Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1100
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: REVISTA AMPLIADA
REQUISITOS
Nº do Documento: SJ200505310011007
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 5486/04
Data: 11/18/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE.
Decisão: INDEFERIDO.
Sumário : 1. O nosso sistema jurídico não tem recurso autónomo para uniformização da jurisprudência, a qual se processa por via do recurso de revista ou do recurso de agravo ampliados.
2. A admissibilidade de recurso de revista do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na contradição de acórdãos, seja ou não para ser processado como revista ampliada, depende de o valor da causa ser superior ao da alçada do tribunal da Relação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Confecções "A" Ldª intentou, no dia 3 de Abril de 1996, contra o Banco B SA, agora incorporado no Banco C, SA, acção declarativa de condenação, com processo sumário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe 900.000$00 e juros, com fundamento na recusa de pagamento de dois cheques de 450.000$00 cada, emitidos por D, fornecidos pelo réu depois da revogação da convenção de cheque, para pagamento de mercadorias.
O réu, em contestação, afirmou que na altura do fornecimento dos cheques a D, este ainda não havia feito uso indevido de cheques e que por isso não estava legalmente impedido de lhos fornecer.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 15 de Março de 2004, pela qual foi o réu absolvido do pedido, da qual a autora interpôs recurso de apelação, ao qual, por acórdão da Relação proferido no dia 18 de Novembro de 2004, foi negado provimento.

Interpôs a autora, no dia 29 de Novembro de 2004, recurso de revista ampliada invocando os artigo 678º, nº 4 e 732-A do Código de Processo Civil e a contradição entre o acórdão recorrido e dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, o primeiro datado de 7 de Julho de 1999, e o segundo datado de 8 de Fevereiro de 2001, e apresentou o instrumento de alegações no dia 20 de Janeiro de 2005.
Neste Tribunal, o relator proferiu despacho a fim de as partes se pronunciarem sobre a questão da não admissibilidade do recurso por virtude de o valor da causa ser inferior ao da alçada da Relação.
A recorrente pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, invocando os artigos 678º, nº 4, e 732º-A do Código de Processo Civil.
O Ministério Público, por seu turno, pronunciou-se no sentido da não admissibilidade do recurso por virtude o valor da causa ser inferior ao da alçada do tribunal da Relação.
O relator proferiu despacho de não admissão do recurso, sob o referido fundamento de o valor da causa ser inferior ao da alçada do tribunal da Relação.
A recorrente reclamou para a conferência, expressando, em síntese, que o despacho do relator a prejudica, impede a prolação de acórdão uniformizador de jurisprudência, admitida pelos artigos 678º, nº 4 e 732º-A do Código de Processo Civil, acrescentando que o primeiro dos mencionados normativos não faz depender a revista alargada do valor da alçada do tribunal.

II

É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que relevam nesta sede liminar:
1. À acção declarativa de condenação intentada, no dia 3 de Abril de 1996, por Confecções A, Ldª contra o Banco B SA, foi atribuído o valor processual de 900.000$00, correspondentes a € 4.489,18.
2. O Banco B, SA foi absolvido do pedido por sentença proferida no dia 15 de Março de 2004, da qual Confecções A, Ldª interpôs recurso de apelação, julgado improcedente por acórdão da Relação proferido no dia 18 de Novembro de 2004.
3. O relator da Relação, por despacho proferido no dia 6 de Dezembro de 2004, com fundamento em contradição de acórdãos, admitiu o recurso de revista interposto por Confecções A, Ldª do acórdão mencionado sob 2.
4. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão proferido no dia 7 de Julho de 1999, que as instituições de crédito são obrigadas a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão, qualquer cheque por elas fornecido a entidades que integrem a listagem a que se refere o artigo 3º do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, independentemente dos demais pressupostos da responsabilidade civil.
5. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu ainda, no acórdão proferido no dia 8 de Fevereiro de 2001, que, tendo um cliente sacado sobre a sua conta bancária cheque sem provisão suficiente e não tendo o banco procedido à sua regularização em 10 dias nem rescindido a convenção de cheque, procedeu ilicitamente, estando obrigado a pagar, não obstante a falta de provisão, qualquer cheque emitido através de módulos que haja fornecido após a violação do dever de rescisão da convenção de cheque - artigos 1º, nºs 1 e 2, e 9º Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro.

III
A questão decidenda é a de saber se este Tribunal deve ou não conhecer do recurso interposto pela reclamante do acórdão da Relação.
A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- está ou não este Tribunal vinculado à decisão de admissão do recurso de revista proferida pelo relator da Relação?
- lei relativa à alçada do tribunal da Relação aplicável no caso vertente;
- regime de admissibilidade e de proibição de recurso de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça;
- regime legal dos recursos para uniformização de jurisprudência;
- síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma as referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela sub-questão de saber se este Tribunal está ou não vinculado à decisão de admissão do recurso de revista proferido pelo relator Relação.
Distribuído o processo, cabe ao relator verificar, além do mais, se ocorre alguma circunstância que obste ao conhecimento do objecto do recurso (artigo 701º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
Os despachos que incidam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, salvo se, por sua natureza, não admitirem recurso de agravo (artigo 672º do Código de Processo Civil).
Inexiste, porém, caso julgado formal, face aos tribunais superiores no que concerne ao despacho do juiz ou do relator que admita o recurso ou uma sua determinada espécie, certo que a lei expressa que o mesmo os não vincula (artigo 687º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Assim, o facto de o relator da Relação ter admitido o recurso de agravo para este Tribunal não implica que nesta sede liminar se não possa questionar a sua admissibilidade.

2.
Vejamos agora a sub-questão relativa à alçada do tribunal da Relação aplicável no caso vertente.
Considerando que a acção declarativa de condenação em que foi proferida a sentença proferida no tribunal da 1ª instância e o recurso de apelação foi intentada no dia 3 de Abril de 1996, o valor da alçada do tribunal da Relação a considerar na espécie é o de 2.000.000$, correspondente a € 9.975,96 (artigos 20º, nº 1, da Lei de Organização Judiciária, aprovada pela Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, e 24º, nº 3, da Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro).

3.
Atentemos ora na sub-questão do regime de admissibilidade e de proibição de recurso de acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Expressa a lei a regra de só ser admissível recurso ordinário nas causas de valor superior ao da alçada do tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal (artigo 678º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Assim, a admissibilidade do recurso de revista, por exemplo, dos acórdãos da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça depende, em regra, da circunstância de o valor processual da causa ser superior ao da alçada do primeiro dos referidos tribunais.
A referida regra comporta excepções. Com efeito, por um lado, é sempre admissível recurso de revista das decisões proferidas pela Relação em acórdãos proferidos contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 678º, nº 6, do Código de Processo Civil).
E, por outro, também é sempre admissível recurso dos acórdãos da Relação que estejam em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigo 678º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Esta última excepção de admissibilidade de recurso dos acórdãos da Relação - de revista ou de agravo - depende, pois, da verificação dos seguintes pressupostos:
- contradição de acórdão de uma Relação com outro dela ou de outra Relação sobre a mesma questão fundamental de direito;
- inexistência de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça harmónica com o decidido;
- proibição de recurso por motivo diverso da insuficiência de valor da causa em relação ao da alçada do tribunal da Relação.
Assim, neste contexto geral, a lei só admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos das Relações proferidos em recursos de apelação ou de agravo com fundamento na contradição de acórdãos se o valor da causa for superior a € 14.963,94 e não houver jurisprudência conforme uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

4.
Vejamos agora a sub-questão do regime legal dos recursos para uniformização de jurisprudência.
Tendo em conta a nova redacção do artigo 678º, nº 4, do Código de Processo Civil resultante do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, o recurso a que se reporta, deixou de ser processado nos termos dos artigos 732-A e 732-B do Código de Processo Civil.
Mas tal não obsta a que esse recurso, admitido com fundamento na contradição de acórdãos a que se reporta o nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil, seja ampliado com vista à uniformização de jurisprudência.
Com efeito, a uniformização da jurisprudência é realizada por via do recurso de revista ou de agravo de 2ª instância, ampliados com a intervenção no julgamento do plenário das secções cíveis (artigos 732-A, 762-B e 762º, nº 3, do Código de Processo Civil).
As partes podem requerer o julgamento alargado, mas é o presidente do Supremo Tribunal de Justiça que determina, até à prolação do acórdão, que ele ocorra quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência (artigo 732-A do Código de Processo Civil).

5.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
O nosso sistema jurídico não tem recurso autónomo para uniformização da jurisprudência, certo que esta se processa por via do recurso de revista ou do recurso de agravo ampliados, nos termos acima mencionados.
A regra relativa à admissibilidade de recurso de revista de acórdãos do tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça depende, além do mais, de o valor da causa ser superior ao da alçada do primeiro dos referidos tribunais (artigos 678º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Não ocorre, na espécie, qualquer das excepções ao pressuposto positivo da admissibilidade de recurso concernente ao valor da causa superior ao da alçada do tribunal da Relação a que aludem os nºs 2, 3 e 6 do artigo 678º do Código de Processo Civil.
A excepção de admissibilidade de recurso a que alude o nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil não tem a ver com o valor da alçada, certo que se reporta à não admissibilidade de recurso por motivo estranho à alçada do tribunal da Relação.
Assim, a admissibilidade de recurso de revista do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na contradição de acórdãos, seja ou não para ser processado como revista ampliada, depende de o valor da causa ser superior ao da alçada da Relação.
Consequentemente, a determinação pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça do julgamento da revista alargada depende sempre de o recurso ser admissível em razão de o valor da causa ser superior ao da alçada da Relação.
Ora, no caso vertente, o valor da causa é manifestamente inferior ao da alçada do tribunal da Relação, sendo que o diferencial negativo se cifra no montante de € 5.480,78.
Como o valor da causa no caso espécie é manifestamente inferior ao da alçada da Relação, a conclusão não pode deixar de ser no sentido da inadmissibilidade do recurso de revista interposto por Confecções A, Ldª.
Decorrentemente, o relator, ao rejeitar o recurso de revista interposto por Confecções A Ldª, limitou-se a cumprir a lei.
Vencida no incidente, é a reclamante responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigos 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, 15º, n.º 1, alínea x), e 16º do Código das Custas Judiciais, e 14º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Julga-se adequado, considerando a estrutura do incidente e o princípio da proporcionalidade, fixar a taxa de justiça respectiva no valor correspondente a duas unidades de conta (artigo 16º do Código das Custas Judiciais).

IV
Pelo exposto, indefere-se a reclamação formulada por A, Ldª, e condena-se aquela no pagamento das custas do incidente, com taxa de justiça de cento e setenta e oito euros.

Lisboa, 31 de Maio de 2005.
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.