Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
800/12.9TBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: INVALIDEZ
PENSÃO DE INVALIDEZ
INCAPACIDADE PERMANENTE
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
BENS COMUNS
BENS PRÓPRIOS
CASAMENTO
Data do Acordão: 10/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DA FAMÍLIA / BENS DO CASAL / PENSÃO DE INVALIDEZ
Doutrina: - Pereira Coelho, «Curso de Direito da Família», pág. 428 e ss.;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. IV, pág. 429;
- Maria João Romão Vaz Tomé, « Direito à pensão de reforma enquanto bem comum do casal», BFDUC, 1997, pág. 224 e ss.;
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: ARTS. 1577.º, 1672.º, 1674.º, 1675.º, 1699.º, N.º 1, AL. D), 1717.º, 1722.º, 1724.º, A), B), 1725.º, 1726.º, 1730, N.º 1, 1733.º
DL N.º 498/72, DE 09-12;
DL N.º 508/75, DE 20-09;
DL N.º 543/77, DE 31-12;
DL N.º 191-A/79, DE 25-06;
DL 187/2007, DE 10-05 – ART. 1.º E 4.º
Jurisprudência Nacional: - AC. TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 302/99, DE 18-05-1999.
Sumário :
1. A pensão de invalidez, como um apoio em dinheiro sucedâneo do rendimento do trabalho perdido por causa de doença ou de lesão corporal destina-se a proteger o beneficiário em situação de incapacidade permanente para o trabalho.

2. Não se deve confundir o direito à pensão de invalidez adquirido antes do casamento e, após este, o direito à respectiva prestação mensal, como compensação pela perda de remunerações de trabalho.

     3. Sendo uma coisa a aquisição de tal pensão através de um direito pessoal, umbilicalmente ligado à pessoa do beneficiário, e outra, as prestações recebidas, com a comunicação daquele direito através da entrada da prestação no património comum (no caso de vigorar entre os cônjuges o regime da comunhão de adquiridos).

4. A pensão de invalidez, seja, o montante que através dela é recebido, é, pois, um bem comum do casal.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

           AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB e CAIXA CC, SA, pedindo a condenação destes a:

1. Reconhecerem que o autor é proprietário exclusivo da fracção identificada no art. 3.º da p. i., por se tratar de bem próprio seu e, em consequência:

2. Ser considerada na partilha dos bens comuns do casal a titularidade exclusiva do autor sobre a referida fracção;

3. Ser alterada a apresentação nº 78 de 1987/06/04 da descrição predial nº … – fracção B – freguesia de Santo António dos Olivais, no sentido da exclusão da ré da titularidade da fracção por referência à titularidade exclusiva da fracção pelo autor, por se tratar de bem próprio seu;

4. Ser alterada a apresentação nº 80 de 1987/06/04 da referida descrição, desresponsabilizando a ré (mulher) do crédito hipotecário.

Alegando, para tanto, e em suma:

No dia 28 de Agosto de 1987 adquiriu a fracção autónoma que melhor é descrita no art. 3.º da p. i. mas, apesar de casado com a ré BB no regime da comunhão de adquiridos, tal fracção é um bem próprio seu, pois suportou integralmente, com dinheiro próprio, apenas proveniente da sua pensão de reforma por invalidez, quer o crédito hipotecário, quer as benfeitorias realizadas no imóvel, bem como todas as despesas inerentes à sua existência.

A dita pensão de invalidez é um bem próprio, adquirido antes do casamento e na constância do mesmo por virtude de direito próprio anterior, insusceptível de se transmitir ao património comum do casal.

Por isso, a fracção autónoma é bem próprio do autor.

Por ocasião da aquisição da fracção foi celebrado com a ré Caixa um contrato de mútuo com hipoteca.


Citadas rés, vieram contestar.


Dizendo a ré Caixa, também em suma:

Salvo convenção em contrário, que não existe, a hipoteca constituída sobre o prédio é indivisível, subsistindo por inteiro sobre a coisa onerada e sobre cada uma das partes que a constituam, ainda que a coisa ou crédito seja dividido.

Não pode, pois, desde logo, ver o autor atendido o seu pedido no tocante à ré Caixa, não podendo a ré BB ser desvinculada do contrato de mútuo celebrado.


Tendo vindo a ré BB alegar, ainda em síntese, o seguinte:

A pensão de invalidez é um rendimento equiparado ao produto do trabalho, tendo, assim, a qualidade de bem comum.

Quer a ré, quer o autor, na constância do matrimónio, contribuíam para a economia comum do casal, sendo este quem sempre conheceu e movimentou as contas bancárias do casal.


Replicou o autor, mantendo a sua pretensão inicial, pedindo, à cautela, a título subsidiário, a alteração do pedido, para a hipótese de não lograr provar que para aquisição, conservação e beneficiação do imóvel contribuíram apenas bens próprios do autor, deve-lhe este ser atribuído por para ele ter participado com a contribuição mais valiosa.


Proferiu a senhora Juíza o despacho saneador, tendo nele decidido pela improcedência da acção, com absolvição das rés em relação aos respectivos pedidos.


Inconformado, veio o autor, sem êxito, interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.


Ainda irresignado veio o mesmo autor pedir revista excepcional, que foi admitida, para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - O Tribunal recorrido entendeu erradamente que as prestações recebidas a título de pensão de reforma por invalidez não podem ser bens próprios e incomunicáveis, nem enquadráveis em qualquer das previsões do n." I do artigo 1722° e/ou do n." I do artigo 1733.º do Código Civil.

2ª - O Recorrente não pode alinhar, nem concordar com uma decisão do teor da proferida, desde logo porque ela anula a ratio que subjaz à destrinça entre os bens incomunicáveis (próprios) e os bens comunicáveis (comuns), que é a existência ou não de real cooperação ou esforço conjunto entre ambos os cônjuges para a obtenção de bens.

3ª - O critério da distinção entre bens comuns (ou comunicáveis) e bens próprios (incomunicáveis) no regime supletivo da comunhão de adquiridos assenta, essencialmente, na existência ou inexistência, respectivamente, de cooperação, actividade conjunta e de comunhão e conjugação de esforços e de sacrifícios entre ambos os cônjuges para a obtenção dos bens.

4ª - O núcleo do património comum limita-se, destarte, aos bens adquiridos com base numa real cooperação entre cônjuges.

5ª - Já o património próprio e a aquisição de bens próprios (cfr. artigos 1722°, 1723°, 1726°, 1727 e 1733° do Código Civil) fundamenta-se essencialmente na ausência de colaboração, cooperação ou esforço conjunto de ambos os cônjuges na aquisição do direito, sendo que a situação de facto fundamental geradora do direito próprio do cônjuge está constituída antes do casamento.

6ª - A razão de ser desta distinção, que se faz entre bens comuns e bens próprios no âmbito do regime da comunhão de adquiridos, tem intrínseca a rejeição do locupletamento de um cônjuge à custa do outro e do esforço do outro.

7ª - Por outro lado, o Acórdão em crise parece ter esquecido que a pensão de reforma por invalidez atribuída ao Recorrente e o direito ao respectivo recebimento tiveram a sua génese e constituição no estado de solteiro deste último, i.e., em momento bem anterior ao do seu casamento com a 1ª Recorrida, e igualiza (quanto às características, natureza jurídica, fundamentos e efeitos) a pensão de reforma por invalidez à pensão de reforma por velhice, olvida completamente que existe uma diferenciação substancial entre ambas, merecedora de um regime diferente e específico para cada uma delas.

8ª - Desde logo, as pensões de reforma por velhice são o resultado das contribuições do cônjuge remunerado para a instituição de segurança social e constituem património comum do casal porque estas últimas são realizadas com a sua retribuição.

9ª - A pensão de reforma por velhice tem natureza patrimonial e retributiva e é determinada pela antiguidade do serviço e fixada com base na média das retribuições recebidas nos últimos anos de serviço prestado e por causa delas.

10ª- O direito à pensão de reforma por velhice é formado por parte dos rendimentos do trabalho (produto do trabalho), pelo que as respectivas prestações pecuniárias por reforma, periódicas e mensais, porque substitutivas dos rendimentos do trabalho, são proventos e produto do trabalho dos cônjuges, que entram para a comunhão, nos termos da alínea a) do artigo 1724.º do Código Civil.

11ª - Substancialmente diferente é a pensão de reforma por invalidez.

12ª - A pensão de invalidez é um valor pago mensalmente, que integra imediatamente o património do lesado que a recebe, destinado a proteger o beneficiário em toda a situação incapacitante, de causa não profissional, determinante de incapacidade física, sensorial ou mental permanente (relativa ou absoluta) para o trabalho (arts. 2° e 4º do Decreto-Lei n." 187/2007, de 10 de Maio).

13ª- Contrariamente à pensão de reforma por velhice, a pensão por invalidez não tem natureza retributiva, mas reparatória/compensatória da perda da capacidade de trabalho e de ganho, e é fixada não em função da antiguidade do serviço ou da média das retribuições recebidas nos últimos anos de serviço prestado, mas sim em função do grau de incapacidade adquirida pelo aposentado.

14ª- A pensão de reforma por invalidez não tem a sua génese na relação laboral, nem constitui um produto ou um rendimento do trabalho, do tipo previsto na alínea a) do artigo 1724.º do Código Civil.

15ª- A invalidez é corolário de uma deficiência no corpo e na saúde da pessoa, por isso, o direito ao recebimento da pensão de invalidez é um direito de crédito advindo do facto de ter ocorrido um dano físico ou moral em determinada pessoa.

16ª- O facto que subjectiva tal direito é a verificação de uma situação de doença, lesão ou mutilação na saúde do próprio funcionário (do cônjuge cuja integridade física saiu lesada), pelo que a pensão de invalidez respectiva não se comunica, nem pode comunicar, ao outro cônjuge.

17ª- Com efeito, a pensão de invalidez existe para compensar (através da atribuição de um montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do beneficiário inválido) um bem de carácter estritamente pessoal do respectivo beneficiário e para recompor a perda de capacidades deste último.

18ª- A pensão de invalidez não tem por fim a formação de património, nem pode ser encarada como um acréscimo patrimonial susceptível de ser repartida em caso de dissolução do casamento, isto porque, na sua atribuição, não estão verificados os pressupostos da solidariedade conjugal, comunhão e economia comum, subjacentes à comunhão de bens.

19ª- Por se tratar de um direito de carácter e natureza exclusivamente pessoal e próprio, a pensão de invalidez é intransmissível e incomunicável a outrem, nomeadamente ao cônjuge, desde logo para se evitar um enriquecimento indevido deste último, que se locupletaria à custa da situação da diminuição física e/ou psíquica ou do prejuízo pessoal do outro cônjuge.

20ª- A exclusão da comunicabilidade das pensões de invalidez do Recorrente à 1ª Recorrida tem conforto legal nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 1722" do Código Civil: o direito de crédito ao recebimento da pensão de invalidez por parte do Recorrente teve a sua génese em momento anterior ao casamento e já nessa altura estava totalmente formado.

21ª- Por sobre isto, a comunicabilidade (das) pensões de invalidez do Recorrente à 1ª Recorrida está também legalmente afastada pelo estabelecido nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 1733° do Código Civil (em conjugação com o art. 1699°, nº 1, d). Desde logo, são exceptuados da comunhão os direitos estritamente pessoais, i.é., todos os direitos de crédito constituídos intuitu personae ou de natureza semelhante, constituídos a favor de um dos cônjuges ou que tenham, objectivamente, uma destinação funcional ligada exclusivamente à pessoa (e também à integridade física) de um dos cônjuges.

22ª- O próprio Professor Antunes Varela considera de natureza pessoal e incomunicáveis o direito às pensões de aposentação, o direito às rendas vitalícias e os direitos de natureza semelhante.

23ª- São também afastados da comunhão [por aplicação da alínea d) do nº 1 do art. 1733°] as indemnizações devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges, nomeadamente as advenientes de ofensas à integridade física de um dos cônjuges.

24ª- Pelo que se conclui que são bens próprios do Recorrente (e, portanto, incomunicáveis) as prestações mensais recebidas a título de pensão de reforma por invalidez.

25ª- Consequentemente, deve o processo baixar à 1ª Instância e prosseguir seus normais termos, pós-saneador.

26ª- Ao assim ter decidido, violou a douto Acórdão, entre outros, os artigos 25° e 63°, n.ºs I e 3 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 1717°,1722°, 1723°, 1724°, 1726°, 1727°, 1733°, 1734° do Código Civil, os artigos 26°, n." 1, da Lei 28/84, os artigos 2°,4° e 14° do Decreto-Lei n." 187/2007, de 10 de Maio.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


Vêm dados como provados os seguintes factos:

a) O A. e a R. BB contraíram matrimónio um com o outro, no regime de comunhão de adquiridos, em 05/06/1982;

b) Tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 26/01/2011, transitada em julgado;

c) Por escritura pública lavrada no dia 28 de Agosto de 1987, perante o notário do 2º Cartório Notarial de Coimbra, o A. adquiriu à Cooperativa de Habitação Económica ..., CRL, a fracção autónoma designada pela letra B do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Quinta da Maia, Vale dos Tovins, à Rua … Lote …, freguesia de Santo António dos Olivais, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº … daquela freguesia[1];

d) O A., enquanto militar, sofreu um acidente em serviço de campanha, tendo sido julgado incapaz de todo o serviço, com um grau de desvalorização de 46%, e qualificado como Deficiente das Forças Armadas;

e) Por tal motivo, desde 1 de Maio de 1980, o A. é pensionista da Caixa Geral de Aposentações, recebendo uma pensão mensal de invalidez que ascendia, então, a € 30,93 e, à data da propositura da acção (15/06/2012), a 1.441,90 €;

f) O A. alega que o imóvel referido na anterior al. c) foi por si adquirido com dinheiro advindo exclusivamente da sua referida pensão de invalidez, tendo igualmente sido ele quem suportou, também com dinheiro exclusivamente proveniente dessa mesma pensão de invalidez, o crédito hipotecário, as benfeitorias realizadas no imóvel e todas as despesas inerentes à sua existência.    


*


Como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso – arts 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1 do CPC[2], bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.


*


Podendo as mesmas resumir-se à de saber se, vigorando, quanto ao regime de bens do casamento, o da comunhão de adquiridos, a pensão de reforma por invalidez de um dos cônjuges (in casu, do autor), adquirida em momento anterior ao casamento, constitui um bem próprio do reformado ou um bem comum do casal.

Vejamos, então:

Sustentando a recorrente a este propósito, na sua bem elaborada alegação[3]:

A ratio que subjaz à destrinça entre bens comunicáveis (comuns) e incomunicáveis (próprios) é a da existência ou não de real cooperação ou esforço conjunto entre ambos os cônjuges para a obtenção de tais bens.

Limitando-se, assim, o património comum aos bens adquiridos com base numa real cooperação entre os cônjuges.

Ou, nas palavras de Pereira Coelho[4], a comunhão dos bens que entram na esfera jurídica do casal, na plena vigência do matrimónio, são o resultado do esforço conjugado de ambos no desenvolvimento de um projecto comum.

Contrariamente ao que sucede na pensão de reforma (por velhice), cujos quantitativos são o resultado da relação contributiva que ao longo dos anos se estabelece entre os beneficiários e o sistema da segurança social lato sensu, integrante do património comum do casal, já que tais pensões são realizadas com a respectiva retribuição, que é bem comum, tendo-se destinado parte desta à aquisição de tal benefício, tratando-se, pois, de prestações substitutivas dos rendimentos de trabalho, a pensão de invalidez, determinada por incapacidade física, sensorial ou mental para o trabalho, assegurada através de prestações pecuniárias mensais pagas ao beneficiário respectivo, precisamente porque este, a partir da doença ou do acidente, mais não poderá trabalhar ou desempenhar certas funções, assim perdendo capacidade de ganho, assume a forma de um direito subjectivo próprio, particular e de natureza pessoal, sendo, como é, corolário de uma deficiência do corpo ou na saúde de quem a recebe, emergindo de um facto verificado contra sua pessoa e a sua integridade física.

Não constituindo a pensão de invalidez produto ou rendimento de trabalho, sendo o seu titular, com o seu direito à integridade física lesado, o seu único beneficiário.

Visando a dita pensão de invalidez amenizar a dor, o sofrimento, o constrangimento ou a deformidade do lesado - sendo, pois, um direito pessoalíssimo deste - e não a formação de património.

Direito este, estritamente pessoal, arredado da comunhão pelo art. 1733.º, nº 1, al. c) in fine do CC[5], aplicável à comunhão de adquiridos.

Sendo a mesma pensão de invalidez um direito próprio do ora autor anterior ao seu casamento, que se integra nos bens da al. a) do art. 1722.º, seja, nos bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento. Empregado que está aí o termo bens no seu sentido mais amplo, abrangendo aqueles que tenham por objecto quer uma prestação de natureza pecuniária, quer uma natureza diferente.

Estando o seu direito à pensão já formado antes do casamento, não podendo, pois, ser considerado um bem comum.

Sendo, assim, a seu ver, a pensão de invalidez incomunicável por força da lei (arts 1699.º, nº 1, al. d) e 1733.º, nº 1, als c) in fine e d).


O Tribunal da Relação não entendeu assim, defendendo, na esteira da 1ª instância, a comunicabilidade da pensão de invalidez em apreço.

Sustentando, também em suma:

Haverá que distinguir entre o direito à pensão, que é pessoal e incomunicável e as prestações recebidas ao abrigo de tal direito, que são coisas comuns.

Sendo certo que a prestação mensal recebida substitui, total ou parcialmente, o produto do trabalho do pensionista – sendo, assim, uma compensação pela capacidade de ganho perdida e pela consequente ausência (total ou parcial) de salário - cujo destino natural é o pagamento dos encargos da vida familiar e da educação dos filhos.

Não podendo, pois, tais prestações, que não se enquadram nas previsões do art. 1722.º, nº 1 e/ou do art. 1733.º, nº 1, ser classificadas como bem próprio do beneficiário.

E, se dúvidas houvesse, também, como coisas móveis que são, se presumiriam comuns, por força do preceituado no art. 1725.º.


Estamos com as instâncias, mormente com a Relação, como procuraremos, de seguida, melhor demonstrar.

Sempre se dizendo, desde já, que não se põem aqui em causa as prestações recebidas pelo autor, a título de pensão de invalidez, antes do casamento.

Sendo as mesmas, caso o seu produto ainda então (após o dito matrimónio) existisse, sem dúvida, um bem próprio do autor, seu beneficiário, desde logo, por força do disposto no art. 1722.º, nº 1, al. a).

Não se devendo, também, confundir o direito à pensão de invalidez adquirido antes do casamento e, após este, o direito à respectiva prestação, por força dos princípios vigentes no direito de família.

Como não se deve confundir o eventual direito a indemnização por ofensa na saúde ou na integridade física do autor, ocorrida antes do casamento[6], com o direito ao recebimento da prestação de pensão de invalidez, como (mera) compensação pela perda de remunerações de trabalho.

Mas, prossigamos:

Estão em causa as prestações recebidas pelo autor, após o casamento (e na pendência deste), a título de pensão de reforma por invalidez.

Como bem se diz a tal propósito no acórdão recorrido trata-se de uma pensão de reforma[7] por invalidez atribuída ao autor em 1 de Maio de 1980, em virtude de acidente de serviço em campanha, que o julgou incapaz para todo o serviço, com uma desvalorização de 46%[8], de acordo com o Estatuto da Aposentação aprovado pelo DL 498/72, de 9 de Dezembro, alterado, no que aqui importa, pelos DL nºs 508/75, de 20 de Setembro, 543/77, de 31 de Dezembro e 191-A/79, de 25 de Junho[9].

Prescrevendo o art. 1.º do DL 187/2007, de 10 de Maio, sempre se dirá, ao estabelecer o regime jurídico da protecção nas eventualidades de invalidez e velhice do regime geral de segurança social[10], que a protecção nele prevista tem por objectivo compensar a perda da remunerações de trabalho motivada pela ocorrência de tais eventualidades.

Acrescentando-se, no seu art. 4.º, que a protecção nas eventualidades invalidez e velhice é assegurada através da atribuição de prestações pecuniárias mensais, denominadas pensão de invalidez e pensão de velhice.

Bem se podendo, assim, considerar também a pensão de invalidez como um apoio em dinheiro sucedâneo do rendimento do trabalho perdido por causa da doença ou lesão corporal, destinado a proteger o respectivo beneficiário em situação de incapacidade permanente para o trabalho.

Ora, vigorando o regime da comunhão de adquiridos como regime supletivo, na falta de convenção antenupcial ou “no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção (art. 1717.º) e como regime convencional, quando tenha sido estipulado em convenção anterior[11], pode entender-se que os bens comuns que tal comunhão integram constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, em bloco, podendo, assim, dizer-se que eles são, os dois, titulares de um único direito sobre ela[12].

Atribuindo a lei a cada cônjuge o direito a metade do valor do património comum, do activo e do passivo, considerando-se nulas todas as estipulações em sentido contrário – art. 1730.º, nº 1.

Sendo, em tal regime, considerados bens próprios dos cônjuges, alem de outros, no que aqui pode importar, aqueles que cada um tiver ao tempo da celebração do casamento e os adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior (art. 1722.º, nº 1, als a) e c))[13].

Ficando sub-rogados no lugar dos bens próprios os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos cônjuges (art. 1723.º, al. c)).

Fazendo parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens por eles adquiridos na constância do matrimónio que não sejam exceptuados por lei (art. 1724.º, als a) e b)).

Sendo bem comum – e são os arts 1724.º a 1726.º que nos dizem, fundamentalmente, quais são os bens comuns[14] – entre outros e também no aqui pode relevar, o produto do trabalho dos cônjuges, como tal se considerando todos os proventos auferidos pelo trabalho dependente ou independente, regular ou esporádico, pago em dinheiro ou géneros, bem como prémios da actividade laboral e todos os demais prémios ou gratificações que não resultem da pura sorte, isto é, que impliquem uma contraprestação de esforço, destreza, ciência ou outra aptidão de qualquer dos cônjuges.

Devendo ser considerados parte do património comum os bens adquiridos em resultado da substituição dos salários, como as pensões e os complementos de reforma e as indemnizações por qualquer causa que tenha na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho[15].

Formando o produto do trabalho dos cônjuges o bem comum por excelência, já que constitui o meio normal de pagar os encargos da vida conjugal e da educação dos filhos.

Podendo incluir-se na comunhão todos os direitos patrimoniais de caracter pessoal.

Sendo a retribuição um bem comum desde o momento da sua exigibilidade[16].

Podendo entender-se que, na questão da entrada do bem no património comum do casal se verifica uma aquisição individual seguida de comunicação da mesma ao outro cônjuge.

Ingressando o mesmo bem, por via de tal aquisição individual na massa dos bens comuns.

Sendo uma coisa a dita aquisição e o seu respectivo título, sendo outra, distinta e subsequente, a comunicação do direito que se adquiriu, através da entrada da prestação no património comum[17].

Bem se podendo distinguir, quanto à pensão de invalidez – tal como sucede no que respeita à pensão de velhice - entre o direito à pensão, pessoal e umbilicalmente ligado à pessoa do beneficiário e as prestações recebidas, que, agora, e aqui, estão em causa.

Visando tal pensão de invalidez, tal como a de reforma - embora uma e outra sejam devidas por eventualidades diferentes - à segurança futura do protegido. Sendo e procurando atingir os mesmos fins, um sucedâneo da prestação pecuniária que, em princípio, a sua força de trabalho auferiria[18]. Não se tratando de uma mera indemnização recebida em razão de acidente de trabalho sofrido e feita àquele que sofreu o dano e que carrega consigo a deficiência adquirida. Não se tratando de uma mera amenização de um estado de invalidez, que, se assim fora, apenas ao respectivo titular cabe[19]

Sendo certo que a dita pensão de invalidez, tal como a de reforma por velhice, tem origem na força de trabalho do beneficiário, que, naquela, foi posta em causa pela doença ou pelo sinistro ocorrido. Nada tendo a ver com o seu eventual casamento.

Sendo, por isso, repete-se, e sem margem para dúvidas – e nisso estamos de acordo com o recorrente – um direito pessoal ou pessoalíssimo como alguns lhe chamam.

Sendo, ainda, certo que a segurança social (lato sensu) vigente não tem que prever o efeito do casamento sobre a titularidade da pensão de reforma (também lato sensu), já que tal, e como já dito, decorre do direito de família[20].

Não nos podendo olvidar do princípio da solidariedade económica que inspira o regime da comunhão de adquiridos. Tal solidariedade advém, desde logo, no seu início, do conceito de casamento que postula que os cônjuges pretendam constituir família mediante uma plena comunhão de vida em que estão reciprocamente vinculados, além de outros, pelos deveres de cooperação e assistência (arts 1577.º e 1672.º).

Implicando o dever de cooperação a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (art. 1674.º).

Importando o dever de assistência, alem do mais, a obrigação de contribuição para os encargos da vida familiar (art. 1675.º)[21].

Ora, a pensão de invalidez não visa, em si mesma, e ao contrário do que afirma o recorrente, amenizar a dor, o sofrimento, o constrangimento ou a deformidade do lesado, tal como sucederá, por exemplo, com uma indemnização que ao mesmo seja devida por danos não patrimoniais, mas antes uma compensação pela capacidade de ganho perdida.

Mal se compreendendo – e tal reveste ainda maior acuidade no caso de o autor não ter outros rendimentos – que os proventos da ora questionada pensão de invalidez não integrassem a economia comum do então casal, assim entrando na comunhão conjugal, ficando o autor com a sua integral propriedade e disposição pessoal, arcando a ré mulher com todos os encargos inerentes à visa familiar.

Tal como se diz no expressivo e feliz parágrafo do acórdão da Formação deste STJ, que admitiu a revista excepcional e que aqui não se resiste a transcrever:

“No caso concreto, saber se o cônjuge que traz para dentro da sociedade conjugal a sua invalidez traz também a pensão com a qual essa invalidez é compensada ou se divide apenas com o seu cônjuge essa mesma invalidez e não já a compensação dela, mantendo a pensão como património exclusivamente seu e trazendo ao seu “sócio” apenas o sacrifício de suportar a sua invalidez.”

Mal se compreendendo, dir-se-á também que o autor, seu beneficiário, pudesse amealhar o produto mensal dessa mesma pensão apenas em seu próprio proveito pessoal, dele fazendo o que muito bem entender.

Arcando o cônjuge não deficiente, mau grado o recebimento da pensão pelo outro companheiro de infortúnio, quer também com o eventual trabalho doméstico, quer com o sustento da família dele necessitada.

É por demais óbvio, salvo o devido respeito, que a lei não pode proteger tal injusta situação.

O sucedâneo pecuniário da pensão de invalidez tem que entrar na comunhão conjugal, destinando-se tal como os demais rendimentos – ela não deixa de ser um rendimento mensal - aos encargos da sociedade conjugal.

O mesmo é dizer que a pensão de invalidez, seja, o montante que através dela é recebido, é um bem comum do casal.


*


Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 23 de Outubro de 2014

Serra Baptista (Relator) *

Fernando Bento

João Trindade


____________________________
[1] Nesta escritura pública consta como preço pago pela fracção a quantia de 3 930 000$00, que a vendedora já recebeu (fls 19).

[2] Correspondentes aos anteriores arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4.

[3] Sem com isto se querer dizer que com a sua essência se concorda.

[4] Curso de Direito de Família, p. 428.

[5] Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem outra menção.

[6] Mesmo que tal direito apenas existisse como crédito, satisfeito que fosse após o casamento, o seu produto seria bem próprio do respectivo titular (art. 1722.º, al. c)).

[7] Designada por reforma a aposentação do pessoal militar à mesma é aplicável o regime geral das aposentações em tudo o que não contrariado pelo capítulo I da parte II do Estatuto da Aposentação, aplicável, `”Reforma dos Militares” – art. 112.º deste mesmo diploma legal.

[8] Tendo sido qualificado como deficiente das Forças Armadas.

[9] A pensão de invalidez em causa foi atribuída ao autor, furriel miliciano, com publicação no DR 2ª Série, de 28 de Fevereiro de 1980.

[10] Não se vê razão para diferença de conceitos no regime geral de segurança social e no Estatuto da Aposentação, aplicável também à reforma dos militares.

[11] Só se verificando, na prática, este caso quando os nubentes pretendam adoptar um regime misto.

[12] P. Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I Vol., p. 506.

[13] O nº 2 do art. 1722.º dá quatro exemplos destes bens, revelando, assim, que a lista aí consignada é exemplificativa.

[14] A premissa fundamental do regime da comunhão de adquiridos é a de que ambos os cônjuges contribuem para a aquisição de bens patrimoniais num esforço conjunto de promoção do bem-estar familiar, presumindo-se o favor communionis dos bens móveis, estabelecido no art. 1725.º, com vista a satisfazer os interesses dos cônjuges e os de terceiros, numa qualificação tão segura, quanto possível, dos bens do casal – P. Lima e A. Varela. CCAnotado, vol. IV, p. 429

[15] P. Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., p. 543. Falando, ao que parece, a propósito da pensão de velhice.

[16] Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, O Direito à Pensão de Reforma Enquanto Bem Comum do Casal, in BFDUC, 1997, p. 224 e ss. Falando, também, a propósito da pensão de velhice.

[17] No caso da pensão por invalidez, mesmo que tal direito, em si mesmo, tenha sido adquirido antes do casamento. O que nada tem a ver com o eventual direito, também assim adquirido, por eventual ofensa à integridade física, como sucederá, por exemplo, no caso de um acidente ou de ofensa corporal, que tenha dado azo a pagamento/recebimento de indemnização. Este caracter eminentemente pessoal das indemnizações devidas por factos perpetrados contra a pessoa de cada um dos cônjuges, quer se trate de danos patrimoniais ou não patrimoniais, justifica a natureza incomunicável desse respectivo direito.

[18] A propósito das pensões por incapacidade, escreveu-se no acórdão do TC nº 302/99 (Cons. Bravo Serra), de 18 de Maio de 1999, que as mesmas têm em vista a perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.

[19] Cfr. “voto” do Ministro João Otávio de Noronha, relator, do Superior Tribunal de Justiça (Brasil), proferido no recurso especial nº 848.998-RS (2006/0100593-4, a propósito de uma indemnização recebida em razão de pagamento de seguro de pessoa cujo risco era a invalidez temporário ou permanente, a qual se decidiu não constituir frutos ou rendimentos do trabalho.

[20] Maria João Vaz Tomé, ob. cit., p. 243 e ss, onde nos tendo vindo a apoiar, embora reconhecendo que tal autora não tem aqui em vista a pensão por invalidez.

[21] P. Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. e vol. cit., p 184 e ss e p. 358 e 359 que agora vimos seguindo de perto.