Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B980
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
REGISTO PREDIAL
DEFESA POR EXCEPÇÃO
Nº do Documento: SJ200504270009807
Data do Acordão: 04/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1853/04
Data: 10/26/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Na acção de reivindicação, cabe aos AA. alegar e demonstrar que são donos das parcelas reivindicadas, estando o R. na posse delas sem título.
2. E se as mesmas estão registadas a favor do R., aquele ónus deve reportar-se à data em que se propõe a acção, por forma a ilidir a presunção derivada do registo.
3. A diferença entre defesa por impugnação e por excepção é que aquela é uma defesa directa quer por negação quer pela apresentação de uma versão diferente da dos AA., não podendo coexistir com a destes ou, coexistindo, torna-a inidónea para a pretensão por eles formulada.
4. Assim, de acordo com o ónus da alegação e da prova, e considerando o disposto no art. 511 do CPC, a matéria da defesa de natureza impugnativa não tem que ser inserida na base instrutória.
5. É o caso de o R. se limitar a impugnar os factos alegados pelos AA., invocando em seu benefício a presunção derivada do registo.
6. Se o R. adquiriu o seu direito do titular inscrito no registo e, após a compra e venda, registou essa aquisição, este registo está em conformidade com o acto primeiramente registado, a presunção do registo deve garantir o R., que confiou no registo, contra a invocação de actos posteriores e, também anteriores, à sua aquisição mas não registados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -


I. Relatório

a. A e outros, como herdeiros de B e

b. C e outros, na qualidade de herdeiros de D e de E, intentaram contra o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) que, por seu turno, chamou à autoria F acção com processo comum, sob a forma ordinária

pedindo a condenação da R.

. a reconhecer que as parcelas "A" e "B", identificadas no item 15 da P.I. são prédios autónomos e a desintegrar do prédio por si adquirido e melhor identificado no item 1.º da P.I.;

. reconhecer o direito de propriedade da parcela "A" aos AA. identificados na P.I. pela letra "A" - G; A; H e I; da parcela "B" aos AA. identificados pela letra "B" - J; K; L; M; N; O; P e Q, respectivamente;

. Entregar, respectivamente, aos AA. mencionados na alínea anterior os imóveis objecto desta acção de reivindicação, ou, em alternativa,

. Entregar aos AA. o valor global de 3.657.500$00, por tanto ser o quantitativo correspondente aos hectares pertencentes aos AA. e que foram comprados pelo R., na base de 95.000$00/hectare.

Os RR. contestaram por impugnação.

Efectuado o julgamento, foi a acção julgada procedente, declarando-se como sendo dos respectivos AA. as parcelas mencionadas e condenando-se o R. a entregar-lhas.

Apelaram os RR., tendo o Acórdão da Relação revogado a sentença e julgado improcedente a acção, absolvendo o R. do pedido.

Inconformados agora os AA. interpuseram recurso de revista, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1ª - Em acção de reivindicação impende sobre os Autores o ónus de alegar e provar os factos essenciais à procedência da acção e aos Réus o ónus de alegar e provar a matéria de excepção e a factualidade necessária à procedência da Reconvenção, se a houver;

2ª - Provando-se que os Autores exerceram posse titulada sobre dois prédios desde 1925 até finais da década de 70, com os caracteres, corpus et animus, correspondentes ao direito de propriedade, gozam da presunção da titularidade do direito;

3ª - Cabia aos Réus alegar e provar o exercício de actos materiais e concretos de posse sobre os prédios que os Autores possuíram até, pelo menos, finais da década de 70. Não o tendo feito, há-de proceder o pedido deduzido contra os Réus para que sejam estes condenados a reconhecer que os Prédios lhes pertencem;

4ª - Em qualquer caso, provando-se que os Autores praticaram actos de posse até, pelo menos, finais da década de 70 e que os Réus vendedores não praticaram actos de posse sobre esses prédios, nem demonstraram tê-lo adquirido a qualquer título, não podiam transmitir ao Réu comprador a propriedade nem a posse (que nunca exerceram);

5ª - O facto de os Autores não lograrem provar a prática de actos de posse sobre os prédios durante cerca de 12 anos (entre finais da década de 70 e 1992) não faz subsumir, de per si, a perda da posse, nem da sua conservação, nem a respectiva aquisição pelos Réus;

6ª - O início da posse faz presumir a sua continuação e, presumindo-se a posse dos Autores sobre os prédios, igualmente se presume que gozam da titularidade do direito de propriedade;

7ª - Esta presunção decorrente da posse dos Autores só pode ser ilidida por presunção fundada em registo anterior ao início da posse;

8ª - Impendia sobre os Réus o ónus de alegar e provar factos que ilidissem a presunção da posse e titularidade do direito de propriedade dos Autores sobre os prédios identificados em 18 e 19 dos factos assentes;

9ª - Não o tendo feito, como não fez, deve a acção ser julgada procedente e os Réus condenados nos exactos termos em que se decidiu em 1ª Instância;

10ª - A presunção derivada do registo pode ser ilidida mediante prova em contrário e cede perante a presunção derivada da posse anterior ao registo e da prova do direito de propriedade. O registo feito pelo Réu em 1992, quando desacompanhado da prova do exercício de actos de posse anterior ao registo, cede perante a prova da propriedade dos Autores adquirida por escritura pública em 1925 e posse até, pelo menos, finais da década de 70;

11ª - Decidindo como decidiu - ou seja, revogando a decisão da 1ª Instância e absolvendo os Réus, conforme resulta do teor do douto acórdão de que se recorre -- o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação da lei, violando o disposto nos artigos 204º, 341º, 342º, nº 2, 350º, 1251º, 1252º, nº 2, 1257º, 1263º, 1267º, 1268º, nº 1, 1287º, 1296º, 1311º, 1312º, 1313º, 1316º do Cód. Civil e artº 498º, nº 4 do Cód. Proc. Civil.

Termina, pedindo se conceda a revista, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que condene os Réus nos precisos termos em que foram condenados em primeira Instância.

Corridos os vistos, cumpre decidir

II. FUNDAMENTAÇÃO

Matéria de facto dada como provada pelas instâncias, com interesse para o recurso:

1. O réu, por escritura pública lavrada, a fls. 14-17 do Livro 1C do Cartório Notarial de Penamacor, em 08.06.1992, comprou pelo preço de 33.171.625$00, o imóvel "prédio rústico, sito ao Poio, freguesia e concelho de Penamacor, com a área de 349,1750 hectares, confrontando de Norte com R, S e outros, Sul com T, U, V e outros, Nascente com X, Z e AA e Poente coma Câmara Municipal e outro - al A. da especificação, inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 3 da Secção J da dita freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor pela ficha 991 de 05.05.1989, com inscrição de transmissão a favor dos vendedores e com o valor patrimonial de 1.063.621$00 - al. A) da especificação;

2. Pela escritura de doação lavrada a fls. 24 v.º - 31 v.º do Livro 15 do Cartório Notarial de Penamacor, em 11.04.1925, os doadores AB e mulher Y dispuseram dos bens e no modo nela constantes e que faz fls. 17 e cópia dactilografada de fls. 82 - al. B) da especificação;

3. Da certidão de Finanças de Penamacor de fls. 78, resulta que não há correspondência entre os artigos matriciais antigos e o actual art. 3 da Secção J) - al. L) da especificação; (1)

3. No prédio indicado em 1., tal como foi vendido, encontram-se incluídas as parcelas assinaladas a amarelo e vermelho do documento de fls. 15 e 16 [ou seja, os prédios - parcelas autonomizadas - reivindicados pelos autores] - reposta ao quesito 1.º;

4. Os doadores na escritura de fls. 17, referida em 2., dispuseram das parcelas com as áreas de 21,400 e 17,100 hectares a favor das suas filhas B e D - resposta ao quesito 2.º;

5. Em termos de levantamento cadastral, as mencionadas parcelas foram incluídas no prédio actualmente denominado de «Poio» e indicado em 1 - resposta ao quesito 5.º;

6. Em face do referido em 5., foi feito o registo e respectiva inscrição predial na Conservatória do Registo predial de Penamacor a favor das pessoas que venderam ao réu «Instituto» o prédio identificado em 1; - resposta ao quesito 6.º;

7. As parcelas em causa constituem prédios autónomos, sendo um o "prédio rústico sito na Bazágueda, freguesia e concelho de Penamacor, com a área de 21,400 hectares, formado por terra de mato, olival e leito de curso de água, a confrontar do Norte com AB, Sul com AC, Nascente AD e Poente Herdeiros de D - resposta ao quesito 7.º;

8. E o outro "prédio rústico sito na Bazágueda, freguesia e concelho de Penamacor, com a área de 17,100 hectares, formado por terra de mato, olival e leito de curso de água, a confrontar do Norte com AB, Sul com AC, Nascente Herdeiros de D e Poente com AE ao quesito 8.º;

9. Os autores, desde a data da doação, em 11.04.1925. e até pelo menos finais dos anos 70, por si e antepossuidores, colheram a azeitona e a cortiça, exploraram o moinho que ali existia, limparam as árvores e semearam as terras com centeio nos prédios indicados nos factos 18 e 19, fruindo-os de forma pacífica e continuada, os autores referidos no grupo A da petição inicial em relação ao prédio indicado em 7. e os referidos no grupo B da petição inicial em relação ao prédio indicado em 8 - resposta aos quesitos 9.º e 12.º;

10. À vista de toada a gente e sem qualquer oposição de quem quer que fosse, designadamente dos vendedores do prédio indicado em 1 - resposta aos quesitos 10.º e 11.º;

11. Os vendedores do prédio identificado em 1., por si e antecessores, desde que o dito prédio foi doado a estes em 11.04.1925 pela escritura referida no facto 2, até à data da venda, em 08-06.1992, sempre possuíram aquele prédio, com exclusão das parcelas indicadas nos factos 18 e 19, arrancando e aproveitando os matos nele existentes, semeando e colhendo centeio, aproveitando os pinheiros para lenhas, limpando as oliveiras e sobreiros e fruindo tais árvores - resposta ao quesito 15.º;

12. Sem qualquer interrupção, com exclusão de outrem, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem qualquer violência e na persuasão de que não violavam quaisquer direitos de quem quer que fosse - resposta aos quesitos 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º.

O direito

Nas suas conclusões, os recorrentes discutem, fundamentalmente, a questão do onus da prova que, na sua óptica, o R. não cumpriu, como lhe cabia.

Nomeadamente, inserem nelas a conclusão 3.ª na qual afirmam o seguinte: "cabia aos RR. alegar e provar o exercício de actos materiais e concretos de posse sobre os prédios que os AA. possuíram até, pelo menos, finais de 70 e que os RR. vendedores não praticaram actos de posse sobre esses prédios, nem demonstraram tê-lo adquirido a qualquer título, não podiam transmitir ao R. comprador a propriedade nem a posse (que nunca exerceram)".

A nosso ver esta conclusão, base do presente recurso, não é correcta porque os recorrentes transferem para o R. o ónus que a si cabia.

De facto, visando a presente acção a reivindicação dos prédios que foram seus até 1970, e por força do disposto no art. 1311.º do CC, cabia aos AA. alegar e demonstrar que eram seus proprietários, não só até 1970, mas também até ao presente, e que o R. era seu mero detentor, sem qualquer título que impedisse a sua restituição.

Como é sabido, a acção de reivindicação tem no nosso direito positivo a natureza da "pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário".(2)

Cabe, pois, aos AA. alegar e demonstrar (3) que são proprietários das parcelas reivindicadas e que o R. está na posse delas, sem título. (4)

E não basta a aquisição derivada, sendo necessário também invocar uma forma originária de aquisição da propriedade e prová-la. (5)

E essa prova tem que ser feita até à data em que a acção é proposta e não apenas, como o fizeram os AA., até 1970, 22 anos (6) antes da data da escritura pública de compra feita pelo R.

É certo que o juiz da 1.ª instância chegou a afirmar na fundamentação das respostas aos quesitos que "a própria prova produzida em audiência de julgamento suportou a tese dos autores e não a do réu ou chamado", mas, de facto, se assim era, não se compreende como é que concluiu, mais à frente, que "os últimos actos de posse ocorreram no final da década de 1970". (7)

Há aqui uma má compreensão do ónus da alegação e da prova neste tipo de acções.

Esse facto resulta até da forma como foi elaborado o questionário.

Com efeito, dispondo o art. 511.º, 1 do CPC que o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, (8) segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida e, cabendo aos AA. o ónus da alegação e da prova da propriedade até à data em que a acção foi proposta e, por outro lado, não tendo o R. deduzido reconvenção, apenas deveriam ter sido seleccionados os factos controvertidos alegados pelos AA., tendentes à pretensão por si formulada.

A matéria de facto alegada pelo R., para além dos factos especificados, não tinha que constar do questionário, designadamente os factos constantes dos artigos n.ºs 15.º a 22.º do questionário.

É que tal matéria de facto é mera impugnação, para infirmar os factos alegados pelos AA..

Nas acções reais, como a presente, não se seleccionam as duas versões de AA. e R. porque é àqueles que compete alegar e provar, como se disse, que são os proprietários das parcelas reivindicadas, e até à data da propositura da acção, por forma a destruir as presunções derivadas quer do justo título invocado pelo R quer do registo.

Pode dizer-se, grosso modo, que a diferença entre defesa por impugnação e por excepção se faz do seguinte modo: aquela é uma defesa directa quer por negação quer pela apresentação de uma versão diferente da do A.; a excepção versa sobre factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico pretendido pelo A. (9)

Ora, a versão do R. de natureza impugnativa não pode coexistir com a do A. ou, coexistindo, torna-a inidónea para a pretensão formulada por este; na excepção, os factos alegados pelo R. coexistem com os do A., impedindo, modificando ou extinguindo o efeito jurídico pretendido por ele.

A impugnação visa contrariar a versão factual do A. que, sendo constitutiva do seu direito, a ele compete provar; (10) mas o ónus da alegação e da prova dos factos de excepção, visando impedir, modificar ou extinguir o efeito jurídico que o A. pretende se extraia dos factos constitutivos que alegou, cabe, por seu lado, ao R. (11)

Assim, os factos acima referidos que constam dos arts. 15.º a 22.º do questionário apresentam uma versão diferente da dos AA. que, por isso, não pode coexistir com ela, sendo matéria de impugnação especificada.

Como tal, não deviam ter sido seleccionados para o questionário.

E a falta de prova integral dos mesmos nenhuma implicação tem para o R., porque o ónus da alegação dos factos constitutivos do direito invocado pelos AA. a eles cabe, tudo estando em saber se o cumpriram, como a lei lho impunha.

E, como já acima se deixa entrever, não o cumpriram.

De facto, tendo alegado que as parcelas reivindicadas eram suas, os respectivos factos foram vertidos nos quesitos 9.º a 12.º, tendo-se apenas provado que foram suas desde 1925 a 1970, dessa forma não conseguindo ilidir a presunção registal em favor do R., à data em que a acção foi intentada.

Por isso, a tese por si defendida nas conclusões não vem alicerçada nem na matéria de facto nem nas citações doutrinais e jurisprudenciais a que alude.

Se é certo que a causa de pedir nas acções reais é o facto jurídico de que resulta o direito (12), menos certo não é que o facto jurídico de que dimana o direito de propriedade das parcelas reclamadas consiste na posse do direito de propriedade mantido pelo tempo necessário à sua aquisição por usucapião, até ao momento em que a acção foi proposta.

Isto é, para o êxito da acção, os AA. teriam que ter demonstrado que a sua posse era melhor que a do R. à data da propositura da acção, (13) ónus que não cumpriram.

De facto, alegando, embora, actos do corpus e do animus de proprietário das mencionadas parcelas, factualidade que foi vertida nos quesitos 9.º a 12.º do questionário, a resposta à respectiva matéria de facto foi restritiva, apenas se demonstrando que tais actos tiveram lugar até 1970.

Como diz Rodrigues Bastos (14), a usucapião tem a utilidade de "transformar uma situação de facto numa verdadeira situação de direito, a favor de quem mantém e exerce, ininterruptamente, a gestão económica da coisa, face à incúria do proprietário".

Os AA. provaram, é certo, a propriedade das parcelas que lhes foram transmitidas por doação mas apenas entre 1925 e 1970,

E, por escritura pública, em 8.6.92, foi vendido ao R. o prédio referido no n.º 1 da matéria de facto, (15) no qual se integram as duas parcelas.

Não se sabe de que forma foram as mencionadas parcelas incluídas no prédio vendido, mas o que é certo e que os AA. não provaram aquela manutenção e exercício ininterrupto da gestão económica das parcelas nem a partir de 1970, nem a partir do registo do prédio, integrando as mencionadas parcelas, a favor das pessoas que o venderam ao R., nem após a compra e venda e respectivo registo a favor do R.

Para além de o referido prédio, com essa composição, estar registado em nome dos vendedores, à data da venda ao R., este, logo que efectuou o negócio, procedeu ao registo dessa aquisição.

Ora, havendo título de aquisição da posse, a lei presume que há posse desde a data do título (16), presumindo-se, por outro lado, que essa posse é de boa fé. (17)

E é titulada a posse se se fundar "em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico". (18) .

Evidente se torna que, presumindo-se a posse e que é de boa fé desde a data do título, não pode operar a presunção do art. 1257.º, 2 do CC que os recorrentes invocam porque este normativo só funciona se não houver prova em contrário. (19)

Acresce que "o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse", (20) que, no caso, não existe.

Além disso, o R. beneficia da presunção derivada do registo, cujo normativo (21) . estabelece duas presunções:

a. a de que o direito existe

b. e a de que pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

Como ensina Heinrich Hörster, (22) nestas duas presunções consiste a chamada «fé pública» do registo, sendo sua finalidade dar publicidade aos direitos inerentes aos objectos sujeitos a registo. (23)

O A. citado, ao analisar as excepções ao princípio do nemo plus iuris in aliud transferre potest quam ipse habet, refere que uma delas consiste "no caso da aquisição em consequência da falta do registo de uma disposição anterior incompatível".

Assim, face ao registo e à fé pública de que ele goza, podem ocorrer situações "em que uma pessoa adquire direitos de quem carece de poderes para dispor deles" (24)

O princípio nemo plus iuris" tem por objectivo a verdade, enquanto o registo visa a estabilidade e segurança.

Mas na "situação de conflito entre estabilidade e verdade, a lei dentro da finalidade geral da segurança, com a ajuda das regras do registos, opta pela primeira". (25)

Como o R. adquiriu o seu direito do titular inscrito no registo e, após a compra e venda, registou essa aquisição, este registo está em conformidade com o acto primeiramente registado, tendo a presunção do registo que garantir o R., que confiou no registo, contra a invocação de actos posteriores e, também anteriores, à sua aquisição mas não registados. (26)

É certo que a posse derivada do registo pode ser iludida por prova em contrário, como dizem o recorrentes na sua conclusão 10.ª, mas, como resulta da matéria de facto, os mesmos não a ilidiram, não cabendo ao R. provar actos de posse antes do registo nem tal presunção derivada do registo cede perante a demonstrada propriedade dos AA. apenas entre 1925 e 1970.

Prevalece, pois, a presunção derivada do registo, nos termos do art. 7.º do CRP, e da aquisição titulada, art. 1254.º, 2, parte final do CC, improcedendo a reivindicação dos recorrentes, como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, que, por isso, se mantém.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 27 de Abril de 2005
Custódio Montes,
Neves Ribeiro,
Araújo Barros.
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(1) As als. C) a J) consta factos respeitantes à legitimidade dos AA. como herdeiros dos seus antecessores na doação especificada; na al. M) consta a matéria de facto atinente à legitimidade do R., sucessor do extinto Serviço nacional de Parques, reservas e Conservação da Natureza.
(2) P.L. e A. Varela, CC Anot., pág. 101, em citação de Manuel Rodrigues, RLJ 57, 144.
(3) Art. 342.º, 1 do CC.
(4) Henrique Mesquita ; RLJ Ano 125, pág. 91.
(5) Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2.ª ed., pág. 252 e 253; P. L. e ) A. Varela, Ob. e Vol. Cits., pág. 102.
(6) Os AA. falam em 12 anos mas entre 1970 e 1992 são 22 anos.
(7) É oportuna a citação de A. Reis., CPC Anot., Vol III, pág. 215, quando afirma que "as ilações há-de tirá-las o juiz, ao proferir a sentença" e não, dizemos nós, quando se responde à matéria de facto e se afirma, com a fundamentação, o processo racional, lógico que norteou o julgador.
(8) A. Reis, Ob. e Vol. cits, pág. 216, especifica que "o questionário compreenderá, de entre os factos alegados, controvertidos e pertinentes à causa, os que forem indispensáveis para a resolver" - sublinhado nosso.
(9) Sobre a questão, veja-se A. Reis, CPC Anot., Vol. III, págs. 21 a 35 e 50 e segts.
(10) Art. 342.º, 1 citado.
(11) Art. 342.º, 2, citado.
(12) Art. 498, 4 do CPC.
(13) Art. 1278.º do CC.
(14) Notas ao CC, Vol. V, pág. 43.
(15) Esse prédio estava, à data da venda, inscrito a favor dos vendedores, na matriz cadastral rústica sob o artigo 3 da Secção J da dita freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor pela ficha 991 de 05.05.1989.
(16) Art. 1254.º, 2, parte final.
(17) Art. 1260.º, 2 do CC.
(18) Art. 1259.º; ver também Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2.º ed., págs. 273 e 274..
(19) P. L. e A. Varela, CC Anot., Vol. III, pág. 14; como diz Rodrigues Bastos, Ob. e Vol. Cits, pág. 13, e anotação ao art. 1254.º, "o n.º 2 deste artigo exclui a presunção de praesenti in praeteritum, não existindo vínculo algum entre o estado actual da posse e as condições em que a coisa se encontrava no passado".
(20) Art. 1268.º, 1 do CC.
(21) Art. 7.º do CRC. o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define"; ver também Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 119..
(22) RDE, in Efeitos do Registo - terceiros - aquisição «a non domino», pág. 120.
Art. 1.º do CRPredial.
(23) A. Loc Cits., pág. 117; ver também C. Fernands, Ob. Cit., pág.128.
(24) "O terceiro passa a ser tratado como se fosse o verdadeiro titular da situação jurídica registada, com prejuízo do seu verdadeiro titular"." - Carvalho Fernandes, Ob. Cit., pág. 133.
(25) A. e Loc. cits., pág. 128.
(26) Em sentido semelhante, C. Fernandes, Ob. Cit., pág. 132.