Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
697/10.3TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
TIPO CONTRATUAL
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONTRATO DE COMODATO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PARCIALMENTE CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DE PROCESSO CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / CONTRACTOS EM ESPECIAL / COMODATO – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / DEFESA DE PROPRIEDADE – DIREITO DA FAMÍLIA / ALIMENTOS.
Doutrina:
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, p.116.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 617.º, 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 1129.º, 1134.º, 1137.º, 1140.º, 1311.º, 2004.º, N.º 2 E 2009.º.
Sumário :

I. Não basta o reconhecimento do direito de propriedade do autor para que a obrigação de restituir a coisa reivindicada seja imposta. Se o detentor ou possuidor da coisa reivindicada demonstrar que é titular de algum direito (real ou obrigacional), licitamente constituído e, por isso, compatível com o direito do proprietário, não existirá fundamento para ordenar a restituição da coisa reivindicada.

II. O tribunal não está vinculado ao nomen ius que as partes atribuem aos contratos, nem à ausência de denominação jurídica dos acordos que celebram. Cabe ao julgador qualificar os contratos celebrados pelas partes, a partir dos elementos revelados pela factualidade provada, e aplicar o regime jurídico correspondente, ainda que a parte não tenha explicitado o nome do contrato celebrado. Tal modo de atuação não extravasa o objeto do recurso.

III. O comodante que dolosamente procede ao corte do fornecimento de água e de energia elétrica ao imóvel comodato, na vigência do contrato de comodato, torna-se responsável pelos prejuízos que causar ao comodatário.

IV. Litiga de má-fé aquele que, tendo convencido a sua ex-cônjuge a deixar a casa de morada da família (na sequência do divórcio) para passar a viver gratuitamente, com os dois filhos menores do ex-casal, num apartamento propriedade do autor, de seguida propõe ação de reivindicação desse apartamento.

Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO

1. AA propôs contra BB ação declarativa de condenação, com processo comum, na forma ordinária, peticionando:
a) A declaração de que o Autor é dono e legítimo proprietário da fração identificada no art. 1º da petição inicial;
b) A condenação da Ré a restituir ao autor a fração autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;

c) A condenação da Ré no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor pela ocupação do imóvel;
d) A condenação da Ré no pagamento das quantias vincendas até à efetiva restituição da mesma livre e devoluta de pessoas e bens;
e) A condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fração.

Alegou, em síntese, que:

- É dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra "…", tipo T1, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., Edifico ..., Bloco …, piso …, n° …, freguesia de ..., concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do …sob o n° ..., da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …;

- A aquisição da propriedade está registada a favor ao Autor;
- O dito imóvel veio à propriedade do Autor em 9 de agosto de 2010, através de contrato de compra e venda que celebrou com a sociedade a sociedade CC, Lda.;

- Todavia, o Autor nunca usufruiu do imóvel em questão, o qual se encontra ocupado pela Ré, que detém as chaves da fração, ocupação essa efetuada sem qualquer título que permita à Ré ocupar a aludida fração;

- O Autor e a Ré foram casados um com o outro, tendo-se divorciado em dezembro de 2009.

- Após o divórcio, o A. adquiriu o referido imóvel, tendo o mesmo passado a ser ocupado pela Ré em março de 2010, tendo ficado combinado entre as partes a futura celebração dum contrato de arrendamento para habitação sob o regime da renda condicionada;
- Nesse momento, o contrato de arrendamento não poderia ser celebrado porque o A. era apenas um mero promitente comprador da fração em questão, razão pela qual tal contrato seria celebrado no momento da outorga da escritura pública de compra e venda;
- Foi então convencionado entre as partes que, como a Ré carecia de habitação, ficaria a usar e fruir a referida fração até à celebração do mencionado contrato de arrendamento para habitação sob o regime da renda condicionada;
- Porém, em junho de 2010, quando a Ré foi abordada pelo Autor para celebrar o contrato de arrendamento, ela recusou-se a celebrá-lo;
- Em 23 de agosto de 2010, o A. enviou à Ré uma carta de interpelação para que a mesma procedesse à devolução da fração, atendendo à sua recusa em celebrar o referido contrato de arrendamento e ao facto de estar a ocupar um imóvel que lhe não pertence e pelo qual nada despende, violando assim o direito de propriedade do Autor;
- Dado que tal carta foi devolvida ao Autor (por a Ré não ter querido recebê-la), este requereu a notificação judicial avulsa da Ré para o mesmo efeito, o que teve lugar em 3 de novembro de 2010;
- Não obstante o A. ter concedido à Ré um prazo de 8 dias para proceder à desocupação da fração, livre de pessoas e bens, a Ré nem a desocupou, nem entregou as respetivas chaves ao Autor;
- A ocupação da fração, por parte da Ré, impede o Autor de lhe dar a utilização legalmente permitida, nomeadamente dando-a de arrendamento a terceiros;
- Apesar de o Autor ter recebido várias propostas para o arrendamento da fração, elas não se concretizaram porque o A. está, na prática, impossibilitado de a dar de arrendamento, devido à ocupação que dela faz a Ré;
- Para adquirir tal fração, o A. contraiu um empréstimo bancário pelo qual paga uma prestação mensal de € 540,73;

- Se tal fração fosse dada de arrendamento a terceiros, devido às atuais condições de mercado e ao facto de ela só poder ser arrendada no regime da renda condicionada, o A. auferiria uma renda mensal nunca inferior a € 400,00;
- Por isso, o prejuízo causado pela Ré ao Autor, com a ocupação de tal fração desde março de 2010 a dezembro de 2010 (data da propositura da ação), eleva-se a € 4.000,00 (quatro mil euros).


 2. A Ré contestou a ação, alegando, em síntese, que ocupa a fração porque o Autor a adquiriu para que ela e os filhos menores de ambos a pudessem habitar, tendo o Autor acordado com a Ré a saída desta, na altura grávida do 2° filho do casal e do filho de ambos, DD, da casa de morada de família, para que esta fosse viver para o apartamento ora reivindicado, que seria propriedade dos menores, filhos do Autor e da Ré, logo que o filho EE nascesse, e onde os menores viveriam com a Ré, sem qualquer encargo, ónus ou retribuição, jamais tendo o Autor dito, acordado ou falado na celebração de um contrato de arrendamento ou no pagamento de qualquer valor como contrapartida da utilização do apartamento.
Deduziu ainda pedido reconvencional, pedindo: i) a condenação do Réu como litigante de má fé em multa a fixar pelo Tribunal, e em indemnização a favor da Ré, em montante nunca inferior a 10.000,00€; ii) a condenação do Réu a pagar à Ré BB e aos filhos menores DD e EE, uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a fixar em execução de sentença.

3. O Autor replicou, respondendo à matéria das exceções deduzidas pela Ré na sua Contestação (ilegitimidade passiva e abuso de direito).

4. Foi proferida sentença, em 02.07.2014, com o seguinte teor:

«Pelo exposto, o Tribunal decide:

A) - Julgar a acção totalmente procedente, por provada e, consequentemente, decide:

a- condenar a ré a restituir ao autor a fracção autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições;

b - Condenar a ré a pagar ao autor, a título de indemnização fixada segundo critérios de equidade, a quantia € 4.000,00;

c - Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 150,00 por cada mês de ocupação após o trânsito em julgado da sentença;
d - condenação da ré no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fracção;
B) - Julgar o pedido reconvencional totalmente improcedente, por não provado, e consequentemente decide absolver o autor do pedido reconvencional;

C) - Condenar a ré a pagar as custas processuais devidas. »

5. Inconformada com o decidido pela primeira instância, a Ré/Reconvinte apelou da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa.

6. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 04.04.2017, decidiu nos termos que se transcrevem:
«Acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento à Apelação da Ré, revogando a sentença recorrida e julgando a acção totalmente improcedente, razão pela qual a Ré/Apelante é absolvida de todos os pedidos condenatórios contra ela formulados pelo Autor/Apelado.
Do mesmo passo, julga-se parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente, condena-se o Autor/Reconvindo/Apelado a pagar à Ré/Reconvinte/Apelante e a cada dos seus dois filhos menores DD e EE uma indemnização por danos não patrimoniais de 500,00 (quinhentos euros), num total de 1.500,00 (mil e quinhentos euros), absolvendo-o, porém, do pedido da sua condenação no pagamento à Autora e aos seus dois filhos supra identificados duma indemnização por danos patrimoniais (a liquidar em execução de sentença).

           Custas da acção e da Apelação a cargo do Autor/Apelado.
       Custas da reconvenção a cargo do Autor/Reconvindo e da Ré/Reconvinte, na proporção de 9/10 para o primeiro e de 1/10 para a segunda.

Por ter litigado de fé, condena-se o Autor/Apelado no pagamento de uma multa de 5 (cinco) UCs, bem como de uma indemnização a favor da Ré, correspondente à satisfação dos prejuízos por ela sofridos como consequência directa ou indirecta da má-fé do Autor (art. 543°, n° 1, al. b) do CPC), sobre cujo montante - por não haver nos autos elementos para a respectiva fixação - as partes deverão pronunciar-se, no prazo de dez dias (nos termos do n° 3 do art. 543° do CPC).»

7. Inconformado com aquela decisão, o autor/apelado interpôs recurso de revista, em cujas alegações formulou as conclusões que seguidamente se transcrevem (com uma extensão superior a 30 páginas e sem numeração de parágrafos):

« Recorre o Autor, AA, do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Abril de 2017 que julgou a Apelação procedente e nessa conformidade, revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1º Instância que foi substituída pela decisão constante dos autos, pretendendo a revogação do douto Acórdão recorrido, com fundamento no erro de interpretação e de aplicação da norma aplicável e ainda nas nulidades previstas nos arts.666.º com remissão para o art. 615.º, conforme prevê o art. 674.º, n.º 1, a) e c) todos do CPC.

- Pretende o Recorrente que o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Abril de 2017 seja revogado e seja confirmada a decisão proferida em primeira instância, ou seja, seja a acção declarada totalmente procedente, por provada e, consequentemente, a Ré seja condenada a restituir ao Autor a fracção autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; a pagar ao Autor, a título de indemnização fixada segundo critérios de equidade, a quantia de € 4.000,00; a pagar ao Autor a quantia de € 150,00 por cada mês de ocupação após o trânsito em julgado da sentença; condenada no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deteriorização da fracção; condenada a pagar as custas processuais devidas; e ainda deve julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, por não provado e, consequentemente, absolver o Autor do pedido reconvencional.

- O douto Acórdão proferido em segunda instância, focou apenas uma parte do litígio, alheando-se à apreciação de parte da prova e na restante seguindo critérios subjectivos e discricionários que não são aceitáveis como fundamentos da decisão, há matéria com manifesta relevância para a decisão da causa, a que o Tribunal recorrido ficou alheio sem explicar qual a razão da sua escolha restritiva e na qual firma a sua convicção baseado em critérios subjectivos e discricionários, violando, desta forma, o príncipio da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade.

- Entendendo, portanto, que tendo decidido de forma diversa do decidido em primeira instância o Tribunal ora recorrido violou, entre outras, as seguintes normas jurídicas: art. 3.º, nº 1, art. 154.º, art. 413.º, art. 423.º e segs, art. 466.º, n.º 3 e segs, arts. 483.º, art. 495.º, art. 496.º, art. 542.º, art. 607.º, n.º 5, art. 615.º, n.º 1, al. b) todos do Código Processo Civil; art. 371.º, n.º 1, art. 376.º, n.º 1, art. 396.º, artigo 405.º, art. 1129.º e segs, art. 1793.º, art. 2004.º, art. 2016.º todos do Código Civil; art. 20.º, n.º 4, art. 26.º, 29.º, art. 205.º, n.º 1 todos da Constituição da República Portuguesa; e o art. 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem.

- No caso em apreço, o Tribunal recorrido na sua fundamentação não fundamentou porque é que a opção apresentada pelo Autor é inadmissível face às regras da experiência comum, limitando-se a fazer uma “comparação” entre as versões apresentadas pelo Autor e Ré, concluindo que a que lhe apresenta maior verosimilhança é a da Ré, mas desligando-se por completo dos meios probatórios junto aos autos que impõem uma decisão diversa.

- O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório. A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência.

- A questão que se impõe no douto Acórdão agora em crise é que o Tribunal recorrido, não fundamenta em que medida é que a prova foi tida em consideração na sua avaliação do caso concreto. Limita-se a dizer que “Perante o teor destes depoimentos e declarações de parte, cotejados com estes documentos, e fazendo aplicação das regras de experiência – que depõem fortemente no sentido da improbabilidade da versão factual apresentada pelo Autor (…) e da elevada verosimilhança da versão factual apresentada pela Ré (…)”. Pergunta-se com que fundamento?

- A verdade é que a fundamentação que o Tribunal recorrido apresenta em nada engloba quer a documentação junta aos autos, quer a prova testemunhal, nem sequer faz qualquer menção a esta, limita-se a utilizar as “regras da experiência” eximindo-se de apreciar a prova realizada nos autos para fundamentar a sua convicção, pois se assim o fizesse, como a lei o impõe, a decisão teria que ser obrigatoriamente diversa daquela a que o Tribunal recorrido concluiu.

- Por outro lado, em momento algum o Tribunal recorrido construiu um raciocínio lógico-dedutivo que colocasse em causa a motivação apresentada pelo Tribunal a quo e, bem assim, não fundamenta porque é que o raciocínio explanado na sentença proferida em primeira instância não é compatível com o sentido comum, ainda para mais que, a decisão proferida em primeira instância está devidamente fundamentada por um processo lógico de formação de conhecimento que foi obtido, em primeira mão através da oralidade e da imediação, bem como da prova documental junta aos autos.

- Com o devido e merecido respeito, o Tribunal recorrido não analisa a prova junta aos autos e considerada pelo Tribunal a quo, para concluir se a versão apresentada por este é objectivável e se o raciocínio é compatível com o sentido comum, o douto acórdão proferido pelo Tribunal recorrido enferma de nulidade por violação dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade.

- Decidindo da forma como foi, há claramente uma ofensa às disposições legais (arts. 413.º, 423.º e segs, 466.º, n.º 3 e segs, 495.º e 607.º, n.º 5 todos do CPC e ainda aos arts. 371.º, n.º 1, 376.º, n.º 1 e art. 396.º todos do Código Civil) que foram preteridas pelo Tribunal recorrido e que se exigia esta prova para comprovar a existência dos factos que foram alegados pelo Autor, fixando, desta forma, a força destes meios probatórios.

- O Tribunal recorrido faz menção a algumas provas documentais (acordo quanto ao destino da ex-casa de morada de família do casal, fls. 164 e 211, contrato-promessa de compra e venda, fls. 164 a 167, título de compra e venda e mútuo com hipoteca, fls. 32 a 49, e-mail enviado pelo Autor à Ré em 08 de Junho 2010, fls. 219, minuta do contrato de arrendamento, fls. 160 a 163), porém na sua douta fundamentação não se retira o modo como tais documentos serviram para fundamentar a convicção do julgador, o que só se conclui que foram olvidados estes meios probatórios para a formação da valoração e convicção do julgador.

- Não se percebe o alcance do tribunal recorrido na valoração dada aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, pese embora o tribunal mencione que: “Perante o teor destes depoimentos e declarações de parte, cotejados com estes documentos, e fazendo aplicação das regras da experiência (…)” a verdade é que a douta fundamentação baseia-se única e exclusivamente na aplicação das regras da experiência, desprovidas de qualquer apreciação sobre a prova que foi realizada nos autos.

- Ou seja, baseou-se o Tribunal recorrido no critério das “regras de experiência “, sem que tenha sido feito um confronto com a prova resultante dos autos, uma vez que da fundamentação não se vislumbra qualquer cotejo com a prova, e como não houve valoração por parte do Tribunal recorrido da prova, evidentemente que, a fundamentação a que chega o Tribunal recorrido enferma de uma nulidade por erro sobre a apreciação da prova, nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 674.º do CPC.

Quanto à declaração das testemunhas refere o douto Acórdão que: “ (…) Nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência presenciou as conversas havidas entre as partes acerca dos termos e condições em que a Ré iria ocupar a fracção autónoma objecto da presente acção: quer as que corroboraram a versão do Autor (um irmão deste e a respectiva companheira), quer as que corroboraram a versão factual da Ré (um irmão desta e uma sua colega de trabalho) apenas relataram o que as próprias partes lhes transmitiram; (…)”

- Face a esta conclusão, só podemos verificar que o Tribunal ora recorrido, com o devido e merecido respeito, não procedeu à audição integral do CD-Rom conforme refere no douto Acórdão, pois outra seria a sua decisão sobre esta material, pois, além do irmão do Autor e da sua companheira foram ainda inquiridos FF e GG, por parte do Autor e, na parte da Ré, não um mas sim dois irmãos desta.

- Efectivamente, no que concerne à prova realizada pela Ré, todas as testemunhas relataram o que a Ré lhe transmitiu – depoimento indirecto – não tinham qualquer conhecimento dos factos que estavam em objecto na acção, o mesmo já não aconteceu com a prova apresentada pelo Autor pois, sendo devidamente audível os depoimentos das testemunhas FF, HH e II, todos eles relataram factos sobre os quais tiveram conhecimento directo, sendo certo que no cotejo desses depoimentos, que o Tribunal recorrido não valorou, imponha-se uma decisão diferente.

- Conforme resultou da prova testemunhal, designadamente das declarações proferidas pela Testemunha II, pela Testemunha HH – por conhecimento directo dos factos – a verdade é que quando a Ré passou a viver na fracção em causa nos autos, ficou combinado entre as partes que seria celebrado um contrato de arrendamento para habitação sob o regime de renda condicionada.

- Não se entendendo como é que o Tribunal ora recorrido decide desconsiderar esta prova na sua decisão e, consequentemente, dar como não provado os factos provados na douta sentença proferida em primeira instância, os quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 22.º, além de que estas declarações acima descritas conjugadas com o depoimento de parte do Autor e a prova documental junta aos autos imponham uma decisão diferente por parte do Tribunal ora recorrido!

- No caso sub judice as respostas dadas pelo tribunal de primeira instância, designadamente, aos quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 22.º, têm em conta a prova trazida ao processo estando devidamente fundamentado com as provas recolhidas nos autos, verificando-se que o tribunal ora recorrido, ao contrário do que sucedeu na primeira instância, não apreciou a prova na sua globalidade, conforme lhe era exigido.

- E estando o tribunal a quo em melhor posição para aferir da credibilidade da prova testemunhal, a verdade é que fundamentou a sua convicção relativamente às declarações daqueles que manifestaram ter conhecimento directo dos factos: testemunha FF, HH e II, conforme sentença proferida nos autos, prova que foi, completamente, desconsiderada pelo Tribunal ora recorrido com o fundamento de que na audição do CR-Rom, as testemunhas apenas relataram, o que as próprias partes lhes transmitiram, o que não corresponde à realidade dos factos conforme se pode verificar da audição da prova, bem como da fundamentação do tribunal a quo que menciona “...declarações daqueles que manifestaram ter conhecimento directo dos factos”.

- O Tribunal ora recorrido ao decidir reanalisar a prova testemunhal da forma como o fez, violou os princípios da imediação e da oralidade corolários do princípio da livre apreciação da prova e, consequentemente, fez uma incorrecta apreciação da prova.

- No que se refere à prova documental, o Tribunal ora recorrido refere no seu douto Acórdão o exame dos documentos juntos aos autos, designadamente, do acordo quanto ao destino da ex-casa de morada de família do casal (fls. 162 e 211), contrato-promessa de compra e venda (fls. 164 a 167), título de compra e venda e mútuo com hipoteca (fls. 32 a 49), e-mail enviado pelo Autor à Ré em 08 de Junho de 2010 (fls. 219), minuta do contrato de arrendamento que o Autor enviou à Ré (fls. 160 a 163).

- Acontece que, apesar de elencadas no douto acórdão, a verdade é que não se vislumbra em que medida foram tidos em conta (se é que o foram) para a formação e convicção do julgador, na fundamentação apenas se refere à aplicação das regras da experiência e da probabilidade ou improbabilidade das versões apresentadas, sem menção a qualquer elemento de prova documental.

- Se a prova documental tivesse sido considerada, em momento algum, o Tribunal ora recorrido poderia ter decidido pela insuficiência da prova produzida a respeito dos factos articulados pelo Autor e vertidos nos quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 22.º da base instrutória, pois o contrato de promessa de compra e venda, o e-mail enviado à Ré e a minuta do contrato de arrendamento são prova documental que não foram impugnados pela Ré e que, numa análise crítica da prova, impunha outra decisão por parte do Tribunal ora recorrido, por serem elementos que, em cotejo com a restante prova, alicerça a versão apresentada pelo Autor.

- Uma vez mais, verifica-se que o Tribunal ora recorrido realizou uma incorrecta apreciação da prova, desta feita, da prova documental junta aos autos.

- No que concerne às declarações de parte prestadas pelo Autor e pela Ré, refere o douto Acórdão que: “(…) As declarações de parte prestadas pelo Autor e pela Ré evidenciaram um contraste flagrante entre as habilitações literárias e o nível cultural dum e doutra: o Autor revelou conhecimento detalhado da legislação em vigor (nomeadamente quanto ao regime de aquisição de imóveis construídos sob o regime de custos controlados) e uma total desenvoltura no mundo dos negócios e da vida empresarial, enquanto a Ré é uma mulher de pouca instrução e desconhecedora das regras que regem a aquisição de imóveis e do direito em geral, sendo dotada duma personalidade fraca, facilmente manipulável por um marido de nível cultural superior e com bons conhecimentos da legislação em vigor e das regras do Mercado imobiliário.”

- Salvo o devido e merecido respeito, na análise das declarações de parte o Tribunal ora recorrido recorreu a critérios subjectivos e extremamente falíveis para a formação da sua convicção, sem que para tal tenha demonstrado que esta opção é a admissível face às regras de experiência comum, cumpre-nos questionar como é que das declarações de parte prestadas pelo Autor e pela Ré (que responderam única e exclusivamente a matéria dos autos), o Tribunal ora recorrido afere o “contraste flagrante entre as habilitações literárias e o nível cultural dum e doutra (…)”?!

- Em momento algum foram realizadas perguntas de cultura geral às partes ou realizado prova pericial, para aferir o nível cultural destes, o nível cultural de uma pessoa não se afere segundo as suas habilitações literárias pois, não são raras as pessoas que possuem poucas habilitações literárias, mas têm um elevado nível cultural, o que nos leva a concluir que o nível cultural de uma pessoa não está intrinsecamente ligado às habilitações literárias que possui.

- Quantas pessoas possuem apenas o quarto ano de escolaridade e têm um nível cultural elevado! Se tomarmos em conta o critério (subjectivo) do Tribunal ora recorrido tomaríamos por certo que as pessoas com habilitações literárias mais elevadas têm sempre um nível cultural maior que as restantes pessoas, o que na prática e segundo as regras de experiência comum, tal critério não se verifica.

- Por outro lado, mal se percebe de onde retira o Tribunal ora recorrido a conclusão de que “… a Ré é uma mulher de pouca instrução e desconhecedora das regras que regem a aquisição de imóveis e do direito em geral…”! Estamos a falar de uma pessoa que possui o 12.º ano de escolaridade e um curso técnico de auxiliar de educadora de infância, não de uma pessoa sem habilitações literárias.

- Segundo as regras de experiência comum que, o Tribunal ora recorrido, podemos dizer que uma pessoa com estas habilitações literárias tem pouca instrução? Claramente que a resposta tem que ser negativa, senão teríamos que partir deste pressuposto erróneo para afirmar que a maioria dos portugueses são pessoas com pouca instrução, pois olhando para a realidade portuguesa temos cada vez mais jovens que terminam o ensino obrigatório e optam pelo curso técnico para se inserirem no mercado de trabalho, por outro lado, quantos membros de órgãos de soberania portugueses têm menos habilitações que a Ré e, só com base nesse critério, podemos também afirmar que são pessoas dotadas de “pouca instrução”?!

- Este critério sufragado pelo Tribunal ora recorrido para além de ser um critério subjectivo é desprovido de qualquer base factual, (inexiste qualquer elemento processual que prove esta consideração), e é, com o devido e merecido respeito, um falso pressuposto conforme acima se demonstrou.

- Chegou ainda o Tribunal ora recorrido à conclusão de que “… sendo dotada duma personalidade fraca, facilmente manipulável por um marido de nível cultural superior e com bons conhecimentos da legislação em vigor e das regras do mercado imobiliário.”

- Começando pelos conhecimentos do Autor, este limitou-se a explicar as condições que implicaram a compra da fracção e as exigências que lhe foram feitas, um cidadão comum colocado na mesma posição que o Autor também saberia explicar o negócio e as suas condições, razão pela qual não se retira daqui que tenha bons conhecimentos da legislação em vigor nem das regras de mercado imobiliário.

- Por outro lado, no que concerne à conclusão de que a Ré “…sendo dotada duma personalidade fraca, facilmente manipulável por um marido de nível cultural superior…”, sempre se dirá que, estamos novamente perante um critério subjectivo e que, nos autos nenhuma prova se realizou quanto a esta matéria.

- É dotada de uma personalidade fraca, desconhecedora das regras que regem a aquisição dos imóveis e do direito em geral e manipulável pelo Autor, uma pessoa que tem os comportamentos dados como provados nos autos: a Ré ocupou a fracção em Março de 2010 e em Junho de 2010 é abordada, pelo Autor, para formalizar o contrato de arrendamento, mas recusou-se a fazê-lo. Isto é revelador de uma pessoa que é manipulável por um marido de nível cultural superior?; Aquando o corte da luz e água na fracção, em Novembro de 2010, a Ré apresentou queixa-crime, na qual foi reparada pelos danos sofridos e imposto a ambas as partes a frequência de terapia familiar, ao qual o Autor frequentou mas a Ré recusou. Isto é revelador de uma pessoa que não sabe valer os seus direitos? E de uma pessoa manipulável pelo Autor?; A Ré aquando o nascimento do menor, em 01 de Abril de 2010, transmitiu o nascimento através de SMS e, até que fosse regulada as responsabilidades parentais do menor impediu o contacto entre pai e filho (durante cerca de um ano e meio). Este comportamento também é revelador de uma pessoa manipulável por um marido de nível cultural superior?; Em 23 de Agosto de 2010 o Autor enviou uma carta à Ré a interpelar para devolver a fracção atenta a recusa em assinar o contrato de arrendamento, a Ré, por seu turno, recusou-se a receber a carta, sendo necessário fazê-lo através de notificação judicial avulsa, o que só veio a ocorrer em Novembro de 2010. Este comportamento também é revelador de uma pessoa manipulável por um marido de nível cultural superior?; Além disso, até para citar a Ré nos presentes autos, a Ré fugiu a todo o custo, pois não foi aos CTT levantar a citação, sendo necessário o Autor informar os autos da morada do seu local de trabalho, onde veio a ser citada. Este comportamento também é revelador de uma pessoa manipulável por um marido de nível cultural superior?

- Face a estes comportamentos perpetrados pela Ré, é admissível concluir da forma como o fez o Tribunal recorrido de que a Ré é dotada de uma personalidade fraca, desconhecedora das regras que regem a aquisição dos imóveis e do direito em geral e manipulável pelo Autor? Facilmente concluímos que não! Uma pessoa dotada de uma personalidade fraca como quer fazer crer o Tribunal ora recorrido teria acatado todas as decisões do ex-marido, mas não foi isso que se verificou.

- Se nestes autos se permite falar em manipulação, esta foi perpetrada pela Ré ao Autor, pois a realidade é que sempre teve conhecimento de todo o negócio que o Autor desencadeou, fez crer que celebraria o contrato de arrendamento e após se encontrar a viver na fracção, recusou-se a celebrar o referido contrato e a sair da fracção!

- O Tribunal ora recorrido deu como verosímil a versão da Ré no sentido de que foi enganada/manipulada pelo Autor, porque este último, supostamente, disse-lhe que o apartamento ia ficar em nome dos filhos de ambos, para que a mesma pudesse lá residir com eles, tendo a Ré a convicção de que tinha algum “direito” sobre o apartamento.

- A bem da verdade, a Ré quando a 08 de Junho de 2010 recebeu o e-mail do Autor com o contrato de arrendamento para assinar, conforme já havia sido acordado em Março de 2010, nem antes de se mudar para a fracção nem depois, teve qualquer comportamento de quem se sentisse manipulada/enganada, ou seja, nunca diligenciou no sentido de fazer valer o que só agora alega, pois: Nunca interpelou o Autor para que celebrasse qualquer negócio jurídico no sentido de atribuir a propriedade do apartamento aos filhos; Nunca intentou qualquer ação judicial para fazer valer o seu “direito”, ou para fazer valer as suas “expectativas”; Não requereu de imediato a alteração da casa de morada de família, só o vindo a fazer dois anos mais tarde, no dia da realização da audiência de julgamento destes autos, quando temia ter de sair do apartamento.

- A Ré, manteve-se na inércia, “fugiu” deste processo porque nunca teve o sentimento de que estava a ser enganada/manipulada pelo Autor, e porque não tinha nenhum interesse em discutir a questão em Tribunal, mas tendo sido citada, e perante as consequências legais da falta de contestação, ficcionou toda esta história de que o Autor disse-lhe que o apartamento era para os filhos e para ela lá residir com eles, para prosseguir com o seu objetivo de ter uma casa ou uma vantagem patrimonial à custa do Autor.

 - Por outro lado, o Tribunal ora recorrido com estas conclusões subjectivas e desprovidas de qualquer matéria factual/prova (uma vez que não fundamenta/concretiza em que pontos pode se basear para retirar tais conclusões), viola os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.

- O Tribunal a quo não teve dúvidas de que a imagem que a Ré procurou transmitir do Autor não se coaduna de modo algum com aquela que o tribunal apurou e foi o único que teve oportunidade de firmar a sua convicção perante o depoimento de parte do Autor e da Ré – obteve conhecimento directo da prova - veja-se a sua fundamentação na sentença proferida em primeira instância.

- Ora, no caso em apreço o Tribunal ora recorrido não criticou a opção do tribunal de primeira instância, face às regras da experiência comum, limitou-se a referir que “as declarações de parte prestadas pelo Autor e pela Ré evidenciaram um contraste flagrante entre as habilitações literárias e o nível cultural dum e doutra (...)”. - Com base em quê? Com que fundamento? De que parte da prova o tribunal ora recorrido retira estas conclusões? Quais foram os critérios objectivos que permitiram extrair estas conclusões?

Não se consegue aferir do douto Acórdão ora em crise.

- A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido de responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras de experiência, o Tribunal recorrido formou a sua convicção em critérios subjectivos desprovidos de qualquer sustentabilidade e que nem segundo o critério da experiência comum se pode concluir da forma como este concluiu.

- Analisando criticamente o douto Acórdão verificamos que a fundamentação é imotivável baseada em “emoções” e não em factos e provas, além de que, para concluir da forma como o fez, no que se refere à manipulação, sempre se dirá que não se entende como é que o Tribunal recorrido deu como não provado que o Autor haja produzido uma declaração não séria!

- Ao actuar da forma como fez e relativamente à apreciação das declarações de parte prestadas pelo Autor e pela Ré, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal ora recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação, de exame crítico da prova e ainda por violação dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade, o que uma vez mais originou uma incorrecta apreciação da prova.

- No que se refere à fundamentação do Tribunal recorrido e alteração da matéria dada como provada, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de segunda instância alterar os factos quando se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na primeira instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

- O Tribunal ora recorrido alterou a matéria de facto dada como provada na sentença proferida em primeira instância sem que tenha realizado um cotejo das provas juntas aos autos em consonância com a experiência comum, baseando unicamente a sua fundamentação nas regras de experiência, o que manifestamente é insuficiente!

- E chegados aqui cumpre-nos verificar se o raciocínio explanado no douto Acórdão é compatível com as regras de experiência comum. Entendemos que não! Esta suposta garantia/condição não se pode aferir das regras de experiência comum, ou há prova que a sustente ou não há e o que se verifica é que nem da prova documental, nem da prova testemunhal se retira a conclusão a que o Tribunal ora recorrido chegou – de que havia uma imposição/condição para ocorrer o divórcio por mútuo consentimento.

- O divórcio entre Autor e Ré ocorreu em Dezembro de 2009, um divórcio por mútuo consentimento em que ficou estipulado, o acordo das responsabilidades parentais e o acordo quanto ao destino da ex-casa de morada de família do casal (cfr. fls. 164 e 211) – bem próprio do Autor-, sem que para tal tenha surgido qualquer imposição ou condição para o divórcio, que decorreu segundo o princípio da segurança jurídica, formalizado na presença do Conservador que leu e explicou as questões ali explicitas e que até à data a Ré nunca impugnou a veracidade daquele acto, até porque era também sua vontade formalizar o divórcio.

- Nunca se tratou de um divórcio “a conditio” conforme o Tribunal recorrido conclui, tratou-se sim de um divórcio em que ambas as partes declararam ser da vontade de ambos e devidamente elucidadas de que a ex-casa de morada de família ficaria atribuída ao cônjuge marido, por se tratar de um bem próprio deste.

- Importante será averiguar esta construção lógico-dedutiva elaborada pelo Tribunal ora recorrido baseado nas regras de experiência e conjugar com a prova (algo que não foi tido em conta) para perceber quais das versões apresentadas merece verosimilhança.

- No que concerne a esta questão não se percebe a improbabilidade apresentada pelo Tribunal ora recorrido sobre a versão factual apresentada pelo Autor. Entendemos até que, o Tribunal ora recorrido atenta a fundamentação que apresenta (mulher grávida e com um filho de 5 anos à sua guarda, desempregada, totalmente dependente do auxílio financeiro do seu marido...) fundou a sua convicção sob a apreciação arbitrária da prova, puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável.

Senão vejamos,

- É verdade que a Ré na altura em que o divórcio ocorreu estava grávida e com um filho de 5 anos à sua guarda, desempregada e na altura dependia do auxílio financeiro do seu marido, mas também não é menos verdade que o divórcio não foi imposto, foi decidido por ambas as partes, por isso foi um divórcio por mútuo consentimento. Além disso, no que diz respeito à casa de morada de família, tratava-se de uma fracção que o Autor adquiriu antes do casamento com a Ré, portanto, bem próprio do mesmo atento o regime da comunhão de adquiridos fixado aquando o casamento.

- É verdade que a Ré poderia solicitar o uso da casa de morada de família, mas também não é menos verdade que esse uso nunca seria a título gratuito, seria sim a título oneroso, através do “arrendamento”, conforme prevê o art. 1793.º do Cód. Civil, o que significa que à data do divórcio a Ré tinha consciência que teria que viver num imóvel arrendado, fosse na casa de morada de família que era bem próprio do marido ou noutro imóvel, pois recusava-se a residir na casa dos seus pais/familiares e não disponha de meios para arrendar um apartamento.

- O Autor preocupado com a situação e principalmente com os seus filhos, DD e EE que estava para nascer, desenvolveu todos os esforços no sentido de garantir boas condições ao núcleo central da vida dos seus filhos, para o efeito, convencionou com a Ré que iria adquirir um apartamento em nome do Autor, para os seus filhos e a Ré viverem e que com esta última celebraria um contrato de arrendamento para habitação, sujeito a uma renda condicionada, ficando isenta do pagamento de qualquer renda nos primeiros dois anos subsequentes à data de celebração do contrato, conforme documento de fls. 160 a 163, por forma a permitir que a Ré reorganizasse a sua vida.

- Esta versão é tão improvável acontecer face às regras de experiência comum? Seria melhor o Autor, uma vez divorciado não se preocupasse com o bem-estar dos seus filhos, nem sequer se eles tinham casa para viver?

- O Autor sempre entendeu que tinha que garantir o bem-estar dos seus filhos e por isso, atendendo a que a Ré não apresentava meios de garantir esse bem-estar, designadamente, no que respeita à habitação, desenvolveu todos os meios e esforços que estava ao seu alcance para garantir a estabilidade dos seus filhos.

- O Autor tem esta responsabilidade para com os seus filhos, mas não tem qualquer obrigação com a Ré. Não tem que garantir casa à Ré, muito menos a título gratuito.

- Relativamente ao sustento da Ré, o princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016.º do Cód. Civil é o do seu carácter excepcional, expressamente, limitado e de natureza subsidiaria, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência”, razão pela qual se verifica que o Tribunal ora Recorrido parte de premissas erradas para formar a sua convicção.

- Mas, sempre se dirá ainda no que concerne à questão da habitação que, apesar do Autor não ter qualquer obrigação em garantir uma habitação à sua ex-cônjuge a verdade é que tentou ajudar através da celebração do contrato de arrendamento, o qual a mesma se recusou celebrar: quer aquando a interpelação do Autor, em Junho de 2010, e, posteriormente, quer no decurso da audiência de julgamento (26/05/2014), quando o Autor manifestou estar disposto a celebrar contrato de arrendamento com a Ré por uma renda de 125€ acrescidos dos 25€ do condomínio (pagando este um empréstimo de cerca 550€ mensais).

- Diga-se mesmo que é incompreensível o comportamento da Ré a este respeito, recusa-se, terminantemente, a celebrar o contrato de arrendamento com o Autor na fracção onde habita actualmente, por forma a não pagar renda e depois no processo de alteração da casa de morada de família que requereu em 30/10/2012 “... propõe-se a pagar a renda que venha a ser fixada pelo Tribunal...”!!!! – cfrs. fls.309 a 399 dos autos.

- Importa verificar se é elevada a verosimilhança da versão factual apresentada pela Ré de que esta só aceitou divorciar-se, prescindindo do uso da casa de morada de família porque o Autor garantiu que a fracção seria adquirida em representação dos filhos menores de ambos com a condição de a Ré jamais ter de pagar qualquer contraprestação ou indemnização pela sua ocupação do imóvel! Por outras palavras, o Autor, adquiria uma fracção para a Ré habitar “ad eternum” sem qualquer contrapartida.

- Segundo as regras de experiência comum, nos dias que correm algum ex-marido contraí empréstimos bancários para adquirir uma fracção para a ex-mulher lá viver sem qualquer contrapartida? Esta situação não se passa nem com pessoas que tenham rendimentos elevados quanto menos com pessoas, como as dos autos, que auferem salários baixos/médios. Nenhum ex-marido garante à ex-mulher, ainda que grávida e desempregada, que vai constituir um empréstimo para adquirir uma casa para ela viver sem qualquer contrapartida.

- Esta versão apresentada pela Ré é um contrassenso, uma ilusão/ficção criada pela Ré a que o Tribunal ora Recorrido entendeu como verosímil apesar de desprovido de qualquer prova que a sustente.

- Se esta versão é assim tão verosímil porque é que: quando o Autor envia o e-mail com o contrato de arrendamento a solicitar que a mesma assinasse esta não respondeu que não tinha conhecimento de nada e que não tinha convencionado celebrar qualquer tipo de contrato?! E ainda quando o Autor faz a notificação judicial avulsa para a mesma sair da fracção, atendendo a que não assinava o contrato de arrendamento, a mesma não reivindicou os seus direitos?

 

- Manteve-se na inércia porque, de forma propositada enganou o Autor, pois quando combinaram que este compraria a fracção para a Ré viver com os filhos e celebraria com ela um contrato de arrendamento, esta aceitou com o intuito de se mudar para lá (tanto assim foi que quis se mudar antes das obras estarem totalmente concluídas), e depois recusa-se a assinar o contrato de arrendamento e vive lá sem qualquer custo no que a habitação diz respeito.

- A Ré, apenas quando é confrontada com a acção, vem dizer que o Autor garantiu que a casa ia para a titularidade dos filhos e ela vivia lá sem qualquer contrapartida!

- Cabe nas regras de experiência comum que, o Autor, divorciado, se endividaria em quase 100.000€ para comprar uma casa para a Ré habitar sem que para tal exigisse desta qualquer contrapartida? Claramente que a resposta é negativa.

- A Ré em todo este processo “escuda-se” nos filhos menores, vitimizando-se, para obter uma vantagem patrimonial. Tanto assim é que, até aquando a propositura da presente acção que foi intentada só contra a Ré, na sua douta contestação de fls.. veio peticionar a intervenção provocada dos filhos menores! Este comportamento reprovável é de uma pessoa dotada de uma personalidade fraca, facilmente manipulável por um marido de nível cultural superior? Obviamente que não!

- Aliás, sempre se diga que, se o Autor fosse a pessoa “manipulável” conforme referido no douto Acórdão, jamais se encontraria nesta situação, pois teve oportunidade de desistir do negócio e, certamente, hoje em dia não se estaria aqui a discutir estas questões.

- Pode-se entender que o Autor manipulou a Ré, mesmo quando tendo conhecimento da recusa da Ré na celebração do contrato de arrendamento desde Junho 2010, (na altura só tinha celebrado o contrato de promessa de compra e venda da fracção), ainda assim acaba por vir  a celebrar o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca  em Agosto 2010, atenta a posição assumida pela Ré e se o caráter do Autor fosse como se quer fazer crer, seria mais fácil desistir do negócio e, desta forma, não se encontrava hoje nesta situação: endividado e a enfrentar processos judiciais.

- Só é improvável a versão do Autor para quem, analisando a prova e as regras de experiência comum, não reveja no comportamento do Autor o conceito do «bonus pater familiae», um pai que sempre desencadeou todos os meios que estavam ao seu alcance para promover o bem-estar dos seus filhos. Esta sim sempre foi a sua maior preocupação.

- Apesar da questão ora tratada, em momento algum este pai foi alheio às suas obrigações parentais: apesar do divórcio tentou, dentro dos meios possíveis que os filhos não se ressentissem e procurou lhes dar o maior conforto e proporcionar o seu bem estar; sempre pagou a pensão de alimentos (300€/mensais), além das despesas extraordinárias; e sempre desencadeou todos os meios para estar presente na vida dos seus filhos, quer seja através de contactos telefónicos diários como visitas sendo um pai presente e activo nas vida dos mesmos e nas actividades escolares e extra escolares.

- Independentemente do divórcio, o Autor sempre quis que os seus filhos tivessem todas as condições que lhes permitissem ter uma vida condigna, e é com base nesta preocupação que o Autor decide adquirir a casa para os filhos viverem juntamente com a Ré e com esta celebraria um contrato de arrendamento (formalidade até necessária para a aquisição do apartamento) e concedia-lhe um prazo de dois anos de carência até refazer a sua vida.

- Esta solução é assim tão improvável?! Se calhar até é, pois a verdade é que nos dias que correrem e face ao que se passa, normalmente, no pós-divórcio, dificilmente encontraremos um pai que tenha tamanha preocupação pelo bem-estar dos filhos como o Autor teve. Por regra, vemos mães sem um tecto para ficar com os seus filhos e pais que não cumprem com as suas responsabilidades parentais, nem as pensões de alimentos pagam.

- Porém, esta preocupação não é partilhada pela Ré, basta analisarmos o seu comportamento e verificamos que acima de tudo “olha para o seu umbigo”, querendo a todo o custo que o Autor lhe proporcione uma habitação quando bem sabe que não é da sua responsabilidade.

- O Tribunal recorrido parte do pressuposto da elevada verosimilhança da versão apresentada pela Ré baseado no facto de entender que a mesma foi manipulada pelo Autor, supostamente, porque este disse-lhe que o apartamento ia ficar em nome dos filhos de ambos, para que a mesma pudesse lá residir com eles, tendo a Ré a convicção de que jamais pagava qualquer contraprestação pela ocupação.

- A bem da verdade, a Ré quando a 08 de Junho de 2010 recebeu o e-mail do Autor com o contrato de arrendamento para assinar, conforme já havia sido acordado em Março de 2010, nem antes de se mudar para a fracção nem depois, teve qualquer comportamento de quem se sentisse manipulada/enganada, ou seja, nunca diligenciou no sentido de fazer valer o que só agora alega, pois: nunca interpelou o Autor para que celebrasse qualquer negócio jurídico no sentido de atribuir a propriedade do apartamento aos filhos; nunca intentou qualquer ação judicial para fazer valer o seu “direito”, ou para fazer valer as suas “expectativas”; nem requereu de imediato a alteração da casa de morada de família, só o vindo a fazer dois anos mais tarde, no dia da realização da audiência de julgamento destes autos, quando temia ter de sair do apartamento.

- Nem mesmo quando tomou conhecimento da Notificação Judicial Avulsa, em Novembro de 2010, a Ré tomou qualquer diligência em que viesse dizer que tinha sido manipulada/enganada pelo Autor, pois temos por certo que qualquer pessoa que achasse que tinha sido enganada, ao receber uma notificação judicial avulsa, reagiria no sentido de fazer valer os seus direitos, mas a Ré nada fez, ou melhor, o que fez foi no sentido de não ser notificada, tendo sido necessário o funcionário judicial efetuar várias diligências para concretizá-la.

- A Ré “fugiu” deste processo porque nunca teve o sentimento de que estava a ser enganada pelo Autor, e porque não tinha nenhum interesse em discutir a questão em Tribunal, mas tendo sido citada, e perante as consequências legais da falta de contestação, ficcionou toda esta história de que o Autor lhe disse que o apartamento era para os filhos e para ela lá residir com eles, para prosseguir com o seu objetivo de ter uma casa ou uma vantagem patrimonial à custa do Autor.

- Depois de várias interpelações feitas à Ré pelo Autor, para restituir-lhe o apartamento, e mesmo depois da notificação judicial avulsa, se o Autor não intentasse a presente ação judicial a Ré, nunca teria feito valer o seu suposto direito e continuava sempre na mesma situação, ou seja, a usufruir de uma habitação sem que para tal efectue qualquer pagamento, só quando o Autor pretende, judicialmente, repor a verdade dos factos, é que a Ré invoca que ele afinal a enganou e o Tribunal ora recorrido aceita esta versão sem olhar aos demais factos!

- Só se pode concluir que, o único que em toda a história foi enganado foi o Autor, pois a Ré premeditou toda a sua atuação, para com má-fé, conseguir ficar com o apartamento ilegitimamente ou obter uma vantagem patrimonial à custa do Autor.

- As circunstâncias ocorridas após o divórcio e até a mudança da Ré para o apartamento sempre foram do conhecimento desta, conforme se aferiu da prova testemunhal (através da testemunha HH e II e das declarações do Autor): a celebração do contrato de promessa em nome do Autor; o facto da fracção pertencer a um edifício que foi construído a custos controlados e a sua aquisição não poder ser para habitação própria e permanente do Autor porque já tinha habitação própria e permanente, só poderia ser para arrendamento, sendo certo que também isto constava do contrato promessa que a Ré teve conhecimento; a celebração do empréstimo bancário pelo Autor para aquisição do apartamento, e que tal impediria que o apartamento pudesse ficar em nome dos filhos.

- Todas estas circunstâncias ocorridas neste hiato de tempo (entre Dezembro de 2009 e Março de 2010) e que foram do conhecimento da Ré, não nos pode fazer crer e tão pouco é aceitável que a mesma ficasse convicta que o apartamento iria ficar em nome dos filhos e que a mesma não teria que pagar qualquer contraprestação pela ocupação!

- Razão pela qual, pelos motivos acima expostos, nunca poderia o Tribunal ora Recorrido alterar a matéria de facto dada como não provada na douta sentença proferida em primeira instância, designadamente, inexiste prova que fundamente a alteração dos quesitos 8.º, 9.º, 10.º, 12.º e 13.º da base instrutória para dá-los como provados.

- Assim, como se demonstra a versão apresentada pela Ré é uma versão completamente desfasada da realidade e da prova realizada nos autos e só se percebe que o Tribunal ora recorrido tenha dado como de elevada verosimilhança, uma vez que, na formação da sua convicção se tenha desligado das provas e firmado a sua convicção puramente  em critérios subjectivos e emocionais, violando os princípios da imediação e da oralidade corolários do princípio da livre apreciação da prova e, consequentemente, fez uma incorrecta apreciação da prova, razão pela qual, o douto Acórdão enferma de erro de interpretação e de aplicação da norma aplicável e nulidade do acórdão por falta de fundamentação e de exame crítico da prova, conforme previsto no art. 674.º, n.º 1, al. a) e art. 666.º com remissão para o art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

- Quanto à questão jurídica do comodato: fundamentos que estão em oposição com a decisão e condenação em objecto diverso do pedido:

- Da audição dos depoimentos das testemunhas II e HH resulta que a Ré tinha conhecimento de que o apartamento em questão apenas poderia ser adquirido para arrendamento, pois presenciaram uma conversa, entre Autor e Ré, na qual aquele facultou a esta o contrato promessa que assinara, comunicando-lhe todas as condições do negócio que iria celebrar, designadamente, que o referido apartamento apenas poderia ser arrendado.

- É o próprio Tribunal da Relação, aquando a alteração da matéria factual, que dá como provado o quesito 9.º da base instrutória, designadamente, que “O Autor procurou o apartamento que reivindica juntamente com a Ré, no início do mês de Novembro de 2009”, o que demonstra que a Ré não estava alheia ao negócio que iria ser celebrado pelo Autor, tão pouco foi manipulada por este, uma vez que quis conhecer e verificar se o apartamento era dotado das condições que considerava razoáveis para lá viver com os filhos de ambos.

- Mais se diga que é de todo provável, segundo as regras da experiência, que uma pessoa que quis conhecer das condições onde iria viver, visitou o apartamento e a sua zona envolvente, tenha tido conhecimento de todas as condições do negócio a celebrar, uma vez que era interessada, não se podendo considerar que a Ré apenas demonstrou interesse em visitar o apartamento, para dar o seu avale e, consequentemente, aceitá-lo e depois foi completamente alheia ao negócio celebrado pelo Autor.

- Conforme anteriormente já se demonstrou, mal andou o Tribunal a quo quando considerou que “Nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência presenciou as conversas havidas entre as partes acerca dos termos e condições em que a Ré iria ocupar a fração autónoma objecto da presente ação”, uma vez que transcreveu parte da sentença proferida em 1.ª instância sobre estes depoimentos e, também, referiu que procedeu à audição integral do CD-ROM (páginas 64 e 65 do Acórdão).

- Esta atuação do Tribunal a quo demonstra que conheceu dos depoimentos das testemunhas II e HH e que, sem qualquer fundamento, decidiu não os considerar, no entanto, nunca se pronunciou sobre os depoimentos prestados por estas testemunhas, nem tão pouco lhes retirou qualquer valor probatório, valendo a apreciação e valoração feita pelo Tribunal de 1.ª instância.

- Assim, verifica-se uma contradição no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, uma vez que, a páginas 46, na sua fundamentação, cita a decisão de 1.ª instância referindo que a Ré “(…) Nem alegou uma relação obrigacional com o autor, nem logrou provar, nomeadamente, que o autor haja produzido uma declaração não séria.” e depois de efetuar uma alteração à matéria factual, sem retirar qualquer valor probatório às declarações prestadas pelas testemunhas II e HH, a páginas 85 e ss., acaba por fundamentar pela existência de um direito obrigacional, designadamente, o comodato.

- Desta forma, não pode o Tribunal da Relação aceitar determinados factos como provados para proceder à análise das questões suscitadas pela Ré nas alegações de recurso, procedendo-as ou improcedendo-as e, depois, efetuar uma alteração à matéria factual para dar provimento ao pedido reconvencional da mesma, com base em outros factos considerados como provados.

- Os factos considerados provados têm de ser os mesmos tanto para a análise das questões suscitadas pela Ré, nas alegações de recurso, como para a análise do pedido reconvencional da mesma.

- Como escreve Amâncio Ferreira (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56), a contradição entre os fundamentos e a decisão verifica-se quando “a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”.

Também,

- Para improceder o pedido do Autor, o Tribunal a quo concluiu pela existência de um contrato de comodato, adotando o critério da finalidade do uso do imóvel para definir a sua duração (até o filho mais novo atingir a maioridade ou se a respetiva guarda deixar de estar entregue à Ré), referindo, no seu Acórdão, que “a sentença ora recorrida não pode subsistir, pelo menos na parte em que condena a ré a restituir ao autor a fracção autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições, visto que tal pedido improcede, necessariamente.”

- No entanto, não se percebe se a fundamentação do Tribunal da Relação, na qual reconhece a existência de um contrato de comodato, consubstancia uma condenação do Autor nesta obrigação, uma vez que, na decisão final nada é referido sobre o contrato de comodato, ou seja, na decisão final aquele Tribunal não determina qualquer condenação do Autor nessa obrigação.

- Na decisão final foi concedido parcial provimento à apelação da Ré mas, tanto nesta peça como na contestação não existe qualquer alegação/pedido de reconhecimento do direito ao contrato de comodato, pois a Ré apenas peticionou o pagamento de indemnizações, ao abrigo da figura do abuso de direito, a fixar em execução de sentença, e outra no valor de € 10.000,00, por má-fé do Autor.

- Desta forma, não se consegue perceber o que o Tribunal da Relação pretendeu quando qualificou a situação ao abrigo de um contrato de comodato, a se manter até o filho mais novo atingir a maioridade.

- Assim, resta-nos as questões: O que pretendeu o Tribunal a quo quando determinou a existência de um contrato de comodato entre as partes? Condenar o Autor nessa obrigação quando na decisão não determinou qualquer reconhecimento da existência desse contrato? O Autor está obrigado a reconhecer a existência de um contrato de comodado, entre ele e a Ré, nos termos definidos pelo Tribunal da Relação?

- Nesta situação, além de se verificar que os fundamentos estão em oposição com a decisão, também se conclui pela existência de uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, conforme entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/04/2007 (Proc. n.º 4086/06) e de acordo com o pensamento perfilhado pelo Professor Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 151), que acima se mencionou.

- Ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º, por remissão do artigo 666.º, ambos do CPC, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Por outro lado,

- Conforme resulta das peças processuais, designadamente, da petição inicial do Autor e da contestação da Ré, as partes nunca peticionaram a existência de um contrato de comodato, sumariamente, pelo Autor foi peticionado a declaração de que o mesmo é dono e legítimo proprietário da fração e que a Ré fosse condenada a restituí-la ao Autor e pela Ré, essencialmente, foi peticionado o pagamento de indemnizações ao abrigo da figura do abuso de direito e da má-fé daquele, conforme resulta dos artigos 81.º, 85.º, 86.º, 128.º e 135.º da contestação.

- Conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/05/2015 (Proc. n.º 1520/04.3TBPBL.C1.S1-A), «A questão, nesta perspectiva, tem cariz essencialmente adjectivo e implica com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva e, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações – o princípio do pedido.

- Ensinava Manuel de Andrade que "o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar-se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado".

- Compreendem estas afirmações os dois sentidos do aludido princípio: o princípio da iniciativa ou impulso processual da parte e, no que nos interessa, o princípio da correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a decisão; não se concebe, na verdade, que, na jurisdição contenciosa cível, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.»

- Conforme já se referiu, a Ré nunca pediu que lhe fosse reconhecido o direito a um contrato de comodato, antes peticionou o pagamento de indemnizações, demonstrando, com isto, que nunca foi da sua vontade que lhe fosse reconhecido o direito a esse contrato, verificando-se um excesso de pronúncia por parte do Tribunal da Relação, uma vez que conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento, por não ter sido pedido pelas partes e também por não ser de conhecimento oficioso, violando, desta forma, o princípio do dispositivo.

- O princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes é um dos princípios basilares relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento e os factos em que estruturam as exceções – artigo 3.º, nº 1, do CPC e, em coerência com esta regra, o juiz está limitado aos factos alegados pelas partes, não podendo pronunciar-se sobre um conteúdo que, apesar de legalmente previsto, não está abrangido por esse pedido, para mais, estando em causa interesses meramente patrimoniais dos lesados e, por isso, na inteira disponibilidade destes.

- Ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, por remissão do artigo 666.º, ambos do CPC, é nula a sentença quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Além disso,

- O Tribunal da Relação, na sua fundamentação, dá como assente a existência de um contrato de comodado, mas na decisão final nada refere sobre esta matéria, pois não condena o autor no reconhecimento da existência de um contrato de comodato, no entanto, se aceitarmos que, no Acórdão proferido, o Tribunal a quo pretendeu condenar o Autor nessa obrigação, estamos perante uma situação de condenação em objeto diverso do pedido, porque nem o Autor, nem a Ré, nas suas peças processuais, pediram o reconhecimento da existência de um direito obrigacional entre ambas, designadamente, o contrato de comodato.

- Mesmo alegando a Ré que foi “enganada pelo Autor porque ele disse que a casa ia para a titularidade dos filhos”, nunca solicitou o reconhecimento de qualquer direito obrigacional.

- Como referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., 682), "o objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido", com efeito, conforme dispõe o artigo 615º, nº 1, alínea e) do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

- Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na ação, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo e é a essa pretensão, assim definida, que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto, sendo que, a violação desta regra – se o juiz condena em objeto diverso do pedido – determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º, nº 1, e), do CPC.

- Quanto muito, a se aceitar a existência de um contrato de comodato, seria, apenas e exclusivamente, durante os dois primeiros anos, pois era o período de carência que resultava do contrato de arrendamento, no entanto, uma vez que os dois primeiros anos de carência já foram ultrapassados e a Ré não quis celebrar o contrato de arrendamento, o contrato de comodato caducou.

- Ainda sob a hipótese do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo pretender condenar o Autor no reconhecimento da existência do contrato de comodato, coloca-se a questão da violação do Princípio da Liberdade contratual das partes/autonomia da vontade, consistindo este princípio na liberdade conferida às partes contratantes, de criarem relações jurídicas, de acordo com suas intenções e necessidades, desde que obedeçam às regras impostas pela lei.

- Dispõe o n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil que “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.”, ou seja, a liberdade contratual dos contratantes, consiste no poder de estipular livremente, como melhor convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.

- Se aceitarmos que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo pretender condenar o Autor no reconhecimento da existência do contrato de comodato, estamos perante uma clara violação do princípio da liberdade contratual das partes, pois, o único contrato que se discutiu na instância e que esteve na disponibilidade das partes foi o de arrendamento e o Tribunal da Relação substituiu-se às partes, obrigando-as a ficarem vinculadas a um contrato de comodato que, nem o Autor, nem a Ré, o querem.

- Além de as obrigar a ficarem vinculadas a um contrato de comodato, é o Tribunal a quo quem fixa as cláusulas/regras do mesmo, determinando que a duração do contrato de comodato é até a maioridade do filho mais novo ou até a respetiva guarda deixar de estar entregue à Ré, sem que exista qualquer indício no processo sobre esse critério, uma vez que nenhuma das partes peticiona esse critério.

- Até quando a Ré alega que o apartamento era para ficar na titularidade dos filhos para lá viver com eles, não determina nenhum critério de duração da sua estadia na fração do Autor.

- O princípio da autonomia de vontade, portanto, não pode ser simplesmente desconsiderado ou esquecido, pois o contrato ainda existe para que as pessoas possam satisfazer os seus próprios interesses, devendo ser mantido o poder conferido aos contratantes, de estabelecer o vínculo obrigacional de acordo com suas necessidades.

- Assim, questiona-se: - Como pode o Tribunal da Relação fixar um contrato, uma obrigação, para as partes, sob as cláusulas que entendeu, se, além das mesmas não o peticionarem, dos autos não resulta qualquer indício dessa vontade?

- Segundo alguns autores o princípio da autonomia privada tem mesmo assento constitucional, designadamente, para Sérvulo Correia (Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pág. 438) «O princípio da autonomia privada tem dignidade constitucional, podendo ser inferido dos preceitos da nossa lei fundamental que consagram os princípios da igualdade (artigo 13.º), da liberdade (artigo 27.º, n.º 1), da propriedade (artigo 62.º, n.º 1), da liberdade de trabalho (artigo 53.º, n.º 3) e da liberdade de empresa (artigo 85.º, n.º 1). Cremos, aliás, que se pode ler no artigo 26.º da Constituição a sua afirmação expressa e não meramente implícita: o direito fundamental a uma capacidade civil que só pode ser restringida nos casos e termos previstos na lei significa que, salvo proibição legal, o sujeito pode produzir os efeitos jurídico-privados que considerar convenientes à prossecução dos seus interesses».

- Assim, o Tribunal da Relação, quando determina a existência de um contrato de comodato entre as partes, está a violar a Constituição da República Portuguesa.

- Quanto ao mérito da Reconvenção:

Independentemente de atrás já ter ficado sobejamente demonstrado que a Ré não é titular de qualquer direito pessoal de gozo que lhe permita ocupar a fracção autónoma de que o A. é proprietário, mal andou o Tribunal da Relação quando, no acórdão proferido, se pronuncia sobre o mérito da reconvenção uma vez que se trata de uma questão da qual não podia tomar conhecimento.

- O pedido reconvencional deduzido pela Ré é única e exclusivamente sobre matéria que se reporta a um acto levado a cabo pelo Autor no dia 16 de novembro de 2010, quando mandou cortar a água e a luz da fracção; veja-se a este respeito, a fundamentação do douto acórdão de páginas 90 e seguintes.

- Quanto a esta matéria, sempre se dirá com o devido e merecido respeito pelo Tribunal superior que, esta questão foi extremamente mal apreciada, atenta a prova junta aos autos e, bem assim, foi claramente olvidado as alegações do Autor quanto a esta matéria, violando com a sua decisão, disposições legais da matéria da responsabilidade civil (arts. 483.º e 496.º do CC), quer disposições constitucionais (art. 29.º da Constituição da República Portuguesa).

- A verdade é que, a Ré apresentou uma queixa crime contra o Autor conforme consta de fls. 259 a 276 dos autos, sobre os mesmos factos que veio deduzir o seu pedido reconvencional, que correu os seus termos no Tribunal Judicial do Funchal sob o processo n.º 95/11.1TAFUN, neste processo foi aplicado o instituto da suspensão provisória do processo mediante, entre a aplicação de outras injunções, o pagamento da quantia de € 300,00 (trezentos euros) à Ré, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

- A ora Recorrente consentiu na aplicação deste instituto e, conforme as suas declarações em sede de audiência de julgamento (que serviu de fundamentação na douta sentença proferida em primeira instância), recebeu por parte do Autor a referida quantia, tendo o processo criminal sido arquivado atento o cumprimento da injunção.

- Os factos que estiveram em apreciação na queixa crime são os mesmos que constam da Matéria de Facto Finalmente Fixada por esta Relação, nos pontos 22.º, 24.º a 30.º, ora, os factos acima mencionados já foram objecto de apreciação e decisão judicial no processo n.95/11.1TAFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial do Funchal, e que foi junto aos autos cópia da decisão proferida  (veja-se requerimentos apresentados nos autos em 20/02/2014 e em 22/03/2014), tendo a Ré sido devidamente reparada nos danos (patrimoniais e não patrimoniais) relativos a esses factos.

- Razão pela qual, atendendo ao princípio da proibição da dupla condenação, previsto no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, deveria considerar-se que a Ré relativamente a esses factos encontra-se devidamente e integralmente reparada, e a sua pretensão decidida como integralmente improcedente.

O Tribunal ora recorrido pronunciou-se sobre esta questão quando não a podia conhecer nos termos acima mencionados, condenou o Autor, novamente a pagar uma indemnização à Ré e aos seus dois filhos menores, por danos não patrimoniais de € 500,00 a cada um, num total de € 1.500,00, pelo que, estamos perante duas sentenças condenatórias do mesmo sujeito pelo mesmo facto. Está-se perante uma segunda condenação por facto anteriormente julgado e sancionado.

- Ora, no caso em apreço, a decisão desta questão por parte do Tribunal recorrido é violadora do princípio non bis in idem, pelo que, enferma de uma nulidade pois não poderia ter sido conhecida uma vez que o Autor já indemnizou a Ré pelos danos pedidos no pedido reconvencional, no âmbito de uma decisão já transitada em julgado, a nulidade em apreço verifica-se quer quando seja de natureza processual, quer quando se prenda com o mérito da causa, conforme se verifica neste último caso.

- Além disto, sempre se dirá que o Tribunal ora Recorrido mal andou quando chama à colação os filhos menores para arbitrar uma indemnização por danos não patrimoniais de €500,00 a cada um, quando os mesmo não são, nem nunca foram partes na acção!!!

- Além de ser uma questão da qual o Tribunal recorrido não poderia ter conhecimento, este chama à colação os filhos menores para arbitrar uma indemnização a favor destes (quando estes não são parte na acção e nunca pediram qualquer indemnização), matéria da qual o Tribunal recorrido não se podia pronunciar por não ter sido peticionado em momento algum.

- Nestes termos, sobre esta questão, outra decisão não poderá ser tomada que não seja a de declarar a nulidade do acórdão, nesta parte, por questões que não poderia tomar conhecimento nos termos previstos no art. 666.º com remissão para o art. 615.º, n.º 1, al. d) ambos do CPC, absolvendo-se o Autor quanto a esta matéria.

-No que se refere à Litigância de Má Fé, sem prejuízo de em momento posterior nos pronunciarmos sobre esta matéria, uma vez que ainda não há decisão definitiva quanto à mesma, desde já nos pronunciamos de que o comportamento do Autor nos presentes autos não é, nem nunca foi, integrante de qualquer tipo de litigância de má fé, conforme acima se demonstrou e se dá aqui por integralmente reproduzidos toda a matéria.

- Ao contrário do que é preconizado no douto Acórdão, o Autor em momento algum alterou conscientemente a verdade dos factos, pois conforme resulta da prova testemunhal e documental junta aos autos verificamos que havia sido combinado a celebração de um contrato de arrendamento entre Autor e Ré, pois de outra forma o primeiro não poderia adquirir o apartamento em causa nos auto;, além disso, não omitiu factos relevantes para a decisão da causa, muito menos convenceu a Ré quanto à “gratuitidade” do gozo da fracção reivindicada; e, por último, o Autor ao instaurar a presente acção não deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento ignorava.

- O Autor pediu ao Tribunal que lhe seja reconhecida a propriedade da fracção em causa nos autos e que a Ré restitua a mesma por se encontrar a utilizar, a usufruir e a usar sem que para tal tenha qualquer legitimidade, uma vez que se recusou a celebrar o contrato de arrendamento.

- O Autor acordou com a Ré que, com esta, seria celebrado um contrato de arrendamento e com base neste pressuposto constituiu um empréstimo que se encontra a pagar mensalmente e adquiriu a fracção em questão nos autos, contudo, sem qualquer tipo de consideração pela confiança em si depositada, a Ré, após se encontrar instalada na fracção, quando foi abordada pelo Autor para celebrar o contrato de arrendamento, recusou-se a assinar e teve e ainda mantém um comportamento completamente diferente ao convencionado.

- Utilizou, inicialmente, a boa fé do Autor comprometendo-se a celebrar o contrato de arrendamento para que adquirisse a fracção e, posteriormente, quando foi abordada para assinar o contrato, encontrando-se já a residir na fracção, recusou-se a assinar, bem sabendo a Ré que com este comportamento estaria a causar danos excessivamente sérios ao Autor.

- Face ao acima exposto, o Autor/Apelado deverá ser absolvido quanto a esta matéria, por não ter, de modo algum litigado de má fé.

- Da análise global ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, há matéria com manifesta relevância para a decisão da causa, a que o Tribunal recorrido ficou alheio sem explicar qual a razão da sua escolha restritiva e na qual firma a sua convicção, baseado em critérios subjectivos e discricionários, violando, desta forma, o princípio da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade.

- Referimo-nos a uma apreciação imotivável e incontrolável – arbitrária – da prova produzida, com recurso a critérios puramente subjectivos que implicaram a alteração da matéria de facto constante nos quesitos 2.º, 3.º, 4.º e 22.º dos factos dados como provados e dos quesitos 8.º, 9.º, 10.º, 12.º e 13.º dos factos dados como não provados na base instrutória.

- A garantia de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas tem, entre nós, assento constitucional (n.º 1 do art. 205.º da CRP), está configurada nos arts. 154.º e 615.º, n.º 1, al. b) do Cód. Processo Civil e consta do art. 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia de um processo equitativo (n.º 4 do art. 20.º da CRP).

- Esta obrigação de fundamentação está orientada para permitir um controlo interno (partes e instâncias de recurso) do modo como o juiz exerceu os seus poderes, como refere Michele Taruffo: “na motivação da sentença o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as “boas razões” que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral- para a opinião pública”.

- Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo, deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração e, portanto, de forma imparcial. O que no presente caso não se verificou, como atrás já se demonstrou!

- A decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão.

- Lendo a douta sentença proferida em primeira instância, o douto Acórdão proferido em segunda instância, e atendendo à alteração dos factos dados como provados e não provados, chega-se à conclusão que o Tribunal ora Recorrido focou apenas uma parte do litígio, alheando-se à apreciação de parte da prova e na restante seguindo critérios subjectivos e discricionários que não são aceitáveis como fundamentos da decisão.

- Assim, entendemos que tendo decidido de forma diversa do decidido em primeira instância o Tribunal ora recorrido violou, entre outras, as seguintes normas jurídicas: art. 3.º, nº 1, art. 154.º, art. 413.º, art. 423.º e segs, art. 466.º, n.º 3 e segs, arts. 483.º, art. 495.º, art. 496.º, art. 542.º, art. 607.º, n.º 5, art. 615.º, n.º 1, al. b) todos do Código Processo Civil; art. 371.º, n.º 1, art. 376.º, n.º 1, art. 396.º, artigo 405.º, art. 1129.º e segs, art. 1793.º, art. 2004.º, art. 2016.º todos do Código Civil; art. 20.º, n.º 4, art. 26.º, 29.º, art. 205.º, n.º 1 todos da Constituição da República Portuguesa; e o art. 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem.

- Impõe-se, portanto, revogar a decisão proferida em segunda instância, julgando-se a acção totalmente procedente e, consequentemente, condenando-se a Ré: a restituir ao Autor a fracção autónoma em causa livre e devoluta de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições; a pagar ao autor, a título de indemnização fixada segundo critérios de equidade, a quantia de € 4.000,00; a pagar ao Autor a quantia de € 150,00 por cada mês de ocupação após o trânsito em julgado da sentença; no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização e deterioração da fracção; a pagar as custas processuais devidas. E ainda deve julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, por não provado e, consequentemente, absolver o Autor do pedido reconvencional. Confirmando-se, assim, integralmente a decisão proferida em primeira instância!»

8. Dado que, nas suas alegações, o recorrente invocou múltiplas nulidades do acórdão recorrido, o tribunal a quo optou por se pronunciar sobre tais nulidades, em acórdão de 06.12.2017, no qual decidiu como se transcreve:

«Como assim, não enfermando o acórdão desta Relação de 4/04/2017 de nenhuma das nulidades que o Autor/Apelado e ora Arguente AA infundadamente lhe imputa (nulidade por erro na apreciação da prova, consubstanciado em violação dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade; nulidade por falta de fundamentação (no que concerne ao exame crítico das provas), na parte em que o Acórdão recorrido alterou a matéria de facto fixada em 1 a instãncia; nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão; nulidade por excesso de pronúncia; e nulidade por condenação em objecto diverso do pedido, acordam os juízes desta Relação em manter inalterado o referido aresto».

9. Na mesma data, 06.12.2017, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu um segundo acórdão, no qual se pronunciou sobre a quantificação da indemnização respeitante à litigância de má-fé (em que o autor havia sido condenado no acórdão de 04.04.2017), na sequência das despesas entretanto apresentadas pela ré/apelante.

Decidiu-se nesse acórdão como se transcreve:
«Acordam os juízes desta Relação em fixar na quantia total de € 7.353,10 (sete mil, trezentos e cinquenta e três euros e dez cêntimos) a indemnização por litigância de má-fé devida pelo Autor/Apelado AA à Ré/Apelante BB»

10. O autor/recorrente interpôs também recurso de revista (a fls. 1076 a 1078 dos autos) contra os dois referidos acórdãos, datados de 06.12.2017.

Quanto à quantificação da indemnização por litigância de má-fé, alegou, em síntese, que: a nota de honorários apresentada, na qual o acórdão se baseou, era excessiva, não especificava detalhadamente todos os trabalhos realizados pela mandatária da recorrente, bem como não explicava quais as tarefas executadas nas horas de trabalho apresentadas. Insurgiu-se, ainda, contra a ausência de fatura-recibo comprovativo do pagamento efetuado pela Ré à sua mandatária. 

Quanto ao acórdão de 06.12.2017, que conheceu das alegadas nulidades do acórdão proferido em 04.04.2017, o recorrente manteve, em síntese, o que já havia alegado no recurso interposto contra aquele primeiro acórdão.

  

11. A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais sustentou, em síntese, a manutenção dos acórdãos recorridos.

12. Por despacho de 10.04.2018 [a fls.1084 dos autos] decidiu-se não admitir o recurso interposto contra o acórdão de 06.12.2017, que conheceu das invocadas nulidades do acórdão de 04.04.2017 (com base no art.617º, n.1 do CPC).

Nesse despacho foi admitido o recurso contra o acórdão de 06.12.2017 que quantificou a indemnização devida com base em litigância de má-fé do autor, bem como o recurso interposto contra o acórdão principal proferido em 04.04.2017.

 

II. ANÁLISE DO RECURSO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS:

1. O objeto do recurso

1.1.  Quanto ao acórdão proferido em 04.04.2017:

Como supra referido, não foi admitido recurso de revista contra o acórdão, de 06.12.2017, que conheceu das nulidades imputadas pelo recorrente ao acórdão de 04.04.2017. Assim, tendo a matéria das nulidades ficado definitivamente julgada, na delimitação do âmbito do recurso interposto contra o acórdão de 04.04.2017 não há que conhecer de tal tipo de questões.

Apesar de as conclusões das alegações do recorrente serem, em grande medida, dominadas por considerações sobre a matéria de facto, é possível identificar as seguintes questões de direito:

Saber se a decisão em revista fez a correta aplicação do direito:

 a) - Quando negou a imediata restituição do imóvel reivindicado pelo autor e considerou que a ré tem o direito de viver nesse imóvel por dele ser comodatária;

b) - Quando absolveu a ré de todos os pedidos indemnizatórios formulados pelo autor;

c) - Quando condenou o réu no pedido indemnizatório formulado na reconvenção;

d) - Quando condenou o réu como litigante de má-fé.

1.2. Quanto ao acórdão proferido em 06.12.2017, a questão em análise é a de saber se a decisão em revista fez a correta aplicação do direito quando quantificou a indemnização por litigância de má-fé.

2.  A factualidade provada:

O Tribunal da Relação procedeu a alterações da matéria de facto, passando a versão final dos factos provados a ser a seguinte:

«Uma vez alterada por esta. Relação a decisão sobre matéria de facto proferida em 1ª instância, no que tange aos factos incluídos nos Quesitos 2°, 3°, 4°, 8°, 9°, 10°, 12°, 13° e 22° da Base Instrutória (cfr. supra), os factos finalmente julgados provados - ordenados segundo uma sequência lógica e cronológica - são os seguintes:

1 - O Autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra "…", tipo Ti, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., Edifico ..., Bloco …, piso …, n° …, freguesia de ..., concelho do …, descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n° …, da freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …. (al. A) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);

 2 - A aquisição da propriedade está registada a favor ao Autor (al. B) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);

3 - O dito imóvel veio à propriedade do Autor em 9 de Agosto de 2010, através de contrato de compra e venda que celebrou com a sociedade a sociedade CC, Lda. (al. C) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
4 - Em 1 de Dezembro de 2009, o Autor celebrou contrato promessa de compra e venda do dito imóvel (al. R) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
5 - O Autor para adquirir a referida fracção constituiu um empréstimo bancário, encontrando-se a pagar, mensalmente, pelo mesmo, o valor de € 540,73. (al. N) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
6 - O Autor nunca usufruiu do imóvel (al. D) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
7 - A ré saiu da casa de morada de família grávida, com um dos filhos, desempregada e sem rendimentos e foi viver na fracção pertença do autor (Art. 11° da base instrutória);
8 - Quando Autor e Ré decidiram se divorciar e depois do divórcio, esta não tinha onde residir, recusava-se a viver na casa dos pais e não tinha meios económicos para arrendar uma casa (Art. 21° da base instrutória);
9 - O Autor procurou o apartamento que reivindica juntamente com a Ré, no início do mês de Novembro de 2009 (Quesito 9°);
10 - O Autor convenceu a Ré a sair da casa de morada de família, à …, …, com os filhos, casa onde vivia o Autor, convencendo-a de que a fracção em causa ia para a titularidade dos filhos após o nascimento do EE (Quesito 8°);
11 - O Autor convenceu a Ré a sair da casa de morada de família e a ir viver na fracção em causa, com a condição de não ter de pagar qualquer contraprestação ou indemnização pela sua ocupação (Quesito 10°);
12 - E se tal não tivesse sido acordado, a Ré jamais teria saído da casa de morada de família (Quesito 12°);
13 - A Ré detém as chaves da dita fracção que lhe foram entregues pelo Autor e vem habitando a mesma, juntamente com os filhos, desde Março de 2010 (al. E) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
14 - Em Junho de 2010 a ré foi abordada pelo Autor para celebrar um contrato de arrendamento sob o regime de renda condicionada, ao que ela se recusou (al. F) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
15 - Face à recusa da Ré em celebrar o contrato de arrendamento, em 23 de Agosto de 2010, o Autor enviou-lhe uma carta para que aquela procedesse à devolução da fracção [al. G) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];
16 - A Ré não recebeu a carta que foi devolvida ao Autor com a menção "não atendeu" [al. H) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];
17 - No dia 3 de Novembro de 2010, o Autor, através de notificação judicial avulsa, notificou a Ré para que entregasse a fracção em causa [al. I) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];

18 - A Ré não entregou a fracção e continua a viver na mesma [al. J) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];
19 - O Autor celebrou a escritura de compra e venda e procedeu ao registo da fracção sem o conhecimento da Ré (Quesito 13°);
20 - A Ré não paga impostos, taxas e seguros relativas ao imóvel que ocupa [al. L) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];
21 - A ocupação da fracção pela Ré impede o Autor de a arrendar a um terceiro (al. M) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes);
22 - No dia 16 de Novembro de 2010 o Autor mandou cortar a água e a luz da fracção [al. O) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];
23 - É a Ré que paga a água da fracção onde vive [al. P) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];
24 - A 18 de Novembro de 2010, o Autor mandou colocar a água [al. Q) dos factos assentes por documentos dotados de força probatória plena e por acordo das partes];

25 - Devido ao corte da luz na fracção, a Ré teve de pedir a um irmão que retirasse todos os alimentos do frigorífico e os levasse para a sua casa a fim de não se estragarem (Art. 14° da base instrutória);

26 - A ligação da luz/do apartamento foi feita no próprio dia em que cortada (16 de Novembro de 2010), (Art. 27° da base instrutória).

27 - Por ter sido cortada a água, no dia 17 de Novembro de 2010 a Ré e os filhos viram-se obrigados a ir tomar banho a casa dos pais da Ré, situada no …, a lavar as roupas e a tomar as suas refeições (Art. 15° da base instrutória).

28 - O que causou à Ré desespero e angústia (Art. 16° da base instrutória);

29 - No mesmo dia a Ré deu entrada na Câmara Municipal do … de um requerimento, expondo a situação e solicitando que fosse colocado o contador e procedessem ao abastecimento de água (Art. 17° da base instrutória);

30 - Em consequência do comportamento do Autor a Ré tem passado noites sem dormir, tem andado nervosa, ansiosa e doente, tem perdido peso e tem tomado medicação para a ansiedade (Art. 19° da base instrutória);

31 - A Ré está a trabalhar, desde Setembro de 2010, como auxiliar, na creche "…", auferindo a remuneração mensal de € 550,00 a € 600,00 (Art. 20° da base instrutória);

32 - II, irmão do autor, arrendou outra fracção (Art. 5° da base instrutória);

33 - O autor é … na empresa "JJ, Unipessoal, Lda" e auferia, em 2010, o vencimento mensal de € 1.044,39 (Art. 24° da base instrutória);

34 - Para além da pensão de alimentos no valor de € 200,00 o Autor ainda paga todas as despesas extraordinárias que são apresentadas pela Ré, como creche (€ 67,50 mensais), despesas médicas e medicamentosas (Art. 26° da base instrutória).»

3. O direito aplicável:

3.1. Quanto ao acórdão proferido em 04.04.2017:

3.1.1. No presente caso cruzam-se problemas de direito patrimonial (a reivindicação de   um imóvel, propriedade do autor) com aspetos da específica natureza da relação que existiu entre o autor e a ré, dado que são ex-cônjuges e têm dois filhos menores, que vivem com a ré no imóvel reivindicado. 

3.1.2. O recorrente ocupa a maior parte das extensas conclusões das suas alegações a discorrer sobre o julgamento da matéria de facto, bem como a invocar nulidades do acórdão recorrido.

Sobre as invocadas nulidades recaiu o acórdão de 06.12.2017, pelo que (como supra referido), face ao disposto pelo art.617º do CPC (aplicável ex vi do art.666º), essa matéria encontra-se definitivamente julgada, não podendo voltar a ser apreciada[1].

Sobre a matéria de facto, o recorrente parece olvidar que, como decorre dos artigos 682º, n.2 e 674º, n.3 do CPC, em regra, o julgamento da matéria de facto não pode ser objeto de recurso de revista. A exceção a esta regra só se justifica havendo desrespeito de regra legal que exija uma específica forma para a existência de determinado facto [por exemplo, uma específica prova documental] ou que fixe a força de determinado meio de prova. Ora, no caso concreto não se verifica qualquer hipótese de aplicação desta exceção.

Assim, todas as considerações que o recorrente desenvolve sobre o teor e o sentido probatório dos depoimentos das testemunhas, bem como sobre as declarações de parte não podem relevar no âmbito do objeto do recurso de revista. Aliás, sobre o tratamento dado a este tipo de material probatório, pode, mesmo, afirmar-se que o acórdão recorrido procede a detalhada explicitação das razões pelas quais entendeu alterar a matéria de facto provada e, em consonância com a mesma, alterar a decisão de direito.

Mesmo a prova documental a que o recorrente se refere [escritura de aquisição do apartamento reivindicado e contrato de concessão de crédito bancário para aquisição desse imóvel, bem como a proposta contratual que dirigiu à ré disponibilizando-se para com ela celebrar um contrato de arrendamento] foi devidamente acolhida e ponderada pela decisão recorrida, para prova dos factos que lhes são inerentes, sem haver qualquer desrespeito pelo que preceitua o art.674º, n.3 do CPC.

Efetivamente, não assume natureza controvertida o facto de o recorrente ser proprietário do imóvel reivindicado e de o ter adquirido com recurso ao crédito bancário. Por outro lado, não assume qualquer relevo decisório, que não tivesse sido tido em conta, o alegado facto de o recorrente ter pretendido celebrar um contrato de arrendamento com a ré, e de lhe ter apresentado uma minuta de contrato para esse efeito.

3.1.3. Quanto às questões de direito

3.1.3. 1. A primeira e principal questão em análise é a de saber se a decisão em revista fez a correta aplicação do direito quando negou a imediata restituição do imóvel reivindicado pelo autor, e considerou que a ré tem o direito de viver nesse imóvel por dele ser comodatária.

Com esta questão interliga-se, consequentemente, a segunda questão que integra o objeto do recurso, ou seja, a de saber se a ré devia ter sido absolvida dos pedidos indemnizatórios formulados pelo autor.

O acórdão em revista revogou a sentença recorrida, julgou a ação de reivindicação improcedente e absolveu a ré/apelante de todos os pedidos condenatórios contra ela formulados pelo autor/apelado. 

O autor, agora recorrente, sustentou a sua pretensão reivindicativa do apartamento onde a ré vive (com os dois filhos menores do casal) no facto de ser proprietário desse imóvel e de a ré não ter qualquer direito de aí viver.

Quanto ao direito de propriedade do autor/recorrente, como resulta da factualidade provada, nunca tal constituiu uma questão controversa, pois a ré não negou essa titularidade nem se arrogou a algum direito incompatível com o direito do autor.  

Como decorre do art.1311º do CC (e tem sido doutrinal e jurisprudencialmente pacífico), não basta o reconhecimento do direito de propriedade do autor reivindicante para que a obrigação de restituir a coisa reivindicada seja automaticamente imposta.

Assim, se o detentor ou possuidor da coisa reivindicada demonstrar que é titular de algum direito (real ou obrigacional), licitamente constituído e, por isso, compatível (em duração mais longa ou mais curta) com o direito do proprietário, não existirá fundamento para que a restituição da coisa seja determinada por força da ação de reivindicação[2].    

No caso concreto, a ré/recorrida, na sua contestação, não alegou, de forma expressa, a existência de um contrato de comodato celebrado com o autor, quando passou a habitar o apartamento agora reivindicado. Todavia, da matéria de facto provada consta que a ré saiu da casa de morada da família e foi viver para aquele apartamento, “com a condição de não ter de pagar qualquer contraprestação ou indemnização pela sua ocupação” (ponto n.11).

Face a tais circunstâncias, a decisão em revista entendeu que existia um contrato de comodato entre o autor e a ré.

E entendeu bem; fazendo a correta aplicação do direito pertinente.

Na realidade, o tribunal não está vinculado ao nomen ius que as partes atribuem aos contratos, nem à ausência de denominação jurídica dos acordos que celebram. Cabe ao julgador qualificar os contratos celebrados pelas partes, a partir dos elementos revelados pela factualidade provada, e aplicar o regime jurídico correspondente. Tal modo de atuação não extravasa o objeto do recurso (pelo que não implica nulidade da decisão, contrariamente ao alegado pelo recorrente).

 Efetivamente, o acordo que as partes celebraram reveste as notas típicas do contrato de comodato, tal como o art.1129º do CC o define. Tratou-se de um acordo através do qual o autor entregou à ré um imóvel, para que ela se servisse de tal bem (aí vivendo com os filhos menores do casal), de forma gratuita.

Trata-se de um contrato que é temporário [por definição, e porque o art.1135º, h) impõe a obrigação de restituição no final do contrato], mas as partes não têm necessariamente que convencionar um determinado termo. A duração do contrato pode corresponder à duração do uso específico para o qual o bem foi comodatado.

É um contrato não solene, dado que a lei não impõe qualquer forma para a sua celebração. Pode, portanto, ser celebrado verbalmente, como aconteceu no caso concreto. E trata-se ainda de um contrato real quanto à sua constituição, ou seja, a sua completude formativa, bem como o início da produção dos seus efeitos práticos dependem da entrega da coisa comodatada, o que também se verificou no caso concreto.

Diferentemente do afirmado pelo recorrente, nas suas alegações de recurso, a decisão recorrida não tinha de o ter condenado a reconhecer a existência do comodato. A decisão recorrida limita-se a qualificar e reconhecer o acordo que as partes celebraram quando o autor entregou o apartamento à ré, para que ela aí vivesse, e a aplicar o regime legal correspondente a esse acordo.

            A questão da determinação da duração do comodato assume particular relevo no caso concreto, dado que as partes não estipularam qualquer prazo. 

Na decisão recorrida entendeu-se que a duração do comodato seria até à maioridade dos filhos comuns do autor e da ré ou enquanto ela tivesse a guarda dos menores.

 Resulta da factualidade provada [pontos 8, 9, 10, 11 e 12] que o autor não entregou o apartamento (agora reivindicado) à ré para exclusiva satisfação da necessidade habitacional desta, mas sim porque com ela viviam os filhos, menores de idade, do ex-casal. A entrega do gozo do imóvel à ré não se circunscreveu, assim, ao cumprimento de uma obrigação contratual de conteúdo puramente patrimonial. Assumiu também a função específica de satisfazer a necessidade de habitação dos filhos, que com a ré saíram da anterior casa de morada da família (onde o réu continuou a viver).

Assim, quando a decisão recorrida se refere à maioridade dos filhos comuns do autor e da ré, como um elemento a atender em matéria de duração do contrato, está a explicitar os efeitos jurídicos próprios da específica finalidade que o concreto comodato serve (não está a extravasar o objeto do recurso).

Deste modo, como decorre do art.1137º do CC, dada aquela específica finalidade do comodato, não pode o autor comodante exercer o direito de exigir a restituição do imóvel a todo o tempo. Mas já não lhe está, todavia, vedada a resolução do contrato baseada em justa causa, como dispõe o art.1140º do CC.

 Se, em geral, se pode afirmar que a gratuitidade do comodato assenta numa ideia de puro altruísmo (resultante, por exemplo, de uma relação de amizade entre as partes ou de generosidade social para com quem se encontre em situação de particular necessidade), tratando-se de comodato entre familiares, a cedência gratuita de um bem, e em particular de um imóvel destinado a habitação, constituirá, muitas vezes, expressão da solidariedade própria das específicas relações que se estabelecem entre estas pessoas.

A cedência do gozo de um imóvel poderá, mesmo, respeitar ao cumprimento da obrigação de prestar alimentos, pelas pessoas referidas no art.2009º do CC (em cujo elenco se inclui o ex-cônjuge), como se prevê no art.2004, n.2. Embora no caso concreto não esteja em discussão qualquer questão diretamente respeitante à atribuição de alimentos, a relação de família e de ex-conjugalidade encontra-se na base da finalidade específica a que atende o art.1137º do CC para limitar o direito de exigir a restituição a todo o tempo da coisa comodatada. 

Concluindo-se que a ré se encontra licitamente no gozo do imóvel, desde que o autor lho entregou no âmbito do contrato de comodato, fica, necessariamente, prejudicado o conhecimento dos pedidos indemnizatórios formulados pelo autor recorrente contra a ré, porque tais pedidos pressupunham a ilicitude do gozo do imóvel reivindicado. (Caso deles se tomasse conhecimento, sempre esses pedidos teriam, consequentemente, de ser improcedentes).

  

3.1.3. 2. Quanto à condenação do réu no pedido indemnizatório formulado pela ré na reconvenção:

            A ré aproveitou a contestação para formular autonomamente um pedido reconvencional contra o autor (nos termos do artigos 266º e 583º do CPC), traduzido na invocação de indemnização por danos morais e patrimoniais decorrentes do facto de o autor ter mandado cortar o fornecimento de água e de energia elétrica ao local reivindicado (onde a ré e os filhos vivem), na vigência do acordo (contrato de comodato) que sustenta a defesa da ré[3]

            Esse comportamento do autor consta, efetivamente, dos factos provados n.22 a n.27.

            A decisão agora em revista não concedeu indemnização por danos patrimoniais, porque entendeu que não se encontravam provados. Mas concedeu indemnização por danos morais, justificada nos termos que se transcrevem:
«Aplicando os critérios aludidos no art. 494° do Cód. Civil, que o art. 496°-3 do mesmo diploma manda tomar em linha de conta na fixação da indemnização devida por este tipo de danos, nomeadamente o elevado grau de culpabilidade do Autor (como o comprova a frieza, o calculismo e a insensibilidade com que ele se decidiu a privar de água e electricidade os seus próprios filhos menores e a respectiva mãe, com o exclusivo propósito de pressionar esta e aqueles a abandonar a fracção de que é proprietário, apesar de bem saber que a tinha cedido de empréstimo à Ré, para esta e os seus filhos ali habitarem), a situação económica deste (o Autor é … na empresa "JJ, Unipessoal, Ld.a" e auferia, em 2010, o vencimento mensal de € 1.044,39) e a dos lesados (a Ré está a trabalhar, desde Setembro de 2010, como auxiliar, na creche "...", auferindo a remuneração mensal de € 550,00 a € 600,00 e os menores não auferem quaisquer rendimentos, estando na total dependência económico-financeira dos seus progenitores) tem-se por adequado arbitrar a favor da Ré e de cada um dos seus dois filhos menores, uma indemnização por danos não patrimoniais de 500,00 (quinhentos euros), num total de 1.500,00 (mil e quinhentos euros).»

O autor insurge-se, nas suas alegações, contra esta condenação, dizendo que ela constitui uma violação do art.29º da CRP, dado que, pelos mesmos factos, a ré apresentou uma queixa crime contra o autor, tendo no respetivo processo sido aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, mediante o pagamento de €300,00 (trezentos euros) por danos patrimoniais e não patrimoniais, que efetivamente pagou. 

Ora, não lhe assiste razão, pois não se verifica aqui qualquer violação daquele preceito constitucional, dado que não está agora em causa qualquer tipo de responsabilidade criminal.

Como é pacificamente entendido (tanto pela doutrina como pela jurisprudência) o mesmo facto é suscetível de gerar diversos tipos de responsabilidade e, consequentemente, conduzir a diferentes tipos de sanções/indemnizações desde que os fundamentos axiológicos, os requisitos e os objetivos dessas “punições” sejam distintos.

Assim acontece em concreto, pois o que está em causa é a apreciação da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual) do autor e não qualquer tipo de responsabilidade criminal.

Do ponto de vista da responsabilidade civil, os factos praticados pelo autor podem, em abstrato, ser suscetíveis de o fazer incorrer em responsabilidade contratual ou extracontratual.

O facto de o comodato ter natureza gratuita não isenta o comodante de, em certas hipóteses, ser responsabilizado pelos danos causados ao comodatário.

Efetivamente, pode entender-se que existe responsabilidade contratual do comodante, nos termos do art.1134º do CC, quando, por violação dolosa do contrato de comodato, impediu a ré comodatária de temporariamente poder usar o imóvel, em consequência da ausência de fornecimento de água e de energia elétrica.

O comportamento do autor, quer por se traduzir na violação dolosa do contrato de comodato, quer por poder lesar direitos absolutos da ré, sempre conduzirá a uma indemnização por danos não patrimoniais, pois da factualidade provada (n.22 a n.30) conclui-se que pelo facto de o autor recorrente ter mandado cortar o fornecimento de água e de luz ao apartamento habitado pela ré lhe causou “desespero e angústia” (n.28), tendo esta andado “nervosa, ansiosa e doente” (n.30).

Não merece, assim, censura a indemnização/compensação que a decisão recorrida fixou em €500,00 (quinhentos euros) a favor da ré recorrida.

No que respeita à indemnização por danos morais concedida aos filhos, já a decisão recorrida não fez a correta aplicação da lei (art.483º do CC), pois da factualidade provada nada consta que permita concluir que os filhos sofreram danos morais e qual a eventual gravidade desses danos.

 Assim, atendendo à natureza cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil, há que concluir que relativamente aos filhos esses pressupostos não se encontram demonstrados nos autos.  Sendo, assim, manifesto que o autor recorrente não pode ser condenado nessa parte, não há, sequer, que suscitar a questão da eventual legitimidade da ré/reconvinte/recorrida para pedir a indemnização em nome dos filhos.

Em conclusão, ao atribuir €500,00 a cada um dos filhos, como indemnização/compensação por danos morais, não fez a decisão em revista correta aplicação da lei, tendo, consequentemente, de ser revogada nesta parte.

3.1.3. 3. Quanto à condenação do réu como litigante de má-fé.

No acórdão de 04.04.2017, decidiu-se nos termos que se transcrevem:
«Perante a matéria factual definitivamente fixada por esta Relação, é notório que o Autor litigou de má fé, na presente acção, seja porque alterou conscientemente  a verdade dos factos (ao invocar ter ficado combinada entre as partes a futura celebração dum arrendamento tendo por objecto o imóvel reivindicado), seja porque omitiu factos relevantes para a decisão da causa (nomeadamente o convencimento por si criado na mente da Ré, quanto à gratuitidade do gozo da fracção reivindicada), seja porque - ao instaurar a presente acção - deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não ignorava (art. 542°, n° 2, alíneas a) e b), do CPC vigente).
Impõe-se, por isso, nos termos do n° 1 do mesmo art. 542°), condená-lo, a este título, em multa (que se fixa em 5 [cinco] UCS, nos termos do art. 27°, n° 3, do Regulamento das Custas Processuais) e em indemnização a favor da Ré, correspondente à satisfação dos prejuízos por ela sofridos como consequência directa ou indirecta da má-fé do Autor (art. 543°, n° 1, al. b) do CPC), sobre cujo montante - por não haver nos autos elementos para a respectiva fixação - há que ouvir as partes (nos termos do n° 3 do mesmo art. 543°)».

           Por não existirem nos autos elementos para a fixação da indemnização que havia sido requerida pela ré (na reconvenção), foram as partes notificadas para se pronunciarem. A ré quantificou a indemnização em termos que foram apreciados no acórdão de 06.12.2017 (que infra se analisa).

            Nas suas alegações de recurso o autor/recorrente nega ter agido como litigante de má-fé.

            Vejamos se a decisão recorrida fez a correta aplicação da lei.

            O art.8º do CPC estabelece o princípio da boa-fé processual, impondo às partes o dever de agirem de boa-fé. A violação deste dever permite qualificar a parte como litigante de má-fé, nos termos do art.542º, e responsabilizá-lo pelo pagamento não apenas de uma multa, mas também de indemnização à contraparte (se esta a pedir). 

           Quando alguém se serve, intencionalmente, dos tribunais para alcançar um resultado que sabe que não é lícito, revelando simultaneamente um comportamento que não é honesto correto e leal para com a contraparte, faz um uso reprovável do processo, por consumir indevidamente recursos públicos e obrigar a contraparte a fazer despesas com o seu patrocínio judiciário. Por isso, o litigante de má-fé é simultaneamente condenado em multa e no pagamento de indemnização à contraparte (caso esta a peça).

Da matéria de facto provada, concluiu-se facilmente que, com a propositura da presente ação de reivindicação, o autor procurou reaver o gozo do imóvel que havia comodatado à ré, sabendo perfeitamente que o contrato através do qual lhe cedeu o gozo do imóvel se encontrava em vigor.

            E o autor sabia também que a cedência do gozo do imóvel agora reivindicado tinha sido a contrapartida para que a ré deixasse a casa de morada da família (na sequência do divórcio, e quando ainda se encontrava grávida e com um filho menor a cargo), para que o autor continuasse a viver nessa casa,  pelo que o seu comportamento (ao propor a ação de reivindicação) viola gravemente a confiança que a ré depositou no anterior comportamento do autor, no sentido de encontrar uma alternativa de habitação minimamente estável; até porque este lhe disse que a titularidade do apartamento para onde foi morar passaria posteriormente para nome dos filhos (facto provado n.10). 

            Conclui-se, assim, que a decisão em revista, ao condenar o autor como litigante de má-fé, nenhuma censura merce, pois fez a correta aplicação do direito aos factos provados.

Também não merece censura a aplicação da multa de 5 UCs, nos termos do art.27º, n.3 do Regulamento das Custas Processuais, a qual se encontra dentro dos parâmetros decisórios habituais.

Analisamos a decisão sobre o montante indemnizatório concedido à ré no ponto seguinte.

3.2. Quanto ao acórdão de 06.12.2017, que procedeu à quantificação da indemnização por litigância de má-fé (a que o autor tinha sido condenado pelo acórdão de 04.04.2017), vejamos se a decisão recorrida fez a correta aplicação do direito.

Da leitura conjugada dos n.2 e 3 do art.543º do CPC, conclui-se que o legislador forneceu ao juiz um critério decisório moldado pelas ideias de adequação e de razoabilidade da indemnização a fixar em resultado da litigância de má-fé. Não se encontra, assim, o julgador estritamente vinculado aos montantes que resultam de documentos que titulam despesas ou ao conteúdo da nota de honorários do mandatário, pois a lei permite-lhe, com prudente arbítrio, reduzir essas verbas.

Por outro lado, não se torna necessário que a parte já tenha pago os honorários ao advogado e que este tenha emitido recibo, como sustenta o recorrente nas suas alegações, pois decorre do n.4 do art.543º que os honorários serão pagos diretamente ao mandatário, quando o cliente ainda não tenha procedido a esse pagamento.   

Não merece qualquer censura o modo como a decisão recorrida aplicou o art.543º ao caso concreto, pois justificou detalhadamente as razões pelas quais fixou a indemnização por honorários e despesas em €7.353,10, tendo, mesmo, considerado excessivas as 194 horas de trabalho constantes da nota de honorários, que reduziu para 75 horas.

Refira-se, ainda, que, apesar de o valor da indemnização concedida ser inferior à alçada do tribunal recorrido, as decisões sobre litigância de má-fé admitem sempre recurso, nos termos do art.542º, n.3 do CPC.

Em resumo, apenas quanto à indemnização por danos morais concedida aos filhos da ré, no montante de €500,00 (quinhentos Euros) cada um, perfazendo o total de €1.000,00 (mil Euros) não se acompanha a decisão em revista (por ausência dos pressupostos exigidos pelo art.483º do CC), pelo que, nessa parte, se procede à sua revogação. Em tudo o resto, confirma-se essa decisão.

Por toda a análise desenvolvida, conclui-se que a decisão em revista (para além da ressalva supra referida) não violou as normas do CC ou do CPC invocadas pelo recorrente nas suas alegações. Tal como, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não violou quaisquer normas constitucionais nem tão-pouco o art.6º da CEDH.  

III. DECISÃO: Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido apenas quanto à indemnização por danos morais dos filhos da ré, no montante de €1.000,00 (mil Euros), respeitante ao pedido reconvencional. No mais, confirma-se o acórdão recorrido.

Mantém-se a multa de 5 UCs por litigância de má-fé

Custas: ¾ a cargo do recorrente e ¼ a cargo da recorrida.

Lisboa, 09 de abril de 2019

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Raimundo Queirós

Ricardo Costa

__________________________
[1] Foram as seguintes as nulidades invocadas pelo recorrente: nulidade por erro na apreciação da prova, consubstanciado em violação dos princípios da livre apreciação da prova, da imediação e da oralidade; nulidade por falta de fundamentação (no que concerne ao exame crítico das provas), na parte em que o Acórdão recorrido alterou a matéria de facto fixada em 1 a instância; nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão; nulidade por excesso de pronúncia; e nulidade por condenação em objeto diverso do pedido.
[2] Afirmam Pires de Lima/Antunes Varela que o demandado pode “contestar o seu dever de entrega, sem negar o direito de propriedade do autor, com base em qualquer relação (obrigacional ou real) que lhe confira a posse ou a detenção da coisa (a título de usufrutuário, locatário, credor pignoratício, etc.)”; Código Civil Anotado, Vol. III, pág.116.
[3] Apesar de o valor do pedido reconvencional ser apenas de 10.000 Euros, a revista, nesta parte, é possível, atendendo ao critério de cumulação de valores previsto no art.299º, n.2 do CPC.