Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17289/18.1T8PRT.P2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
DECISÃO JUDICIAL
FACTOS SUPERVENIENTES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CONTRATO DE SEGURO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 04/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVIATA
Sumário :
I - O direito à restituição por enriquecimento sem causa não é afetado pela prescrição do direito de indemnização (ou do direito de regresso nos termos do artigo 498.º, n.º 2), uma vez que se trata de direitos diferentes, cada um deles sujeito ao seu regime próprio.

II - O direito à restituição do enriquecimento sem causa está sujeito a dois prazos de prescrição, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, bastando que um deles termine para que o direito prescreva: o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º, prazo este que começa a correr a partir do facto do enriquecimento, e um prazo de três anos que começa a correr apenas quando o titular do direito toma conhecimento do seu direito à restituição e da identidade da pessoa responsável.

III - O FGA é uma entidade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que, por razões de solidariedade social e de proteção das vítimas de acidentes de viação, garante o pagamento das indemnizações aos lesados, nos casos em que o responsável é desconhecido ou em que este não beneficia de seguro válido e eficaz.

IV – Entende-se que não prescreveu ainda o direito de restituição do FGA contra a seguradora, com base no enriquecimento sem causa, em virtude de quantias pagas pelo FGA, por erro, aos lesados, contando-se o prazo de prescrição a partir do momento em que transitou em julgado a decisão que considerou que a nulidade do contrato de seguro não era oponível aos lesados.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1 - O FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra FIDELIDADE – Companhia de Seguros S.A., em que pediu a condenação da ré condenada a pagar ao autor as seguintes quantias:

(i) € 151.016,97 (…), à qual deverá ainda acrescer os juros legais vencidos calculados desde o pagamento – 31.8.2006 – até efetivo e integral pagamento;

(ii) € 70.000,00 (…), à qual deverá ainda acrescer os juros legais vencidos calculados desde o pagamento das indemnizações – 7.6.2010 – até efetivo e integral pagamento;

(iii) € 1.097,60 (…), à qual deverá ainda acrescer os juros legais vencidos calculados desde o pagamento dessa indemnização – 30.5.2010 – até efetivo e integral pagamento;

Mais deve a ré ser condenada a reembolsar as despesas suportadas pelo Autor com a instrução do presente sinistro – e que até à presente data totalizam a quantia de € 3.817,50 (…) –, e bem assim, as despesas que o FGA terá de suportar com a cobrança do reembolso que serão oportunamente liquidadas em ampliação do pedido ou em execução de sentença, bem como em custas e custas de parte.

A ré apresentou um articulado superveniente (39034716), sustentando que “a quantia em que a ré venha a ser condenada a devolver à autora seja subtraída da quantia de € 66.482,96 (…) liquidada em 25.02.2021 à C... relativa a pensões pagas à mulher e à filha do sinistrado”.

2. Em 22 de maio de 2019, foi proferido despacho saneador que absolveu a Ré Fidelidade do pedido, por julgar verificada a exceção perentória da prescrição, em síntese, com fundamento em que o FGA, pelo menos desde 2010 - data em que “interveio no Proc. 40/10.1... e foi deduzido incidente de intervenção principal provocada da aqui Ré - dispunha dos elementos necessários para agir, em conformidade com o preceituado no art. 306º, n.º 1, 1ª parte do C.Civil, pelo que, interpondo os presentes autos apenas em 4/8/2018, “deixou prescrever o direito à restituição fundado no instituto do enriquecimento sem causa que aqui reclama, em conformidade com o preceituado no art. 482º do CCivil”.

3. -O FGA, inconformado, interpôs recurso de apelação desta decisão.

4 - Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21/11/2019, a decisão da primeira instância foi revogada, tendo ficado decidido o seguinte:

«Acordam, pois, os juízes que compõem a 3ª Secção (Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao presente recurso e revogar o saneador sentença recorrido, com a consequente baixa dos autos à 1.ª instância para prosseguimento dos ulteriores termos da acção».

5 - A Ré Fidelidade, deste acórdão interpôs recurso de revista, o qual foi admitido, vindo o Supremo Tribunal de Justiça a proferir, em 19/6/2020, despacho de inadmissibilidade de revista de decisão que não põe termo ao processo, baixando os autos à 1ª instância para prosseguimento, conforme decidido pelo acórdão da Relação.

6 – Na sequência da baixa do processo, foi proferida a sentença pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível ... - Juiz ... em 7 de março de 2022, que julgou improcedente a ação e consequentemente absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo autor.

7 - Inconformado veio o FGA interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que decidiu conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente:

«A – Julgar improcedente o pedido de condenação da Ré no montante de € 151.016,97, e absolver a Ré deste pedido;

B – Julgar procedentes os pedidos de condenação da Ré a pagar os montantes de € 70.000, 00 e € 1.097,60 acrescidos de juros moratórios legais a contar da citação da Ré – em 8 de Agosto de 2018 -, nos termos do artigo 804.º e 805.º, n.º 1 do CC, até integral reembolso;

C – Relegar para execução de sentença o pedido de despesas realizadas pelo Apelante em sede de instrução do processo».

8. FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., não se conformando com o Acórdão do Tribunal da Relaçãop, veio interpor recurso de Revista (artigo 671.º, n.º 1 do CPC), com efeito meramente devolutivo (artigo 676.º, n.º 1 do CPC), subindo nos próprios autos (artigo 675.º, n.º 1 do CPC), em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«I. Afigura-se à Recorrente que o douto Acórdão recorrido não poderá manter-se.

II. Efectivamente, o mesmo viola diversos princípios legais, sendo certo que em sede de direito o Acórdão Recorrido é iníquo e, portanto, tem que ser revogado e substituído por decisão distinta da proferida.

III. O sinistro dos autos ocorreu em 20.05.2004.

IV. O direito de crédito da Recorrida sobre a FIDELIDADE foi adquirido por sub-rogação, podendo, no entanto, beneficiar do regime do direito de regresso previsto no art.º 498.º, n.º 2, do Código Civil.

V. Foi nestes termos que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu no processo n.º 40/10.1...

VI. O pagamento efectuado pela credora FIDELIDADE ficou concluído em 22.05.2006, pelo que a prescrição de três anos prevista naquela disposição legal ocorreu, o mais tardar, no fim do dia 22.05.2009.

VII. Ainda que se considerasse a prescrição respeitante ao homicídio por negligência (ignorando-se que o agente morreu), a prescrição teria ocorrido em 22.05.2011.

VIII. Para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 477.º do Código Civil, a FIDELIDADE (à data) deixou prescrever o seu direito contra a IMPÉRIO BONANÇA (à data), pelo que o Recorrido perdeu, em tal data, o seu direito contra ela.

IX. A circunstância do credor (FIDELIDADE) e devedor (IMPÉRIO BONANÇA) se terem (con)fundido em 2012 não tem por efeito fazer renascer o direito que, à data, já estava extinto.

X. Por outro lado, a prescrição do direito do credor (FIDELIDADE) – direito do lesado adquirido por sub-rogação –, que excluí reflexamente o direito de regresso do terceiro solvens (Recorrido), não se confunde com a prescrição deste mesmo direito de regresso (do Recorrido), por enriquecimento sem causa do credor (FIDELIDADE), tratado nestes autos pelo Tribunal da Relação.

XI. O Recorrido não tem contra a Recorrente direito de restituição do que lhe pagou em erro, com base em enriquecimento sem causa.

XII. Teria adquirido um direito contra a IMPÉRIO BONANÇA (agora integrada na FIDELIDADE), por força do disposto no n.º 2 do art.º 477.º do Código Civil, no exacto momento em que perdeu o seu direito contra a Recorrente (22 de maio de 2009).

XIII. Trata-se um direito subsistente mas prescrito, isto é, não extinto, mas enfraquecido, pelo que a Recorrente, já enquanto incorporante da IMPÉRIO BONANÇA, não está obrigada civilmente a satisfazê-lo.

XIV. O douto Acórdão recorrido violou, por erro de aplicação e interpretação, o disposto no art.º 447.º, n.º 1 do Código Civil.

XV. O art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil consagra que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.

XVI. O acidente em que o Recorrido estriba a perpectiva de existência de um direito a ser indemnizado/reembolsado teve lugar no dia 20.05.2004.

XVII. O prazo de 3 (três) anos extinguia-se em 20.05.2007.

XVIII. Já o prazo de 5 (cinco) anos extinguia-se em 20.05.2009.

XIX. O Recorrido alega, ainda, ter realizado o “último pagamento” em 31.08.2006.

XX. O prazo de 3 (três) anos extinguia-se em 31.08.2009.

XXI. Já o prazo de 5 (cinco) anos extinguia-se em 31.08.2011.

XXII. A petição inicial deu entrada na secretaria do Tribunal Judicial da Comarca do Porto no dia 06.08.2018, ou seja, mais de 14 (catorze) anos depois do sinistro dos autos e quase de 7 (sete) anos depois do “último pagamento”.

XXIII. A Recorrente foi citada para contestar a presente acção no dia 08.08.2018,

XXIV. Quando a Recorrente é citada nos presentes autos já haviam decorrido mais de 5 (cinco) anos sobre o dia do acidente e, mormente, sobre a data do “último pagamento” alegado pelo Recorrido, data em que o mesmo já tinha integral conhecimento do direito que reclama nos presentes autos.

XXV. O Recorrido nunca, em momento algum, durante a acção que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Proc. n.º 40/10.1...) alegou que pretendia fazer valer um qualquer direito de regresso sobre a Recorrente, até porque o Recorrido sempre assumiu que a versão apresentada pela Recorrente naqueles autos era correcta e que, portanto, tinha cumprido correctamente a sua obrigação para com a mesma.

XXVI. O Recorrido nunca manifestou, a não ser na presente acção, a posição que tem um direito que pretende ver efectivado contra a Recorrente.

XXVII. O seu direito, por conseguinte, a existir, sempre estaria prescrito.

XXVIII. O direito a que o Recorrido se arroga como sendo titular já se encontraria prescrito nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 1 do CPC, prescrição essa que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

XXIX. Na verdade, o Recorrido teve conhecimento do direito que lhe assistia a partir do momento em que soube que o sinistro ocorrera e em que o mesmo lhe foi participado.

XXX. O facto de o Recorrido ter feito uma incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso e ter procedido ao pagamento da indemnização não altera o prazo a partir do qual o mesmo sabia do seu direto (ou tinha a obrigação de saber).

XXXI. O Recorrente tinha conhecimento do seu direito a partir do momento em que o sinistro se verificou, ou seja, a partir do dia 20.05.2004.

XXXII. O prazo para demandar a Recorrente começaria a correr a partir da data em que o Recorrido procedeu ao pagamento da indemnização.

XXXIII. O Recorrido contestou aquela acção no dia 08.03.2010 pelo que pelo menos a partir desta data começaria a correr o prazo prescricional, o qual teria integralmente decorrido no dia 08.03.2013.

XXXIV. Sem prescindir, a partir do momento em que o Recorrido teve conhecimento de que o pagamento poderia ter sido incorrectamente realizado o mesmo tinha que ter accionado a Recorrida no prazo de 3 (três) anos.

XXXV. Neste momento o Recorrido já tinha pleno conhecimento da questão jurídica que estava a ser levantada e da responsabilidade que era imputada à Recorrente e, por conseguinte, ao seu putativo direito ao reembolso das quantias que por si tivessem sido liquidadas no âmbito do sinistro discutido nos autos.

XXXVI. Nos termos do disposto no art.º 482.º do CC o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de 3 (três) anos a contar da data em que o Autor teve conhecimento do direito que lhe competia e da pessoa responsável.

XXXVII. Pelo menos a partir do momento em que foi deduzido o chamamento da Recorrente nos autos referidos nas peças processuais juntas pelo Recorrido com a petição inicial, este teve conhecimento do direito a que lhe assistia.

XXXVIII. O direito do Recorrido prescreveu, assim, no dia 23.04.2013.

XXXIX. Sem prescindir, esse prazo sempre começaria a correr a partir do momento em que a sentença em primeira instância (que absolveu a Recorrente mas que abordou a problemática jurídica inerente à possibilidade de nulidade do contrato de seguro por falsas declarações do segurado) foi proferida.

XL. O direito do Recorrido sempre estaria prescrito em 17.12.2017.

XLI. O facto de com a decisão/opção jurídica proferida pelos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto se poderem produzir situações verdadeiramente insólitas de só após o trânsito em julgado de uma decisão é que o credor se pudesse ver na situação de exercer o seu direito, pese embora já conhecesse o mesmo, é manifestamente injustificada.

XLII. Quando o legislador se refere no mencionado art.º 482.º ao "conhecimento do direito" reporta-se, obviamente, ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito; conhecimento fáctico e não conhecimento jurídico.

XLIII. A decisão agora recorrida viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art.ºs 306.º, n.º 1, 323.º e 482.º, todos do Código Civil

Nestes termos e nos mais de direito, deverá a decisão agora colocada em crise ser revogada e substituída por outra que declare o direito do Recorrido para com a Recorrente, na sua totalidade, como prescrito.

Assim se fará, como sempre, inteira

JUSTIÇA!»

9. O autor, Fundo de Garantia Automóvel (FGA), apresentou resposta e interpôs recurso subordinado, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«1. O n.º 3 do artigo 5.º do CPC permite ao juiz a livre indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

2. O ónus de alegação de factos essenciais que constituem a causa de pedir foi cumprido pelo FGA.

3. O FGA ao reparar os danos resultantes de um acidente de viação, duplamente classificado como de trabalho, na convicção errónea de que estava obrigado a fazê-lo, por força de um contrato de seguro automóvel que acabou por se verificar ser eficaz na data em que ocorreu, pode exigir da ré Fidelidade o que pagou a título dessa reparação, nos termos do disposto no artigo 478.º do CC.

4. Encontrando-se provada a totalidade dos pagamentos realizados pelo FGA – cfr. factos 30 e 31 da matéria de facto provada da sentença recorrida – este montante corresponde, em concreto, ao valor do dano sofrido pelo FGA, ou seja, ao valor com que a ré Fidelidade se locupletou.

5. Ao não decidir desta forma, o tribunal recorrido violou, entre outras normas legais, o disposto nos artigos 473.º, 478.º do CC, 5.º, 7.º do CPC, 21.º e seguintes do Dec. Lei 522/85, de 31/12».

10. Verificando-se um obstáculo à admissibilidade do recurso subordinado do FGA, a Relatora notificou as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão prévia, proferindo o seguinte despacho:

«No presente processo, o FGA apresentou recurso subordinado para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela procedência do pedido formulado na ação relativamente à restituição do montante de € 151.016,97.

Sucede que, neste segmento, operou a chamada dupla conformidade, pelo que à luz da orientação fixada no AUJ n.º 1/2020, de 30 de janeiro, que estipulou que «O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do art.º 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do art.º 633.º do mesmo Código», verifica-se um obstáculo à admissibilidade do recurso subordinado interposto pelo FGA.

Notifiquem-se as partes, nos termos do artigo 655.º, n.º 1, do CPC, para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão prévia da admissibilidade do recurso subordinado».

11. Em resposta, veio o FGA sustentar que o recurso subordinado é admissível, formulando a seguinte alegação:

«Considera o FGA, na senda do anteriormente exposto em sede de alegações, que o princípio subjacente ao disposto no artigo 633.º n.º 5 do CPC, quando rege que se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será independentemente do valor da sucumbência, é o de assegurar a igualdade das partes e o equilíbrio entre o estatuto destas, que seriam postergados se, numa situação em que ambas as partes ficaram vencidas, fosse reconhecido o direito de recorrer a uma delas e o mesmo não sucedesse em relação à outra, mesmo que

subordinadamente.

O regime constante do n.º 4 do mesmo artigo 633.º do CPC, é precisamente reflexo deste favor impugnationis. Por regra, nem mesmo a renúncia ao direito de recorrer, nem a aceitação da decisão obstam à interposição do recurso subordinado, desde que a parte contrária recorra da decisão.

Fica assim claro que o sentido desta norma é o de permitir o recurso subordinado quando seja admissível o recurso principal justificando-se desta forma a irrelevância do valor da sucumbência. Daí que se afigure também que qualquer limitação ao recurso resultante da dupla conforme se deva considerar igualmente abrangida pelo espírito da norma e pela finalidade por ela visada, ajustando-se o sentido desta à evolução legal entretanto verificada, numa extensão teleológica, objetiva e atualista (cfr. BAPTISTA MACHADO, ao Direito e ao Discurso Legitimador, 185 e 191; SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, 7ª ed., 374).

Ora, o n.º 5 do artigo 633.º do Código de Processo Civil não é mais do que um afloramento ou uma manifestação do princípio geral da igualdade das partes, no que toca à oportunidade de controlo por um tribunal superior de uma decisão que lhe foi desfavorável, pelo que deve ser aplicado, por analogia, à hipótese de se verificar dupla conforme quanto ao recurso subordinado, isoladamente considerado, mas não quanto ao recurso interposto a titulo principal, por proceder a mesma razão justificativa do afastamento do obstáculo da sucumbência.

De facto, se no que concerne à admissibilidade do recurso subordinado é irrelevante que a parte tenha ficado vencida numa quantia igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre, não é sistematicamente coerente destruir este favor impugnationis estabelecido, com o regime da dupla conforme.

Por tudo o supra exposto, o artigo 9.º n.º 3 do Código Civil impõe que se presuma que o legislador não pretendeu nem violar o princípio da igualdade das partes, permitindo apenas que, havendo duas partes vencidas, somente uma delas possa interpor recurso, nem criar uma incongruência entre a irrelevância do montante da sucumbência no recurso subordinado e a relevância da dupla conforme nesse mesmo recurso.

Assim, tendo a recorrente FIDELIDADE lançado mão à faculdade de colocar em causa a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, dela recorrendo, e em respeito aos princípios de igualdade e equilíbrio entre as partes, impõe-se que o recurso subordinado apresentado pelo FGA seja igualmente admitido.»

12. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir são as seguintes:

I – Questão prévia da admissibilidade do recurso subordinado;

II – Questão de saber se prescreveu ou não o prazo para o FGA exigir à Ré Fidelidade a restituição de quantias que pagou diretamente aos lesados familiares do sinistrado em acidente de trabalho e ao proprietário do veículo, por força do seu dever de garante, decorrente do artigo 21.º e ss. do Decreto-Lei n.º 522/85, diploma em vigor à data do acidente (20 de maio de 2004).

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

As instâncias deram como provados os seguintes factos que se passam a transcrever:

1. Circunstâncias de tempo e lugar do sinistro (provado em ação pretérita)

1 – A Estrada Interior ... e a Estrada Exterior ... são estradas paralelas, que ligam a zona este à zona oeste ... e que são separadas, exceto nas zonas de cruzamentos, por um separador central que, regra geral, está ajardinado.

2 – A circulação no sentido este/oeste faz-se através da Estrada Exterior ..., sendo que a circulação no sentido oeste/este se faz pela Estrada Interior ....

3 – A Estrada Interior ..., na zona do sinistro dos autos, caracteriza-se por ser uma reta com visibilidade superior a 200 m, em ambos os sentidos de marcha, com duas hemifaixa de rodagem, com cerca de 3,5 metros de largura cada uma.

4 – A Estrada Exterior ..., na zona do sinistro, apresenta 3 vias de trânsito, com 3,5 metros de largura cada uma, sendo que as vias de trânsito do meio e da direita servem para quem pretende seguir o sentido em direção a oeste, enquanto a via de trânsito mais à esquerda serve para quem pretende inverter o sentido de marcha e passar a circular na Estrada Interior ... ou para quem pretende virar para passar a circular na rua ....

5 – A zona do acidente caracteriza-se, ainda, por ser uma zona de entroncamento/cruzamento entre as Estradas Interior/Exterior ... e as ruas ... e ....

6 – A rua ... apresenta-se à direita da Estrada Interior ..., sendo que a rua ...se apresenta à direita da Estrada Exterior ....

7 – O trânsito neste entroncamento/cruzamento é regulado por sinalização. 8 – Quando o sinal de semáforo se encontra verde quer na Estrada Exterior

... quer na Estrada Interior ..., para os veículos que seguem a sua marcha, quer no sentido este/oeste, quer no sentido oposto, existe uma luz do semáforo, na posição amarela, que funciona de forma intermitente, isto para os veículos que circulam na via de trânsito mais à esquerda da Estrada Exterior ... e cujos condutores pretendem ou inverter a marcha dos veículos por si conduzidos ou prosseguir a sua marcha em direção à rua ....

9 – O limite de velocidade na Estrada Interior ... é de 50 km/h.

10 – O tempo estava seco sendo o pavimento da via em asfalto e encontrava-se em razoável estado de conservação.

11 – A Estrada Interior ... era ladeada por edificações, nomeadamente stands automóveis, casas de habitação e casas de restauração.

2. Dinâmica do sinistro (provado em ação pretérita)

12 – No dia 20 de maio de 2004, AA circulava na Estrada Interior ..., no ..., no motociclo que lhe pertencia, de matrícula ..-..-TD, no sentido C... - M..., sentido oeste/este.

13 – O veículo de matrícula ..-..-TD circulava a uma velocidade não inferior a 100 km/h.

14 – O veículo de matrícula UL-..-.. circulava na Estrada Exterior ..., no sentido este/oeste, pretendendo o seu condutor seguir em direção à rua ..., à sua esquerda.

15 – O semáforo apresentava-se amarelo intermitente para os veículos que, como sucedia com o condutor do veículo de matrícula UL-..-.., pretendiam virar à esquerda, cruzar a Estrada Interior ... e passar a circular pela rua ....

16 – O condutor do veículo de matrícula UL-..-.. colocou-se na via de trânsito mais à esquerda da faixa de rodagem pela qual circulava.

17 – O condutor do veículo de matrícula UL-..-.. iniciou a manobra de atravessamento da primeira das duas vias de trânsito da Estrada Interior ... (via de trânsito da esquerda da Estrada Interior ..., atento o sentido C... - M...), sendo sobre esta embatido pelo veículo de matrícula ..-..-TD.

18 – O condutor do veículo de matrícula ..-..-TD tinha toda a via de trânsito da direita da Estrada Interior ... para passar pela frente do veículo de matrícula UL-..-...

19 – O embate deu-se entre a parte frontal do veículo de matrícula ..-..-TD e a parte lateral direita, zonal central, do veículo de matrícula UL-..-.. provocando o capotamento deste.

20 – Em consequência desse embate, AA foi arremessado ao solo, tendo sido projetado para junto da berma.

3. Efeitos do sinistro (provado em ação pretérita)

21 – Em consequência do acidente, o condutor do UL-..-.. e AA morreram.

22 – Em 20 de maio de 2004, existia um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º AU43017161, que segurava os riscos de circulação do veículo de matrícula UL-..-...

4. Nulidade do contrato de seguro (provado em ação pretérita)

23 – Aquando da celebração do contrato titulado pela apólice n.º AU43017161, o respetivo tomador, BB, declarou ser o condutor habitual do veículo de matrícula UL-..-...

24 – E declarou que tal veículo lhe pertencia.

25 – Na data da celebração do contrato titulado pela apólice n.º AU43017161, o condutor habitual do veículo de matrícula UL-..-.. era CC, filho de BB.

26 – O qual tinha carta de condução há menos de dois anos, contando 23 anos de idade (resposta ao facto controvertido no 61).

27 – Na data da celebração do contrato titulado pela apólice n.º AU43017161, o veículo de matrícula UL-..-.. pertencia à co-ré DD.

28 – Os factos referidos nos pontos 25 – factos provados – e 26 – factos assentes – a terem sido declarados à Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., teriam dado lugar a um agravamento do prémio de seguro

29 – Se o facto referido no ponto 27 – factos provados – fosse declarado à Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., esta não celebraria o contrato de seguro.

5. Pagamentos efetuados (provado em ação pretérita)

30 – O FGA procedeu ao pagamento às herdeiras de AA, da quantia de € 70.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida, pelo sofrimento sofrido pela malograda vítima com o vislumbre da morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e filha com a morte do marido e pai.

31 – O FGA liquidou à Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., ora ré, a importância de € 151.016,97, a título de despesas com o funeral, subsídio por morte e com as pensões de sobrevivência, relativamente ao sinistrado por acidente de trabalho AA

32 – Em 31 de agosto de 2006, ocorreu o último pagamento do FGA.

6. Restante contexto dos pagamentos efetuados

33 – O condutor do veículo de matrícula ..-..-TD, AA, deslocava-se do seu local de trabalho para sua casa.

34 – Até 22 de maio de 2006, a ré, Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., enquanto seguradora por acidentes de trabalho, pagou aos herdeiros de AA as seguintes quantias:

Dano Valor

Transporte 10,00

Despesas de Funeral 2.924,79

Subsídio por morte 4.387,19

Despesas judiciais 193,00

Pensões 34.793,57

Provisão matemática da viúva (75%) 99.936,47

Provisão matemática da filha (75%) 59,110,91

TOTAL 201.355,93

35 – Em consequência da colisão, foram projetados vários fragmentos desses veículos que vieram a embater na traseira do veículo de matrícula ..-..-JB, propriedade de EE e conduzido por FF, que se encontrava a circular pela Estrada Interior ....

36 – O FGA liquidou EE a quantia de € 1.097,60, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo veículo de matrícula ..-..-JB.

37 – O FGA efetuou os pagamentos referidos no ponto 30 – à família condutor do veículo de matrícula ..-..-TD, AA –, no ponto 31 – à ré Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., correspondente a 75% do valor referido no ponto 34 – e no ponto 36 – EE – na suposição de enfermar de nulidade oponível aos lesados o contrato titulado a apólice AU...61, outorgado com a Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., respeitante ao veículo de matrícula UL-OI -...

38 – Em 31 de maio de 2012, foi lavrado o registo de incorporação da Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., pela Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., aqui ré.

39 – Em 11 de janeiro de 2010, C... instaurou contra o ora autor ação (processo n.º 40/10.1...) pedindo a condenação do FGA no reembolso de pensões que pagou à mulher e à filha do sinistrado AA, até ao ano 2009.

40 – Em 2 de novembro de 2017, no âmbito da ação com processo n.º 40/10.1..., tendo por objeto o acidente dos autos e no qual autora e réu foram partes, por acórdão transitado em julgado, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão de julgar inoponível a nulidade do contrato titulado pela apólice n.º AU43017161 aos terceiros lesados, absolvendo-se o FGA do pedido formulado por C....

41 – Por cheque datado de 25 de fevereiro de 2021, a ré liquidou a C... a quantia de € 66.482,96, referente a pensões pagas por aquela à mulher e à filha do sinistrado AA. a partir do ano 2009.

B) O Direito

I – Questão prévia da admissibilidade do recurso subordinado

1. O FGA demandou a Ré FIDELIDADE em 2018 (que passou a incorporar a Império Bonança a partir de 2012), para se ver ressarcido das seguintes quantias:

1. Do montante de € 151.016,97, importância com que reembolsou a Ré FIDELIDADE, na qualidade de seguradora de acidentes de trabalho, dos valores que esta havia pago aos familiares do sinistrado AA;

2. Do valor que pagou diretamente aos familiares desse sinistrado e EE, dono da terceira viatura danificada pelos destroços do veículo UL respectivamente € 70.000 e € 1.097,60.

2. Relativamente ao primeiro segmento decisório, objeto do recurso subordinado do FGA, afirmou a Relatora no despacho proferido que se verifica um obstáculo à admissibilidade do recurso de revista, por dupla conformidade, o que o recorrente não contestou, admitindo a dupla conformidade.

Todavia, sustenta o FGA que a dupla conformidade não é obstáculo à admissibilidade do recurso subordinado. Para o efeito, argumenta que o n.º 5 do artigo 633.º do CPC, admitindo o recurso subordinado independentemente do valor da sucumbência, desde que o recurso principal seja admissível, deve ser aplicado, por analogia, à hipótese de se verificar dupla conforme quanto ao recurso subordinado, isoladamente considerado, mas não quanto ao recurso interposto a título principal. Esta solução, na ótica do recorrente, seria imposta pelo princípio geral da igualdade das partes, no que toca à oportunidade de controlo por um tribunal superior de uma decisão desfavorável.

3. Vejamos:

Questão idêntica foi já debatida e decidida no AUJ n.º 1/2020, tendo conhecido uma resposta negativa, com uma fundamentação que afastou os argumentos do ora recorrente FGA.

Com efeito, afirma o citado AUJ, referindo-se à interpretação do n.º 5 do artigo 633.º do CPC, que, «… este preceito adjectivo civil, enquanto norma excepcional, apenas mitiga o efeito atinente ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não admitindo múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, designadamente, quando está em causa um acórdão da Relação que, relativamente ao recorrente, confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª Instância, impondo-se, por isso, em razão do regime jurídico estabelecido para a dupla conforme decorrente do artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil, o não conhecimento do objecto do recurso interposto subordinadamente». Sobre o princípio da igualdade, aqui invocado pelo recorrente para fundamentar a tese da admissibilidade do recurso subordinado por interpretação extensiva ou aplicação analógica do n.º 5 do artigo 633.º do CPC, entende o AUJ n.º 1/2020, que, «(…) não nos parece que o princípio da igualdade das partes imponha, por si só, a irrelevância do regime da dupla conforme no recurso subordinado, nem que ocorra tratamento discriminatório ao deixar de equiparar a sucumbência e a dupla conforme, enquanto circunstâncias irrelevantes à admissibilidade do recurso subordinado, bastando recordar que a irrecorribilidade em função do valor da sucumbência e em virtude da dupla conforme, ainda que sustentada em razões que importam a limitação de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, assenta, numa e noutra hipótese, em pressupostos claramente diferenciados, sendo a limitação condizente ao valor da sucumbência, de índole quantitativa e portanto acentuadamente formal, ao invés da limitação atinente à dupla conforme que é de natureza substantiva, circunscrita à revista, determinada pela concordância dos julgados nas Instâncias, encerrando, reconhecidamente, e nesta medida, garantias de segurança jurídica face ao crivo revelado pelas Instâncias que dirimiram no mesmo sentido».

(…)

«Considero, assim que inexiste fundamento para sujeitar ao regime do n.º 5 do art. 633.º os casos em que a parte não recorrente se debata com uma situação de dupla conforme, a qual apenas pode ser contornada através do mecanismo da revista excecional previsto no art. 672.º.»,

O AUJ estabeleceu a seguinte orientação uniformizadora:

«O recurso subordinado de revista está sujeito ao n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, a isso não obstando o n.º 5 do artigo 633.º do mesmo Código».

4. Não sendo um acórdão uniformizador de jurisprudência fonte de direito, nem produzindo força obrigatória geral, tem, todavia, uma especial força de persuasão dirigida a promover valores fundamentais do Estado de Direito como a segurança jurídica e a igualdade, garantindo que casos idênticos são resolvidos de modo semelhante.

Assim, continua válida a solução nele consagrada, tanto mais que não foram aduzidos argumentos novos pelo recorrente.

5. Em consequência, não se admite o recurso subordinado.

II – Da obrigação de restituição de acordo com o enriquecimento sem causa e respetivo prazo de prescrição

6. A presente demanda resulta de pagamentos que o FGA fez à seguradora ré e aos lesados e seus familiares, na convicção de que o contrato de seguro era nulo, e que, portanto, era a si, enquanto garante legal, que competia a responsabilidade de indemnizar os lesados e não à seguradora (facto provado n.º 37).

Todavia, a nulidade do contrato de seguro automóvel do veículo UL, titulado pela apólice AU4307161, veio a ser declarada inoponível aos lesados, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06 de novembro de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 40/10.1PRT, e transitado em julgado, em 20 de novembro de 2017.

Nesse sentido, o Autor, FGA, sustenta, na sua petição inicial, que lhe assiste o direito de demandar a Ré nos termos do artigo 477.º do Código Civil, uma vez que, no âmbito da sua obrigação legal, cumprira uma obrigação alheia, julgando-a própria, pelo que lhe assistia o direito de exigir, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa, aquilo que indevidamente pagou.

7. As instâncias consideraram improcedente o pedido de restituição do FGA quanto aos valores pagos, por erro, à seguradora – 151.016,97 euros, conforme ilustra o ponto 31 da matéria de facto provada – tendo-se formado dupla conformidade neste segmento decisório, pelo que, como vimos, não se conhece do recurso subordinado do FGA, não sendo reapreciada esta questão de direito.

8. A única questão de direito a decidir no recurso de revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, diz respeito apenas ao reembolso da quantia de 71,097, 60 euros pagos diretamente, pelo FGA, aos lesados familiares do sinistrado e ao proprietário do veículo JB, EE (cfr. provados n.ºs 30 e 36), por força do dever de garante do FGA, nos termos do artigo 21.º e seguintes do Decreto-lei n.º 522/85, em vigor à data do acidente.

Importa saber se estão verificados os pressupostos do enriquecimento sem causa e se correu ou não o prazo de prescrição.

9. Na primeira sentença proferida, antes de o processo subir ao Supremo Tribunal de Justiça, o tribunal de 1.ª instância entendeu que o prazo prescricional se iniciou, pelo menos, a partir do momento em que foi deduzido o incidente de intervenção provocada da aqui Ré, no âmbito do processo n.º 40/10.1... (23 de abril de 2010), ou seja, quando foi suscitada a questão da invalidade do seguro celebrado com a Ré Seguradora.

Assim, no entender desta sentença, nessa data, o Autor tomou conhecimento dos factos que lhe permitiam exigir à Ré a restituição dos valores pagos com base no enriquecimento sem causa, dispondo já, nesse momento, de todos os elementos necessários para agir em conformidade com o preceituado no artigo 306.º, n.º 1, 1.ª parte do Código Civil.

Como ficou expresso na primeira sentença de 1.ª instância «(…) o prazo de prescrição se conta desde o momento em que o credor (empobrecido) tem conhecimento fáctico (e não jurídico) dos elementos constitutivos do seu direito à restituição e, em concreto, desde que tem conhecimento de que terá ocorrido um enriquecimento à sua custa, que esse enriquecimento é injustificado (destituído de causa) e qual a pessoa enriquecida».

10. Já o Tribunal da Relação do Porto, no primeiro acórdão, sobre a questão da prescrição da obrigação de restituir nos termos do enriquecimento sem causa, afirmou que o prazo de prescrição só começa a contar-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão que declarou a inoponibilidade da nulidade do contrato de seguro.

«Na hipótese in casu, encontrando-se pendente a controvérsia sobre uma alegada responsabilidade da seguradora ora Recorrida, por virtude de um acidente de viação (fonte do invocado enriquecimento), a qual veio a ser dirimida em sentido positivo, por Acórdão do STJ proferido no âmbito do Proc. n° 40/10.1..., só após o trânsito dessa decisão, o empobrecido, aqui Recorrente, poderia desencadear a acção de restituição por enriquecimento e, nessa medida, só a partir de tal data - 20 de Novembro de 2017 - se poderia iniciar a contagem do prazo de três anos contemplado no artigo 482.° do Código Civil.

Aliás, a concretização da responsabilização da Companhia de Seguros apelada — fonte do enriquecimento sem causa - ocorre apenas no momento que a decisão que determina a validade do contrato de seguros se queda imodificada através do trânsito em julgado. É neste preciso momento que o Recorrente FGA toma conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.

Concluímos do exposto que na data da propositura da presente acção e na data da citação da apelada não tinha ainda decorrido o prazo de três anos a contar da data em que o FGA tomou conhecimento do direito que lhe compete, o que determina a improcedência da excepção invocada pela R. ora apelada».

11. Na segunda sentença, proferida após a decisão do Supremo de não admissibilidade do recurso de revista (dado que o acórdão recorrido não declarando a prescrição, não pôs termo ao processo), o tribunal de 1.ª instância considerou que tendo o FGA optado por acionar a ré Fidelidade, ao abrigo do pagamento indevido, nos termos do artigo 477.º, n.º 1, do Código Civil, não podia optar, em relação aos valores pagos diretamente pelo FGA aos lesados, pela restituição nos termos do enriquecimento sem causa, pois, «O solvens empobrecido (FGA) não tem direito à compensação por enriquecimento sem causa contra o devedor exonerado (Império Bonança), apenas adquirindo por sub-rogação o direito do credor (terceiros lesados ressarcidos) contra o devedor exonerado (art. 477.º, n.º 2, do Cód. Civil). O FGA não tem, pois, o direito à restituição com base em enriquecimento sem causa contra a ré Fidelidade (enquanto sucessora da Império Bonança), quer porque não alegou (logo, não podia provar) os factos que afastam o direito previsto no n.º 1 do art. 477.º do Cód. Civil, constitutivos da sub-rogação legal prevista no n.º 2 do art. 477.º do Cód. Civil – não constando que, cautelarmente, tenha demandado primeiro os terceiros credores da Império Bonança (agora Fidelidade) aos quais efetuou o pagamento sem causa –, quer porque o único direito de que pode ser titular (mas que não exerce nesta ação) é o referido direito de tais credores – fundado em responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º e segs. do Cód. Civil) –, adquirido por sub-rogação legal».

Terminou, concluindo que o direito dos credores lesados se baseava na responsabilidade civil por factos ilícitos (artigo 483.º do Código Civil), e que, tendo o FGA adquirido este direito por sub-rogação legal, tal direito já foi exercido para além dos prazos de prescrição previstos no artigo 498.º do Código Civil, norma aplicável à responsabilidade civil extracontratual.

12. No acórdão agora recorrido, o Tribunal da Relação revogou a sentença do tribunal de 1.ª instância neste segmento, em relação à restituição dos valores pagos diretamente pelo FGA aos lesados, por estar convicto que o contrato de seguro era nulo (facto provado n.º 37).

E, fê-lo com o seguinte fundamento:

«No nosso ordenamento jurídico ( à data do acidente o citado Dec-Lei n.º 522/85 , de 31 de Dezembro), a obrigação de ressarcir os lesados não radica no instituto da responsabilidade civil extracontratual, subjectiva ou objectiva, que para ele tivesse sido transferida, legal ou contratualmente, antes se funde no dever legal de ressarcimento emergente do propósito de – socializando os riscos associados à circulação rodoviária – evitar a total desprotecção de vítimas de acidentes estradais nos casos em que não pode funcionar um seguro obrigatório válido. Por outras palavras, a fonte normativa do dever de indemnizar que o artigo 21.º do Dec-Lei n.º 522/85 faz recair sobre o FGA não se situa no âmbito da figura da responsabilidade civil, constituindo antes um dever legal de ressarcimento, emergente do propósito de fazer assumir pela colectividade os riscos mais gravosos, ligados aos acidentes estradais, nos casos em que foi inviável fazê-los incluir no âmbito do pilar /seguro obrigatório.

E, não podendo, pelos motivos apontados qualificar-se o FGA como causador do sinistro, isto é, como entidade que deva assumir, no âmbito da figura da responsabilidade civil, a indemnização de certo tipo de danos resultantes de acidente rodoviário, não se verificam os pressupostos legais que as normas aplicáveis condicionam o exercício do direito de regresso por parte das seguradoras. Assim, no caso de não existir ou ser desconhecida a existência de seguro automóvel válido, o artigo 25.º do Dec-Lei n.º 522/85, na redacção dada pelo Dec-Lei n.º 122-A/86, de 30 de Maio, em vigor à data do acidente, dispunha que satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança.

O fundamento da demanda, como vimos, decorre da validade e eficácia do seguro automóvel do veículo UL, titulado pela apólice AU4307161, que só veio a ser reconhecida no Acórdão proferido pelo STJ em 6 de Novembro de 2017, no âmbito do Proc. n.º 40/10.1....

Nesse sentido o Autor sustentou na sua petição inicial que lhe assistia o direito de demandar a Ré na qualidade de incorporante desde 2012 da Império Bonança, nos termos do artigo 477.º, n.º 1 do CC, ou seja que, no âmbito da sua obrigação legal de garante cumprira uma obrigação alheia, julgando-a própria, pelo que lhe assistia o direito de exigir desta, enquanto incorporante, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa, aquilo que indevidamente pagou. E, verdadeiramente, o FGA é um terceiro pagador, cuja responsabilidade resultante da aplicação da citada disposição legal é garantistica de uma obrigação alheia.

Porque não nos movemos já no domínio da responsabilidade civil, nos termos do artigo 483.º e ss. do CC, forçosamente não serão aqui aplicáveis as regras da prescrição previstas no artigo 498.º do CC indicadas na sentença.

No contexto factual e legal que desenvolvemos, tendo o FGA assegurado o pagamento directo aos credores lesado ficará sempre sub-rogado nos direitos destes contra a Ré devedora FIDELIDADE, enquanto incorporante da Império Bonança -verdadeira enriquecida-, a partir do momento em que esta foi reconhecida como responsável lesante através do contrato de seguro automóvel válido do veículo UL, exercendo pois o seu direito à restituição com base em enriquecimento a partir da data em que pode exercer a sua qualidade de credor sub-rogado nos direitos dos lesados credores.

Com efeito, o FGA assumiu aqui uma obrigação alheia, julgando-a própria, por estar convencido da inexistência de seguro válido, permitindo o enriquecimento do lesante que, por força do reconhecimento da inoponibilidade da validade do seguro pelo Acórdão do STJ, veio a saber-se que era a Bonança Império.

Nos termos do disposto no artigo 498.º, n.º 4 do CC, a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a ela.

Por outro lado, o artigo 482.º do mesmo diploma estatui que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de 3 (três) anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.

Este prazo de 3 anos começa a correr apenas quando o titular do direito toma conhecimento do seu direito à restituição e da identidade da pessoa responsável. Assinale-se aqui uma importante diferença com o prazo de prescrição do direito de indemnização, o qual, sendo igualmente de 3 anos e também sem prejuízo do prazo ordinário, começa a correr mesmo que o lesado desconheça a pessoa responsável (n.º 1 do artigo 498.º do CC.

Ora, tendo nós assumido a posição no Acórdão proferido nestes autos em 21 de Novembro de 2019, que a expressão contida no artigo 482.º do CC “ conhecimento do direito que lhe compete” se refere ao conhecimento do direito à restituição, e não apenas aos elementos constitutivos de tal direito, a concretização da responsabilização da ora Apelada – fonte do enriquecimento sem causa – ocorreu apenas no momento em que a decisão que determina a validade do contrato de seguro se queda imodificada , ou seja através do trânsito em julgado do Acórdão do STJ proferido no âmbito do Proc. n.º 40/10.1... – em 20 de Novembro de 2017. Nessa medida, só a partir desta data poderia o Apelante desencadear a pertinente acção de restituição por enriquecimento porquanto tomou conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.

Como vimos, a presente acção deu entrada em juízo em 4 de Agosto de 2018 e a Ré FIDELIDADE foi citada em 8 de Agosto de 2018, pelo que necessariamente não ocorreu a prescrição quanto a estes pedidos, os quais procedem na íntegra.

Sobre estas importâncias – € 70.000, 00 e € 1.097,60 – acrescem juros moratórios legais a contar da citação da Ré – em 8 de Agosto de 2018 -, nos termos do artigo 804.º e 805.º, n.º 1 do CC - na medida em que a obrigação não tem prazo certo – e até integral reembolso».

13. Está em causa, nos presentes autos, a questão de saber qual a natureza do direito do FGA, se se funda na responsabilidade civil extracontratual, como entende a sentença, ou no enriquecimento sem causa, como decidiu o acórdão recorrido, bem como a determinação do respetivo prazo de prescrição.

Ora, entendemos, tal como o acórdão recorrido, que o direito do FGA não tem a mesma natureza do direito de indemnização dos credores, conforme entendeu a sentença, mas que se trata de um direito de natureza distinta, de fonte autónoma do direito dos lesados e que resulta estritamente da posição do FGA como garante legal da indemnização dos lesados nos termos do artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 522/85 (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 122/86, de 30-5), diploma aplicável à data do acidente, 20 de maio de 2004, e que, sob a epígrafe (Âmbito do Fundo), afirmava o seguinte:

«1 - Compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer, nos termos do presente capítulo, as indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e que sejam matriculados em Portugal ou em países terceiros em relação à Comunidade Económica Europeia que não tenham gabinete nacional de seguros, ou cujo gabinete não tenha aderido à Convenção Complementar entre Gabinetes Nacionais.

2 - O Fundo de Garantia Automóvel garante, por acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação das indemnizações por:

a) Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz, ou for declarada a falência da seguradora;

b) Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, mas não beneficiando de seguro válido ou eficaz, revele manifesta insuficiência de meios para solver as suas obrigações».

O FGA é, pois, uma entidade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que, por razões de solidariedade social e de proteção das vítimas de acidentes de viação, garante o pagamento das indemnizações aos lesados, nos casos em que o responsável é desconhecido ou em que não beneficia de seguro válido e eficaz, ficando o FGA, satisfeita a indemnização, sub-rogado nos direitos do lesado, nos termos do artigo 25.º do DL n.º 522/1985, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 122-A/86, de 30-05, em vigor à data do acidente.

No caso concreto, uma vez que o condutor responsável pelo acidente não beneficiava de um contrato de seguro válido, foi o FGA, para cumprir os objetivos de solidariedade social que lhe são adjudicados pela lei, que pagou a indemnização aos lesados, procedendo à regularização do sinistro.

No processo n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1, uma instituição de previdência de direito suisso, que pagava uma pensão às lesadas em virtude do acidente de viação destes autos, intenta uma ação contra o FGA e os responsáveis pelo acidente de viação, a fim de exercer o seu direito de regresso. Neste processo, o FGA requereu a intervenção da seguradora, agora recorrente, que se defendeu perante o pedido da instituição suissa, invocando a nulidade do contrato de seguro, enquanto exceção perentória que impede o efeito jurídico do contrato de seguro, o que, por si só, conduziria à absolvição da Seguradora.

Na jurisprudência, era controvertida a questão de saber qual a espécie de invalidade em causa – nulidade ou anulabilidade – com repercussões na oponibilidade da invalidade do contrato de seguro aos lesados, pois o entendimento dominante propugnava que a tese da inoponibilidade era restrita aos casos de anulabilidade do contrato de seguro, não abrangendo a nulidade, que permaneceria oponível erga omnes.

No citado processo, apurou-se que o tomador do seguro declarou, falsamente, ser proprietário do veículo e seu condutor habitual, com o intuito de conseguir que a seguradora: (i) celebrasse o contrato que de outra forma não seria celebrado; e/ou (ii) celebrasse o contrato em condições menos onerosas para o segurado.

Perante dúvidas de interpretação acerca das diretivas comunitárias que regulavam esta matéria da oponibilidade ao lesado das exceções invocadas pelas seguradoras, o Supremo Tribunal de Justiça procedeu ao reenvio do processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267.º do Tratado do Funcionamento da UE, tendo o TJUE respondido à questão colocada da seguinte forma:

As normas das diretivas comunitárias relativas ao seguro de responsabilidade civil automóvel «(…) devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, tem por efeito que seja oponível aos terceiros lesados a nulidade de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nulidade essa que resulta de falsas declarações iniciais do tomador do seguro sobre a identidade do proprietário e do condutor habitual do veículo em causa ou do facto de que a pessoa por quem ou em nome de quem esse contrato de seguro é celebrado não tinha interesse económico na celebração do referido contrato».

Assim sendo, a inoponibilidade da invalidade do contrato de seguro aos terceiros lesados não depende da espécie de invalidade com que o ordenamento sanciona a falsidade das declarações do segurado, deixando esta questão de ser controversa na jurisprudência nacional.

Nesta sequência, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão, de 2 de novembro de 2017, proferido no processo n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1, que o contrato de seguro, celebrado entre a seguradora, agora recorrente, e o condutor do veículo segurado, apesar de inválido por declarações falsas do segurado, e independentemente da espécie de invalidade que lhe seja imputada, vincula a seguradora perante os lesados, na medida em que a nulidade do contrato, por falsidade das declarações, é inoponível aos lesados ou seus herdeiros e, consequentemente também inoponível a quem se encontre sub-rogado nos direitos daqueles, no caso vertente, ao FGA, agora recorrido.

Desta decisão judicial, veio a resultar, que, afinal, a seguradora estava vinculada ao cumprimento do contrato de seguro perante os lesados, apesar da nulidade do mesmo, por força do regime da inoponibilidade desta exceção perante os lesados, tudo se passando como se este contrato, perante os lesados, não padecesse de qualquer invalidade, ficando, em consequência, o FGA dispensado do pagamento que lhes prestara na convicção de que o contrato era nulo.

Perante a realidade jurídica descrita, compreende-se que o FGA, confrontado com a ausência de um seguro válido em nome do responsável pelo acidente de viação, tivesse, à data do acidente, pago, de imediato, e com boa fé (confiando nas declarações da seguradora na participação extrajudicial efectuada ao autor, FGA), a indemnização às lesadas, desempenhando a sua função de proteção das vítimas.

14. Assim, dada a natureza específica e autónoma do dever do FGA, perante as pessoas lesadas no acidente de viação dos autos, e a não aplicação das regras da responsabilidade civil por factos ilícitos a esta situação fáctico-jurídica, são, pois, aplicáveis as normas do enriquecimento sem causa (artigos 473.º e seguintes do Código Civil) e não as da responsabilidade civil (artigos 483.º e 498.º do Código Civil).

Dispõe o artigo 473.º do Código Civil:

«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».

Está assente na doutrina e na jurisprudência que, para haver restituição derivada do enriquecimento sem causa, é necessário que:

a) exista um enriquecimento;

b) obtido à custa de outrem;

c) que não haja qualquer causa justificativa para a deslocação patrimonial.

Isto é, a obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, exige que alguém tenha obtido uma vantagem de carácter patrimonial, sem causa que a justifique e que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

A jurisprudência deste Supremo (cf. Acórdão de 24/03/2017, processo n.º1769/12.5TBCTX.E1.S1) tem afirmado que a noção de falta de causa do enriquecimento é muito controvertida e difícil de definir, e que não existe uma fórmula unitária que sirva de critério para a determinação exaustiva das hipóteses em que o enriquecimento deve considerar-se privado de justa causa.

O conceito de causa justificativa é um conceito indeterminado (cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2018, p. 457), cujo preenchimento depende dos “critérios legais definidores de uma correta ordem ou ordenação dos bens”, isto é, de todos princípios e regras do ordenamento ou do sistema jurídico, implicando “uma remissão para o resto do ordenamento” (cf. Júlio Gomes, “Anotação ao artigo 473.º”, in Comentário ao Código civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p. 251).

Sempre restará, portanto, uma margem de apreciação ao julgador no preenchimento do conceito de causa justificativa, perante cada prestação e o respetivo escopo.

As causas justificativas podem ser as mais diversas, por exemplo, i) o consentimento do empobrecido, mormente através de um contrato, ii) a lei, como sucede na usucapião e na prescrição, iii) a caducidade do direito do comprador à redução do preço, uma decisão judicial ou iv) o cumprimento de uma obrigação natural.

A obrigação de restituir, fundada no enriquecimento sem causa, tem natureza subsidiária (artigo 474.º do Código Civil). Não é permitido, por isso, o exercício da ação de enriquecimento sem causa quando o interessado tenha ao seu dispor outro meio de ser indemnizado pelo prejuízo sofrido.

Nestes termos, afirma-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30-09-2010 (Revista n.º 5124/06.8TVLSB.L1.S1), que a verdadeira função do instituto do enriquecimento sem causa é a de reprimir o enriquecimento injustificado e não a de compensar os danos sofridos.

Temos por certo, em face desta orientação doutrinal e jurisprudencial, que a seguradora fidelidade, a quem competia o pagamento das indemnizações aos lesados, enriqueceu sem causa justificativa e à custa do empobrecimento do FGA, por esta entidade ter assumido, de boa fé e por erro quanto aos efeitos da nulidade do contrato de seguro, o pagamento das indemnizações diretamente às familiares dos lesados.

Assim, constata-se que estão verificados os pressupostos do artigo 473.º do Código Civil e que a seguradora deve reembolsar o FGA das quantias por este dispendidas, conforme ponto 31 da matéria de facto.

15. Importa agora averiguar se já decorreu ou não o prazo de prescrição.

Acerca do prazo de prescrição, dispõe o artigo 482.º do Código Civil o seguinte:

«O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo do prazo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento».

O direito à restituição do enriquecimento sem causa está, assim, sujeito a dois prazos de prescrição, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, bastando que um deles termine para que o direito prescreva: o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º, prazo este que começa a correr a partir do facto do enriquecimento, e um prazo de três anos que começa a correr apenas quando o titular do direito toma conhecimento do seu direito à restituição e da identidade da pessoa responsável. Note-se que este regime apresenta uma importante diferença com o prazo de prescrição do direito de indemnização, o qual, sendo igualmente de três anos e também sem prejuízo do prazo ordinário, começa a correr mesmo que o lesado desconheça a pessoa do responsável.

A jurisprudência tem entendido que a expressão “conhecimento do direito” que lhe compete reporta-se ao conhecimento dos elementos constitutivos do direito e não ao conhecimento de ter direito à restituição (cf. Júlio Gomes, “Anotação ao artigo 482.º do Código Civil”, ob. cit., 2018, p. 271).

Contudo, persiste a dúvida sobre se o conhecimento do direito se reporta apenas a elementos fácticos constitutivos do direito à restituição ou comporta também o conhecimento de elementos jurídicos. Julgamos que esta última hipótese é a que está prevista na lei, desde logo porque a lei determina que o prazo não começa a correr enquanto o empobrecido não souber quem é a pessoa responsável. Ora, antes do conhecimento da pessoa responsável, também é dificilmente concebível que o empobrecido conheça o enriquecimento de outrem e a legitimidade da sua pretensão. Em consequência, o prazo também não pode começar a correr antes de o empobrecido conhecer os elementos jurídicos que fundamentam o seu pedido de restituição nos termos do enriquecimento sem causa, nomeadamente, a ausência de causa ou o desaparecimento de uma causa que julgava existir.

O direito à restituição com base no enriquecimento é uma matéria que se entrecruza com outros institutos, nomeadamente com a responsabilidade civil, podendo suceder que esteja prescrito o direito a exigir uma indemnização no domínio do instituto da responsabilidade civil, mas seja permitida ainda uma ação de enriquecimento sem causa (artigo 498.º, n.º 4, do Código Civil).

O autor de um facto ilícito, mesmo que já não tenha de indemnizar os danos causados a outrem, pode vir a ter de restituir o enriquecimento que obteve, como se decidiu, por exemplo, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 26-01-2016, proc. n.º 310/13.7TBVLG.P1.S1, onde se sumariou o seguinte:

«II - Sendo improcedente o pedido cível deduzido no processo penal, em virtude de decisão penal absolutória por insuficiência de prova, é admissível uma ação autónoma fundada no enriquecimento sem causa, pois o núcleo essencial dos factos integradores das normas concorrentes é distinto.

III - Responsabilidade civil e enriquecimento sem causa não constituem uma única pretensão diversamente fundada. Na responsabilidade civil visa-se eliminar o dano do património do ofendido, colocando-se este na situação em que estaria se não tivesse sido cometida a lesão (teoria da diferença). No enriquecimento sem causa, visa-se obter a remoção do enriquecimento do património do beneficiado. Ambos os institutos determinam consequências diversas, sendo portanto as pretensões dos sujeitos também diversas e diversos os seus pressupostos jurídico-económicos».

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tendo em conta as especificidades do instituto do enriquecimento sem causa, revela maior flexibilidade na determinação do momento inicial da contagem do prazo de prescrição do que na contagem do prazo de prescrição do direito à indemnização, nos termos do artigo 498.º do Código Civil.

Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão de 27-11-2003 (proc. n.º 03B3091), onde se afirma que «O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete (art. 482º do CC), não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído».

No mesmo sentido, o Acórdão de 26-02-2004 (proc. n.º 03B3798), em cujo sumário se afirma que: «3. O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição. 4. O enriquecimento injustificado constitui fonte autónoma de obrigações e a acção nele fundada é viável desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a existência de um enriquecimento; que esse enriquecimento se obtenha à custa de outrem; e a falta de causa justificativa. 5. Não actuam com abuso de direito os autores que, tendo em acção anterior intentada contra o mesmo réu invocado que lhe entregaram dois veículos como dação em cumprimento de uma dívida que tinham para com ele, vêm mais tarde, porque naquela acção não se provou a existência da dação invocada, pedir a restituição do valor dos citados veículos com fundamento no enriquecimento sem causa».

Ainda, segundo o Acórdão de 02-12-2004 (proc. n.º 04B3828): «I - O prazo especial, breve, de 3 anos estabelecido no art.482º C.Civ. conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes dum enriquecimento à sua custa e a saber também quem assim resultou beneficiado. II - Esse prazo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifique a restituição. III - Uma vez que só se conta a partir da data em que o empobrecido tomou conhecimento do direito que lhe assiste por este fundamento, não abarca o período em que, com boa fé, tiver utilizado sem êxito outro meio de ser indemnizado ou restituído».

Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09-02-2012 (Revista n.º 1582/10.4TBSTS.P1.S1), entendeu-se, no mesmo sentido da jurisprudência anteriormente citada, que o período em que o autor, de boa fé, utiliza, sem êxito, outro meio para fazer valer o seu direito não conta para o efeito de prescrição do direito à restituição com base no enriquecimento sem causa:

«III - O art. 482.º do CC estabelece uma prescrição de curto prazo (3 anos) para o exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa (sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo de enriquecimento) e pretende incutir sobre o credor a premência de exercer o seu direito, logo que possua os elementos necessários para agir, ou seja, o conhecimento do direito que lhe assiste e da pessoa do responsável.

IV - Estando pendente acção declarativa, o prazo de prescrição não se deve iniciar enquanto o empobrecido invocar causa concreta para o respectivo empobrecimento, ou seja, enquanto lançar mão de outro meio ou fundamento justificativo da restituição».

Esta orientação tem sido também adotada pela jurisprudência dos Tribunais da Relação: «A prescrição estabelecida no artigo 482.º só é atendível, a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as suas tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal; Tal conclusão é imposta pela circunstância da obrigação fundada no enriquecimento sem causa ter natureza subsidiária» (acórdão da Relação de Guimarães, de 22-05-2014, proc. n.º 169/13.4TCGMR-A.G1). «Dada a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido (…) tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição» (cf. acórdãos Relação de Guimarães, de 10-09-2013, proc. n.º 533/11.3TBAVV-A.G1; Relação do Porto, de 29-04-2013, proc. n.º 826/11.0TBGDM.P1).

16. Apesar de, no caso dos autos, o FGA não ter invocado outro meio ou fundamento que justificasse a devolução do que tinha pago, antes do pedido de restituição com base no enriquecimento formulado na presente ação, ficou a aguardar pela decisão judicial proferida noutro processo, em que foi demandado, e que incidiu sobre o mesmo acidente do caso destes autos, para saber se existia ou não causa para o enriquecimento da seguradora que não tinha pago a indemnização às lesadas, invocando a exceção da nulidade do contrato de seguro.

A jurisprudência acima citada sobre o conceito de “conhecimento do direito” é, portanto, transponível para o caso dos autos.

O acórdão recorrido contou o prazo de prescrição do direito do FGA a pedir a restituição do que pagou aos lesados, de acordo com o enriquecimento sem causa (artigo 482.º do Código Civil), a partir da data do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal, de 6 de novembro de 2017 (proc. n.º 40/10.1TVPRT), o que permitiu concluir que o FGA, quando interpôs a ação discutida nestes autos – em 4 de agosto de 2018 – estava dentro do prazo.

No contexto jurídico descrito nestes autos, em que se colocou, no processo 40/10.1TVPRT, a questão da inoponibilidade da exceção (nulidade do contrato de seguro), não era exigível ao FGA que intentasse uma ação de restituição por enriquecimento sem causa, antes de conhecer a solução definitiva que viria a ser proferida neste processo n.º 40/10.1TVPRT, para a questão da (in)oponibilidade da nulidade do contrato de seguro.

A obrigação de restituir da seguradora, ao Fundo, o que este pagou diretamente às lesadas, dependendo da resolução de uma determinada questão de direito – a (in)oponibilidade da invalidade do contrato de seguro aos lesados e ao FGA – que se encontrava pendente no processo n.º 40/10.1PRT, só se tornou exigível a partir do momento em que o tribunal decreta esta inoponibilidade por sentença transitada em julgado.

No presente caso, não existe qualquer analogia com a questão que se coloca no artigo 498.º do Código Civil, quanto ao momento em que se inicia o prazo de prescrição. Este preceito reporta-se ao prazo de prescrição do direito de indemnização no instituto da responsabilidade extracontratual e tem por objetivo impedir que a ignorância da lei ou a inércia, na obtenção de informação sobre a existência ou não do direito, criem insegurança jurídica para o devedor e dificuldade de prova quanto aos contornos dos factos que geram a obrigação de indemnizar. Como dizia Vaz Serra (in RLJ, 1973-1974, Ano 106.º, n.º 3511, p. 346), o legislador, com o estabelecimento deste prazo especial de prescrição, visou evitar que «as circunstâncias do acto ou omissão danosos tenham de ser apreciadas judicialmente muito tempo após a prática desse acto ou omissão», dadas as dificuldades de produção da prova que se podem suscitar, principalmente, quanto à prova testemunhal.

No caso que agora nos ocupa, o acidente e os danos causados ficaram provados no processo n.º 40/10.1TVPRT; a seguradora, demandada nesse processo, sabia que podia vir a ser condenada ao pagamento da indemnização, por ter sido requerida, nesse processo, a sua intervenção principal provocada, estando a solução da questão da oponibilidade da invalidade do contrato de seguro (aos lesados, à instituição de previdência suissa e ao FGA) apenas dependente da decisão que naquele processo viesse a ser proferida.

Não pode, pois, a seguradora invocar que foi surpreendida pela pretensão do FGA exigir em agosto de 2018 – menos de um ano após o trânsito em julgado da decisão – a restituição do que indevidamente pagou às pessoas da família dos lesados falecidos no acidente de viação.

Não era exigível ao FGA que intentasse uma ação, com todas as despesas e esforços normalmente implicados nesse passo, antes de saber qual seria a decisão do tribunal em relação à inoponibilidade da nulidade do contrato de seguro, pois, caso viesse a ser decretada a oponibilidade da invalidade do contrato, teria o FGA praticado um ato dispendioso e, ademais, inútil. Na verdade, antes do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 40/10.1PRT (muito menos antes de interposta esta ação e no momento em que pagou a indemnização às lesadas), o FGA não tinha ainda conhecimento dos elementos fáctico-jurídicos constitutivos do seu direito à restituição e que se referem à existência ou não de causa para o enriquecimento da seguradora.

Note-se que, aquilo que o recorrido, FGA, pede na presente ação, não foi um direito de regresso sobre as indemnizações já pagas, cujo prazo de prescrição se contaria, nos termos do n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, a partir da data do último pagamento, e que estaria já decorrido, conforme jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. jurisprudência citada no Acórdão de 02-11-2017). O que o recorrido, FGA, pediu nesta ação, foi uma restituição nos termos do enriquecimento sem causa, estando a análise do prazo de prescrição dependente desta prévia qualificação.

Nos termos do pedido feito na ação, aceita-se que só se tornou possível aferir da existência ou não de causa justificativa do enriquecimento, a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 40/10.1TVPRT, só nesse momento se iniciando a contagem do prazo.

Neste sentido, afirma o artigo 498.º, n.º 4, do Código Civil que a prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da ação de restituição por enriquecimento sem causa. O direito à restituição por enriquecimento sem causa não é, assim, afetado pela prescrição do direito de indemnização (ou do direito de regresso nos termos do artigo 498.º, n.º 2), uma vez que se trata de direitos diferentes, cada um deles sujeito ao seu regime próprio (cf. Vaz Serra, RLJ, Ano 110.º, 1977-1978, n.º 3591, p. 88).

O labor doutrinal e jurisprudencial feito a propósito da norma do artigo 498.º do Código Civil, relativamente ao que se entende por “conhecimento do direito”, para determinação do início da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnização, sofre, portanto, adaptações às especificidades do instituto do enriquecimento sem causa. Estas especificidades são a natureza subsidiária do enriquecimento, e a tomada de conhecimento de elementos jurídicos constitutivos do direito, relacionados com a inexistência de causa para as vantagens obtidas pelo enriquecido.

No caso vertente, a causa só desapareceu com o trânsito em julgado da decisão judicial que declarou a inoponibilidade da invalidade do contrato de seguro, 16 de novembro de 2017.

17. Assim sendo, não estando prescrito o direito de obter o enriquecimento sem causa, tem o autor, FGA, o direito de ser reembolsado, pela seguradora, das quantias que pagou diretamente aos lesados, nos termos decididos pelo acórdão recorrido, que se confirma.

18. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - O direito à restituição por enriquecimento sem causa não é afetado pela prescrição do direito de indemnização (ou do direito de regresso nos termos do artigo 498.º, n.º 2), uma vez que se trata de direitos diferentes, cada um deles sujeito ao seu regime próprio.

II - O direito à restituição do enriquecimento sem causa está sujeito a dois prazos de prescrição, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, bastando que um deles termine para que o direito prescreva: o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º, prazo este que começa a correr a partir do facto do enriquecimento, e um prazo de três anos que começa a correr apenas quando o titular do direito toma conhecimento do seu direito à restituição e da identidade da pessoa responsável.

III - O FGA é uma entidade, dotada de autonomia administrativa e financeira, que, por razões de solidariedade social e de proteção das vítimas de acidentes de viação, garante o pagamento das indemnizações aos lesados, nos casos em que o responsável é desconhecido ou em que este não beneficia de seguro válido e eficaz.

IV – Entende-se que não prescreveu ainda o direito de restituição do FGA contra a seguradora, com base no enriquecimento sem causa, em virtude de quantias pagas pelo FGA, por erro, aos lesados, contando-se o prazo de prescrição a partir do momento em que transitou em julgado a decisão que considerou que a nulidade do contrato de seguro não era oponível aos lesados.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se no Supremo Tribunal de Justiça:

a) não admitir o recurso de revista dirigido ao reembolso da quantia fixada no ponto 31 da matéria de facto provada;

b) negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, quanto ao restante.

c) Custas da decisão quanto à não admissibilidade do recurso de revista, a cargo do Fundo de Garantia Automóvel;

d) Custas do recurso de revista a cargo da recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2024

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Manuel Aguiar Pereira (1.º Adjunto)

Nelson Borges Carneiro (2.º Adjunto)