Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B3895
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NORONHA DO NASCIMENTO
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
Nº do Documento: SJ200501130038952
Data do Acordão: 01/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 444/04
Data: 04/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I) Num contrato de empreitada para fornecimento, execução e assentamento de caixilharia e portadas numa moradia pelo preço global de 5.398.063$00, a cláusula penal acordada para a hipótese de atraso no cumprimento pelo empreiteiro (onde se fixa o montante de 50.000$00 por cada dia de aterro) é manifestamente excessiva e desproporcionada quando, a final, o montante indemnizatório global adveniente dela ascende a 85.400.000$00;

II) Justifica-se, por isso, a redução equitativa da pena feita pelas instâncias ao abrigo do art. 812º do C.Civil estabelecendo-se o montante indemnizatório em metade do preço da empreitada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Os A.A. A e mulher B propuseram acção com processo ordinário contra a Ré " C - Industria de Construção SA " pedindo a condenação da Ré a eliminar os defeitos da obra que esta, como empreiteira, executou para aqueles como seus donos, e ainda a pagar-lhes as quantias de 50.000$00/ dia pelo incumprimento, 200.000$00 por danos patrimoniais e 1.000.000$00 por danos não patrimoniais.

Após contestação da Ré e na sequência da normal tramitação dos autos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente condenando a Ré a eliminar os defeitos da obra que foram dados como provados e ainda a quantia de 13.462,71 euros a título indemnizatório.
Apelaram os A.A. sem êxito.

Inconformados, recorrem agora de revista, concluindo as suas alegações da forma que sucintamente se indica:
a) a Ré - empreiteira assumiu unilateralmente, para o caso de incumprimento contratual seu, pagar uma cláusula penal de 50.000$00 por cada dia de atraso na conclusão da obra;
b) a redução da cláusula penal é uma medida excepcional que se destina a afastar o exagero da pena e não a anulá-la;
c) no caso, o montante fixado pelos Tribunais de instância, reduzindo a cláusula penal concretamente fixada, é iníquo e arbitrário;
d) daí que, no caso, a Ré devesse pagar a cláusula penal na totalidade e que foi assumida por ela própria;
e) assim, o montante que a Ré devia pagar era de 425.973,40 euros;
f) ao fixar em 13.462,71 euros esse montante, o Tribunal da Relação violou o disposto no art.º 812 n.º 1 do C. Civil.
Pedem a concessão da revista condenando-se a Ré na totalidade da cláusula penal.
Contra - alegou a Ré, defendendo a bondade da decisão.
A única questão que se discute neste recurso é tão-só o carácter excessivamente desproporcionado da cláusula penal fixada contratualmente.
As instâncias consideraram que, no caso, a cláusula penal era manifestamente excessiva e reduziram-na equitativamente para montantes aceitáveis e justos.
E há que reconhecer que a decisão das instâncias é intocável.
Os factos provados são, resumidamente, os seguintes:
a) os A.A. que estavam a construir uma moradia sua contrataram (como donos da obra) uma empreitada com a Ré segundo a qual esta fornecia, executava e assentava caixilharia e portadas naquela moradia;
b) o preço global da empreitada contratada foi de 5.398.063$00, liquidado na íntegra pelos A.A.;
c) a Ré comprometeu-se a pagar, como cláusula penal, a quantia de 50.000$00 por cada dia de atraso na conclusão da empreitada;
d) a empreitada foi genericamente bem executada mas apresentava alguns defeitos que os A.A. pediram à Ré que corrigisse;
e) esta nunca os corrigiu mantendo-se ainda tais defeitos; são eles que constituem o objecto do pedido dos A.A. na presente acção onde peticionam o sua eliminação;
f) o montante global da cláusula penal ascende a 85.400.000$00 (425.473 euros).
Foi perante esta factualidade, assim resumida, que as instâncias reduziram - e bem, sublinha-se - o montante da cláusula penal.

A cláusula penal (prevista no art.º 810 e segs. do C. Civil, como todos os que se citarem sem indicação expressa de diploma) destina-se a permitir uma avaliação abstracta de danos nos casos de incumprimento contratual, concomitantemente com uma finalidade sancionatória emergente do ilícito civil que é esse incumprimento.

Daí que a cláusula penal prescinda de uma quantificação concreta de prejuízos, que ela visa obviar com as inerentes dificuldades de prova.
No caso em apreço, contudo, a cláusula penal acordada é manifestamente excessiva, exorbitante e usurária.
Para uma empreitada cujo preço total foi de cerca de 5.400 contos, as partes estipularam uma cláusula penal que orça em mais de 85.000 contos; ou seja, temos perante nós uma sanção indemnizatória que excede 15 / 16 vezes o preço global da empreitada.
Para um contrato de preço reduzido surge-nos uma cláusula penal inserida nele que atinge valores astronómicos e desproporcionados.

Reduzir a cláusula penal era, destarte, o único caminho aceitável sob pena do tribunal sufragar um negócio usurário à margem do equilíbrio prestacional que deve dominar os contratos onerosos e da boa - fé contratual que impõe aos contraentes a lisura e a proporcionalidade negociais.

As instâncias reduziram a cláusula penal para metade do preço global da empreitada.
Supomos que é uma solução que corresponde aos anseios de equidade a que o art.º 812 lança mão: por um lado, é uma solução proporcionada e não excessiva; por outro, mantém o carácter sancionatório pelo cumprimento defeituoso já que a pena corresponde a metade do preço contratado.
Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2005
Noronha do Nascimento
Moitinho de Almeida
Bettencourt de Faria