Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B1638
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: REVELIA
CONFISSÃO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: SJ200606220016382
Data do Acordão: 06/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : A confissão ficta, prevista no n.º 1 do art. 484.º do CPC para a falta de contestação de réu citado, incide apenas sobre factos e não sobre enunciações ou conclusões. *

* Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Empresa-A, intentou a presente acção contra Empresa-B, pedindo que fosse mantida ou restituída definitivamente à posse do prédio sito na Costa da ..., limites do lugar da ..., Urbanização ..., designado por lote 20, da freguesia e concelho de Cascais, sob o nº1345, e ainda a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 2.982.600$00, a título de danos já conhecidos e liquidados na petição inicial e ainda na indemnização por todos os demais danos que lhe foram causados, em virtude dos actos ilícitos descritos.
A ré não contestou, pelo que, nos termos do artigo 484 do Código de Processo Civil, foi proferida sentença em que se manteve a autora na posse do prédio, condenando-se ainda a ré a pagar-lhe a quantia em euros equivalente a 982.6000$00, indo absolvida quanto ao mais peticionado.
A autora apelou desta sentença, mas a Relação de Lisboa confirmou-a, o que leva a apelante a pedir agora revista do acórdão da Relação, com as seguintes conclusões:
1. O douto acórdão recorrido, ao não julgar provados ou não provados os factos alegados nos artigos 72 a 76 da p.i., incorreu em omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668, nº1, d) do CPC, violando o disposto no artigo 660, nº2 do mesmo diploma;
2. A decisão da matéria de facto deve ser alterada, uma vez que o douto acórdão recorrido incorre em erro na apreciação da prova com ofensa de disposição legal que fixa a força de certo meio de prova (artigos 729, nº2 e 722, nº2 do CPC), julgando-se provados, consequentemente, os factos alegados nos artigos 72 a 76 da p.i;
3. Com efeito, a recorrida não contestou, o que implica que se devem considerar confessados os factos articulados pela recorrente (artigo 484, nº1 do CPC);
4. Ao absolver a recorrida do pedido genérico formulado pela recorrente, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 569 do CC, 471, nº1, b) do CPC e 483 do CC, pelo que deve ser revogado, condenando-se a recorrida como peticionado pela recorrente;
5. As sociedades comerciais podem sofrer danos não patrimoniais;
6. O facto de a obra de construção de um empreendimento habitacional num local de intenso trânsito ter ficado paralisada e abandonada, com vedações destruídas, com susceptibilidade de induzir no público juízos negativos de quebra de confiança na capacidade financeira e comercial de uma sociedade e nas urbanizações que promove, implica perda de prestígio e de reputação dessa sociedade, pelo que gera danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito;
7. Assim, ao absolver a recorrida do pedido de condenação na indemnização dos danos não patrimoniais, o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 496, nº1 do C. C., devendo, pois, ser revogado e a recorrida condenada nos termos peticionados pela recorrente.

Não houve contra-alegação.
A fls.305 foi proferido acórdão a julgar não verificada a nulidade arguida pela recorrente nas conclusões supra.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A recorrente insurge-se contra a confirmação, pelo acórdão sob recurso, da sentença da 1ª Instância na parte em que absolveu a recorrida quer do pedido indemnizatório genérico por danos patrimoniais, quer do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais.

Para tanto, começa por imputar ao acórdão a nulidade de omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº1 do artigo 668 do Código de Processo Civil, ao não julgar provados ou não provados os factos alegados nos artigos 72 a 76 da petição inicial.

Ora, basta reler a decisão recorrida, a fls.277/278, para concluir pela improcedência desta arguição da recorrente.
Aí, na verdade, se transcreve o teor dos artigos da petição inicial postos em causa – incluindo o teor do artigo 75, apesar de, por patente lapso, não constar do início do parágrafo iniciado pela expressão «E não se diga que…» -- concluindo-se não passarem de «enunciações» que não satisfazem a exigência do artigo 342, nº1 do Código Civil, «sobre a existência concreta e extensão dos danos».

De qualquer modo – assevera-se, logo a seguir – a obrigação de a recorrente indemnizar a empreiteira decorrente dessas enunciações assenta na culpa da recorrente pela suspensão dos trabalhos (cfr. artigo 74), quando é certo que a tese desta «radica» na culpa da recorrida.
Como quem diz, tal matéria é irrelevante para a decisão da causa.

Acresce que o artigo 76 da p.i. é abordado pelo acórdão nestes termos:
«Por outro lado a alegação efectuada no artigo 76 de que «Por outro lado, a paralisação da obra implicou um atraso correspondente na rentabilização do investimento financeiro realizado pela A na aquisição do prédio e na execução da obra realizada até então.», é manifestamente conclusiva, dela nada se retirando quanto a um prejuízo real e efectivamente sofrido.».

É, assim, evidente que o acórdão emitiu expressa pronúncia sobre a matéria alegada nos artigos 72 a 76 da p.i., decidindo não a elencar na factualidade provada, dado o seu cariz meramente enunciativo e conclusivo.

E decidiu bem, pois que a confissão ficta, prevista no nº1 do artigo 484 do CPC, para a falta de contestação de réu citado, como é o caso, incide apenas sobre factos e não sobre enunciações ou conclusões, conforme decorre dos princípios gerais do direito processual civil e consta expressamente da norma em causa.

Não foi, por isso, violada esta ou qualquer outra disposição legal que justifique a intervenção excepcional do Supremo no âmbito da decisão de facto, ao abrigo dos artigos 722, nº2 e 729, nº2, ambos do CPC, como pretende a recorrente.

Consequentemente, dada a vaguidade da correspondente factualidade alegada – meras proposições genéricas, na terminologia do acórdão –, o pedido genérico formulado pela recorrente tinha que improceder, pois, como acertadamente refere a Relação, se é certo que o artigo 569 do Código Civil não exige a indicação exacta da quantia indemnizatória pedida, não é menos certo que o artigo 342, nº1 do mesmo Código não dispensa a alegação, pelo titular do direito, dos factos concretos que suportam esse pedido.

Pelas mesmas razões tinha que improceder, como improcedeu, o pedido indemnizatório pelos danos não patrimoniais.
Efectivamente, não passam também de meras e estéreis enunciações genéricas alegar: «Acrescem ainda os danos morais decorrentes da criação duma situação de facto consumado, insuportável, resultante dum exercício de poder arbitrário e selvático» (artigo 80) e «Pelos danos não patrimoniais causados à A., deve a R. ser condenada em indemnização não inferior a Esc. 2.000.000$00.».

Nem se diga, como a recorrente na conclusão 6ª, que o facto de a obra da construção de um empreendimento habitacional num local de intenso trânsito ter ficado paralisada e abandonada, com vedações destruídas, com susceptibilidade de induzir no público juízos negativos de quebra de confiança na capacidade financeira e comercial de uma sociedade e nas urbanizações que promove, implica perda de prestígio e de reputação dessa sociedade, pelo que gera danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito (o itálico é nosso).

Ultrapassando o pormenor de que a recorrente fez esta alegação, no artigo 77 da p.i., como suporte do pedido genérico por danos patrimoniais – pormenor despiciendo, pois que, como é sabido, o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica adoptada pelas partes (artigo 664 do CPC) --, corrobora-se o que o acórdão discorreu sobre o assunto:
«Veja-se que no artigo 77 a Apelante se limitou a alegar a mera susceptibilidade de o comportamento da Apelada poder causar no público juízos negativos, tendo-se todavia abstido de concretizar factos de onde tais juízos pudessem decorrer, ou que, quiçá, tivessem sido formulados.» (o itálico continua a ser da nossa iniciativa).

DECISÃO

Pelo exposto nega-se a revista, com custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de Junho de 2006
Ferreira Girão (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva