Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | NORONHA DO NASCIMENTO | ||
| Descritores: | CLÁUSULA PENAL REDUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200501130038952 | ||
| Data do Acordão: | 01/13/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 444/04 | ||
| Data: | 04/27/2004 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Sumário : | I) Num contrato de empreitada para fornecimento, execução e assentamento de caixilharia e portadas numa moradia pelo preço global de 5.398.063$00, a cláusula penal acordada para a hipótese de atraso no cumprimento pelo empreiteiro (onde se fixa o montante de 50.000$00 por cada dia de aterro) é manifestamente excessiva e desproporcionada quando, a final, o montante indemnizatório global adveniente dela ascende a 85.400.000$00; II) Justifica-se, por isso, a redução equitativa da pena feita pelas instâncias ao abrigo do art. 812º do C.Civil estabelecendo-se o montante indemnizatório em metade do preço da empreitada. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Os A.A. A e mulher B propuseram acção com processo ordinário contra a Ré " C - Industria de Construção SA " pedindo a condenação da Ré a eliminar os defeitos da obra que esta, como empreiteira, executou para aqueles como seus donos, e ainda a pagar-lhes as quantias de 50.000$00/ dia pelo incumprimento, 200.000$00 por danos patrimoniais e 1.000.000$00 por danos não patrimoniais. Após contestação da Ré e na sequência da normal tramitação dos autos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente condenando a Ré a eliminar os defeitos da obra que foram dados como provados e ainda a quantia de 13.462,71 euros a título indemnizatório. Apelaram os A.A. sem êxito. Inconformados, recorrem agora de revista, concluindo as suas alegações da forma que sucintamente se indica: a) a Ré - empreiteira assumiu unilateralmente, para o caso de incumprimento contratual seu, pagar uma cláusula penal de 50.000$00 por cada dia de atraso na conclusão da obra; b) a redução da cláusula penal é uma medida excepcional que se destina a afastar o exagero da pena e não a anulá-la; c) no caso, o montante fixado pelos Tribunais de instância, reduzindo a cláusula penal concretamente fixada, é iníquo e arbitrário; d) daí que, no caso, a Ré devesse pagar a cláusula penal na totalidade e que foi assumida por ela própria; e) assim, o montante que a Ré devia pagar era de 425.973,40 euros; f) ao fixar em 13.462,71 euros esse montante, o Tribunal da Relação violou o disposto no art.º 812 n.º 1 do C. Civil. Pedem a concessão da revista condenando-se a Ré na totalidade da cláusula penal.Contra - alegou a Ré, defendendo a bondade da decisão.A única questão que se discute neste recurso é tão-só o carácter excessivamente desproporcionado da cláusula penal fixada contratualmente. As instâncias consideraram que, no caso, a cláusula penal era manifestamente excessiva e reduziram-na equitativamente para montantes aceitáveis e justos. E há que reconhecer que a decisão das instâncias é intocável. Os factos provados são, resumidamente, os seguintes: a) os A.A. que estavam a construir uma moradia sua contrataram (como donos da obra) uma empreitada com a Ré segundo a qual esta fornecia, executava e assentava caixilharia e portadas naquela moradia; b) o preço global da empreitada contratada foi de 5.398.063$00, liquidado na íntegra pelos A.A.; c) a Ré comprometeu-se a pagar, como cláusula penal, a quantia de 50.000$00 por cada dia de atraso na conclusão da empreitada; d) a empreitada foi genericamente bem executada mas apresentava alguns defeitos que os A.A. pediram à Ré que corrigisse; e) esta nunca os corrigiu mantendo-se ainda tais defeitos; são eles que constituem o objecto do pedido dos A.A. na presente acção onde peticionam o sua eliminação; f) o montante global da cláusula penal ascende a 85.400.000$00 (425.473 euros). Foi perante esta factualidade, assim resumida, que as instâncias reduziram - e bem, sublinha-se - o montante da cláusula penal. A cláusula penal (prevista no art.º 810 e segs. do C. Civil, como todos os que se citarem sem indicação expressa de diploma) destina-se a permitir uma avaliação abstracta de danos nos casos de incumprimento contratual, concomitantemente com uma finalidade sancionatória emergente do ilícito civil que é esse incumprimento. Daí que a cláusula penal prescinda de uma quantificação concreta de prejuízos, que ela visa obviar com as inerentes dificuldades de prova. No caso em apreço, contudo, a cláusula penal acordada é manifestamente excessiva, exorbitante e usurária. Para uma empreitada cujo preço total foi de cerca de 5.400 contos, as partes estipularam uma cláusula penal que orça em mais de 85.000 contos; ou seja, temos perante nós uma sanção indemnizatória que excede 15 / 16 vezes o preço global da empreitada. Para um contrato de preço reduzido surge-nos uma cláusula penal inserida nele que atinge valores astronómicos e desproporcionados. Reduzir a cláusula penal era, destarte, o único caminho aceitável sob pena do tribunal sufragar um negócio usurário à margem do equilíbrio prestacional que deve dominar os contratos onerosos e da boa - fé contratual que impõe aos contraentes a lisura e a proporcionalidade negociais. As instâncias reduziram a cláusula penal para metade do preço global da empreitada. Supomos que é uma solução que corresponde aos anseios de equidade a que o art.º 812 lança mão: por um lado, é uma solução proporcionada e não excessiva; por outro, mantém o carácter sancionatório pelo cumprimento defeituoso já que a pena corresponde a metade do preço contratado.Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 13 de Janeiro de 2005 Noronha do Nascimento Moitinho de Almeida Bettencourt de Faria |