Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B4074
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ALEGAÇÕES
TRANSACÇÃO JUDICIAL
HOMOLOGAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: SJ200403250040747
Data do Acordão: 03/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 679/03
Data: 06/17/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. Limitando-se o recorrente a reproduzir, nas alegações do recurso interposto para o STJ, as conclusões já formuladas na apelação que interpôs da decisão da 1ª instância, devidamente apreciadas no acórdão recorrido, suscitando, de novo e de forma repetitiva, as mesmas questões, tal repetição, não conduzindo embora ao não conhecimento do recurso, justifica a sua apreciação em decisão manifestamente simplificada.
2. O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada, ainda que apenas dependente do decidido por uma relação de prejudicialidade.
3. O simples facto de uma transacção ser efectuada em audiência e homologada por sentença, não lhe retira o carácter e natureza contratual: por isso, transitada em julgado uma sentença homologatória de transacção, a força obrigatória da referida decisão sobre a relação material controvertida impõe-se dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos arts. 497º e ss. (art. 671º, nº. 1, do C.P.Civil).
4. A sentença homologatória de transacção não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio.
5. No nosso direito processual está consagrado o princípio da substanciação da causa de pedir: esta é sempre o facto gerador do direito, divergindo apenas a acção quando seja diferente o facto constitutivo invocado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" instaurou, no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária contra "B, Lda." peticionando:
a) a execução especifica do contrato promessa celebrado em 20 de Janeiro de 1997 entre autor e ré, proferindo-se sentença que produza os efeitos do contrato prometido e segundo a qual o autor é dono das fracções autónomas designadas elas letras U, S, P, AC, AE, B, AB, e Z, no valor de 72.000.000$00 (setenta e dois milhões de escudos) do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua da Praia de Brito, ..., e Rua sem denominação oficial, ..., da freguesia de S. Félix da Marinha, concelho de Vila Nova de Gala, omisso na matriz respectiva, mas tendo já sido participada a sua inscrição na 2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gala em 02/06/99, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gala sob o nº. 1.468/270197;
b) a condenação da ré a entregar ao autor o montante do débito garantido por hipoteca que incide sobre as referidas oito fracções, no montante de 102.600.000$00 (cento e dois milhões e seiscentos mil escudos) e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, a calcular oportunamente até integral pagamento e a liquidar em execução de sentença, respondendo por esse montante o prédio identificado no artigo 41º da petição inicial;
c) a condenação da ré a reconhecer que o autor tem a tradição das oito fracções, pelo que goza do direito de retenção sobre essas fracções até integral ressarcimento pela ré da indemnização a que o autor tem direito;
e, em alternativa ao pedido principal,
d) a condenação da ré a pagar ao autor a título de indemnização o valor das oito fracções à data do não cumprimento do contrato promessa, no montante de 180.000.000$00.

Alegou, para tanto, em síntese, que:
- por contrato promessa celebrado em 20 de Janeiro de 1997 prometeu comprar à ré e esta prometeu vender-lhe as fracções autónomas designadas pelas letras U, S, P, AC, AE, B, AB e Z, do prédio urbano sito no lugar de Brito, freguesia de S. Félix da Marinha, pelo preço global de 72.000.000$00, pago no acto da assinatura do referido contrato;
- a ré não celebrou a escritura de compra e venda no prazo acordado e apesar de se ter obrigado a não contrair hipoteca sobre as fracções prometidas vender ao autor, hipotecou todo o prédio para garantir um empréstimo de 400.000.000$00, sendo necessária a quantia de 102.600.000$00 para expurgar a hipoteca que incide sobre as oito fracções prometidas vender ao autor;
- em virtude da ré se encontrar em mora quanto à obrigação de celebrar a escritura de compra e venda das aludidas fracções, em 19/04/2001, instaurou contra ela acção que correu na 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia sob o nº. 359/01, na qual pediu a execução especifica do contrato promessa e a condenação da ré a entregar ao autor o montante do débito garantido por hipoteca sobre as fracções em causa, no montante de 102.600.000$00;
- a dita acção veio a terminar por transacção, homologada por sentença proferida em 06/06/2001, transitada em julgado;
- apesar de se ter obrigado a transmitir para a autora as aludidas fracções autónomas, livres de ónus e encargos, no máximo até 2 de Março de 2002, não cumpriu a ré o acordado na dita transacção;
- tem direito a obter a execução especifica do contrato promessa, bem como a receber da ré a quantia necessária para o distrate da hipoteca que incide sobre as fracções que esta lhe prometeu vender livres de ónus e encargos;
- a ré, em Março de 2001, entregou-lhe as fracções que lhe prometeu vender para que tomasse posse delas e as explorasse pela forma que mais lhe conviesse, pelo que goza do direito de retenção sobre aquelas fracções e também, em alternativa ao pedido principal de execução especifica, tem direito a receber da ré, a titulo de indemnização, a quantia de 180.000.000$00, correspondente ao valor das fracções em causa à data do incumprimento deduzido do montante do preço convencionado e acrescido da quantia entregue a titulo de sinal.

Contestou a ré defendendo-se por impugnação e concluindo pela improcedência da acção.
No despacho saneador foi considerada verificada a excepção dilatória do caso julgado e, consequentemente, foi a ré absolvida da instância.
Inconformado agravou o autor, sem êxito embora, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 17 de Junho de 2003, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Interpôs, então, o autor o presente recurso de agravo da 2ª instância, pugnando, nas alegações que apresentou, pela revogação do acórdão em crise, e sua substituição por outro a mandar prosseguir os autos.
Contra-alegando, defendeu a ré a confirmação do acórdão recorrido.
Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do presente recurso formulou o recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº. 1 e 684º, nº. 3, do C.Proc.Civil):
1. O acordo homologatório para ter força de caso julgado, tem de ser exequível, tem de poder ser executado no caso de não cumprimento.
2. A agravada nos prazos fixados nesse acordo não cumpriu aquilo a que se obrigou na primeira cláusula, ou seja, transmitir para o agravante, por escritura pública, a propriedade dessas fracções.
3. Ora, essa cláusula é inexequível, não se pode executar esse acordo, apesar de ele ter força de sentença.
4. Ora, dúvidas não existem de que o agravante tem o direito de propor uma nova acção, como o fez, a pedir agora, em definitivo, que seja proferida sentença a transmitir a propriedade dessas fracções para o agravante.
5. O Juiz não proferiu qualquer sentença, limitou-se a homologar o acordo feito pelas partes, sem conhecer do mérito das questões que lhe foram postas.
6. Não é verdade estarmos no acordo feito perante nova promessa de venda, a promessa é a mesma, rigorosamente a mesma, que é a estabelecida pelo contrato-promessa outorgado em 20 de Janeiro de 1997. Não estamos perante a figura jurídica da novação.
7. Como diz Antunes Varela, "essencial para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio de contracção de uma nova obrigação. Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou alguns dos seus elementos, não há novação, mas simples modificação ou alteração da obrigação".
8. E quanto à cláusula penal dos 50.000.000$00 ela é uma cláusula penal moratória, a qual pode ser exigível cumulativamente com a obrigação principal estabelecida na cláusula primeira: a cláusula penal foi estabelecida para o atraso na prestação da obrigação principal; nunca poderia ela ser uma cláusula penal compensatória, pois não foi esse o espírito das partes contratantes, sendo certo que nunca esteve no espírito das partes contratantes sancionar a não entrega das oito fracções autónomas, livres de quaisquer encargos e com um valor aproximado de 180.000.000$00, pela consequência de ter de entregar apenas o montante irrisório de 50.000.000$00, face aos interesses em causa, cujo montante corresponderia, quando muito, ao valor de duas fracções autónomas.
9. A agravada quer cumprir, até entregou as oito fracções ao agravante, as quais se mantêm na sua posse, para ele lhes dar o uso que tiver por conveniente, só que ainda não tem dinheiro para pagar as hipotecas.
10. A identidade de dois dos pedidos formulados na primeira e na segunda acção não é suficiente para falarmos em caso julgado da segunda acção.
11. Para que exista identidade de acções torna-se necessário que tal identidade diga respeito aos sujeitos, ao objecto e à causa de pedir.
12. Ora, a causa de pedir não é a mesma, pois a causa de pedir da acção 359/01 tem por base um contrato-promessa outorgado em 20/01/97 que, por não ter sido cumprido, houve necessidade de formular vários pedidos, entre eles, o pedido principal de execução específica e o de a agravada ser condenada a entregar ao agravante o montante do débito garantido por hipoteca que incide sobre as oito fracções.
13. E a causa de pedir da nova acção com o nº. 291/02 é o incumprimento do acordo judicial que foi homologado por sentença. Aqui, a causa de pedir é diferente da causa de pedir da anterior acção.
14. Ou seja, ao alegar-se na nova acção 291/02 que "a ré não cumpriu qualquer das cláusulas do referido termo de transacção", bem como outros factos que de seguida se referem, está a apresentar-se uma nova causa de pedir para esta nova acção, que nada tem que ver com a causa de pedir da anterior acção.
15. Ou seja, o incumprimento do acordo judicial e que dá causa à segunda acção, nada tem que ver com o incumprimento do contrato-promessa inicial, sendo, por isso, a causa de pedir de uma e outra acção, manifestamente diferentes.
16. Também nesta segunda acção alega-se pela primeira vez e como pedido principal, o facto de o agravante gozar do direito de retenção sobre essas oito fracções, pois a agravada no mês de Março de 2001 entregou ao autor as chaves das oito fracções para que este tomasse posse delas e as explorasse pela forma que mais lhe conviesse, posse que ainda hoje se mantém e sem qualquer interrupção.
17. Ora, também estes factos que integram uma nova causa de pedir foram somente formulados nesta segunda acção.
18. Ainda quanto à identidade de pedidos: a segunda acção contém dois pedidos não formulados na primeira acção; que o agravante goza do direito de retenção sobre as oito fracções, pois tem a tradição delas; que a agravada seja condenada a pagar ao agravante a título de indemnização o valor das oito fracções à data do não cumprimento do contrato-promessa, no montante de 180.000.000$00.
19. Afigura-se-nos, assim, que não é possível concluir pela existência de identidade de causa de pedir e de pedidos entre as acções que aqui se confrontam.
20. Segundo Alberto dos Reis, "poderia até haver entre a primeira e a segunda acção identidade de sujeitos, identidade de objecto e identidade de causa de pedir; apesar disso improcedia manifestamente a excepção de caso julgado. Porquê? Pela simples razão de que a primeira sentença (acordo homologatório) que se pretendia fazer valer como caso julgado, nada julgara quanto ao verdadeiro mérito da acção, uma vez que a sentença nada julgara sobre a questão de mérito e não é possível dar à execução a cláusula primeira da transacção judicial, "não podia essa sentença constituir caso julgado para o efeito de impedir que essa questão fosse ventilada e decidida".
21. A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (artigo 673º C.P.C.).
22. Deverá, por isso, revogar-se a sentença proferida (?) e substituir-se por outra que mande prosseguir os autos, devendo, desde já, proferir-se sentença quanto ao pedido formulado na alínea A) da petição, ou seja, sentença que produza os efeitos do contrato prometido no que se refere às fracções autónomas aí referidas; ou, caso assim se não entenda, mandar prosseguir-se a acção para conhecimento dos pedidos formulados sob as alíneas C) e D) da petição inicial.
23. Violou o acórdão recorrido - tal como a sentença da 1ª instância - entre outros, o disposto nos artigos 497º, 498º e 673º do C.P.C. e ainda o artigo 857º do Código Civil.

A matéria de facto - e os termos da relação processual - relevantes para a apreciação do recurso, tal como entendeu a Relação, são os seguintes:
i) - na acção ordinária que correu termos na 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, sob o nº. 359/2001, alegando que a ré estava em falta quanto à celebração da escritura de compra e venda das fracções que lhe prometeu vender livres de ónus e encargos por contrato promessa celebrado em 20 de Janeiro de 1997, formulou contra esta os seguintes pedidos:
a) ser executado especificamente o contrato promessa outorgado em 20 de Janeiro de 1997, proferindo-se sentença que produza os efeitos do contrato prometido e segundo a qual o autor é dono das fracções autónomas designadas pelas letras U, S, P, AC, AE, B, AB, e Z, no valor de 72.000.000$00 (setenta e dois milhões de escudos) do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua da Praia de Brito, ..., e Rua sem denominação oficial, ..., da freguesia de S. Félix da Marinha, concelho de Vila Nova de Gaia, omisso na matriz respectiva, mas tendo já sido participada a sua inscrição na 2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia em 2/06/99, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº. 1.468/270197;
b) a ré condenada a pagar ao autor, a título de indemnização por danos materiais e morais, a quantia de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), acrescida de juros à taxa legal de 7%, desde a citação e até integral pagamento;
c) bem como ainda a ré condenada nas prestações vincendas de 500.000$00 mensais a título de rendas que o autor deixará de auferir e até ser proferida sentença nos autos com trânsito em julgado;
d) e ainda a ré condenada a entregar ao autor o montante do débito garantido por hipoteca, e que incide sobre as oito fracções identificadas na Alínea A) deste pedido, no montante de 102.600.000$00 (cento e dois milhões e seiscentos mil escudos) e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, a calcular oportunamente até integral pagamento e a liquidar em execução de sentença, respondendo por esse montante as fracções M, N, O, R, AI, AP, e AR, do prédio identificado na Alínea A) deste pedido;

ii) - em 06/01/2001 foi lavrada transacção na dita acção nº. 359/01, na qual foram estabelecidas as seguintes cláusulas:
1ª - a ré obriga-se a transmitir para o autor por escritura pública, as fracções autónomas designadas pelas letras U, S, P, AC, AE, B, AB, e Z do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua Praia de Brito, ..., e Rua sem denominação oficial, ..., da freguesia de S. Félix da Marinha, ainda omisso na matriz e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº. 1468/270197;
2ª- mais se obriga a proceder à venda das restantes fracções do prédio em causa nos autos, ainda não vendidas, no prazo de seis meses a contar da presente data, podendo, no entanto, este prazo ser prorrogado por mais dois meses por necessidade da ré;
3ª- à medida que forem vendidas as fracções referidas na cláusula anterior, a ré aplicará integralmente o produto da venda das mesmas na liquidação parcial do empréstimo hipotecário que contraiu no Montepio Geral para a construção do prédio, libertando assim as fracções não vendidas e referidas em 1º e 2º das hipotecas que sobre elas recaem;
4ª- no caso do produto da venda não ser suficiente para a liquidação integral do empréstimo e consequentemente para a venda das fracções referidas em 1º ao autor, completamente livres de hipotecas, a ré aceitará ao autor uma letra de câmbio do montante equivalente à quantia necessária - a qual não poderá ser superior ao montante de vinte milhões de escudos - destinada à libertação integral das fracções a ser vendidas ao autor;
5ª- a referida letra será entregue pela ré ao autor aquando da escritura ou escrituras referidas em 1º a qual vencer-se-á a um ano sobre a data da sua entrega e será avalizada pelos dois sócios gerentes da ré, sendo as despesas com a sua apresentação a desconto bancário encargo da ré.
6ª- a escritura ou escrituras referidas em 1º realizar-se-ão no prazo de 30 dias após o decurso do prazo de seis meses, ou da sua prorrogação, referido em 2º, com excepção da fracção "P", cuja escritura será outorgada no prazo máximo de cinco meses a contar da presente data;
7ª- se a ré não cumprir o presente acordo, nalguma das suas cláusulas, pagará ao autor, a título de indemnização, aqui estabelecida como cláusula penal, para tal hipótese de incumprimento, a quantia de 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos). Porém, a presente cláusula penal só funcionará, no que toca à cláusula 2ª depois de decorrido na sua totalidade o prazo aí mencionado, incluindo a aí referida prorrogação;
8ª- para efeitos do disposto na cláusula anterior, porém considera-se cumprido o presente acordo se, não obstante a ré não conseguir proceder à venda das fracções referidas na cláusula 2ª no prazo aí estabelecido, consiga mesmo assim cumprir o estabelecido na cláusula 1ª, no prazo estipulado na cláusula 6ª, 1ª parte, havendo lugar, também nesta hipótese, ao recurso à letra de câmbio referida nas cláusulas 4ª e 5ª;

iii) - a referida transacção foi homologada por sentença proferida em 06/06/2001, que transitou em julgado;

iv) - na presente acção o autor invocou o contrato promessa de 20/01/97, alegando que este não foi cumprido por parte da ré e que esta também não cumpriu os prazos fixados na transacção celebrada na anterior acção nº. 359/01 para a celebração da(s) escritura(s) pública(s) de compra e venda, por não ter dinheiro para expurgar as hipotecas, pedindo a execução especifica do referido contrato promessa de compra e venda. Alegou ainda que a ré lhe entregou as fracções prometidas vender em Março de 2001 (data anterior à instauração da acção nº. 359/01) e que as mantém na sua posse, razão porque afirma ter direito ao aumento do valor das mesmas como indemnização, pedido que formulou em alternativa ou pedido principal de execução especifica. Com estes fundamentos, peticionou o acima, inicialmente, enunciado.

São as conclusões das alegações do recurso que limitam o respectivo objecto. Daí que se haja já entendido que "ao repetirem ipsis verbis as conclusões da apelação (o que aconteceu no presente caso) como se coubesse ao STJ conhecer de recurso que tivesse por objecto a decisão da 1ª instância, os recorrentes ignoram o que sobre ele decidiu já a Relação" (...) pelo que, quando se não está perante uma decisão da Relação feita por mera remissão, nos termos do nº. 5 do art. 713º do C.Proc.Civil, "verifica-se que nenhuma violação ou vício são apontados ao acórdão recorrido, sendo inevitável a improcedência do recurso" (1).
Na verdade, limitando-se o recorrente a reproduzir, nas alegações deste recurso, as conclusões já formuladas na apelação que interpôs da decisão da 1ª instância, devidamente apreciadas no acórdão recorrido, suscitando, de novo e de forma repetitiva, as mesmas questões, cumpre dizer que tal repetição conduz, de algum modo, à ideia da falta de objecto do recurso, como este STJ tem já, por diversas vezes, afirmado (2).
Consequentemente, em princípio, não se justificaria argumentar novamente acerca do objecto do recurso e de um acórdão que, ao confirmar a sentença da 1ª instância, dilucidou correctamente a matéria em causa, fazendo a análise dos factos e do seu regime jurídico-normativo.
Lamentando, embora, o facto de a mera repetição das conclusões da apelação conduzir à apreciação de razões e argumentos que, em boa verdade, não foram directamente impugnados, não vai tão longe o nosso entendimento, aceitando o conhecimento do recurso, não obstante em decisão manifestamente simplificada.

Vejamos, pois, partindo do princípio de que o que está em causa é apenas saber se, como entenderam as instâncias, existe caso julgado resultante da decisão proferida na acção nº. 359/01 ou, como em contrário sustenta o recorrente, não ocorre tal excepção dilatória.
É sabido que "a força e a autoridade atribuídas à decisão transitada em julgado, quer ela se refira à relação processual, quer sobretudo quando respeita à relação material litigada, visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal (res judicata pro veritate habetur). Trata-se de acautelar uma necessidade vital de segurança jurídica e de certeza do direito, acima de intenção de defender o prestígio da justiça" (3).
Ora, o caso julgado (excepção dilatória de conhecimento oficioso - arts. 494º, al. i), e 495º do C.Proc.Civil (4) pressupõe a repetição de uma causa, que ocorre sempre que se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (arts. 497º, nº. 1, e 498º, nº. 1).
Sendo que, para tal efeito, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, existe identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e ocorre identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (art. 498º, nºs. 2, 3 e 4).
Doutro passo, e porque o caso julgado ocorre apenas quanto aos precisos limites e termos em que a decisão julga (art. 673º), a força desta vigora para qualquer processo futuro, "mas só na exacta correspondência com o seu conteúdo. Não pode, portanto, impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma não definiu" (5).

Finalmente, a eficácia do caso julgado há-de analisar-se na vertente positiva, que impõe a vinculação a uma certa solução já definida e na vertente negativa, que reflecte a impossibilidade, impedimento ou proibição de que no futuro se venha a decidir questão já decidida, com trânsito em julgado, no sentido oposto (6).
Não se suscitam, in casu, quaisquer dúvidas acerca da identidade dos sujeitos: ambas as partes intervieram na acção anterior e é idêntica a qualidade jurídica em que actuaram e actuam.
De igual modo, a nosso ver, ocorre a identidade de pedidos deduzidos numa e noutra acção.
Obviamente que os pedidos principais são os mesmos numa e noutra acção: pedido de execução específica do contrato-promessa celebrado e de condenação da ré a pagar o montante necessário à expurgação da hipoteca que incide sobre as fracções prometidas vender.
Certo é, no entanto, que na presente acção o autor pediu também a condenação da ré a reconhecer o seu direito de retenção sobre as fracções por força da traditio ocorrida e, em alternativa aos primeiros, a condenação daquela no pagamento do montante correspondente ao aumento do valor das referidas fracções, nos termos do nº. 2, do artigo 442º do C.Civil.
Todavia, não pode deixar de se ter em conta que "o caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada. (...). Além disso, está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada" (7).
Ora, é evidente que ao deduzir os pedidos de reconhecimento do direito de retenção e o pedido alternativo de pagamento do valor das fracções ao tempo do incumprimento da promessa, o autor pretende extrair um efeito jurídico claramente incompatível com a decisão proferida na acção nº. 359/01, que transitou em julgado. Tais pedidos encontram-se, também, ainda pela relação de prejudicialidade em se que encontram, abrangidos pelo caso julgado daquela decisão (8).
E não se diga, como sustenta o recorrente, que seria inevitável a formulação de tais pedidos, porquanto, por um lado, a decisão homologatória da transacção realizada não é exequível e, por outro, dado que tal sentença nada decidiu quanto ao verdadeiro mérito da acção.
Na verdade, e antes de mais, celebrada no processo uma transacção, examinará o juiz se, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a mesma é válida, assim declarando por sentença que condene ou absolva no seus precisos termos (art. 300º, nºs. 1, 3 e 4).
Ora, na justa medida em que a sentença homologatória da transacção seja condenatória, é sempre susceptível de ser executada, em conformidade com o preceituado no art. 46º, al. a).
É que "a sentença homologatória de transacção ... constitui, no nosso direito, uma sentença de condenação como as restantes, sem prejuízo de os actos dispositivos das partes que a determinam estarem, como negócios jurídicos de direito civil, sujeitos a um regime de impugnação que não se confunde com o da sentença homologatória, da qual resulta, designadamente, o efeito da exequibilidade" (9).
E assim, in casu, independentemente da questão de saber se o teor da transacção será compatível com a natureza da execução específica, não se pode duvidar de que, tendo essa transacção sido homologada por sentença transitada em julgado, mesmo na parte em que a ré se obrigou a celebrar a escritura de compra e venda - obrigação de facere - sempre poderá servir de fundamento a uma execução para indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação, nos termos do artigo 933º.
Depois, ter-se-á em consideração que, sendo além do mais a transacção um negócio jurídico típico e nominado - "é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões" (art. 1248º, nº. 1, do C.Civil) - ela se destina a pôr termo a litígio pendente.
Na verdade, "a transacção, do ponto de vista substantivo, é um acordo vinculativo pelo qual as partes previnem ou terminam um litigio, mediante recíprocas concessões ou dando uma à outra alguma coisa em troca do reconhecimento do direito em litígio - art. 1248º do CC" (10).
E o simples facto de "uma transacção ser efectuada em audiência e homologada por sentença, não lhe retira o carácter e natureza contratual: consiste num contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, através das quais se podem até constituir, modificar ou extinguir direitos diversos do direito controvertido" (11).
Por isso, "transitada em julgado uma sentença homologatória de transacção, a força obrigatória da referida decisão sobre a relação material controvertida impõe-se dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos arts. 497º e seguintes - art. 671º, nº. 1, do C.Proc.Civil" (12).
Ademais, embora revista natureza substantiva ou material, a transacção "comporta teleologicamente uma evidente dimensão processual: visa, em última análise, pôr fim a um litígio pendente e, por isso mesmo, é exigida ainda a respectiva homologação por sentença do juiz do processo, que condenará ou absolverá os transaccionantes nos seus precisos termos (art. 300º, nºs. 3 e 4, do Cód. de Processo Civil). Isto é, a sentença homologatória como que se apropriará das cláusulas do contrato de transacção e, em conformidade com o aí concertado pelas partes e tendo ainda por referente a própria controvérsia litigiosa, condená-las-á ou absolvê-las-á correspondentemente. Tal sentença homologatória, que inicialmente arranca da transacção lavrada no processo, em acta ou termo, ou fora do processo, em documento autêntico ou particular, acaba assim por ganhar e adquirir, pelo principio da absorção, valência a se. Ou dito de outro modo, tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera" (13).

Finalmente, impõe-se também a conclusão de que em ambas as acções a pretensão deduzida procede do mesmo facto jurídico - o alegado incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autor e ré.
Defende, é certo, o autor que nesta acção a causa de pedir é diferente porquanto invocou para fundamentar o pedido, não só o celebrado contrato promessa de compra e venda, mas também o incumprimento da transacção celebrada na anterior acção.
Porém, resulta claramente do alegado na petição inicial que embora se refira à dita transacção e alegue que a ré não cumpriu o ali acordado, baseia os pedidos que formula, não na referida transacção, mas no contrato promessa de compra e venda, cuja execução específica continua a peticionar a título principal.
A causa de pedir daquela acção ordinária 359/01 era, essencialmente, o incumprimento, por parte da ré, de um contrato promessa celebrado com o autor em 20/01/97 (assumindo este a posição de promitente comprador, e aquela de promitente vendedora); de uma hipoteca que onerava o objecto daquele contrato, sendo necessária a quantia de 102.600.000$00 para a sua expurgação; e que o autor, em virtude do incumprimento do contrato referido, sofreu um prejuízo mensal de 500.000$00, pois destinava as fracções a arrendamento, e danos morais, não conseguindo descansar e repousar convenientemente.
Analisando a petição inicial da presente acção, constata-se que a causa de pedir é precisamente a mesma: o incumprimento do contrato-promessa e a existência de hipoteca que onerava o objecto daquele contrato (e não a transacção efectuada) pelo que a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Aliás, tal conclusão resulta segura em face do princípio da substanciação da causa de pedir consagrado no nosso direito processual: a causa de pedir é sempre o facto gerador do direito, divergindo apenas a acção quando seja diferente o facto constitutivo invocado (14).
E o mesmo acontece, por igual, quanto aos pedidos aqui deduzidos ex novo. Também o fundamento respectivo é o incumprimento do contrato-promessa celebrado: só por força de tal incumprimento é que o autor teria, conforme pretende, direito de retenção e, eventualmente, a ser pago do valor das fracções à data do incumprimento.
Em consequência bem se decidiu no acórdão recorrido, que nenhuma censura merece, já que falecem todas as razões que visavam a sua impugnação.

Nestes termos decide-se:
a) - negar provimento ao recurso de agravo interposto pelo autor A;
b) - confirmar inteiramente o acórdão recorrido;
c) - condenar o recorrente nas custas do as do agravo.

Lisboa, 25 de Março de 2004
Araújo de Barros
Oliveira Barros
Salvador da Costa
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(1) Ac. STJ de 24/02/2000, no Proc. 1183/99 da 2ª secção (relator Duarte Soares).
(2) Acs. STJ de 28/11/96, no Proc. 401/96 da 2ª secção (relator Sá Couto); de 17/06/97, in CJSTJ Ano IV, 2, pág. 126 (relator Cardona Ferreira); de 27/04/99, in CJSTJ Ano VI, 2, pág. 60 (relator Ferreira Ramos); e de 27/06/02, no Proc. 1821/02 da 2ª secção (relator Joaquim de Matos).
(3) Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pág. 309.
(4) Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem outra referência.
(5) Manuel de Andrade, in "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra, 1979, pág. 285.
(6) Ac. STJ de 10/07/97, no Proc. 6/97 da 2ª secção (relator Nascimento Costa).
(7) Miguel Teixeira de Sousa, in "Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil", Lisboa, 1997, pág. 579.
(8) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 581.
(9) José Lebre de Freitas, in "A Acção Executiva à luz do Código Revisto", 2ª edição, Coimbra, 1997, pág. 44.
(10) Ac. STJ de 26/04/2001, no Proc. 803/01 da 7ª secção (relator Sousa Inês).
(11) Ac. STJ de 10/05/2000, no Proc. 258/00 da 1ª secção (relator Garcia Marques).
(12) Ac. STJ de 08/05/2003, no Proc. 329/03 da 2ª secção (relator Ferreira Girão).
(13) Ac. STJ de 04/11/93, in BMJ nº 431, pág. 417, maxime pág. 422 (relator Raul Mateus); Ac. RP de 09/03/2000, in CJ Ano XXV, 2, pág. 186 (relator Paiva Gonçalves).
(14) Cfr. Artur Anselmo de Castro, "Lições de Processo Civil", coligidas e publicadas por Abílio Neto, vol. I, Coimbra, 1970, pág. 357.