Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4751/04.2TVLSB.L1-B.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: SUSPEIÇÃO
JUIZ
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / GARANTIAS DE IMPARCIALIDADE / SUSPEIÇÃO APOSTO A JUIZ / JULGAMENTO DA SUSPEIÇÃO - RECURSOS.
Doutrina:
- I. CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, 2005, 132 e 141.
- J. LEBRE DE FREITAS, “Código de Processo Civil” Anotado, 1.º, 1999, 235.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 120.º, N.º1, 123.º, N.º3, 542.º, 629.º, 671.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGOS 6.º, 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 3 DE OUTUBRO DE 2013, PROCESSO N.º 5/11.6TCGMR-B.G1.S1.
Sumário :
I - A decisão do incidente de suspeição de juiz, suscitado na Relação, não é passível de recurso.

II - Tal não ofende qualquer princípio de ordem constitucional.

III - Também não viola os arts. 6.º e 13.º da CEDH, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo.

IV - Inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I - RELATÓRIO


AA, Requerente no incidente de suspeição, suscitado no Tribunal da Relação de Lisboa contra a Desembargadora BB, interpôs recurso da decisão do respetivo presidente, de 22 de abril de 2016, a qual, para além de ter indeferido o pedido de suspeição, condenou a Requerente na multa de quinze UC, como litigante de má fé.

No entanto, por despacho do presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de maio de 2016, o recurso não foi admitido, por a sua decisão, singular, não ser suscetível de recurso, nomeadamente nos termos dos arts. 123.º, n.º 3, e 671.º, ambos do CPC.


A Requerente reclamou desse despacho, concluindo pela admissibilidade do recurso, com o fundamento de ter sido feita uma errada aplicação do direito, pois que a decisão sobre a má fé é sempre passível de recurso em um grau, nos termos do art. 542.º, n.º 3, do CPC, para além de que o art. 123.º, n.º 3, do CPC, será materialmente inconstitucional, quando interpretado no sentido da exclusão de recurso, quanto à má fé, como violará ainda os arts. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ao restringir o direito ao recurso.


A reclamação foi admitida, realçando-se a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, citada no despacho reclamado, e vem ainda instruída, em conformidade com o despacho de fls. 46.


Por despacho de 13 de setembro de 2016, a reclamação foi indeferida.


A Requerente reclamou, então, para a conferência, nos termos de fls. 66 a 84.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Descrita a dinâmica processual, importa então ponderar, em conferência, se procedem as razões invocadas, nomeadamente quanto à questão da decisão (singular) do presidente da Relação que, no âmbito do incidente de suspeição, condenou em multa, por litigância de má fé, ser sempre passível de recurso.

O incidente de suspeição de juiz, suscitado designadamente na Relação, é decidido pelo seu presidente, não sendo essa decisão passível de recurso, conforme decorre, de forma expressa, do disposto no art. 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).

Por outro lado, em tal decisão, no caso de improcedência, apreciar-se-á também se o requerente do incidente de suspeição “procedeu de má fé”, nos termos constantes da parte final do n.º 3 do art. 123.º do CPC.

Os termos da responsabilidade por má fé encontram-se, genericamente, plasmados no art. 542.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

A decisão do presidente da Relação sobre o incidente de suspeição de juiz, incluindo o segmento da condenação por má fé, não admite recurso, por disposição especial da lei, nomeadamente do n.º 3 do art. 123.º do CPC.

Esta norma legal, com efeito, estipula, textualmente, que o “presidente decide sem recurso”. Trata-se, com efeito, de uma exceção ao regime geral estabelecido no art. 629.º do CPC (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 235).

Podendo a decisão, em caso de improcedência do incidente de suspeição, contemplar ainda a condenação em má fé, é evidente que também se lhe estende a impossibilidade legal de recurso, não podendo retirar-se da redação do n.º 3 do art. 123.º do CPC um sentido contrário, quando interpretado, como é exigível, nos termos das regras consagradas no art. 9.º do Código Civil.


De resto, não serve invocar o disposto no art. 542.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.

Esta regra geral, permitindo sempre o recurso, em um grau, quanto à condenação por má fé, introduzida no Código de Processo Civil pelo DL n.º 180/96, de 25 de setembro, porém, não se aplica ao incidente de suspeição, por efeito da prevalência da lei especial consagrada no n.º 3 do art. 123.º do CPC. Na verdade, a lei especial sobrepõe-se à lei geral, aplicando-se a primeira em detrimento da segunda.


A não admissibilidade de recurso da decisão do incidente de suspeição, que decorre de lei especial, não ofende, por outro lado, qualquer princípio de ordem constitucional.

Com efeito, embora as decisões judiciais sejam, por regra, recorríveis, pode o legislador, no âmbito do seu poder conformador, fixar certas limitações, nomeadamente no âmbito do direito ao recurso, sem contudo afetar a essência do direito a um processo equitativo, integrante da tutela jurisdicional efetiva, consagrada normativamente no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

O processamento do incidente de suspeição está sujeito aos princípios do contraditório e da igualdade, salvaguardando a natureza do processo equitativo. Por outro lado, o estatuto pessoal do presidente da Relação, democraticamente eleito, confere-lhe especial idoneidade para apreciar o incidente de suspeição.

Além disso, o incidente de suspeição, questionando abertamente a imparcialidade do juiz, característica essencial do exercício da função de julgar, tende a ser de rara aplicação, sendo certo ainda que o seu fundamento se baseia em situações muito objetivas (art. 120.º, n.º 1, do CPC), que, improcedendo, permitem realizar um julgamento fácil quanto à questão da má fé.

A dedução da suspeição do juiz, constituindo matéria assaz melindrosa, ao pôr em causa a falta de uma qualidade essencial do juiz, como é a sua imparcialidade, exige naturalmente uma grande prudência do requerente do incidente, de modo a não provocar, injustificadamente, um lastro de desconfiança relativamente a quem tem por função soberana administrar a justiça e, dessa forma, corroer um dos alicerces do estado de direito democrático.


Para além de não existir qualquer inconstitucionalidade material, também não ocorre qualquer violação dos arts. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo.

Como se viu, o direito a um processo equitativo e recurso efetivo não está posto em causa, porquanto se compreende, facilmente, as razões da limitação do recurso, no caso do incidente de suspeição, e que exige uma rápida decisão definitiva, de modo a travar a desconfiança prolongada no juiz.

Face aos fundamentos, ao processamento e ao fim do incidente de suspeição do juiz, não há razão para, em concreto, o descaraterizar como um processo equitativo, sendo certo ainda que a sua figura não se define in abstracto (I. CABRAL BARRETO, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição, 2005, págs. 132 e 141).


Finalmente, nos termos do art. 671.º do CPC, que define a amplitude da revista, esta apenas é admissível do acórdão da Relação.

O presidente da Relação, na verdade, decide em singular, sendo certo que a sua decisão não é passível de reclamação para um órgão de natureza colegial, que profira nomeadamente acórdão sobre a matéria.

Neste contexto, inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível também o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.


No mesmo sentido, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de outubro de 2013 (Processo n.º 5/11.6TCGMR-B.G1.S1).


Nestes termos, improcede a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado.


2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. A decisão do incidente de suspeição de juiz, suscitado na Relação, não é passível de recurso.

II. Tal não ofende qualquer princípio de ordem constitucional.

III. Também não viola os arts. 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo.

IV. Inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.


2.3. A Reclamante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade – art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

Fixa-se a taxa de justiça em 3 UC (art. 7.º, n.º 1, por remissão para a Tabela II, do Regulamento Custas Processuais).


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Indeferir a reclamação.

2) Condenar a Reclamante (Requerente) no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça em 3 UC.


Lisboa, 7 de dezembro de 2016


Olindo dos Santos Geraldes (Relator)

Fernando Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza