Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4867/08.6TBOER-A.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
RECONVENÇÃO
INADMISSIBILIDADE
COMPENSAÇÃO
REQUISITOS
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
REGULAMENTO (CE) 44/2001
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Data do Acordão: 03/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA / TÍTULO EXECUTIVO - RECURSOS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, p. 197.
- José Lebre de Freitas, A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4ª edição, pp. 178/179.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, p. 200.
- Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, Comentário à Convenção de Bruxelas, Lex, Lisboa 1994, página 118.
- Vaz Serra, Compensação, BMJ n.º 31, p. 137.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 847.º, N.ºS 2 E 3, 848.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 46º, N.º 1, ALÍNEA C), 714.º, N.º1, AL. G), 721.º-A, N.º1 AL. C), 814º, N.º 1, ALÍNEA G), 816.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DE 22-12
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/06/2006, REVISTA N.º 610/06 – 2ª SECÇÃO;
-DE 14/12/2006, REVISTA N.º 3861/06 – 6ª SECÇÃO;
-DE 18/01/2007, REVISTA 4519/06 – 2ª SECÇÃO;
-DE 29/03/2007, REVISTA N.º 558/07;
-DE 28/06/2007, REVISTA 2607/06 – 7ª SECÇÃO;
-DE 19/11/2009, REVISTA 4400/05.1TVLSB.L1.S1;
-DE 26/04/2012, REVISTA N.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 – 7ª SECÇÃO.
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA COMUNIDADE EUROPEIA, ACÓRDÃO DE 4/07/1985, NO ÂMBITO DO PROCESSO A.S. – AUTOTEILE GMBH VERSUS PIERRE MALHE
Sumário :

I - A oposição à execução – nos termos do arts. 714.º, n.º 1, al. g) e 816.º do CPC, na redacção anterior ao DL 226/2008, de 20-11 – baseada em título extrajudicial, pode ser fundada em facto extintivo da obrigação, como o seja a compensação.

II - A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, que reveste a natureza de um direito potestativo extintivo, tem lugar quando o devedor que seja credor do seu próprio credor se libere da dívida à custa do seu crédito.

III - No âmbito da oposição à execução (i) só pode ser invocada a título de excepção peremptória – e não de reconvenção, por esta ser inadmissível em processo executivo – e (ii) só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-crédito.

IV - A exigibilidade de um crédito só ocorre quando ele é reconhecido judicialmente, o que não sucede quando, sendo invocado em oposição à execução intentada em tribunal português, o mesmo se encontra a ser discutido – nos termos do art. 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12 – no Tribunal de Comércio de Paris, a coberto de pacto privativo de jurisdição firmado pelas partes, constituindo, por conseguinte matéria excluída da competência, em razão de nacionalidade, daquele tribunal (português).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, sediada em França instaurou, em 17/07/08, junto do Juízo de Execução de Oeiras, contra BB, L.da, e contra CC e esposa, DD, casados sob o regime de separação de bens, ação executiva para pagamento pela 1ª executada da quantia de € 2.083.189, a título de capital, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, computando os juros vencidos em € 107.271,11, e pelos segundos executados, na qualidade de fiadores, da quantia de € 1.000.000, com base no acordo de regularização de dívida, resultante de aquisição de algumas mercadorias, conforme documento redigido em língua francesa datado de 03/08-07, acompanhado da respetiva tradução em português, reproduzidos a fls. 814-844, dívida essa, por sua vez, emergente de um contrato de franquia de produtos de marca M........., celebrado em 19/09/2002, entre a 1ª executada, na qualidade de franquiada, e a sociedade EE, S.A., como franquiadora, mas que transmitira esta posição à ora exequente.

Indica à penhora nove estabelecimentos comerciais de pronto-a-vestir da executada BB e os bens móveis que sejam encontrados na sede da mesma, todos eles sitos em Portugal, bem como uma quota social da mesma executada (fls. 796 a 801); indica ainda os bens móveis que sejam encontrados na residência em Portugal dos 2.os executados e uma quota social de cada um deles (fls. 795 e 800).

Citada, a executada BB deduziu, em 04/11/2008, oposição à execução, alegando, em síntese, os seguintes fundamentos:

O tribunal português demandado é territorialmente incompetente para a presente execução, porquanto, no acordo que lhe serve de base, celebrado em França e em língua francesa, foi inserida uma cláusula de foro, pela qual, em caso de litígio sobre a interpretação ou execução das presentes disposições, as partes atribuem de forma expressa competência ao Tribunal de Comércio de Paris;

Essa cláusula traduz-se num pacto privativo de jurisdição dos Tribunais portugueses para as ações executivas emergentes daquele acordo, tanto mais que este envolve prestações recíprocas entre as partes;

O referido documento é ainda desprovido de força executiva, por respeitar a um acordo celebrado em França, redigido em língua francesa, no qual uma das partes intervenientes tem sede naquele país, sendo-lhe, por isso, aplicável a lei francesa;

Nessa medida, o referido documento não integra o conceito de título executivo conforme o previsto nas alíneas do artigo 3º da lei francesa n.º 91-650, de 09/07/1991, já que, para tanto, carecia de aposição de fórmula executória, o que não se verifica;

Mesmo que assim não fosse, muito embora se trate de um documento particular a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 46º do CPC, o acordo dele constante estabelece obrigações recíprocas para ambas as partes, em que o cumprimento por parte da exequente assume uma interdependência fulcral face ao cumprimento da obrigação da 1ª executada, não sendo, pois, a obrigação exequenda susceptível sequer de se tornar exigível por via do mecanismo previsto no artigo 804º do CPC;

Por outro lado, tratando-se de um documento exarado em país estrangeiro, a sua exequibilidade em Portugal depende de legalização;

E, embora aquela espécie de documento não se encontre formalmente incluída no reconhecimento e forma de atribuição de executoriedade previstos nos artigos 53º, 55º e 57º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/00, devem estas disposições ser-lhes aplicáveis por identidade de razões, o que, não tendo sido observado, importa a sua inexequibilidade;

A par disso, sucede que, após vicissitudes várias ocorridas no âmbito da relação comercial entre exequente e a 1ª executada, esta, em 4 de Março de 2008, reconheceu a rescisão do contrato de franquia, por falta de pagamento de facturas, e a caducidade do Memorando de Entendimento de 3 de Agosto de 20O7, constante do documento de regularização de dívida dado à execução, por inexecução do calendário ali acordado, tendo a exequente instaurado, em França, uma ação declarativa de condenação contra a ora 1ª executada com base no mesmo documento;

A cessação do contrato subjacente ao título dado à execução é totalmente imputável à exequente, assistindo à ora 1ª executada o direito a uma indemnização total de € 5.015.157,29, pela qual se deverá operar a compensação sobre o crédito peticionado, devendo ainda a exequente ser condenada a pagar à referida executada a quantia de € 2.824.697,18.

Em resumo, concluiu a 1ª Executada que seja julgada totalmente procedente a oposição por ela deduzida e, consequentemente, que:

a) - Seja a executada absolvida da instância, por incompetência do Tribunal português;

b) - Seja o documento apresentado desprovido de força executiva, quer face à lei francesa quer por aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001;

c) - Seja a obrigação exequenda considerada inexigível e, como tal, o título tido por inadequado;

d) - Seja julgado procedente o pedido de compensação formulado em sede de ação declarativa que corre termos na França e, por isso, considerada inexigível a quantia exequenda e destituída de valor e força executiva.

Foi também deduzida oposição, noutros autos apensos, pelos executados CC e DD, alegando, além dos argumentos aduzidos pela 1ª Executada, o seguinte:

O contrato de fiança celebrado entre os oponentes CC e DD e a exequente não é mais do que uma decorrência do acordo celebrado entre a executada BB e a exequente, não podendo ser invocado como título executivo autónomo sem a prévia invocação do acordo celebrado entre a executada sociedade e a exequente;

Os oponentes não assumiram a qualidade de devedores principais na fiança por si prestada, não sendo principais pagadores da mesma;

Assim, não sendo a execução instaurada da competência dos Tribunais portugueses, também não se aplica a lei portuguesa, pois deve seguir o processo de execução da 1ª executada, enquanto devedora principal.

A exequente contestou, sustentando o seguinte:

O pacto privativo de jurisdição respeita apenas aos litígios decorrentes da interpretação e aplicação das cláusulas do acordo e não à ação executiva instaurada para cumprimento do mesmo;

O normativo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 invocado pela oponente para a atribuição de competência ao Tribunal de Paris não é aplicável ao caso em apreço, pois não respeita a ações executivas mas apenas à competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica, ou seja, ações de natureza declarativa;

Admitindo que a lei substantiva aplicável ao acordo celebrado é a lei substantiva francesa, não é contudo extensível tal competência à lei adjetiva, a qual estabelece o que se deve, ou não, entender que constitui título executivo;

Atento o disposto no artigo 46º, n.º 1, alínea c), do CPC, lei adjetiva aplicável ao acordo em apreço, os documentos dados à execução são títulos executivos;

No que respeita à inexequibilidade material do acordo exequendo, as obrigações assumidas pela oponente sociedade não foram sujeitas a qualquer condição suspensiva decorrente do cumprimento das obrigações assumidas pela exequente;

Acresce que não foi convencionado que o plano de pagamentos discriminado no acordo exequendo estava dependente do cumprimento por parte da exequente das obrigações por si assumidas;

Inexiste sinalagma entre as obrigações assumidas pela exequente e as obrigações assumidas pela oponente, desde logo porque a obrigação de pagamento da dívida não é a razão de ser das obrigações assumidas pela exequente no acordo exequendo;

No que respeita à necessidade de legalização dos documentos dados à execução, inexiste fundamento legal para tal exigência, justificando-se a diferença existente em relação às sentenças e aos documentos autênticos, desde logo, atenta a diferença de exequibilidade das sentenças e documentos autênticos dos documentos particulares e as causas que podem fundamentar a oposição às execuções em que são títulos uns e outros;

No que respeita à alegada compensação de créditos, não tendo o alegado crédito da oponente sido previamente reconhecido, ou seja, sendo ainda um crédito controvertido, não pode ser invocado como fundamento de oposição à execução.

Em resposta à oposição deduzida pelos 2.os executados, diz a exequente, além dos argumentos aduzidos em relação à oposição da 1ª executada, que:

O contrato de fiança foi celebrado em Portugal, sendo de nacionalidade portuguesa as partes nele intervenientes, regendo-se assim pela lei portuguesa;

Tendo aqueles executados renunciado ao benefício da excussão prévia, não sendo principais devedores, constituíram-se como principais pagadores, o qual se equipara, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário, só não o sendo pois poderá exigir do afiançado, se cumpre a obrigação, a totalidade do que pagou.

Findos os articulados e ordenada a apensação das duas oposições, foi proferido saneador-sentença que as julgou improcedentes.

Inconformados com tal decisão, os executados apelaram dessa decisão, sem êxito, uma vez que a Relação julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida, ainda que com fundamentos diversos nalguns aspectos.

Verificada a dupla conforme, os executados interpuseram recurso de revista excepcional deste acórdão, invocando como pressupostos de admissibilidade todos os previstos no n.º 1 do artigo 721 º-A do Código de Processo Civil, identificando como questões jurídicas fundamentais a decidir as de saber, desde logo, se, para efeitos de excepção de compensação deduzida em sede de oposição à execução, se exige que o crédito que titula aquela compensação se encontre judicialmente reconhecido e determinar se o artigo 847º do Código Civil, ou eventualmente a alínea g) do artigo 814º do Código de Processo Civil, limitam, de alguma forma, a dedução de um pedido de compensação nos termos em que o mesmo foi formulado pelos Executados Recorrentes, na sua Oposição à Execução; e acrescentam ainda como questão determinar se, em face dos elementos ao seu dispor, o Tribunal a quo deveria ter, pelo menos, suspendido a presente execução, pelo facto de, conforme alegado em sede de Oposição à Execução e reiterado nas Alegações de recurso de apelação, por Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância de Paris, a Exequente/Recorrida ter sido condenada a liquidar aos Executados, ora Recorrentes, o montante de € 1.590.112,72, sendo as razões que militaram em torno da dedução, pelos Recorrentes, de um pedido de compensação contra a Recorrida, as mesmas que nos tribunais franceses foram conhecidas, ainda que por decisão não transitada em julgado.

Por douto acórdão de 26/10/2012, reformado pelo acórdão de 14/12/2012, a “Formação” considerou verificado o pressuposto da alínea c) do n.º 1 do artigo 721º-A, no que se refere à questão da compensação, dada a contradição entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/01/2012, indicado como acórdão – fundamento, o qual transitou em julgado, e foi proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sobre a qual inexiste acórdão de uniformização de jurisprudência”, pelo que foi decidido admitir a revista excepcional apenas quanto à referida questão da compensação.

Ora, no que à questão relacionada com a compensação se refere, sustentam os recorrentes que a questão fundamental que aqui se coloca se prende com a circunstância de o Tribunal a quo ter entendido que o crédito a compensar tem que se encontrar já judicialmente reconhecido, enquanto o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão atrás referido, proferido em oposição a uma execução, considerou que "a obrigação é judicialmente exigível não só quando o credor pode exigir o seu cumprimento com base em ação executiva (munido de título executivo) como também com base em ação declarativa que, reconhecendo-lhe a existência e exigibilidade da obrigação, condene o devedor ao seu cumprimento imediato.

A exigibilidade da obrigação e, consequentemente, a admissibilidade da compensação, não pressupõe a existência de prévia declaração judicial de reconhecimento do crédito. Para a compensação operar, o que é necessário é provar a existência do contra - crédito e a sua exigibilidade”.

2.

Perante a julgada contradição, no tocante às questões relacionadas com a compensação, o que está aqui em discussão é a problemática de saber se a executada, como meio de defesa, pode opor a compensação do crédito exequendo com um seu crédito contra a exequente, crédito este proveniente de um litígio que tem com aquela e cuja verificação pretende a executada fazer provar na instância da oposição.

Ou seja, está aqui em causa a problemática de saber se a compensação só poderá ser invocada se o contra – crédito estiver já reconhecido e não que careça de ser nos presentes autos de oposição reconhecido judicialmente ou se a mesma compensação se admite quando o contra – crédito estiver dependente na sua existência do reconhecimento judicial a efectuar nos próprios autos de execução.

Pensamos que a 1ª opinião, que foi seguida nas instâncias, é a acertada e é a que este Supremo Tribunal, tanto quanto pudemos averiguar, tem seguido uniformemente como adiante melhor explicitaremos.

Revisitando o caso em apreciação, consta-se que a 1ª executada invocou, como fundamento de oposição, a compensação sobre a quantia exequenda dum contra – crédito que teria sobre a exequente, no valor de € 5.015.157,29, emergente da cessação do contrato de franquia em referência, a título de indemnização de clientela, tendo esse contra – crédito sido invocado pela ora 1ª executada, em sede de reconvenção, no âmbito de uma acção declarativa de condenação proposta pela ora exequente, ali autora, no Tribunal de Comércio de Paris, contra a ora executada, ali ré, estando ainda pendente.

Esse contra – crédito seria sustentado pela ré em pretenso incumprimento do acordo de pagamento, que imputa à mesma exequente, ali autora, pela violação dos deveres de conduta no âmbito das políticas de mercado adoptadas e que teria levado à perda de clientes e à consequente quebra das vendas, inviabilizando o plano de pagamento entretanto ajustado.

Importa, portanto, saber se a situação litigiosa em que se encontra o contra – crédito junto da jurisdição francesa, invocado pela 1ª executada, obsta à compensação em sede da presente oposição à execução.

Nos termos conjugados dos artigos 814º, n.º 1, alínea g), na redacção anterior ao DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro, e 816º, ambos do Código de Processo Civil, a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode ser fundada em facto extintivo da obrigação exequenda, nos mesmos termos em que o poderia ser no processo de declaração.

Ora a lei admite, nos artigos 847º e seguintes do Código Civil, como uma forma de extinção das obrigações, a compensação, segundo a qual, quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigados a entregar coisas fungíveis da mesma natureza, é admissível que as respectivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.

Ou seja, “a compensação é exactamente o meio de o devedor se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor[1]”.

Como dizia Vaz Serra, “a compensação baseia-se na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte[2]”.

Por isso que, “a compensação tem lugar quando o devedor que seja credor do seu próprio credor se libere da dívida à custa do seu crédito, assentando no princípio de que não há qualquer interesse em efectuar uma prestação a repetir posteriormente em cumprimento doutra obrigação[3]”.

Para que tal possa acontecer, a lei exige a verificação de determinados pressupostos, os quais se encontram previstos no artigo 847º, segundo o qual, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, pode qualquer delas extinguir a sua obrigação por compensação com a obrigação do seu credor, desde que o seu crédito seja exigível judicialmente e não proceda contra ele qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material, e que ambas as obrigações tenham por objecto coisas fungíveis do mesmo género e qualidade[4].

Se as duas dívidas não forem de igual montante, a compensação opera-se na parte correspondente (artigo 847º, n.º 2), sendo certo que a iliquidez de qualquer delas não impede a compensação (artigo 847º, n.º 3).

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma parte à outra (artigo 848º, n.º 1), mas é ineficaz se for feita sob condição ou termo (artigo 848º, n.º 2).

A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, a que pode chamar-se negócio potestativo, porque, por ela, exerce-se um direito potestativo do declarante[5].

Nessa configuração, como muito bem considerou o acórdão recorrido, “a compensação reveste a natureza de um direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido extrajudicial como judicialmente, seja por via de acção, seja por via de defesa por excepção ou por reconvenção, conforme os casos”.

Em face disso, não se suscitam dúvidas de que a compensação pode também ser exercida em sede de oposição à execução como facto extintivo da obrigação exequenda, mas aqui só pode sê-lo a título de mera excepção peremptória e não de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo[6].

No caso presente, o direito à indemnização invocado pela 1ª executada fora já judicialmente exercido por via reconvencional no âmbito de uma acção judicial, ao que se supõe, ainda pendente nos tribunais franceses.

Ora, um dos requisitos da compensação é que seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções o crédito invocado para a compensação.

Segundo orientação jurisprudencial do STJ, “para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação[7].

Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.

Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa”[8].

Com efeito, “a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra – crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível[9]”.

Pois, “só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que “estando o crédito que a ré apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.

Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação[10] ”.

Em suma, “para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no artigo 847º do Código Civil, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra – direito, conforme resulta do disposto nos artigos 814º, 816º e 817º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil[11]”.

Temos, pois, que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível judicialmente quando está reconhecido. Só depois de comprovado e declarado por sentença é tal crédito exigível, mesmo que a obrigação retroaja o seu vencimento para data pretérita.

Acresce, como considera o acórdão recorrido, que “a questão terá sido colocada junto da jurisdição francesa, a coberto do pacto atributivo de jurisdição firmado pelas partes, o qual, no que respeita à acção declarativa, se presume conferir competência exclusiva à jurisdição francesa, nos termos do artigo 23º, n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de Dezembro.

Nessa medida, a apreciação dessa matéria está excluída da competência, em razão da nacionalidade, dos tribunais portugueses, nem sequer sendo disso impeditivo o preceituado no n.º 5 do artigo 22º do mesmo Regulamento. De resto, tem vindo a ser considerado que a compensação é uma das questões sobre as quais não recai competência exclusiva do tribunal de execução para os efeitos do citado artigo 22º, n.º 5.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, pelo acórdão de 4/07/1985, no âmbito do processo A.S. – Autoteile GmbH versus Pierre Malhe[12], a propósito do disposto na disposição similar contida no n.º 5 do artigo 16º da Convenção de Bruxelas, decidiu que «as acções de oposição à execução (…) se encontram abrangidas pelo artigo 16º, n.º 5 (…) mas esta disposição não permite requerer aos tribunais do Estado contratante do lugar da execução, em sede de oposição á execução, a compensação entre o direito em que se funda a execução e um crédito que os tribunais desse Estado não teriam competência para apreciar, caso constituísse objecto de uma acção autónoma”

Independentemente desta questão processual, resulta do que se deixa exposto que, não estando o alegado crédito compensatório da sociedade opoente reconhecido, tratando-se apenas de um crédito hipotético e não sendo em sede de oposição à execução que o mesmo deve ser reclamado e apreciado, bem decidiram as instâncias ao julgarem improcedente a excepção de compensação invocada.

3.

Concluindo:

I - A oposição à execução – nos termos dos artigos 714º, n.º 1, alínea g) e 816º do CPC, na redacção anterior ao DL 226/2008, de 20-11 – baseada em título extrajudicial, pode ser fundada em facto extintivo da obrigação, como o seja a compensação.

II - A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, que reveste a natureza de um direito potestativo extintivo, tem lugar quando o devedor que seja credor do seu próprio credor se libere da dívida à custa do seu crédito.

III - No âmbito da oposição à execução (i) só pode ser invocada a título de excepção peremptória – e não de reconvenção, por esta ser inadmissível em processo executivo – e (ii) só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que seja judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contra - crédito.

IV - A exigibilidade de um crédito só ocorre quando ele é reconhecido judicialmente, o que não sucede quando, sendo invocado em oposição à execução intentada em tribunal português, o mesmo se encontra a ser discutido – nos termos do artigo 23º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12 – no Tribunal de Comércio de Paris, a coberto de pacto privativo de jurisdição firmado pelas partes, constituindo, por conseguinte, matéria excluída da competência, em razão de nacionalidade, daquele tribunal (português).

4.

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o douto acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Março de 2013


Granja da Fonseca (Relator)
Silva Gonçalves
Ana Paula Boularot

__________________________


[1] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, página 197.
[2] BMJ, páginas 13/14.
[3] Ac. do STJ de 19/11/2009, Revista 4400/05.1TVLSB.L1.S1 (Relator Conselheiro Camilo Moreira Camilo).
[4] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 6ª edição, página 200.
[5] Vaz Serra, Compensação, BMJ n.º 31, página 137.
[6] Vide José Lebre de Freitas, A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4ª edição, página 178/179.
Ac. do STJ de 26/04/2012, Revista n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 – 7ª Secção (Relator Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).
[7] Ac. do STJ de 18 de Janeiro de 2007, Revista 4519/06 – 2ª Secção (Relator Conselheiro Oliveira Rocha).
[8] Ac. do STJ de 22/06/2006, Revista n.º 610/06 – 2ª Secção (Relator Conselheiro Bettencourt de Faria).
[9] Ac. do STJ de 14/12/2006, Revista n.º 3861/06 – 6ª Secção (Relator Conselheiro João Moreira Camilo).
[10] Ac. do STJ de 29/03/2007, Revista n.º 558/07 (Relator Conselheiro Oliveira Vasconcelos).
[11] Ac. do STJ de 28/06/2007, Revista 2607/06 – 7ª Secção (Relator Conselheiro Pires da Rosa).
[12] Citado in Comentário à Convenção de Bruxelas, de Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, Lex, Lisboa 1994, página 118.