4º do DL nº 401/82.
Nestes termos, a decisão recorrida é parcialmente nula, nos termos do art. 410º, nº 2, a) do Código de Processo Penal (CPP).
Fica prejudicada, assim, a questão da suspensão da pena aplicada.




III. DECISÃO

Com base no exposto, concedendo-se provimento parcial ao recurso, anula-se o acórdão recorrido, ao abrigo do art. 410º, nº 2, a) do CPP, determinando-se o reenvio do processo à Relação para novo julgamento, nos termos do art. 426º, nºs 1 e 2 do CPP, reenvio restrito ao apuramento dos factos referentes à personalidade da recorrente e à sua situação posterior à libertação, que habilitem o tribunal a decidir sobre a eventual aplicação do art. 4º do DL nº 401/82.
Sem custas.
Honorários de tabela.
*
Supremo Tribunal de Justiça,
Lisboa, 2 de Junho de 2010.
Maia Costa (Relator)
Fernando Fróis