Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2868
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
ARRENDAMENTO
TRESPASSE
Nº do Documento: SJ200610090028681
Data do Acordão: 10/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : 1) O fundamento primeiro do direito de embargos de terceiro é a posse – direito real – o fundamento de facto é a lesão, ou ameaça de lesão a essa posse, sendo que o acto lesivo deve consistir numa diligência judicial.
2) A concessão do direito de embargos de terceiro ao possuidor em nome alheio, possuidor precário ou mero detentor, tem natureza excepcional e, no que aqui releva, consta do nº2 do artigo 1037º do Código Civil.
3) A posse do arrendatário é precária, já que a relação locaticia não tem ínsito – como num direito real – um dever geral de abstenção e o locatário (como o cessionário, trespassário ou arrendatário) detem a coisa em nome de outrem.
4) A promessa de trespasse não transmite o arrendamento – o que só ocorre com o trespasse – pelo que o promitente trespassário não beneficia do regime do nº2 do artigo 1037º do Código Civil.
5) E nem pode transmitir a posse da coisa, pois se o trespassante não é possuidor, por ser mero detentor do locado, não pode dispor do que não é titular.
6) Se os embargos de terceiro surgem contra um mandado de despejo, não há razão para deixar de exigir a demonstração dos mesmos títulos de aquisição que o artigo 60º alíneas a) e b) – exige para sustação da execução do despejo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

“AA Limitada” deduziu embargos de terceiro ao despejo imediato decretado na respectiva acção que BB moveu, na Comarca de Albufeira a “CC, Limitada”.
Alegou, em síntese, que esta sociedade celebrou um contrato de promessa de trespasse com DD tendo por objecto o estabelecimento instalado no local a despejar, àquela ou a quem esta viesse a indicar; que a Ré da acção cedeu a exploração do estabelecimento à DD e esta celebrou com o embargante um contrato de cessão da posição contratual.
A primeira instância julgou os embargos improcedentes.
A embargante apelou para a Relação de Évora que confirmou o julgado.
Pede agora revista para concluir:
- O contrato de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial, consiste na transmissão por actos entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio (vide, artigo 115º do RAU).
- No caso concreto e porque estávamos perante um contrato promessa de trespasse, além de não ser necessária a autorização do senhorio, também não era legalmente exigível a comunicação prevista nas alíneas f) do nº1 do artigo 64º do RAU.
- A posição de arrendatário por parte da ora Recorrente encontrava-se legitimada por via do contrato supra aludido, porquanto houve tradição do imóvel.
- Assistiam à ora Recorrente os meios legais de defesa da posse, pelo que podia lançar mão dos embargos de terceiro, como o fez, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 351º do CPC.
- Os referidos embargos de terceiros, deduzidos com carácter preventivo, foram recebidos donde
- Não se verificaram razoes para que, de imediato fosse rejeitada a petição de embargos (vide Artigo 354º do CPC), tais como a falta de causa de pedir ou a falta de legitimidade da embargante e,
- Sendo certo que também não veio a ser o fundamento pelo qual foram os rejeitados a final.
- O direito da ora Recorrente é pois incompatível com a realização da diligência em causa – despejo imediato do locado.
- Nos termos do disposto no artigo 413º do CC, são aplicáveis ao contrato promessa as disposições relativas ao contrato prometido, à excepção das relativas à forma e, das que pela sua razão de ser, não se devem considerar extensivas ao contrato prometido.
- A comunicação a que alude a alínea f) nº1 do artigo 64º do RAU não tem aplicação ao caso concreto.
- Apenas em sede de exercício do direito de preferência se coloca a questão da comunicação ao senhorio.
- Com efeito, nos termos do disposto o artigo 116º do RAU, o senhorio tem direito de preferência em caso de trespasse por dação ou venda do estabelecimento comercial, sendo aplicável o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do CC.
- No caso concreto, por carta registada com aviso de recepção, datada de 20 de Maio de 2004, foi concedida a possibilidade do exercício do direito de preferência por parte da senhoria, nos termos e com observância dos requisitos legais (cf. Doc. 3, 4 e 5 juntos aos Autos em 8 de Março de 2005, no âmbito de petição de Embargos de Terceiro, que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais).
- Com efeito, em 30 de Junho de 2004, foi celebrado o contrato definitivo de trespasse entre a ora Recorrente e a Ré na acção principal de despejo, tendo sido facultado o exercício do direito de preferência, conforme supra se refere (cf. Doc. 1 junto aos autos em 8 de Março de 2005, no âmbito de petição de Embargos de Terceiro e, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).
- Ora Recorrente tem vindo a proceder ao pagamento das prestações devidas no âmbito do contrato de cessão de exploração, conforme documentos comprovativos que se protestam juntar.
- Assim, o contrato promessa celebrado entre a ora Recorrente e DD, não tinha que ser comunicado à Autora na acção principal de despejo, sendo que tal comunicação não constitui facto essencial da causa de pedir nos embargos “sub judice” e,
- De per si constitui o mesmo título legítimo para sustentar a titularidade de um direito incompatível com a diligência em causa – despejo imediato – tendo havido tradição do imóvel.
- No âmbito do contrato promessa de trespasse não é legalmente exigível a comunicação ao senhorio, a qual é legalmente exigível no âmbito do contrato definitivo.
- No âmbito do contrato definitivo, celebrado em 30 de Junho de 2004, foi feita a comunicação ao senhorio para efeitos do direito de preferência, sendo certo que é entendimento jurisprudencial de que tal comunicação “consome” a comunicação a que se refere a alínea g) do artigo 1038º do CC.
- No caso concreto, a Autora na acção principal não exerceu o seu direito de preferência no prazo e termos legais, tendo optado por não se pronunciar quanto ao negócio entre as partes.
- Por outro lado, a ora Recorrente tem vindo a efectuar os pagamentos devidos no âmbito do contrato em causa, os quais consubstanciam uma comunicação ou reconhecimento tácito por parte da Autora na acção principal de despejo relativamente à posição de arrendatária da ora Recorrente.
- Além de que, relativamente ao contrato de cessão de exploração, bem como em relação ao contrato promessa de trespasse, a não realização da audiência prevista na lei impediu a produção da prova, designadamente testemunhal quanto a esta matéria, sendo certo que a lei não exige que a comunicação em causa seja efectuada por forma escrita.
- O contrato de cessão de posição contratual que a ora Recorrente celebrou com DD, em que esta lhe cedeu os direitos decorrentes dos contratos “sub judice” releva para a pretensão da ora Recorrente.
- Assim, no caso concreto e, salvo devido respeito por melhor opinião, foi efectuada uma incorrecta interpretação dos artigos 64º nº1 f), 116º, 44º e 46º do RAU e, artigo 1038º f), artigo 1049º e 1061º do CC.
- Ao caso concreto deveria ter sido considerado inaplicável tais disposições legais, porquanto a petição de embargos se fundamenta num contrato promessa de trespasse, para o qual não é necessária a comunicação ao senhorio prevista no artigo 116º do RAU, nem o disposto no artigo 413º nº1 do CC, nos termos em que o foi e, num contrato de cessão para o qual não é necessária qualquer autorização ou comunicação ao senhorio, sendo certo que ao mesmo foi conferido o direito de preferência aquando da celebração do contrato definitivo de trespasse.
- A ora Recorrente era pois titular de um direito incompatível com a realização da diligência em causa – despejo imediato – pelo que tinha à sua disposição os meios legais de defesa da posse.
- Em consequência deviam os presentes embargos ter sido julgados procedentes por provados e fundados e em consequência ter a Recorrente sido mantida na posse do imóvel “sub judice”.
Contra alegou a Recorrida concluindo pela manutenção do Acórdão, dizendo no essencial:
- Tal como configurada a petição inicial da recorrida, não existe qualquer fundamento para que possa gozar do regime de excepção previsto no artigo 60º nº2 a) e b) do RAU.
- A apelada senhoria desconhecia que a apelante se encontrava no estabelecimento, até ser notificada para contestar estes embargos, bem como os documentos chamados contrato promessa e cessão de exploração, os quais são absolutamente contra a sua vontade e foram feitos com o seu total desconhecimento.
- Não devem ser atendidos factos não alegados em sede de articulados, quando os mesmos não constam da petição, nem forma objecto de articulado superveniente deduzido no prazo legal.
- O mandado de despejo deve ser executado seja quem for o detentor do prédio.
- É manifesto no caso dos presentes autos que a recorrente embargante, não só não detêm documento comprovativo de ter requerido no prazo de 15 dias a notificação do senhorio de qualquer título de subarrendamento ou de cessão da posição contratual, mas também não alega ter senhorio especialmente autorizado o subarrendamento ou a cessão, nem de o senhorio ter reconhecido o subarrendatário ou cessionário como tal, o que de per si é mais que suficiente para não se verificar qualquer razão para se ter sobrestado o despejo.
- A senhoria nunca consentiu fosse sob que forma fosse que a embargante e recorrente estivesse no locado e nunca lhe reconheceu qualquer direito para tal.
- Ausência de fundamento deste recurso é completa e a recorrente bem sabe disso, litigando com clara má fé e tão clara é esta má fé que nem se dá ao trabalho de dar uma aparência, embora ilegal, do seu inexistente direito, no mínimo procedendo ao depósito mensal das rendas que se têm vencido na pendência da acção e que estão em divida face ao arrendamento “sub judice” desde Dezembro de 1995, e na pendência da acção desde 28/04/1997, o que, aliás, já ficou demonstrado na acção de despejo principal.
- Mas mesmo que a recorrente viesse proceder ao depósito das rendas que constituem objecto da causa de pedir, nunca esse depósito poderia ser tido como liberatório, o que teria de ser feito até ao prazo da contestação e que não foi feito; da mesma forma não foram feitos os depósitos das rendas vencidas na pendência da acção, após ouvida a R. “CC Lda.”, pelo que o despejo foi decretado por duas vezes com esse fundamento, pelo que a causa de pedir da recorrente é sempre e manifestamente ilegal, o que ela bem sabe, mas não se coíbe de vir litigar de má fé, bem sabendo da ausência de fundamento da sua pretensão.
- A Autora ora recorrida tem o seu litigio com a R. “CC Lda.”, a qual já usou de tudo para ilegalmente e sem proceder a qualquer depósito de rendas, mesmo as vencidas na pendência da acção, atrasar este processo que já foi objecto de todos e mais alguns recursos, sempre com decisões que lhe foram desfavoráveis, para depois em conluio com a ora recorrente tentar artificialmente criar uma situação nova, mas que, mesmo assim não tem qualquer acolhimento jurídico, excepto tentar atrasar o bom curso em tempo da justiça.
- Acrescente-se que, entretanto, já foi proferida decisão final na acção de despejo, tendo toda a petição inicial sido dada como provada no que relevo importava aos fundamentos da acção, com a respectiva resolução do contrato de arrendamento, sendo, portanto, inúteis os presentes embargos pois que supostamente decorrem de um titulo que já foi declarado resolvido, o arrendamento com a R. “CC Lda.”.
- O efeito devolutivo foi muito bem fixado, até porque o despejo foi efectuado e o locado entregue à senhoria, ora recorrida.
- A decisão recorrida deve ser mantida totalmente, tendo em atenção o disposto no artigo 60º nº1 do RAU e que o despejo já foi decretado duas vezes em 20/10/1999 e em 18/07/2002, por doutas decisões, tendo a decisão de despejo sido confirmada no Tribunal da Relação de Évora e no Supremo Tribunal de Justiça, todas transitadas em julgado, a que acresce agora a decisão final sobre a causa principal também favorável à Autora, ora recorrida, em que foi decretada a resolução do contrato de arrendamento.
Foram colhidos os vistos.
Conhecendo,
1- Embargos de terceiro.
2- Despejo e embargos de terceiro.
3- Conclusões.
1- Embargos de terceiro.
O “thema decidendum” afigura-se de meridiana simplicidade não parecendo necessários grandes exercícios de exegese.
A existência dos embargos de terceiro justifica-se para que o possuidor – como titular, que é, de um direito real – seja mantido na sua posse perante a iminência de qualquer turbação ou ocorrência de esbulho.
O fundamento de direito de embargar é sempre a posse, o fundamento de facto é a lesão, ou ameaça de lesão, a essa posse mas o acto lesivo ou ameaçador terá de consistir numa diligência judicial. (“penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens”, excepto a apreensão de bens no processo de falência e de recuperação de empresa – artigo 351º do Código de Processo Civil).
Certo que na actual formulação da lei, a introdução da expressão “ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência”, colocado a seguir à posse, apenas veio permitir o uso deste meio de defesa em situações de mera posse jurídica, para além da posse material que constituiu o fundamento essencial e primeiro dos embargos de terceiro e único constante do revogado artigo 1037º.
Salvo limitadas excepções os embargos de terceiro são, e apenas, uma terapia possessória.
São, assim, um meio de defesa da posse, que não uma acção para fazer reconhecer, ou, apenas, definir um qualquer outro direito.
A posse, como poder de facto sobre a coisa constitui um direito real embora de natureza provisória.
Em princípio, o uso dos embargos de terceiro só é facultado ao possuidor em nome próprio, sendo excepcional a concessão desse poder ao possuidor em nome alheio, que é mero detentor.
É que, manifestando-se a posse com a actuação por forma correspondente ao direito de propriedade, ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil) tem como pressupostos o “corpus” e o “animus”, aquele como o poder de facto exercido sobre a coisa e este como o propósito de exercer estavelmente aquele poder em consonância com o correspondente direito real.
Já o mero detentor (ou possuidor precário) embora detendo a coisa não o faz com “animus possidendi”, ou se limita ao aproveitamento da tolerância do titular do direito ou age como mandatário ou representante, a qualquer título, do possuidor (artigo 1253º do Código Civil).
2- Despejo e embargos de terceiro.
2.1- Uma das já referidas excepções ao uso dos embargos de terceiro pelo possuidor em nome alheio consta do nº2 do artigo 1037º do Código Civil que permite ao locatário usar, mesmo contra o locador, os meios de defesa da posse, incluindo, em consequência, o do artigo 1285º para o qual também se remete.
O arrendatário é um mero detentor, ponderando a, atrás acenada, concepção subjectiva da posse, com exigência, não só, de poderes de facto sobre a coisa mas, também, o propósito de se comportar como titular do direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 111, 2ª edição, nota 6 ao artigo 1251º).
Essa caracterização como possuidor precário do titular do arrendamento é unânime na jurisprudência (cf., “inter alia” os Acórdãos do STJ de 8 de Maio de 1997 – Pº 967/97, 2ª; de 29 de Setembro de 1992 – 082153 – e de 29 de Junho de 1999 – Pº 433/99, 1ª) e até a doutrina que discute a qualificação da locação como contrato obrigacional ou como de natureza real, a considera “jure constituto” como predominantemente obrigacional (Prof. Henriques Mesquita, apud “Obrigações Reais e Ónus Reais”, 1990, p.177).
Quer do conceito de posse e do facto da relação locaticia não ter ínsito um dever geral de abstenção (dever esse que apenas recai sobre o locador – artigo 1031º, alínea b) do CC – resulta inequivocamente que nem o locatário, nem o sublocatário sejam considerados possuidores. (cf., Prof. A. Varela, RLJ, 117-338).
E assim também é em relação a qualquer cessionário do local arrendado (mesmo em situação oponível ao locador) – v.g. cessionário, trespassário,subarrendatário – que são sempre meros detentores em nome de outrem.
A acessada excepção do nº2 do artigo 1037º do Código Civil – aliás, também consagrada para o comodatário (artigo 1133º, nº2), para o depositário (artigo 1188º nº2) e para o parceiro pensador (artigo 1125º nº2) – não se estende a outras situações de mera detenção como, e por exemplo, àquelas em que ocorreu “traditio” na sequência de contrato promessa em que, casuisticamente, não logrou apurar-se posse, mas, apenas, mera detenção. (cf., a propósito, da posse e contrato-promessa, os Acórdãos do STJ – deste mesmo Relator – de 18 de Abril de 2006 – 06 A846 – e de 29 de Setembro de 2006 e os Acórdãos do STJ de 19 de Novembro de 1996 – 96 A362 – e de 23 de Maio de 2006 – 06 A1128).
2.2- “In casu”, a recorrente invoca um contrato promessa de trespasse como causal da posse permissiva do embargos de terceiro.
Obviamente que sem razão.
“Brevitatis causa”dir-se-á que no trespasse se transmite o estabelecimento como universalidade “constituída pela organização económica ou empresa que abarca o conjunto de todas as relações jurídico-comerciais que se ligam à actividade do comerciante.” (Prof. Pinto Coelho, in “Lições de Direito Comercial” I, 3ª edição, 82; cf., ainda Profs Vaz Serra – RLJ 102-103 e A.Varela – RLJ 102-75 e Orlando de Carvalho, RLJ 110-102).
No caso de trespasse são transmitidos todos os elementos necessários para a existência e funcionamento do estabelecimento, onde se integra o arrendamento (cf., para maior detalhe, o Prof. Rui Alarcão, “Sobre a transferência da posição de arrendatário no caso de trespasse”, 19,20).
Não carece ser autorizado previamente pelo senhorio.
Como nota o Cons. Aragão Seia (in “Arrendamento Urbano”, 3ª edição, 490) “só aos locatários a lei veda a cessão onerosa, a sublocação e o comodato, excepto se ela o permitir ou o locador o autorizar, sob pena de este poder resolver o contrato – alínea j) do nº1 do artigo 64º – a menos que tenha reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou, ainda, no caso da alínea g) do artigo 1038º do CC, se a comunicação lhe tiver sido feita por este – artigo 1049º do CC.
Não existem, pois, afinidades entre estes contratos e o de cessão de exploração de estabelecimento comercial, não estando os contraentes deste último obrigados a obter a autorização prévia do senhorio, ou a comunicar-lhe a sua realização, isto porque o cedente conserva sempre a titularidade da relação locaticia, não se transmitindo o arrendamento.”
No trespasse não se exige a autorização do locador, mas, e apenas, uma comunicação. (alínea g) do artigo 1038º).
Na situação vertente não houve trespasse, mas, e apenas, uma promessa de trespasse que, ainda assim, não foi comunicada ao senhorio.
Ora a promessa de trespasse não transmite o arrendamento (cf., Cons. Aragão Seia, ob.cit, 7ª edição, 690).
Nessa medida o promitente trespassário não beneficia do regime excepcional conferido pelo nº2 do artigo 1037º do Código Civil ao detentor arrendatário.
Ora, assim sendo, a recorrente não podia lançar mão dos embargos de terceiro.
E nem se diga, que não o podendo fazer pela via excepcional daquele preceito o podia fazer de acordo com a regra geral da posse que teria sido transmitida pelo contrato promessa.
É que, por um lado não seria admissível que um promitente tivesse mais direitos de que o outorgante do contrato promessa.
Isto é, podia invocar a posse enquanto promitente trespassário mas, uma vez outorgado o trespasse já seria mero detentor na qualidade de transmissário do arrendamento.
De outra banda, e como acima se acenou, inexistem elementos permissivos de concluir pela transmissão da posse, já que o primitivo arrendatário não sendo possuidor – mas mero possuidor precário – não podia transmitir um direito que não tinha.
Não se diga, finalmente, que está em causa a posse do estabelecimento e que esta foi transmitida com a promessa de trespasse.
É que a causa de pedir destes embargos de terceiro é uma relação de arrendamento que existiria como consequência de um trespasse.
Teria, pois, que provar-se a validade dessa posição jurídica de arrendatário o que, notoriamente, não acontece por existir um mero contrato promessa de trespasse.
Ademais, os embargos de terceiro surgem contra o mandado de despejo e embora a lei não diga expressamente que “só podem ser deduzidos por quem fundamente a aquisição da posição jurídica de arrendatário num negócio (de trespasse, de cessão do direito ao arrendamento, de sublocação, etc.) eficaz em relação ao embargado”, o certo é que “formula esta exigência a propósito de uma situação paralela – a dos casos em que a execução do mandado de despejo deve ser sustada pelo funcionário judicial a quem tenha sido cometida.” (Prof. Henrique Mesquita, RLJ 3822, 285).
É o que resulta do nº2, alíneas a) e b) do artigo 60º da RAU que exige para a sustação a existência (e exibição) de “titulo de arrendamento ou de outro gozo legitimo, emanada do exequente” ou de “titulo de subarrendamento ou de cessão da posição contratual, emanado do executado” com respectiva notificação ao senhorio ou este ter autorizado o arrendamento ou a cessão ou “reconhecido o subarrendatário ou cessionário como tal.”
Não faria sentido que se fosse mais exigente para a mera sustação da execução do mandado de despejo e se permitisse qualquer título, ainda que ineficaz em relação ao senhorio, no caso dos embargos de terceiro.
Isto visto, pode concluir-se que a recorrente não se encontra em situação jurídica que lhe permita deduzir este tipo de embargos por não ter demonstrado a titularidade de arrendamento válido gerador de posse precária, permissiva de enquadramento na excepção consagrada no nº2 do artigo 1037º do Código Civil.
3- Conclusões.
Pode concluir-se que:
a) O fundamento primeiro do direito de embargos de terceiro é sempre a posse – direito real – o fundamento de facto é a lesão, ou ameaça de lesão a essa posse, sendo que o acto lesivo deve consistir numa diligência judicial.
b) A concessão do direito de embargos de terceiro ao possuidor em nome alheio, possuidor precário ou mero detentor, tem natureza excepcional e, no que aqui releva, consta do nº2 do artigo 1037º do Código Civil.
c) A posse do arrendatário é precária, já que a relação locaticia não tem ínsito – como num direito real – um dever geral de abstenção e o locatário (como o cessionário, trespassário ou arrendatário) detem a coisa em nome de outrem.
d) A promessa de trespasse não transmite o arrendamento – o que só ocorre com o trespasse – pelo que o promitente trespassário não beneficia do regime do nº2 do artigo 1037º do Código Civil.
e) E nem pode transmitir a posse da coisa, pois se o trespassante não é possuidor, por ser mero detentor do locado, não pode dispor do que não é titular.
f) Se os embargos de terceiro surgem contra um mandado de despejo, não há razão para deixar de exigir a demonstração dos mesmos títulos de aquisição que o artigo 60º alíneas a) e b) – exige para sustação da execução do despejo.
Assim, acordam negar a revista.
Custas pela recorrente.
Não se indicia claramente má-fé.

Lisboa, 9 de Outubro de 2006

Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho