Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1134
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: CONCLUSÕES
CAUSA DO ACIDENTE
REFORMATIO IN PEJUS
Nº do Documento: SJ200605180011341
Data do Acordão: 05/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1) Se o recorrente reproduz "pari passu" nas conclusões da revista o já concluído nas alegações da apelação, mais claramente se legitima o uso da faculdade do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil ou, pelo menos, uma fundamentação mais sucinta.

2) O artigo 497º do Código Civil abrange as situações de causalidade cumulativa (ou concausalidade) do facto ilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano.

3) È aplicável o regime geral das obrigações solidárias, sendo que a existência quantitativa do direito de regresso existe na medida das respectivas culpas e dos danos produzidos, sem prejuízo da presunção "tantum juris" da igualdade de culpas.

4) Sendo unicamente posta em crise a graduação das culpas, a proibição da "reformatio in pejus" impede que se pondere optar pela responsabilidade solidária pura, por, a proceder, agravar a posição da recorrente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", residente no lugar de Local-A, da Freguesia de Maceira, da Comarca da Marinha Grande, veio, por si e em representação da sua filha menor BB, intentar acção, com processo ordinário, contra "Empresa-A" (antes "Empresa-B) e "Empresa-C" (antes, ..., S.A") ambas com sede em Lisboa.

Pediu a condenação das Rés no pagamento - na proporção da culpa dos seus segurados - da quantia de 26534216$00 (132 352.12 euros) com juros desde a citação, para ressarcimento dos danos sofridos, com a morte de seu marido e pai, CC, em acidente de viação.

Foi admitida a intervenção da "Empresa-D", com sede em Ponta Delgada que reclamou o reembolso da quantia de 24 856.07 euros, paga ás Autoras, por força do contrato de seguro por acidente de trabalho que celebrou com a entidade patronal da vitima.

O tribunal da comarca da Marinha Grande condenou as Rés, nas proporções de 85% e 15% (respectivamente "Empresa-A" e "Empresa-C") a pagarem ás Autoras 132 352.12 euros, com juros, e 26 856.07 euros à "Empresa-D".

Apelou a Ré "Empresa-A" sendo que a Relação de Coimbra confirmou o julgado.

Pede, agora, revista assim concluindo:

- Não pode ser responsabilizada na proporção de 85%;

- O condutor do motociclo seu segurado foi o único responsável pela produção do primeiro embate;

- O condutor do veiculo seguro na "Empresa-C" foi o único responsável na produção do segundo embate por violar o principio geral do artigo 3º do Código da Estrada e não ter detido a marcha no espaço livre e visível à sua frente (art. 24º nº 1 do CE);

- Ambos contribuíram para a morte da vítima;

- A solução correcta é repartir as responsabilidades em igual medida;

Contra alegou a "Empresa-C" a defender a manutenção do julgado.

A Relação deu por assentes os seguintes factos:

- Cerca das 23 horas e 45 minutos do dia 19 de Março de 1997, CC tripulava o ciclomotor de matricula 1 - LRA -, no sentido sul - norte da estrada de Maceira, no lugar de Vale de Picarrinhas;

- Ao chegar ao entroncamento com a Rua da Relvinha, à sua esquerda, ponderando o sentido de marcha, levantou o braço esquerdo, para mudar de direcção para essa rua, por forma a sinalizar a manobra;

- E, sem parar, desviou se da metade direita para a metade esquerda da via;

- Quando já se encontrava a ocupar a metade esquerda foi embatido pelo motociclo, de matricula FI, conduzido por DD;

- O motociclo FI seguia atrás do ciclomotor a velocidade não inferior a 150 km/hora;

- O embate ocorreu entre a parte da frente do motociclo e a parte lateral esquerda da frente do ciclomotor conduzido pela vítima;

- Após o embate, o CC caiu, com o ciclomotor, ficando no asfalto na metade esquerda da via e apresentando sinais de vida;

- O motociclo imobilizou - se a cerca de 50 metros do local do embate;

- Então, EE colocou se perto do corpo do CC, procurando sinalizar o obstáculo;

- FF conduzia o veiculo automóvel e, após ter ultrapassado o veiculo automóvel GX, conduzido por GG, aproximou se do local a velocidade não inferior a 90 km/hora;

- O GX circulava a cerca de 60 km/hora;

- O FF viu primeiro o EE a gesticular na faixa de rodagem por onde seguia e, chegando - se ao meio da via, logo viu o CC deitado no solo;

- Accionando os órgãos de travagem do seu veiculo;

- Mercê da velocidade a que seguia, e apesar da travagem, não conseguiu imobilizar - se antes do local onde estava caído o CC;

- Passando entre este e o EE, que entretanto, fugira para a berma direita;

- Após o que parou mais à frente;

- Entretanto, aproximou - se o veiculo GX pela metade direita da faixa de rodagem;

- O condutor GG apercebeu - se da presença do Rufino a gesticular junto à respectiva berma direita;

- Porque não conseguiu parar nem desviar se embateu no ciclomotor que, por sua vez, embateu no CC, projectando - o para a frente;

- Quando avistou o EE, o GG olhou para trás depois de passar a seu lado pelo que, quando olhou de novo para a estrada, tinha á sua frente o ciclomotor e o CC atravessados na estrada, do que só então se apercebeu;

- Se não tivesse olhado para trás, tinha tempo e espaço suficientes para parar antes do embate;

- Imediatamente antes deste embate, o CC apresentava sinais de vida;

- Após todo o descrito a vitima tinha lesões toráxico - abdominais que foram causa directa da sua morte;

- O primeiro embate ocorreu por, apesar da largura da via, o condutor do motociclo não passar pela direita do ciclomotor;

- Tal ficou a dever - se à velocidade a que seguia;

- Na sequência do primeiro embate, que sentiu, o CC ficou prostrado na estrada, queixando - se de dores e pedindo socorro;

- Tal embate causou - lhe lesões não apuradas entre as quais as que se vieram a registar na autópsia;

- E causou - lhe dores intensas;

- Eis senão quando foi projectado pelo embate do veículo conduzido por GG;

- Sofreu lesões em diferentes partes do corpo que lhe causaram forte e intenso sofrimento;

- O veículo FI, conduzido pelo Réu DD estava seguro na Ré "Empresa-B", através da apólice nº 1966582;

- O veículo GX estava seguro na "Empresa-C", através da apólice nº 228785/25;

- O local do acidente era uma recta de boa visibilidade;

- Com inclinação descendente, no sentido de marcha dos veículos, sendo plana no local do acidente;

- A faixa de rodagem, que é asfaltada, tem cerca de 6 (seis) metros de largura;

- Era noite escura e o tempo estava seco;

- O local não dispunha de iluminação pública;

- Os condutores do motociclo e do GX foram julgados em processo-crime, que correu termos na comarca da Marinha Grande, tendo o Réu DD sido condenado por homicídio culposo;

- O pedido de indemnização deduzido pelas Autoras foi remetido para o tribunal cível;

- As Autoras são a mulher e a única filha do CC;

- Que tinha 34 anos de idade aquando do acidente;

- A filha BB completou 14 anos de idade quarenta e dois dias após o acidente;

- O CC tinha uma carreira profissional que lhe augurava um futuro risonho ao lado da mulher e da filha que amava;

- Era jovem e saudável e trabalhador, muito estimado por todos nos meios que frequentava;

- Tinha um intenso relacionamento com a mulher e com a filha;

- Desde a data do acidente, e até hoje, ambas continuam a chorar a sua morte;

- O "CC" e a AA formavam um casal feliz e o seu entendimento era perfeito;

- Tinham casado muito cedo e, após grandes dificuldades, tinham atingido a sua independência e desafogo económicos;

- A "AA" sentiu intensamente a morte do marido, vivendo momentos de completo desespero e angústia;

- Ainda sente a falta do marido em termos psicológicos e financeiros;

- Durante muito tempo, e após a morte, isolava se deixando de ser feliz e alegre como tinha sido;

- Tornou - se nervosa, carecendo de acompanhamento médico;

- A "BB" mantinha uma relação estreita de afecto e amor com o pai;

- Ainda hoje não se conforma;

- Era uma adolescente alegre e viva, apresentando se triste;

- Chora frequentemente, em especial à noite;

- Sentindo falta da presença do pai;

- Tendo necessitado de acompanhamento médico;

- A vítima trabalhava na empresa "Empresa-E" onde auferia um salário líquido mensal de cerca de 110000$00 (548.68 euros);

- Alem do trabalho regular fazia horas extraordinárias e trabalhava também aos fins-de-semana;

- O trabalho extraordinário permitia - lhe auferir mais 30000$00 (149.64 euros) mensais, dinheiro integralmente entregue para o sustento do lar;

- Era o principal suporte da família;

- O ciclomotor 1-LRA valia 80000$00 (399.04 euros) e depois do acidente não ficou a valer mais de 15000$00 (74.82 euros);

- No âmbito da acção por acidente de trabalho, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Leiria, a "Empresa-D" pagaria à Autora AA a pensão anual vitalícia de 412860$00 (2059.34 euros) desde 21 de Março de 1997, acrescido de 13% mensalidade em duodécimos;

- E à Autora BB, uma pensão desde aquela data, enquanto não perder o direito;

- A Autora AA gastou 70000$00 (349.16 euros) na concessão do terreno do cemitério, 52016$00 (259.46 euros) em roupas de luto, 177200$00 (883.87 euros) em despesas de funeral e 50000$00 (249.40 euros) em flores;

- A Empresa-D pagou - lhe 644.35 euros para despesas de funeral;

- Recebeu do Centro Nacional de Pensões, 904 204$00 (4510.33 euros) de subsídio por morte, sendo metade para si e metade para a BB;

- A Autora AA está a receber a pensão de sobrevivência de 23 520$00 (117.32 euros);

- Gastou 620 000$00 (3092.55 euros) na compra da campa;

- A morte do CC foi devida às graves lesões torácico - abdominais sofridas;

-O Réu DD sofreu ferimentos ligeiros;

- A "Empresa-D", que se fundiu com "...." fez um contrato de seguro de acidentes de trabalho com "Empresa-E";

- Procedeu ao pagamento de pensões ás Autoras no total de 21 322.74 euros;

- E de despesas diversas, no total de 1120.37 euros, e 2412.96, após a propositura da acção.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Âmbito do recurso.
2- Causalidade cumulativa.
3- Repartição de culpas.
4- Conclusões.

1- Âmbito do recurso

A recorrente conclui as suas alegações reproduzindo tal qual as conclusões da sua apelação.

Este Supremo Tribunal vem decidindo maioritariamente que a repetição, pura e simples, na revista do alegado na apelação, embora não implique a deserção do recurso, legitima claramente o uso da faculdade do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil ou, caso não se pretenda lançar mão dessa normativa, uma fundamentação mais sucinta (cf. v.g os Acórdãos de 22 de Setembro de 2005 - 03B727 - e de 18 de Abril de 2006 - Pº 844/06 - 1º).

Daí que não se tente, sequer, um exercício alargado.

O objecto do recurso foi limitado à questão de determinar a proporção em que cada um dos veículos que colidiram com a vitima contribuíram para a produção do evento (artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil), sendo que a recorrente aceita tacitamente a existência da concausalidade, ou causalidade cumulativa.

Vejamos,

2- Causalidade cumulativa

O artigo 497º do Código Civil abrange a comparticipação no facto ilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano.

O co - autor é responsável pela reparação integral do dano pois qualquer dos comparticipantes pode ter causado toda a ofensa. Isto é, cada coactividade origina toda a consequência. (cf., a propósito, e ainda na vigência do artigo 2372º do Código Civil de 1867, o Prof. Vaz Serra, in "Responsabilidade contratual e Responsabilidade Extracontratual", BMJ, 85-132, e Prof. Pereira Coelho, in "O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, 8 (nota 5) e 9).

È que, nestes casos, não há lugar a duas ou mais pretensões distintas, "não há direito, por parte do lesado, a duas ou mais indemnizações, mas apenas a uma indemnização, embora com diversos fundamentos".(apud "Das Obrigações em Geral" I, 10ª Ed., 697, do Prof. A. Varela).

Há, tão-somente, que apelar ao regime geral de obrigações solidárias constante dos artigos 512º e seguintes do Código Civil, mas não esquecendo o nº 2 do citado artigo 497º.

Aqui se estabelece que "a medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram " condiciona a existência quantitativa do direito de regresso, sem prejuízo da existência e uma presunção "tantum juris" de igualdade de culpas. Entre os culpados é valido o critério do grau de culpa, dos resultados produzidos, no exercício do direito de regresso.

Porem, quem o pretenda exercitar tem o ónus de ilidir a presunção de paridade de culpas, só assim logrando obter do condevedor a parte da responsabilidade comum.

Mau grado o regime da solidariedade, as instâncias julgaram no sentido de graduar e repartir os graus de culpa de cada um dos responsáveis.

Não tendo sido impugnada a fixação - mas tão-somente a respectiva graduação - e sendo aquela mais benéfica do que a resultante da dogmática da solidariedade a proibição da "reformatio in pejus" (nº 4 do artigo 684º do diploma processual) impede que se considere a aplicação pura do artigo 497º do Código Civil.

Há que impedir que a posição da recorrente seja agravada por força do recurso que interpôs, garantindo - se, outrossim, a consolidação das decisões não postas em crise. Ou seja, "a decisão do tribunal de recurso não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão impugnada" (Prof. M. Teixeira de Sousa, in "Estudos sobre o Novo Processo Civil, 465) sob pena de exceder o âmbito da sua competência decisória.

3- Repartição de culpas

Como acima se deixou claro, a recorrente não casseia nesta revista elementos adicionais aos utilizados na apelação.

Não procura convencer da menor bondade do Acórdão recorrido, antes continuando a utilizar os mesmos argumentos impugnatórios do julgado em 1ª instância.

Ora, e para alem do que foi referido quanto á impossibilidade da "reformatio in pejus", permissiva do lançar mão da regra - base da responsabilidade solidária, não se vê que a Relação tenha utilizado um critério desajustado, ou desadequado, quando procedeu à repartição de culpas.

Não se afigura de alterar o decidido, acolhendo, no aqui omisso, os argumentos da Relação, "ex vi" do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil.

4- Conclusões

Pode concluir - se que:

a) Se o recorrente reproduz "pari passu" nas conclusões da revista o já concluído nas alegações da apelação, mais claramente se legitima o uso da faculdade do nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil ou, pelo menos, uma fundamentação mais sucinta.
b) O artigo 497º do Código Civil abrange as situações de causalidade cumulativa (ou concausalidade) do facto ilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano.
c) É aplicável o regime geral das obrigações solidárias, sendo que a existência quantitativa do direito de regresso existe na medida das respectivas culpas e dos danos produzidos, sem prejuízo da presunção "tantum juris" da igualdade de culpas.
d) Sendo unicamente posta em crise a graduação das culpas, a proibição da "reformatio in pejus" impede que se pondere optar pela responsabilidade solidária pura, por, a proceder, agravar a posição da recorrente.

Destarte, acordam negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 18 de Maio de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho