Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1113/06.0TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA
ARRENDATÁRIO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
PRÉDIO URBANO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO DO PROJECTO DE VENDA
FORMALIDADES ESSENCIAIS
NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA
DETERMINAÇÃO DO PREÇO
SUPRIMENTO JUDICIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - DIREITOS REAIS
Doutrina: - Antunes Varela, RLJ, 100, 225; e, anotação ao A.S.J. de 22/2/84 (R.L.J. nº 3776, pag. 348 e ss..
- Oliveira Ascensão, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, III vol., pág.259; Direito do Arrendamento Urbano, pág. 256.
Legislação Nacional: REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU): - ARTIGOS 47.º, 49.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 416.º, 417.º, Nº1, 418.º, 1057.º, 1406.º, 1407.º, 1410.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): ARTIGOS 265.º-A, 1429.º, 1459.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/1/92 – BMJ 413-542 E SS..
Sumário :

I - Ao exigir a comunicação do projecto da venda e das cláusulas do respectivo negócio – cf. art. 416.º, n.º 1, do CC –, pretende-se levar ao conhecimento do preferente os elementos essenciais do contrato, ou seja, aqueles que lhe permitam, e sejam decisivos, para determinar a sua vontade de exercer ou não o direito de preferência.
II - Decorre do art. 417.º, n.º 1, do CC, que é lícito ao obrigado à preferência vender a coisa objecto da preferência juntamente com outra (ou outras) por um preço global (haja ou não prejuízo), mas, se for essa a sua pretensão comunicada ao titular da preferência, este, por sua vez, pode exercer o direito apenas em relação àquela que é objecto do direito, pelo preço que proporcionalmente lhe competir dentro do preço global fixado para a venda conjunta.
III - No caso concreto, se os réus pretendiam vender dois prédios conjuntamente e tinham comprador para eles, pelo preço de € 500 000, e foi esse o projecto concreto que comunicaram ao autor marido, concedendo-lhe a preferência nessas condições, não tinham que discriminar os preços de cada um dos prédios que pretendiam alienar, exactamente porque queriam vendê-los por um preço global (como a lei lhes faculta), nem tinham que alegar que lhes adviria prejuízo se os vendessem separadamente.
IV - Tendo o autor marido sido notificado para exercer o direito de preferência, no prazo de 8 dias – prazo que se refere à declaração de preferência e não à concretização do negócio –, competia-lhe declarar que pretendia preferir ou no conjunto e pelo preço global proposto, ou apenas em relação ao prédio de que é arrendatário (objecto do seu direito de preferência). Nesta última hipótese, devia requerer ao tribunal a determinação do preço que competiria proporcionalmente ao arrendado, nos termos da acção de suprimento prevista no art. 1429.º do CPC, por aplicação do art. 1459.º do mesmo Código, apesar da notificação ter sido efectuada extrajudicialmente.
V - Em princípio e em geral – sobretudo se não se trata de arrendamento para habitação –, não pode dizer-se que o titular do direito de preferência (arrendatário) tenha interesse essencial em saber a identificação do adquirente, que será o seu novo senhorio, tanto que o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador (cf. art. 1057.º do CC).
Decisão Texto Integral:
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa do Varzim
AA e esposa,
BB, intentaram a presente acção declarativa (acção de preferência), com processo ordinário, contra:
1º- CC e marido DD e
2º- EE – Investimentos Imobiliários e Participações, SA e
3º- FF– Investimentos Imobiliários, SA.
Formularam os seguintes pedidos:
- Ser reconhecido e declarado judicialmente o direito de preferência dos Autores sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial e objecto da venda que os primeiros RR fizeram às segunda e terceira rés, e como consequência, colocados os Autores na posição de adquirentes em substituição das segunda e terceira rés, mediante o pagamento ou depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção;
- serem as rés condenadas a entregar o identificado prédio aos Autores, livre de pessoas e bens, bem como de
Alegam em resumo:
- Os primeiros réus eram proprietários, em regime de compropriedade, na proporção de metade para cada um, de um prédio urbano, composto por .........., andar e quintal, sito na Rua .......... (antiga Rua..........), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º00000, no livro B-52 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 3443, prédio esse que adquiriram por partilha efectuada por óbito de GG que, por sua vez, também o tinha adquirido por partilha efectuada por óbito de CC.
- Em 1 de Julho de 1963, a então proprietária, HH, celebrou com o A. marido um contrato de arrendamento verbal relativo ao dito prédio, por um prazo de um ano, renovável automaticamente, e pela renda anual de 1.200$00, paga em duodécimos de 100$00 por mês;
- O arrendamento do prédio destina-se à comercialização de materiais eléctricos, pagando os AA. a renda actualizada de 122,52 €;
- Por carta de 15 de Junho de 2005, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do Art. 47 do RAU, a Ré esposa comunicou ao aqui A. a sua intenção de vender à EE – Investimentos Imobiliários e Participações SA, o prédio urbano constituído por uma morada de casas composto de .......... e 1º andar, sito na ............../Rua .........., Póvoa de Varzim, inscrito na matriz urbana sob os artigos 2872 e 3443 e descrito na Conservatória do Registo Pred. Sob os n.ºs 0000 e 00000, pelo preço global de 500.000€.
- Na mesma data os 1ºs réus enviaram carta idêntica ao arrendatário do outro prédio.
- Embora notificado para exercer a preferência, o A. não o fez, porque, conforme resulta da notificação, os 1ºs réus impunham a compra dos dois prédios, pelo preço global de 500.000€, desde sempre se recusando a vender cada um dos prédios aos respectivos inquilinos, bem como a atribuir a cada prédio o respectivo preço;
- não obstante os prédios terem descrições autónomas na Conservatória e estarem inscritos na matriz sob dois artigos distintos, constituindo cada um deles realidades jurídicas independentes;
- o A. não tinha interesse em adquirir os dois prédios, e foi por isso que acabou por não exercer o direito de preferência;
- os prédios identificados na notificação para a preferência foram vendidos pelos 1ºs RR aos 2ºs (na proporção de 1/10 indiviso para a Ré EE e 9/10 indivisos para a Ré FF) por escritura de 22/12/2005, pelo valor global de 500.000€, mas aí foi atribuído ao prédio inscrito na matriz sob o n.º 2872 o preço de 400.000€ e ao inscrito sob o n.º 3443 (que está arrendado aos AA.) o preço de 100.000€.
- Os AA. no início da segunda quinzena de Março de 2006 tiveram conhecimento do referido negócio.
- Ora, porque as condições da venda dos prédios acima identificados não foram idênticos àqueles comunicados aos AA., na carta de 15/6/2005, nomeadamente quanto à identificação dos reais compradores e sobretudo, quanto ao preço a atribuir a cada um dos prédios, os AA. pretendem agora exercer o seu direito de preferência.
Citados os RR. contestaram pugnando pela improcedência do pedido.
Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
Instruídos os autos procedeu-se a julgamento e, discutida a causa e lida a decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença final que julgou a acção improcedente.
Inconformados recorreram os AA., mas sem êxito, porquanto a Relação apreciando a apelação, a julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Novamente inconformados, voltam a recorrer os AA., agora de revista e para este S.T.J..
Conclusões
Oferecidas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:
1- Os primeiros RR/recorridos não comunicaram aos recorrentes todos os elementos essenciais da alienação;
2- nomeadamente, o preço a atribuir ao prédio de que o recorrente marido é arrendatário, nem outrossim, a identificação de todos os adquirentes;
3- Por esse motivo, os recorrentes nunca puderam exercer o seu direito de preferência;
4- Foram violadas as normas dos Art.ºs 416 n.º 1 e 1410 do CC e o Art. 47 n.º 1 do RAU;
5- Os primeiros RR/recorridos não alegaram o prejuízo apreciável, requisito essencial para ser aplicado a norma do Art.º 417 n.º 1.
6- O Prof. A. Varela, no seu parecer, reputa como necessário para a aplicação do Art.º 417º n.º 1, a existência de uma razão séria e objectiva por parte dos vendedores;
7- A alegação dos interesses das recorridas sociedades é irrelevante para o mérito da questão, pois estas não estão obrigadas à preferência;
8- Os recorrentes depositaram oportunamente o preço, que não obstante ter sido esse o indicado por razões fiscais e emolumentares, constitui o preço justo para o prédio.
9- Foi violada a norma do Art.º 417 n.º 1 do C.C..
Deve, consequentemente ser julgado procedente a revista e, por isso, igualmente procedente a acção.
Nas suas contra-alegações, defendem os recorridos a confirmação do acórdão sob censura.
Os Factos
Foi a seguinte a factualidade fixada pelas instâncias:
Factos Provados
Resultaram provados os seguintes factos:
I.- Os primeiros e segundos Réus eram proprietários, na proporção de metade para cada um, de um prédio urbano, composto de r/c, andar com quintal, sito na Rua ..........(antiga Rua..........o), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00000, no livro B-52 e inscrito na respectiva matriz sob o art° 3443, que adquiriram por partilha efectuada por óbito de GG, que por sua vez também o tinha adquirido por partilha efectuada por óbito de HH(cfr. al. A).
II.- Em 1 de Julho de 1963, a então proprietária HH celebrou com o Autor um acordo verbal, mediante o qual cedeu o uso e fruição do prédio sito na antiga Rua..........o, hoje Rua .........., n° .., nesta cidade, por um prazo de um ano, renovável automaticamente no final do prazo, pela renda anual de 1 200$00, pago em duodécimos de 100$00, inscrito na matriz urbana respectiva sob o art° 3443 (cfr. al. B).
III.- Segundo o acordo referido em B) o prédio destina-se à comercialização de materiais eléctricos, o que ainda hoje sucede, pagando os autores actualmente uma renda anual de 122.52€, pagos em duodécimos de 10.21€ (cfr. al. C).
IV.- Por carta datada de 15 de Junho de 2005, junta a fls. 18 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a primeira Ré comunicou ao Autor, a sua intenção de vender à "EE - Investimentos Imobiliários e Particulares, SA", com sede na Rua ..........., n° ......., em Vila do Conde, matriculada na Conservatória do Registo Comercial, sob o n° 1 171, o prédio urbano constituído por uma morada de casas composto de r/c e primeiro andar, sito na ............../Rua .........., na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz urbana sob os art°s, 2872 e 3443 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob os n°s 0000 e 0000, do Livro B- 52, pelo preço de € 500.000.00, pagamento que seria efectuado com um valor de entrada e algumas prestações mensais a acordar(cfr. al. D).
V.- Na mesma data referida em D), os primeiros Réus enviaram carta de idêntico teor à ali aludida ao arrendatário do outro prédio, conforme documento junto aos autos a fls. 19 e cujo teor aqui se dá por reproduzido(cfr. al. E).
VI- Na sequência da notificação referida em D), o Autor não comunicou aos proprietários qualquer intenção de exercer o direito de preferência (cfr. al. F).
VII.- Por escritura pública celebrada a 22 de Dezembro de 2005, no Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, lavrada a fls. 11 a 13 do Livro 45-A, os primeiros e segundos Réus declararam vender à terceira e quarta Rés, os " seguintes imóveis, livres de quaisquer ónus e encargos, pelo preço global de quinhentos mil euros, que já receberam, às sociedades que a segunda e terceira representam, na proporção de um décimo indiviso para a sociedade " EE - Investimentos Imobiliários e Participações, SA" e de nove décimos indivisos para a sociedade "FF- Investimentos Imobiliários, SA": 1.- Pelo preço de quatrocentos mil euros, o prédio urbano sito na .............., n° ...., da freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial deste mesmo concelho sob o número vinte mil quatrocentos e setenta e dois, livro B- 52- inscrito na matriz sob o art° 2872, com mo valor patrimonial de 79 269,90€.- 2- Pelo preço de cem mil euros, o prédio urbano, sito na Rua trinta e um de Janeiro, da freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o número vinte mil quatrocentos e setenta e três, no livro B- cinquenta e dois, e inscrito na matriz sob o artigo 3443, com o valor patrimonial de 26 505.56€, conforme certidão junta aos autos a fls. 20 e seguintes e cujo teor aqui se dá por reproduzido(cfr. al. G).
VIII.- No início da segunda quinzena de Março de 2006, o Autor teve conhecimento dos termos da venda referida em G), designadamente que os compradores são dois, as aqui Rés, e que os imóveis foram vendidos em conjunto por um preço global de 500 000.00€, valor este que resulta da soma de 400.000,00€ referente ao prédio inscrito na matriz sob o n° 2872 e os 100 000,00€ referente ao prédio inscrito na matriz sob o n° 3443 (cfr. al. G).
IX.- Em data aludida em D), a primeira Ré tinha comunicado ao Autor a sua intenção de vender, na altura, à co-arrendatária "V.......G....... e ........, L.da", o prédio urbano constituído por uma morada de casas composta de rés-do-chão e primeiro andar, sito na .............., n°.... e Rua .........., na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz urbana sob o art° 2 872 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n° 000000, a fls. 180 verso, do livro B-10, por carta datada de 27 de Outubro de 2004, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 17 , cujo teor aqui se dá por reproduzido, e na qual refere que tal prédio "foi co-arrendado a V. Exa.... pelo preço de 500 000,00€ ...pagamento este que será efectuado com um valor de entrada e algumas prestações mensais e sucessivas a acordar(cfr. resposta ao quesito 1).
IX. O negócio referido em 1o, não se veio concretizar, os Réus continuaram os contactos no sentido de obterem comprador para os prédios, tendo surgido a oportunidade aludida na carta referida em D) (cfr. resposta ao quesito 2).
X.- Os primeiros Réus sempre se recusaram a vender cada um dos prédios referidos em G) aos respectivos inquilinos, nomeadamente ao Autor, bem como a atribuir a cada prédio o respectivo preço (cfr. resposta ao quesito 3).
XI O Autor não exerceu o direito de preferência na aquisição do prédio referido em B), por não ter interesse em adquirir os dois prédios aludidos em G), em conjunto pelo valor globalmente proposto (cfr. resposta ao quesito 4).
XII.- Os imóveis referidos em G) formam um só para efeito da pretensão das Rés sociedades, designadamente para nele promover a construção de imóvel destinada à habitação e comércio com a consequente requalificação da zona onde está inserido (cfr. resposta ao quesito 5).
XIÍI .-A reconversão dos imóveis referidos em G) apenas interessa às Rés sociedades como imóvel único (cfr. resposta ao quesito 6),
XIV.- Foi dado conhecimento aos Autores que apenas interessava a realização do negócio referido em D) aos Réus compradores e vendedores de todo o prédio (cfr. resposta ao quesito 7).
XV. -A divisão do prédio nos dois números em que se encontra descrito, toma-o menos interessante do ponto de vista do seu destino e menos valioso (cfr. resposta ao quesito 8).
XVI.- As Rés sociedades não adquiriram apenas o prédio urbano sito na .............., n°..., da freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 0000 e na matriz sob o art° 2872 pelo preço de 400.000$00, por ser elevado e desajustado para o caso da venda dos prédios ser feita separadamente (cfr. resposta ao quesito 9).
XVII.- Os primeiros Réus conseguiram comprador para o imóvel referido em 9o pelo preço de 400.000,00€ (cfr. resposta ao quesito 10).
XVIII- Na escritura aludida em G) foi atribuído um valor a cada prédio apenas por razões processuais e fiscais, designadamente emolumentares (cfr. resposta ao quesito 11).
XIV .- Os dois imóveis referidos em G), de forma isolada, e dada a sua configuração, não têm os mesmos valores obtidos com a sua venda em conjunto como um prédio só (cfr. resposta ao quesito 12).
XV.- Na escritura referida em G), interveio também a sociedade do Grupo na compra, a Ré " FF - Investimentos Imobiliários, SA" por razões financeiras e de mera conveniência negocial (cfr. resposta ao quesito 13)
XVI.- Os administradores da sociedade "EE"... e da sociedade "FF..." são familiares e mantêm uma completa interligação entre si (cfr. resposta ao quesito 14).
XVII- As Rés sociedades actuam nos negócios em comum, apenas como se de um ente se tratasse, sendo a sua actividade caracterizada pela compra e venda de imóveis (cfr. resposta ao quesito 15).
Fundamentação.
É sabido que as conclusões delimitam o objecto do recurso, daí que o tribunal ad quem só possa conhecer das questões nelas suscitadas a menos que delas deva tomar conhecimento oficioso.
No caso, tendo em conta as conclusões atrás descritas, aliás, no essencial absolutamente iguais às formuladas na apelação, verifica-se que são duas as questões suscitadas, sendo a primeira a de saber se, pela carta de 15/6/2005 que os 1ºs RR. remeteram aos AA., notificando-os para exercerem, querendo, o direito de preferência, contém ou não todos os elementos essenciais da anunciada venda, e a segunda, a de saber se, face à factualidade provada, existe ou não o prejuízo apreciável a que se refere o Art.º 417º n.º 1 do C.C..
Decidindo:
Sabemos que os 1ºs RR. eram comproprietários de dois prédios urbanos, com descrições registrais e inscrições matriciais autónomas, sendo certo que um deles se encontra arrendado ao A. marido para o exercício do comércio de materiais eléctricos.
Pretendendo os 1ºs RR. vender conjuntamente, por um preço global, os dois prédios referidos (e identificados nos autos), em 15/6/2005 enviaram ao A. marido uma carta, comunicando-lhe que projectavam vender à 2ª Ré – EE – os referidos prédios pelo preço global de 500.000€ ... e assim, reconhecendo-lhe o direito de preferência na projectada alienação, solicitavam-lhe que informasse, no prazo legal de 8 dias, se pretendiam exercer o seu direito.
Na mesma data, enviaram carta semelhante ao arrendatário do outro prédio.
Já em data anterior (27/10/2004) os 1ºs RR tinham comunicado ao A. a sua intenção de venderem, nessa altura à co-arrendatária “V.......G....... e Trocado Ld.ª” os mesmos prédios (tidos como formando um único prédio) pelo referido preço global de 500.000€, mas esse negócio não se concretizou, razão pela qual os 2ºs RR continuaram os contactos no sentido de obterem comprador, tendo surgido, então, o negócio que comunicaram ao A. em 15/6/2005.
Está provado que os 1ºs RR. sempre se recusaram a vender cada um dos prédios individualmente, aos respectivos inquilinos, nomeadamente ao A., bem como a atribuir, a cada um deles, um preço autónomo, pelo que era do conhecimento dos AA. a pretensão dos proprietários de venderem em conjunto os mencionados prédios, como, aliás, se provou directamente (conf. Ponto XIV da matéria de facto).
Provada está também que, na sequência da notificação de 15/6/2005 para preferir, o A. marido não comunicou aos 2ºs RR qualquer intenção de exercer esse direito, mantendo-se em silêncio.
Daí que, por escritura de 22/12/2005, os 2ºs RR. tenham vendido, em compropriedade à 2ª e 3ª Rés os ditos imóveis pelo preço global de 500.000€, ficando porém exarado na escritura que o preço atribuído a um dos prédios foi de 400.000€ e o atribuído ao outro (o que está arrendado ao A.) foi de 100.000€, sendo certo que se demonstrou, igualmente, que a atribuição de um valor para cada prédio foi efectuada, apenas, por razões processuais e fiscais, designadamente emolumentares (cof. ponto XVIII da matéria de facto).
É perante este quadro factual que os AA. pretendem, agora, exercer o seu direito de preferência em relação ao prédio que está arrendado ao A. marido, pagando o preço de 100.000€, que depositaram atempadamente, alegando que as condições reais do negócio, concretizado em 22/12/2005, não lhes foram comunicadas em 15/6/2005, visto que, não só interveio no negócio outra sociedade (3ª Ré) que não fora identificada na notificação para preferência, mas sobretudo, porque nunca foram informados do preço pretendido pelo prédio sobre o qual recai o seu direito de preferência.
Não há nenhuma dúvida que o A. marido, enquanto arrendatário, tinha o direito legal de preferência que lhe era conferido pelo Art. 47º do RAU (diploma aqui aplicável, por ser o que estava em vigor à data da compra e venda), sendo que a tal direito se aplica o disposto nos Arts. 416 a 418 e 1410 do C.C. (Art. 49º do RAU).
Ora, nos termos do Art. 416º do C.C., devidamente adaptado, querendo o proprietário vender a coisa arrendada, deve comunicar ao titular do direito de preferência (isto é, ao arrendatário) o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, devendo o titular do direito, uma vez recebida a comunicação, exercê-lo no prazo de 8 dias, sob pena de caducidade.
Ao exigir a comunicação do projecto concreto de venda e as cláusulas do respectivo negócio, pretende-se, como é manifesto, levar ao conhecimento do preferente, os elementos essenciais do contrato, ou seja, aqueles que lhe permitam e sejam decisivos para determinar a sua vontade de exercer ou não o direito.
Daí que, ainda que não sejam transmitidas ao preferente alguma ou algumas cláusulas não essenciais, no sentido de não serem relevantes para a formação da vontade de exercer o direito, nem por isso se deve ter por nula ou ineficaz a comunicação.
Como ensina A. Varela (RLJ – 100 – 225) “não é necessário que o preferente conheça em todos os pormenores as cláusulas de venda ... para começar a correr contra ele o prazo de caducidade fixado na lei ... basta, mas é indispensável ao mesmo tempo, que o preferente tenha conhecimento de todos os elementos essenciais de alienação”.
Também a respeito do conteúdo do projecto de venda, escreve Oliveira Ascensão “... As cláusulas do contrato envolvem aquilo que for relevante para a decisão, não exigindo um enunciado exaustivo. O objectivo deve ser alcançar o equilíbrio entre o alienante e o preferente, e não admitir a transformação do instituto numa teia de arame farpado, paraíso dos chicaneiros.
O instituto faz-se para pessoas comuns. Não se pode admitir uma exacerbação que leve a que dificilmente se encontre uma comunicação para preferência em que se não lobrigue algum vício.
Neste espírito, o núcleo do conteúdo exigido encontra-se no preço e condições de pagamento. Se houver uma prestação acessória ... ela também releva. Daí por diante haverá que fazer uma triagem, atendendo ao que é socialmente adequado. São considerações de normalidade social e não de formalismo jurídico que são decisivos” (cof. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles – III vol. – Direito do Arrendamento Urbano – pag. 256 - ).
Por seu turno, dispõe o Art. 417º n.º 1 do CC que “se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abrangia todos os restantes, se estes não forem separáveis sem prejuízo apreciável”. É, por conseguinte, lícito ao obrigado à preferência, no caso, ao proprietário e senhorio, vender a coisa objecto da preferência juntamente com outra ou outras por um preço global (haja ou não prejuízo), mas se for essa a sua pretensão comunicada ao titular da preferência, este, por sua vez, pode exercer o direito apenas em relação àquela que é objecto do direito, pelo preço que proporcionalmente lhe competir dentro do preço global fixado para a venda conjunta.
Só assim não será se as coisas não forem separáveis sem prejuízo apreciável, pois, nesse caso, o vendedor tem direito de exigir que a preferência abranja todas elas.
Ora, no caso concreto, os 1ºs RR pretendiam vender dois prédios conjuntamente e tinham comprador para eles pelo preço global de 500.000€ e foi esse projecto de venda concreto que comunicaram ao A. marido, concedendo-lhe a preferência nessas condições.
Não tinham os 1ºs RR que descriminar os preços de cada um dos prédios que pretendiam alienar, exactamente porque queriam vendê-los por um preço global, como a lei lhes faculta, nem tinham que alegar que lhes adviria prejuízo se as vendessem separadamente porque lhes era lícito a venda conjunta, mesmo que a venda individualizada não lhes causasse qualquer prejuízo, embora, neste último caso, não pudesse impor a venda assim projectada ao preferente se ele quisesse restringir o exercício do direito apenas ao imóvel de que é arrendatário. Tal imposição só era lícita, se a separação dos prédios lhes causasse prejuízo devendo notar-se que a separabilidade ou inseparabilidade dos prédios não tem a ver com a sua individualidade física ou jurídica, mas sim com uma ligação funcional ou económica.
Ora, tendo o A. marido sido notificado para exercer o direito de preferência no prazo de 8 dias, o que obviamente se refere à declaração de preferência e não à concretização do negócio, competia-lhe declarar que pretendia preferir ou no conjunto e pelo preço global proposto, ou apenas em relação ao prédio de que é arrendatário (objecto do seu direito de preferência).
Nesta última hipótese, devia requerer ao tribunal a determinação do preço que competiria proporcionalmente ao arrendado, nos termos da acção de suprimento prevista no Art. 1429º do C.P.C. por aplicação do Art.º 1459 do mesmo diploma legal, apesar de a notificação para a preferência ter sido efectuada extrajudicialmente.
De facto, não sendo obrigatória a notificação judicial para preferência, e produzindo a notificação extrajudicial os mesmos efeitos, não havendo acordo na fixação do preço proporcional devido pela alienação da coisa separada, a questão tem de ser solucionada por via judicial, impondo o princípio da adequação formal do Art.º 265º-A do C.P.C., a solução mais adequada que, na nossa óptica, será a acima proposta.
Aliás, a manifesta analogia das situações sempre justificaria tal solução.
Portanto, seria nessa acção de suprimento que o obrigado à preferência teria de alegar e provar que o prédio não podia ser vendido separadamente sem prejuízo considerável.
Não era, antes, na carta/notificação, que tinha de fazer tal alegação.
Acontece que, apesar de notificado para preferir nas referidas condições, o A. marido nada disse no prazo legal dos 8 dias.
E, como se provou, não exerceu conscientemente o seu direito de preferência por não ter interesse em adquirir os dois prédios em conjunto pelo preço global proposto (cof. ponto XI da matéria de facto), sabendo perfeitamente que aos 1ºs RR só interessava a venda conjunta pelo aludido preço global, como também se provou (o que, porém, não obrigava os AA. a aceitar tal posição dos vendedores, como é óbvio).
É assim evidente que, se pretendia exercer o direito de preferência apenas em relação ao prédio de que é arrendatário, tinha de manifestar aos 1ºs RR. tal pretensão no prazo concedido para exercer o seu direito, nos termos acima explicitados.
Não o fez, porém, como se disse, o que não pode senão significar que aceitou a venda conjunta pelo preço global comunicado, o que, todavia não lhe interessava, não colocando a questão de preferir apenas em relação ao prédio objecto do seu direito, como a lei lhe facultava, mesmo contra a vontade dos vendedores, que só poderiam obstar a tal pretensão provando que a venda separada do arrendado ao A. lhe causava prejuízo relevante.
Caducou, por isso, o direito de preferência do A..
E a situação não se altera, no caso concreto, pelo facto de na escritura se discriminarem os valores de cada um dos prédios vendidos.
Na verdade, como se provou, os 1ºs RR. venderam conjuntamente os prédios em causa pelo preço global de 500.000€, tal como tinham comunicado ao A. e consta da escritura.
É certo que da mesma escritura, consta também a discriminação do valor de cada um dos prédios, o que, porém, foi efectuada apenas por razões processuais e fiscais, designadamente emolumentares (cof. pontos VII e XVIII da matéria de facto).
Na verdade, sendo os bens imóveis juridicamente autónomos com inscrições matriciais e descrições registrais distintos (o que, como já se disse, não impede a venda conjunta nos termos do Art. 417º do C.C.), têm necessariamente valores individualizados para fins fiscais.
E, de todo o modo, segundo as regras notariais, os imóveis que sejam objecto de escritura pública serão sempre identificadas, além do mais, pelos respectivos números matriciais com indicação dos valores patrimoniais constantes da matriz, nada impedindo que as partes lhes atribuam valores superiores aos matriciais, como é comum, sendo certo que tais valores determinam, por sua vez, o valor dos emolumentos a pagar pelo acto notarial.
Assim, não obstante as partes terem convencionado um valor global para o conjunto dos dois prédios, não podiam deixar de indicar o valor individual de cada um, sendo óbvio que a soma desses valores individuais tinha de coincidir com o valor global do negócio. Porém, a discriminação do valor de cada prédio, não significa que, se fossem vendidos separadamente fosse esse o valor real ou venal de cada uma das unidades prediais em causa.
Por conseguinte, há que concluir que, no que se reporta ao preço global da compra e venda conjunta proposta pelos 1ºs RR. ao A. marido para o exercício do direito de preferência, não há qualquer divergência entre o projecto do negócio concreto oferecido ao A. e o negócio real concretizado com a 2ª e 3ª Rés, não podendo os AA. prevalecer-se da indicação do valor de cada um dos prédios vendidos em conjunto, para fundamentar o exercício do direito de preferência nos termos do Art.º 1410º do CC..
De qualquer maneira, se é verdade que para o efeito de aferir do prejuízo da venda isolada das unidades prediais em confronto com a sua venda em conjunto, é irrelevante o interesse do comprador, pois o que o Art. 417º quis preservar, foi o interesse do proprietário vendedor, a verdade é que resulta inequivocamente dos autos que, no caso, a venda separada dos imóveis causaria prejuízo aos RR. vendedores (e é esse prejuízo que releva, como se disse).
Na verdade, ficou demonstrado que os dois imóveis, de forma isolada e dada a sua configuração (e não se esqueça que o tribunal de 1ª instância procedeu a inspecção ao local), não têm os mesmos valores obtidos com a sua venda em conjunto como um prédio só (cof. ponto XIV da matéria de facto), sendo que, a divisão do prédio nos dois números (matriciais) em que se encontra descrito, torna-o menos interessante do ponto de vista do seu destino e menos valioso (cof. ponto XV da matéria de facto).
No mesmo sentido, provou-se que as rés compradoras não adquiririam apenas o prédio inscrito na matéria sob o n.º .... pelo preço de 400.000€, por ser um preço elevado e desajustado para o caso da venda dos prédios ser feita separadamente (ou seja, tal prédio isoladamente, não valeria os 400.000€ indicados na escritura nas condições acima referidas).
Tal prejuízo para os vendedores, caso negociassem os prédios separadamente, resulta, a nosso ver, directamente da factualidade descrita, mas, de qualquer modo, foi dessa factualidade que a Relação retirou tal ilação de facto, caso se entendesse que o prejuízo não resulta directamente dela, ilação que, por não contrariar a prova, surgindo antes como o seu desenvolvimento lógico, nunca poderia ser sindicado pelo S.T.J., por se tratar de matéria de facto submetida à livre apreciação do julgador, como é jurisprudência assente.
Ainda a respeito da prova do prejuízo, não se vê qualquer razão para a “repulsa” manifestada pelos recorrentes, baseada na resposta ao quesito 10º.
O que se vê è a tentativa de uma interpretação pelo menos temerária, sem qualquer apoio contextual.
Não podendo o S.T.J. alterar a matéria de facto, pode e deve interpretá-la e tal interpretação tem de ser efectuada no contexto da prova global.
Ora, é muito claro que, quando se diz no quesito 10 que os 1ºs RR. conseguiram comprador para o imóvel referido em 9 pelo preço de 400.000€, está o tribunal a responder dentro do contexto da demais factualidade que deu por provada. Nesse contexto, é evidente que os compradores conseguidos foram as 2ª e 3ª Rés e estes, como ficou provado, só se dispuseram a pagar os ditos 400.000€, porque compraram o conjunto dos dois prédios, visto que isoladamente considerado, não valeria tal quantia.
É esta a única interpretação razoável e que se integra no contexto factual globalmente considerado. Aliás, foi a interpretação “autêntica” da sentença final.
Não tem qualquer sentido a interpretação tentada pelas recorrentes até porque assenta numa premissa que não está provada. De facto dizem os recorrentes que os vendedores encontraram comprador para o dito prédio por 400.000€ mas não quiseram vender, situação que não encontra o mínimo apoio nos factos.
Portanto, diferentemente do defendido pelos recorrentes, tem de ter-se por provado que a venda em separado dos prédios causaria prejuízo relevante aos vendedores, daí o poderem impor aos AA., com motivo justificado, a extensão do direito de preferência ao conjunto, nos exactos termos do disposto no Art. 417º n.º 1 do C.C..
Consequentemente, mesmo a entender-se ineficaz, sob este aspecto, a notificação para preferência (o que apenas se admite como hipótese de trabalho), sempre os AA. teriam de preferir em relação aos dois prédios e não só em relação àquele de que são arrendatários, como peticionaram.
Caducou, pois, o seu direito, sendo irrelevante a segunda questão suscitada quanto à alegada violação do Art. 416, por não estarem identificados na carta de preferência todos os adquirentes, visto que os AA. não pretendem, por via desta acção, exercer a preferência em relação ao conjunto dos dois prédios, mas apenas em relação a um deles.
De qualquer modo não deixaremos de abordar a questão.
Sabemos que na notificação para preferência de 15/6/2005 os RR vendedores comunicaram ao A. marido que a adquirente interessada no negócio era a Ré EE, mas afinal, concretizaram o negócio não só com esta, mas também com a Ré FF, adquirindo ambos os 2 imóveis em regime de compropriedade.
Alegam, então, os recorrentes, que também por esta razão o negócio projectado que foi comunicado ao A. marido não corresponde ao negócio real concretizado, não tendo, por isso, os vendedores comunicado aos recorrentes todos os elementos essenciais da alienação.
Coloca-se, pois, a questão de saber se a identificação do adquirente, tratando-se de preferência legal do arrendatário comercial, é ou não elemento essencial para a formação da vontade dos recorrentes, no sentido de exercerem ou não o direito de preferência.
É frequente na nossa jurisprudência a afirmação peremptória da essencialidade da identificação do terceiro interessado na aquisição.
Para esta tese, a omissão de tal identificação na notificação para preferência, a que se refere o Art.º 416º do C.C., aplicável ao arrendamento vinculístico por força do disposto no Art.º 49º do R.A.U., equivale à sua ineficácia, não conduzindo, portanto, à caducidade do direito, o silêncio do seu titular, permitindo-lhe, por isso, o recurso à acção de preferência prevista no Art.º 1410º do C.C., nas condições aí referidas.

Não falta, porém, quem defenda a tese contrária.
Argumenta-se que a identificação do interessado na aquisição não cabe no conceito de “cláusulas do contrato” a que alude o Art.º 416, nem no de “elementos essenciais da alienação” referido no Art.º 1410 nº1 ambos do C.C.
A pessoa do comprador não é uma cláusula do contrato ou elemento da alienação, é apenas sujeito da respectiva relação jurídica.
Diz-se ainda que, ao contrário do que ocorre na preferência de comproprietários em que “a estrutura da comunhão assume características que tornam decisivo, para a determinação de se exercitar ou não o direito de preferência, o conhecimento da pessoa para quem um dos compartes pretende transferir a sua quota: recordem-se apenas as regras especiais relativas ao uso e administração da coisa comum (artigos 1406 e 1407 do C.C.)”, no caso do arrendamento as relações entre arrendatário e senhorio caracterizam-se por um certo distanciamento entre as duas partes sendo praticamente indiferente para o primeiro qualquer mudança operada na propriedade do prédio locado (cof. Ac. Do S.T.J. de 23/1/92 – BMJ 413-542 e seg), ou, como refere Oliveira Ascensão (obra citada-pg. 259),”… O que é necessário, mede-se atendendo ao aspecto objectivo da protecção do arrendamento, e não ao aspecto subjectivo das preferências pessoais futuras. Pergunta-se, sim ou não, ele quer adquirir naquelas condições, e não se quer ser arrendatário de certa pessoa. O que significa que não é função da preferência do arrendatário eliminar a álea de ter no futuro um senhorio melhor ou pior”.
Ora, salvo o devido respeito pelas teses em presença, parece-nos que a solução não pode ser equacionada em termos absolutos, num ou outro sentido.
Já dissemos que o mandatário titular do direito de preferência não tem de saber todos os pormenores do negócio.
Basta que lhe sejam fornecidos aqueles que são indispensáveis para poder decidir, livre e conscientemente, se quer ou não exercer o direito.
Ora, em princípio e em geral (sobretudo se não se trata de arrendamento para habitação) não parece poder dizer-se que o titular do direito (arrendatário) tenha interesse essencial em saber quem será o seu novo senhorio, tanto que, como é sabido, o adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador (Art.º 1057º do C.C). Quer dizer, seja quem for o terceiro adquirente, a relação jurídica de arrendamento permanece a mesma.
O arrendatário que não preferir, mantém na íntegra todos os direitos e obrigações perante o novo senhorio que já detinha perante o anterior.
Juridicamente, a relação de arrendamento não se altera na sua substância, e, na prática e objectivamente também não se alcançam diferenças, daí que, se concorde que, regra geral, será indiferente para o titular do direito de preferência conhecer, ou não, a identidade do terceiro interessado no negócio e por outro lado, pode o vendedor/senhorio ter interesse relevante em não revelar a identidade desse terceiro.
O equilíbrio dos interesses em presença e a própria razão de ser da preferência concedida ao arrendatário, não parece apontar, à partida, para se ter por essencial que o obrigado à preferência informe necessariamente o titular do direito, da identidade do terceiro interessado na alienação.
Mas, não obstante, podem configurar-se situações concretas em que o titular do direito tenha interesse relevante, qualquer que ele seja, em saber a identidade daquele que se propõe adquirir o prédio, por esse conhecimento poder ter influência na sua opção de exercer ou não o direito.
Se assim for, mandam as regras da boa-fé que, se tal identificação não constar da notificação para a preferência, solicite essa informação ao proponente, iniciando-se o prazo, de caducidade só após o obrigado lhe ter fornecido a informação solicitada.
Parece-nos ser esta solução ecláctica e casuística aquela que melhor servirá a boa realização da justiça, evitando abusos difíceis de provar, sem prejudicar qualquer dos interessados.
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que os 1ºs RR comunicaram ao A. marido o projecto de venda nos termos já aludidos, indicando o terceiro interessado na aquisição dos imóveis como sendo a 2ª Ré.
No entanto, no negócio real, concretizado após o silêncio do A., os 1ºs RR venderam os imóveis não só à terceira identificada na notificação para preferência, mas também à aqui 3ª Ré, ambos comprando os imóveis em regime de compropriedade.
Ou seja, no caso concreto até nem houve omissão dos obrigados na identificação do interessado no negócio, mas apenas deficiente informação.
É certo que, dadas as circunstâncias concretas, não tinha o A. que pedira informação sobre a identidade do terceiro interessado já que foi fornecida e não tinha de prever a deficiente informação, mas fica de pé a orientação que perfilhamos, segundo a qual a omissão da identificação do terceiro interessado na alienação é, em princípio, irrelevante para a determinação da vontade do titular do direito em exercê-lo ou não, orientação que, no caso, tem plena aplicação até por maioria de razão, tanto mais que, como se provou, , a intervenção no negócio da aqui 3ª Ré se verificou por meras razões financeiras e as compradoras, apesar de sociedades autónomas, actuam nos negócios em comum, como se de um ente único se tratasse, o que afasta, à partida, qualquer intenção fraudulenta da parte dos 1ºs RR.
De resto, não resulta dos autos o mínimo indício de que fosse relevante para o A. marido, que o interessado no negócio e depois parte nele, fosse apenas a 2ª Ré, ou esta em conjunto com a 3ª Ré.
A ser essa circunstância relevante, face aos factos consumados, deviam os A.A. alegar a relevância dessa deficiente informação para a formação da sua vontade de preferir ou não ou a má-fé dos 1ºs RR em ocultar essa informação, o que decisivamente não fizeram.
Como refere A. Varela em anotação ao AS.J. de 22/2/84 (R.L.J. nº 3776, pag. 348 e seg.) “Mas, precisamente porque a indicação do terceiro interessado na aquisição se justifica como uma exigência do princípio geral da boa-fé, e não por se tratar de um elemento essencial (por natureza) da alienação, é que duas conclusões importantes se impões neste caso:
1ª – A omissão do nome do outro contraente, na comunicação do obrigado à preferência, pode ser justificada, se razões especiais, em face das circunstâncias concretas do caso (v.g. o pedido justificado de sigilo acerca da operação, formulado pelo interessado na aquisição da coisa), a tornarem perfeitamente explicável, sem quebra da boa-fé.
2º - O preferente que, expressa ou tacitamente, declinar o exercício do seu direito, sobre a comunicação realizada sem menção do candidato à aquisição não poderá impugnar mais tarde a alienação efectuada, salvo alegando e provando a má-fé do alienante”.
( O caso não é idêntico ao aqui tratado, mas aproveita-lhe a razão de ser da solução defendida).
Como se disse os A.A. não alegaram qualquer tipo de relevância ou interesse atendível no que respeita à deficiente informação da identificação dos interessados no negócio, limitando-se a alegar que não lhes foram fornecidos todos os elementos essenciais do negócio que veio a concretizar-se, o que, como se viu, não releva, por não ser essencial tal informação nos termos acima expostos.
Aliás ao que resulta dos autos, como os A.A. confessam, a verdadeira razão porque não preferiram não tem a ver com a identidade dos interessados no negócio, mas sim com a circunstância de não quererem exercer o direito em relação aos dois prédios conjuntamente pelo preço global proposto, questão que foi já tratada e que também improcede. Consequentemente, não podia a acção proceder, como se tentou explicar.
Improcedem todas as conclusões da revista.
Decisão
Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Lisboa, 16 de Março de 2011

Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo