Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
686/18.0T8PTG-A.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PROGENITOR
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
FILIAÇÃO BIOLÓGICA
DIREITO DE AUDIÇÃO
DIREITO DE DEFESA
PROCESSO EQUITATIVO
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
MINISTÉRIO PÚBLICO
FALTA DE ALEGAÇÕES
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 10/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – A medida de proteção como a destes autos – a confiança judicial com vista a futura adoção (artigos 35.º, n.º 1, al. g), e 38.º-A, ambos da LPCJP) – tem de ser obrigatoriamente decidida por um tribunal (artigo 38.º da LPCJP) e tem uma natureza irreversível, produzindo ex lege a consequência da inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978.º-A do Código Civil), faz cessar o direito de visita dos pais biológicos e não está sujeita a revisão (artigo 62.º-A da LPCJP), salvo os casos excecionais previstos no n.º 2 do citado artigo 62.º-A.

II - Como afirmou o TEDH no Acórdão Soares de Melo c. Portugal, «Embora o artigo 8.º da Convenção não encerre nenhuma condição explícita de processo, o processo decisório ligado às medidas de ingerência deve ser equitativo e adequado a respeitar os interesses protegidos por esta disposição. Convém, assim, determinar, em função das circunstâncias de cada caso, e nomeadamente da gravidade das medidas a adotar, se os pais puderam desempenhar no processo decisório, visto como um todo, um papel suficientemente importante para que seja concedida a proteção necessária aos seus interesses».

III – A circunstância de o Ministério Público não ter apresentado alegações escritas, no tribunal de 1.ª instância, quando está em causa uma medida de proteção e promoção de confiança com vista a adoção (artigo 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJ), como prevê o artigo 114.º, n.º 2, da LPCJ, não gera qualquer nulidade processual suscetível de influir no exame da causa, nos termos do artigo 195.º do CPC.

IV – No caso sub judice, a progenitora esteve durante o processo de promoção e proteção representada por advogado; os pais biológicos foram notificados pela juíza do tribunal de 1.ª instância da possibilidade de vir a ser aplicada uma medida de confiança com vista a futura adoção e convidados a apresentar alegações, requerer diligências e oferecer provas documentais ou testemunhais.

V – Em consequência, não se verificou qualquer violação do disposto nos artigos 4.º al. i), 35.º, n.º 1, al. g), 104.º, n.º 3 e 114.º, n.º 2, todos da LPCJP, tendo sido assegurado aos progenitores o efetivo cumprimento dos princípios do contraditório, audição e participação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça




I – Relatório

1. O Ministério Público requereu a instauração de processo de promoção e proteção a favor dos menores AA, nascido a ........2017, e BB, nascido em ........2018, ambos filhos de CC e de DD.


2. Declarada aberta a instrução dos autos e realizadas as diligências probatórias pertinentes, foi, por acordo de promoção e proteção celebrado em 12 de julho de 2019, aplicada aos menores AA e BB a medida de apoio junto da mãe.


3. Por decisão proferida em 22 de novembro de 2019, foi determinada a retirada urgente dos menores à progenitora e o seu subsequente acolhimento institucional. Posteriormente, por novo acordo de promoção e proteção celebrado a 14 de maio de 2020, foi aplicada aos menores a medida de promoção e proteção de acolhimento institucional.


4. Concluindo os relatórios juntos nos autos pela aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, e não se afigurando possível a obtenção de solução negociada de medida de promoção e proteção, determinou-se a notificação do Ministério Público e dos progenitores para a apresentação de alegações, consignando-se no despacho o seguinte [segue transcrição do despacho de 22/02/2021, por ser relevante para a decisão a proferir]:

«Pese embora o doutamente promovido, as diligências efectuadas pela EMAT para obtenção de informação junto da família alargada dos progenitores dos menores foram já efectuadas e constam dos relatórios sociais juntos aos autos.

Por outro lado, o tribunal não vê qualquer necessidade de realização de nova perícia ou avaliação das competências parentais, a efectuar pela especialidade de psicologia ou psiquiatria uma vez que a mesma foi já oportunamente pedida e realizada, pelo menos em relação à progenitora, constando tais diligências uma vez mais dos autos. Por fim resulta dos sucessivos relatórios sociais juntos aos autos que os progenitores, além de não revelarem competências para o exercício da parentalidade, seja por desorganização e falta de capacidade, como é o caso do progenitor, seja por priorização das suas relações afectivas em detrimento das necessidades e salvaguarda do superior interesse dos menores, como é o caso da progenitora, não apresentam qualquer evolução positiva.

Pelo contrário, parecem estar cada vez mais distanciados dos filhos e da defesa dos seus interesses, não os procurando visitar nem colaborando com as técnicas no sentido de realizarem os progressos e mudanças necessários para os acolher em suas vidas novamente.

Ora, porque a idade dos menores AA e BB, não se compadece com mais demoras e os atrasos sucessivos que a evolução de um processo judicial acarreta nas suas vidas, cumpre definir um projecto de vida para estes menores, o qual, segundo os últimos relatórios sociais, passa pela sua adopção.

Assim, e antevendo a falta de acordo dos progenitores nesse sentido, deverão os presentes autos prosseguir para debate judicial tendo em vista a aplicação da medida de confiança com vista a futura adopção.

Pelo exposto determino seja dado cumprimento ao disposto pelo artigo 114º da LPCJP, notificando os progenitores e, bem assim, o Ministério Público, para, no prazo de 10 dias, apresentarem as suas alegações e oferecerem prova.

Mais determino se oficie a EMAT solicitando a realização de relatório social devidamente fundamentado do ponto de vista factual, mencionando a cronologia dos eventos que culminaram com o acolhimento institucional dos menores e escalpelizando a actual situação dos menores e, bem assim, da sua actual relação e vinculação com os progenitores.» (sublinhado nosso) 


5. Na sequência da notificação deste despacho veio a progenitora apresentar requerimento, no qual, alegando a alteração das suas condições de vida, pediu a realização de relatório social às suas novas condições de vida, tendo o progenitor apresentado requerimento de adesão a esta pretensão.


6. Em 23 de março de 2021, foi proferido despacho determinando a realização pela EMAT de “relatórios sociais urgentes às actuais condições sociais, económicas e habitacionais de ambos os progenitores, tendo presente uma derradeira possibilidade de reunião familiar com pelo menos um dos progenitores, antes de avançar para a decisão definitiva da confiança com vista a futura adopção.”


7. Juntos os relatórios, foi proferido o seguinte despacho:

«Assegure o contraditório relativamente aos relatórios sociais que antecedem. Considerando o teor dos relatórios sociais ora juntos e para o qual se remete, importa determinar a prossecução dos autos para debate judicial tendo em vista a eventual aplicação da medida de confiança dos menores com vista a futura adopção.

As partes foram já notificadas para, em prazo, apresentarem alegações, nada tendo sido junto aos autos ou qualquer meio de prova junto ou testemunha arrolada. Considerando, contudo, a factualidade vertida nos relatórios sociais juntos aos autos, o tribunal, oficiosamente, determina a inquirição das seguintes pessoas:

(…)

Para realização de debate judicial tendo em vista a eventual aplicação da medida de promoção e protecção de confiança com vista a adopção designo o próximo dia 19 de Maio de 2021, pelas 10.00 horas para tomada de declarações de parte dos progenitores, esclarecimentos da perita nomeada e inquirição da testemunha FF e, pelas 14.00 horas, para inquirição das demais testemunhas supra identificadas - artigo 114º, nº 3 da LPCJP».

 

8. Entretanto, em 23/04/2021, a Progenitora constituiu mandatário judicial, cessando, assim, as funções do patrono anteriormente nomeado, tendo aquele requerido a consulta dos autos, e vindo a juntar, em 17/05/2021, prova documental.


9. Realizado o debate judicial, veio a ser proferido acórdão, no tribunal de 1.ª instância, no qual se decidiu:

«- Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo aplicar aos menores AA E BB a medida de confiança judicial com vista a futura adopção ao Centro de Acolhimento “O......”, em ...... (artigo 35.º n.º 1 al. g) e 38.º-A, ambos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).

- Nos termos do art.º 1978-º-A do Código Civil, declaram-se os progenitores inibidos do exercício das responsabilidades parentais.

- A medida agora aplicada dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão (artigos 38.º-A e 62.º-A n.º 1, ambos da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), sem prejuízo no disposto no art.º 62.º-A n.º 2 do mesmo Diploma.

- Nomeio curador provisório da menor a Directora da Instituição onde os menores se encontram acolhidos (artigos 62.º-A, n.º 3 da Lei de Promoção e Protecção), ficando excluídas as visitas a estes por parte da sua família biológica (artigo 62.º-A n.º 6 do mesmo Diploma).»


10. Inconformada com esta decisão interpôs a Progenitora recurso de apelação, que foi declarado improcedente pelo Tribunal da Relação, que confirmou integralmente e com o mesmo fundamento a sentença do tribunal de 1.ª instância.


11. O Tribunal da Relação fez constar do Relatório do acórdão o seguinte:

«A Mma. Juiz a quo proferiu despacho em que conclui pela inexistência de qualquer nulidade, salientando, fundamentadamente, que os progenitores e o Ministério Público foram notificados para alegarem, com expressa menção da eventual aplicação da medida de confiança dos menores com vista à adopção, e que o tribunal não está vinculado pela acção e omissão do Ministério Público».

 

12. A Progenitora, novamente inconformada, interpôs recurso de revista excecional, em que pugna pela revogação do acórdão recorrido, formulando as seguintes conclusões:

«A - Na data de 22 de Fevereiro de 2021, o Ministério Público foi notificado para alegar por escrito e não alegou.

B - E o Ministério Público era obrigado a alegar pois o que está em causa è a confiança de 2 menores a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção - art.º 35.º n.º 1 al. g) e 114.º n.ºs 1 e 2 da L.P.C.J.P.

C - Nos processos de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em perigo, vigoram os princípios da audição obrigatória, participação e do contraditório, como se alcança nos art.ºs 4.º al. i) e 104.º n.º 1, 2 e 3 da Lei n.º 147/99 de 01 de Setembro.

D - Estando em causa o art.º 35.º n.º 1 al. g) da L.P.C.J.P., para além da verificação dos pressupostos enunciados sob o art.º 1978.º do C.C., com maior premência, a Lei impõe que aos pais dos menores sejam dadas todas as garantias de defesa, principalmente o direito de audição, participação e do contraditório.

E - Pois que o art.º 36.º da C.R.P. impõe o primado da família e, só em casos excecionais, é que os filhos podem ser separados dos pais e só através de decisão do Tribunal.

F - A realização dos princípios de audição e participação do contraditório não passa de um mero formalismo, pelo contrário, “antes se traduz numa atividade tida por essencial para aferir da adequação da medida ao caso em presença, na consideração do superior interesse da criança, como resulta aliás do quadro legal enunciado, nomeadamente levando em linha de conta as diligências probatórias que possam ser solicitadas pelos pais, na medida em que se mostrem relevantes, como tal devendo, de forma necessária, ser referenciada, por importar, como vimos, no corte definitivo dos laços familiares.” - Acórdão da Relação de Lisboa, relatora Exm.ª Desembargadora Ana Resende, datado de 24-01-2012, proc.º n.º 3649/10.0TBBRR.L1-7.

G - Como aquelas referidas garantias não foram possibilitadas à progenitora, o Acórdão da Relação de ...... é nulo nos termos do art.º 195 n.º 1 do C.P.C., pois influi na decisão da causa, Se, assim, não for entendido,

H - O Tribunal, mantendo a sentença da 1.ª Instância, violou o disposto nos art.ºs 4.º al. i), 35.º n.º 1 al. g), 104.º e 114.º n.º 2 da Lei n.º 147/99 de 01 de Setembro, estando, assim em causa os princípios do contraditório, audição e participação

Termos em que deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e ser substituído por outro que determine a obrigatoriedade do Ministério Público alegar no processo, devendo este ser remetido para o Tribunal da Relação ...... que, por sua vez deve remeter para o Tribunal da 1.ª Instância.

E assim, se FARÁ JUSTIÇA!»


13. A Relatora no Supremo Tribunal de Justiça remeteu o processo para a formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, que admitiu o recurso de revista excecional.


14. Foi notificado o Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça, para, querendo, pronunciar-se sobre o presente recurso, o que fez, defendendo a improcedência do mesmo, com os seguintes fundamentos, que se passam a transcrever:

 


«1.º


No processo em referência, foi decidido na 1.ª instância, com confirmação pelo TR…, aplicar os

referidos menores a medida de “confiança judicial com vista a futura adoção”


2.º


A progenitora dos menores insurge-se contra esta decisão, alinhando as seguintes conclusões no presente recurso.

1. Na data de 22 de fevereiro de 2021, o M.ºP.º foi notificado para alegar por escrito e não alegou.

2. E o M.ºP.º era obrigado a alegar.

3. Nos processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, vigoram os princípios da audição obrigatória, da participação e do contraditório.

4. Estando em causa o artigo 35.º, n.º 1, alínea g), da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos enunciados sob o artigo 1978.º do CC, a lei impõe que aos pais dos menores sejam dadas todas as garantias de defesa, principalmente o direito de audição, de participação e do contraditório.

5. Pois que o artigo 36.º da CRP impõe o primado da família e, só em casos excepcionais, é que os filhos podem ser separados dos pais e só através de decisão do tribunal.

6. A realização dos princípios de audição, de participação e do contraditório não passa de um mero formalismo (certamente quis dizer que “não é um mero formalismo), pelo contrário, antes se traduz numa actividade tida por essencial para aferir da adequação da medida

7. Como aquelas referidas garantias não foram possibilitadas à progenitora, o acórdão do TR… é nulo nos termos do artigo 195.º do CPC, n.º 1, pois influi na decisão da causa.

8. O tribunal, mantendo a sentença da 1.ª instância, violou o disposto nos artigos 4.º, alínea i), 35.º, n.º 1, alínea g), 104.º e 114.º, n.º 2, da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, estando assim em causa os princípios do contraditório, audição e participação.


3.º


Termina a sua motivação pela seguinte forma: “Termos em que deve o douto acórdão recorrido ser revogado e ser substituído por outro que determine a obrigatoriedade do M.ºP.º alegar no processo, devendo este ser remetido para o TR… que, por sua vez, deve remeter para o tribunal da 1.ª instância”.

4.º


Portanto, no entender da recorrente, o acórdão recorrido é nulo porque o M.ºP.º, notificado para o efeito, não alegou por escrito.

5.º


No entender da recorrente, este facto é violador dos princípios do contraditório, audição e participação.

6.º


É manifesto que esta é uma visão completamente distorcida do princípio do contraditório, dado que o M.ºP.º, no caso destes autos, foi o requerente das medidas de protecção a aplicar aos dois menores, pelo que o princípio do contraditório se alcançou com a possibilidade dada aos progenitores de se pronunciarem sobre o requerimento apresentado pelo M.ºP.º e requerem tudo o que achassem por conveniente para se alcançar uma decisão que defendesse o superior  interesse das crianças.

7.º


Ora, o M.ºP.º apresentou o seu requerimento inicial em 11/7/18, expondo os factos nessa data conhecidos e requerendo, desde logo, que os progenitores fossem ouvidos sobre eles. Nessa data, apenas existia o menor AA, pois o BB nasceu no decorrer do processo.

8.º


Por despacho judicial, de 11/7/18, e para além do mais, logo se mandou notificar os progenitores para, querendo, no prazo de dez dias, requererem a realização de quaisquer diligências instrutórias.

9.º


Logo nesse despacho se designou data para a audição da progenitora, ora recorrente.

10.º


Em 18/7/2018 a progenitora não esteve presente na agendada audição, dado que tinha dado à luz o menor BB em .../7/2018. Esteve presente o progenitor e foi fixado ao menor um regime provisório.

11.º


Em 9/11/18, para além do mais, foi agendada a audição da progenitora, ora recorrente.

12.º


A progenitora foi ouvida em 23/11/18, tendo prestado consentimento para a sua avaliação psicológica e consequente tratamento, se for caso disso.

13.º


Em 28/1/19, a aqui recorrente informou que não iria comparecer ao exame psicológico agendado, por não ter a quem deixar os menores e não ter disponibilidade económica para se deslocar a Lisboa.

14.º


Finalmente, com data de 8/7/19, foi junto aos autos o relatório pericial psicológico da aqui recorrente.

15.º


Encerrada a instrução, foi agendada a conferência prevista no artigo 112.º da LPCJP, que se realizou em 12/7/19, com a presença dos progenitores – Foi aplicada a ambos os menores a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe, com a duração de um ano.

16.º


Em 29/8/19, foi junto aos autos um relatório social em que se conclui que a medida de apoio junto da mãe não salvaguardava devidamente os interesses dos menores.

17.º


Os progenitores e respectivos patronos foram devidamente notificados do teor deste relatório.



18.º


Em 26/9/19, realizou-se nova conferência, com a presença dos progenitores dos menores, Foram ouvidos os progenitores e outros intervenientes no processo.

19.º


A medida de apoio junto da mãe foi prorrogada, com a obrigatoriedade de frequência, pela mãe, de consulta de psiquiatria e/ou psicologia.

20.º


Em 22/10/19, o tribunal foi informado de que a mãe compareceu à consulta agendada não se identificando patologia psiquiátrica.

21.º


Em 22/11/19, baseada em relatórios sociais da CAFAP e da EMAT, a senhora Juíza determinou a entrega dos menores à instituição “O......”, aplicando-lhes provisoriamente a medida de acolhimento institucional.

22.º


Em 10/12/19, realizou-se nova conferência, com a presença dos progenitores dos menores,

23.º


Foram elaborados e recebidos no tribunal relatórios sociais diversos e os progenitores foram sempre notificados do seu conteúdo.

24.º


Em 14/5/2020, realizou-se uma conferência, com a presença dos progenitores, tendo-se conseguido um acordo que teve o consentimento da progenitora, ora recorrente – acolhimento institucional.

25.º


Em 7/10/20, foi judicialmente ordenada a prorrogação da medida de acolhimento em instituição.

26.º


Em 22/2/21, o M.ºP.º e os progenitores foram notificados para, no prazo de 10 dias, apresentarem as suas alegações e oferecerem provas.

27.º


No despacho que determinou tal notificação a senhora Juíza do processo escreveu o seguinte: “Ora, porque a idade dos menores, AA e BB, não se compadece com mais demoras e os atrasos sucessivos que a evolução de um processo judicial acarreta nas suas vidas, cumpre definir um projecto de vida para estes menores, o qual, segundo os últimos relatórios sociais, passa pela sua adoção.

Assim, e antevendo a falta de acordo dos progenitores nesse sentido, deverão os presentes autos prosseguir para debate judicial tendo em vista a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção.”


28.º


A ora recorrida, em 8/3/21, veio requerer a elaboração de novo relatório social, relativamente às suas novas condições de vida, em ....... Mais tarde, o progenitor aderiu a este requerimento.

29.º


 

O M.ºP.º, em 19/3/21, disse ter tomado conhecimento do relatório da EMAT.


30.º


Em 23/3/21, foi ordenada a realização de novos relatórios sociais, relativamente a cada um dos progenitores.

31.º


Em 6/4/21, os técnicos consideraram ser prejudicial às crianças o seu regresso a casa do pai.

32.º


Em 8/4/21 a EMAT de ...... considerou não ter a progenitora condições habitacionais necessárias para a reintegração das crianças e não ter diligenciado para alterar essas condições.

33.º


Em 17/5/21, o novo mandatário da ora recorrida apresentou nos autos vários documentos.

34.º


Em 19 de maio de 2021, realizou-se debate judicial, com a presença de ambos os progenitores, devidamente representados.

35.º


Por acórdão, de 27/5/21, foi decidido aplicar aos menores a medida de confiança judicial com vista a futura adoção ao centro de acolhimento “O......”, em ....... Os progenitores foram declarados inibidos do exercício das responsabilidades parentais.

36.º


Em 7/6/21, a progenitora veio interpor recurso do referido acórdão. Nas suas alegações, levantou, já, a questão do M.ºP.º não ter apresentado as suas alegações escritas, considerando constituir isso uma nulidade processual.

37.º


Em 17/6/21, o M.ºP.º respondeu à motivação de recurso da progenitora, pugnando pelo seu não provimento.

38.º


Por acórdão, de 14/7/21, o TR… proferiu o acórdão recorrido em que se decidiu julgar a apelação improcedente e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

39.º


Quanto à questão da inexistência das alegações escritas, por parte do M.ºP.º, escreveu-se no douto acórdão recorrido: “A situação em causa, nos presentes autos, é, pois, diversa da apreciada no dito acórdão (acórdão do TRL de 24/1/2012, proferido no NUIPC 3649/10.0TBBRR.L1-7 – parêntesis nosso), porque aqui foi dado prévio conhecimento aos intervenientes processuais da intenção da aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, tendo estes, nomeadamente a recorrente/progenitora tido oportunidade de, em tempo, se pronunciarem sobre a aplicação da medida em causa e solicitar a realização das diligências probatórias que tivessem por pertinentes. Deste modo, conclui-se não ter havido violação do contraditório, não constituindo o acórdão recorrido decisão surpresa, pelo que não ocorreu a invocada nulidade”.

40.º


Estamos perfeitamente de acordo com o sentido desta decisão.

Termos em que, julgando improcedente o presente recurso de revista excepcional, será feita inteira,

JUSTIÇA».


15. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, a única questão a decidir é a de saber se o facto de o Ministério Público, no tribunal de 1.ª instância, não ter proferido alegações sobre a aplicabilidade aos menores da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de setembro com as alterações subsequentes, doravante LPCJP), nos termos do artigo 114.º, n.º 1 e 2, da LPCJP, viola os princípios da audição, participação e contraditório da progenitora.


Cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

A – Os factos

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos, que o Tribunal da Relação não alterou:

1. Os menores AA e BB nasceram, respetivamente, no dia ......... de 2017 e no dia ......... de 2018, e encontram-se registados como filhos de DD e de CC;

2. Correu termos, na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ......, processo de promoção e proteção com o n.º .../2018, instaurado em 11-05-2018 a favor do menor AA, após sinalização efetuada pelo CAFAP, em 11-05-2018, por suspeitas de negligência parental;

3. Após a intervenção da CPCJ, não chegou a ser deliberada a aplicação de qualquer medida de promoção e proteção, uma vez que a progenitora, grávida em avançado estado de gestação do seu filho BB, e juntamente com o menor AA, naquela data com pouco mais de um ano de idade, se ausentou, sem aviso, para ......, desconhecendo o progenitor, àquela data, o paradeiro de ambos;

4. Os progenitores dos menores viveram juntos em comunhão de cama, mesa e habitação, juntamente com o menor AA e um filho mais velho da progenitora, GG, fruto de um relacionamento anterior.

5. A gravidez do menor AA não foi devidamente acompanhada a nível médico.

6. Os progenitores mantinham discussões frequentes enquanto tinham uma vida em comum, geralmente na presença dos menores.

7. Naquela data, o agregado familiar do menor AA, enquanto os progenitores estavam juntos, apresentava instabilidade emocional e financeira, beneficiando de apoio social em géneros alimentares, apesar de obterem um rendimento mensal de cerca de 1.080 euros, em RSI e prestações sociais, por incapacidade de gestão de despesas.

8. Os progenitores dos menores AA e BB separaram-se em março de 2018 e durante algum tempo, mantiveram um clima de conflituosidade entre ambos.

9. Após a separação, a progenitora foi viver com familiares, em ......, tendo, em início de maio de 2018, e sem aviso, se ausentado para paradeiro desconhecido, deixando o filho mais velho, GG, então com seis anos de idade, entregue aos cuidados do respetivo progenitor.

10. Durante meses, o progenitor não conseguiu contactar com a progenitora, nem saber do paradeiro do menor AA, desconhecendo o seu estado de saúde uma vez que a progenitora nunca procurou acompanhamento médico para a gravidez do menor BB.

11. A progenitora fixou então residência em ...... juntamente com o menor AA, onde o menor BB acabaria por nascer no dia ...... de 2018.

12. Àquela data, a progenitora encontrava-se sozinha em ......, não contando com o apoio de familiares e não auferindo rendimentos para além de apoios e prestações sociais.

13. Apesar de alguma relutância inicial, a progenitora acabaria por regressar a ......, onde fixou novamente residência, juntamente com os dois menores e contando com algum apoio familiar, o que lhe permitiu gerir, durante algum tempo, o seu quotidiano bem como o dos menores AA e BB.

14. Mercê do supra exposto, por decisão proferida no dia 12 de julho de 2019, foi aplicada aos menores a medida de apoio junto da mãe, a qual foi revista por decisão proferida em 27 de setembro de 2019;

15. Em julho de 2019 mãe dos menores iniciou uma nova relação, tendo fixado a sua residência com o então companheiro, HH, na casa deste.

16. A relação entre ambos era conflituosa e no dia 7 de novembro de 2019, ocorreu a separação do casal.

17. No dia 10 de novembro, a progenitora voltou, juntamente com os menores, para casa do progenitor destes que aí os acolheu.

18. Nos dias seguintes, os menores foram diagnosticados com escarlatina, tendo sido aconselhada pelo médico que ficassem em casa em absoluto resguardo.

19. Contudo, a mãe não seguiu a orientação médica, e permitiu que os meninos passassem o dia inteiro na rua.

20. Verificou-se igualmente que a progenitora, embora fosse beneficiária de RSI, a meio do mês de novembro, não possuía dinheiro para adquirir a medicação necessária ao tratamento da doença dos menores ou para prover à sua alimentação.

21. No dia 17 de novembro, a progenitora regressou à companhia do anterior companheiro, HH, levando consigo o seu filho BB e deixando o menor AA junto com o pai, porquanto aquele HH referiu não gostar do AA.

22. Perante a recusa do companheiro em receber o AA, a progenitora decidiu entregá-lo aos cuidados do progenitor, CC, não mais cuidando do menor ou prestando qualquer auxílio ao progenitor, não o visitando nem procurando sequer o menor na creche igualmente frequentada pelo irmão BB.

23. Àquela data, o progenitor encontrava-se a frequentar uma formação em ...... e na ...... para integrar um posto de trabalho numa cadeia ......, sendo que em alguns dias da semana, apenas regressava ...... depois das 21h e 30 m ou entre as 0h e a 1hora.

24. Por não possuir uma rede familiar de suporte que assegurasse os cuidados do filho AA após o horário de saída do infantário que frequentava, acordou com a mãe que esta assegurava tais cuidados, até ao seu regresso .......

25. O que aconteceu apenas no dia 18 de novembro.

26. Nos dias seguintes, a progenitora recusou-se a cuidar do AA, não o procurando nem o visitando na creche igualmente frequentada pelo irmão BB.

27. Pelo que nos dias 19 e 20 de novembro, a progenitor faltou à formação para prestar cuidados ao filho AA.

28. De forma a acautelar o bem-estar do AA e assegurar a integração profissional do progenitor, a diretora do infantário frequentado pelos menores disponibilizou-se a ficar com o menor AA no dia 21 de novembro de 2019 até às 23 horas, e no dia 22 de novembro de 2018, até às 21h e 30m.

29. O progenitor não possui qualquer possibilidade de assegurar os cuidados que os menores necessitam, não só por não possuir rede de suporte familiar que assegure os cuidados quando está ausente, mas também porque tem revelado fracas competências parentais.

30. Ao longo do acompanhamento que vem sido realizado há cerca de quatro anos junto da progenitora dos menores, esta tem revelado competências parentais frágeis, colocando em causa o bem-estar dos menores mediante a tomada de decisões precipitadas e imponderadas.

31. Presentemente, a progenitora não apresenta estabilidade emocional nem capacidade para cuidar e proteger os seus filhos.

32. Pelo contrário, a instabilidade emocional é tão elevada que adota comportamentos e toma decisões que colocam em perigo a vida e integridade física dos menores.

33. De facto, ao regressar a casa do companheiro, a progenitora sujeitou o filho BB, naquela data, de apenas um ano de idade, a um clima de permanente conflito com o seu companheiro e não provendo pela sua alimentação ou medicação quando este dela necessitou, sendo notório que esta não tem capacidade parental para assegurar a segurança, saúde e bem-estar emocional do filho.

34. O comportamento da progenitora revela falta de vinculação e afetividade para com o filho AA ao recusar-se a ficar com o ele, sabendo que o progenitor não tem qualquer competência parental e que os seus horários laborais não eram coincidentes com os horários de saída do menor do infantário.

35. Mercê do exposto, foram os menores retirados pela EMAT aos progenitores e acolhidos no LIJ “O......,” em ......, onde se encontram desde o dia 22 de novembro de 2019 até à presente data.

36. Quando integrou o LIJ, inicialmente, o menor AA apresentava-se como uma criança muito reservada, revelando comportamentos agressivos, não interagia com os pares, preferia brincar sozinho e apresentava comportamentos repetitivos como bater com a cabeça nas paredes e no chão;

37. Nas horas de repouso, os sonos eram curtos e muito agitados e acordava frequentemente a chorar e a gritar;

38. Apesar de compreender as rotinas da instituição, o AA não verbalizava as suas necessidades, acabando por manifestá-las através de gestos ou vocalizações;

39. Aquando da sua integração na Instituição, o AA apresentava um atraso global ao nível do seu desenvolvimento psico-motor;

40. Tendo adquirido a marcha apenas aos 18 meses de idade, o AA apresentava dificuldades em deslocar-se, demonstrando problemas ao nível do posicionamento dos pés;

41. No decurso da sua adaptação à instituição, o AA apresenta uma evolução muito favorável no seu comportamento e desenvolvimento global;

42. O AA apresenta-se hoje como uma criança meiga e afável, que interage com os seus pares e com os cuidadores de forma adequada e de acordo com o esperado para a sua faixa etária;

43. O AA ultrapassou os problemas que inicialmente manifestava ao nível da marcha, beneficiando de acompanhamento médico especializado, mormente, de ortopedista;

44. Apesar do supra exposto, o AA ainda apresenta um atraso ao nível da fala e expressão oral, devendo iniciar em breve terapia da fala e beneficiando do apoio da equipa de Intervenção Precoce;

45. Quando ingressou na instituição, o menor BB integrou o berçário, mostrando-se, no início, um bebé muito inquieto e agitado;

46. As horas de sono do BB eram curtas e muito agitadas e frequentemente acordava a chorar e a gritar;

47. Quanto ingressou na instituição dificilmente o BB fixava a sua atenção nas educadoras, apresentando-se na maioria das vezes disperso e não responsivo;

48. Mercê da sua integração na instituição, o BB apresentou uma evolução muito favorável no seu desenvolvimento global psico-motor;

49. Com efeito, o BB apresenta-se hoje uma criança que, embora denote grande vivacidade, interage de forma adequada com os seus pares e educadoras, sendo uma criança meiga e carinhosa;

50. Embora continue a apresentar um padrão de sono de períodos curtos, os mesmos decorrem com maior tranquilidade;

51. Imediatamente após a retirada dos menores, em meados de dezembro de 2019, sem avisar a equipa técnica que a seguia, a progenitora ausentou-se da cidade de ......, tendo fixado residência em ......, ...... onde iniciou um novo relacionamento com o seu atual companheiro;

52. Mercê do supra exposto, e embora inicialmente mais frequentes, os contactos da progenitora com os menores foram escasseando;

53. No período compreendido entre 1 de maio de 2020 e 9 de março de 2021 a progenitora visitou os menores na instituição nos dias 31 de Maio, 26 de Junho, 28 de Julho, 3 de Outubro, 24 de Outubro e 7 de Novembro;

54. Apesar do supra exposto, a progenitora realiza chamadas telefónicas e videochamadas para a instituição, com cerca de dez minutos de duração, com o intuito de contactar os menores com alguma regularidade;

55. No decurso da pandemia, em março de 2020 o progenitor ficou desempregado, tendo-se mudado para ......, sem qualquer aviso às equipas técnicas que o acompanham, para casa de familiares em busca de emprego, o que não logrou obter;

56. Porque não obtinha rendimentos que lhe permitissem sustentar-se e contribuir para as despesas domésticas do agregado, e na sequência de conflitos com os familiares, o progenitor voltou  ...... em setembro de 2020 e encontra-se a frequentar um curso profissional na área da informática, auferindo em média mensalmente a quantia de 280,00 euros acrescida da quantia de 350,00 euros mensais de complemento social;

57. O progenitor reside numa habitação que não reúne condições de habitabilidade, não se apresentando, aquando da visita das técnicas, minimamente higienizada ou organizada, apresentando lixo e em total desalinho, com roupas e loiças sujas espalhadas pelas divisões bem como lixo no chão e um cheiro forte e desagradável;

58. Apesar de sucessivamente interpelado pelas técnicas no sentido de higienizar e organizar a habitação, o progenitor manteve os mesmos hábitos de higiene ao longo dos anos, o que foi sucessiva e por diversas vezes constatado pelas técnicas aquando das suas visitas domiciliárias;

59. Nenhum dos progenitores tem família alargada que reúna as condições para acolher os menores AA e BB;

60. No período compreendido entre 1 de maio de 2020 e 19 de maio de 2021 o progenitor nunca visitou os menores na instituição, embora tal lhe fosse permitido todos os fins-de-semana, realizando poucos e esparsos contactos telefónicos e algumas videochamadas com a duração de dez minutos cada;

61. Durante as visitas da progenitora é notória para as técnicas presentes a fraca interação com os menores, sendo, aos poucos contactos da iniciativa da progenitora, o menor AA o mais responsivo;

62. Nenhum dos menores denota ansiedade de separação quando as visitas terminam sendo apenas o menor AA que acompanha a progenitora até à porta da rua por insistência das técnicas nesse sentido;

63. Apesar de serem crianças meigas e carinhosas, mantendo uma forte relação fraternal entre si, os menores AA e BB não apresentam uma vinculação afetiva nem com a progenitora nem com o progenitor, com o qual não estão presencialmente há mais de um ano, não o reconhecendo enquanto seu progenitor;

64. Além do AA e do BB, DD tem outro filho, mais velho, GG, que reside com o pai e com o qual mantém poucos contactos;

65. Atualmente a progenitora reside, juntamente com o companheiro, em ......, numa casa arrendada pela qual pagam 200,00 euros mensais, e exercem ambos a profissão de ........., auferindo cerca de 860,00 euros cada um;

66. A habitação situa-se dentro das instalações da empresa onde ambos trabalham e tem um quarto, uma sala/cozinha e uma casa de banho completa e apresenta condições razoáveis, encontrando-se, aquando da visita das técnicas devidamente higienizada e organizada;

67. Apesar do supra exposto, a referida habitação não reúne condições de segurança para aí acolher os menores, situando-se junto a um depósito de gasóleo industrial sem qualquer proteção ou vedação, junto a equipamento industrial de corte – serras industriais – e ................. ao alcance dos menores;

68. A acrescer ao supra exposto, junto da habitação circulam veículos pesados de transporte de mercadorias, não existindo no local qualquer barreira física ou vedação que faça a delimitação da referida área;

69. Apesar de ter sido alertada para tais questões de segurança pelas técnicas aquando da primeira visita domiciliária realizada em novembro de 2020, a progenitora e o seu companheiro desvalorizaram, nada tendo sido alterado ou modificado até ao dia de hoje;

70. Apesar de ter sido alertada, em novembro de 2020, pelas técnicas, para a necessidade de procura ativa de estabelecimento escolar – creche e pré-escolar - para os menores, pelo menos até 7 de abril de 2021, a progenitora não procurou nem inscreveu os menores junto de nenhum estabelecimento;

71. Ambos os progenitores revelaram sempre muita resistência à intervenção técnica e em alterar procedimentos e comportamentos;

72. A progenitora não dispõe de qualquer apoio familiar, de vizinhos ou amigos, junto do local onde vive, atualmente;

73. Apesar de demonstrar alguma funcionalidade e capacidade de gerir o quotidiano, a progenitora apresenta fracos recursos cognitivos, apresentando dificuldade em controlar os seus impulsos, o que a condiciona fortemente no processo de tomada de decisão, requerendo acompanhamento sistemático e  regular de equipas técnicas multidisciplinares;

74. A progenitora encontra-se a ser seguida em consulta de neurologia por sintomatologia depressiva, tendo sido prescrita medicação Escitalopram 10 mg e Bromazepan 1,5 mg.

75. Inquiridas especificamente para o efeito, quer as técnicas que acompanham a execução da medida, quer a psicóloga clínica da instituição que acolhe os menores referem expressamente que a separação dos menores seria um evento fortemente prejudicial na sua vida e no seu desenvolvimento psicológico e emocional.


B – O Direito

1. A relação de filiação é protegida pelo Estado, presumindo-se que é na sua família biológica que as crianças encontram o espaço afetivo ideal para receberem cuidados de qualidade em ordem a promover o seu desenvolvimento físico, psíquico e intelectual. Cabe ao Estado cooperar com os pais na educação dos seus filhos e proporcionar-lhes condições de vida dignas, que permitam a independência social e económica dos agregados familiares (artigo 67.º da Constituição), bem proteger a maternidade e a paternidade enquanto valores sociais eminentes (artigo 68.º da Constituição).

A retirada das crianças da sua família de origem com a confiança da sua guarda a uma terceira pessoa idónea ou a uma instituição, na falta de acordo de acordo de promoção e proteção, só pode ser decidida por um tribunal e reveste-se sempre de especiais cautelas procedimentais, de forma a garantir direitos de defesa, participação e contraditório aos pais, uma vez que estão em causa restrições dos seus direitos fundamentais à educação e à companhia dos filhos (artigo 36.º, n.ºs 5 e 6, da Constituição).

Tratando-se de uma área da vida altamente sensível, em que estão em causa direitos humanos de todos os intervenientes, a intervenção do Estado na família só está legitimada se obedecer a determinados princípios fundamentais de audição, participação e contraditório, sobretudo, quando está em causa a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção.

Como se afirma em acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-04-2005 (Proc. 1021/05):

«1. A referida medida não pode ser tomada sem que os pais ou outros familiares participem na discussão da medida e tenham a oportunidade de exercer o contraditório.

2. Quando, num processo de promoção e protecção, se altera qualquer medida para a de confiança a pessoa ou a instituição para futura adopção opera-se uma modificação objectiva da instância, o que obriga a um chamamento ao processo dos pais e familiares como se fosse o primeiro.

3. Enquanto todas as outras medidas de promoção e protecção não vão além da limitação do exercício do poder paternal, a de confiança para futura adopção significa a privação quer do exercício quer da titularidade do pode paternal, desde que a Lei 31/03, de 22 de Agosto, a pôs no mesmo plano da decisão de confiança judicial, para fins de dispensa do consentimento dos pais do adoptando.

4. A necessidade de agilizar a adopção, respeitando o direito da criança e o seu tempo próprio, não permite esquecer o dever do Estado na protecção das famílias e dos mais carenciados, Assim, não se pode passar por cima dos procedimentos previstos na lei nem simplificar a acção social. O progresso não se faz com movimentos pendulares, mas procurando posições de equilíbrio».


2. As crianças não são concebidas pela Constituição e pela lei como um objeto dos direitos dos pais, mas como sujeitos autónomos de direito, titulares de direitos fundamentais, que podem entrar em conflito com os direitos dos seus progenitores biológicos. Estes quando não cumprem, por ação ou omissão, as suas responsabilidades e põem em perigo a segurança, a educação, a integridade ou o desenvolvimento dos filhos, podem ver os seus direitos parentais restringidos para que seja assegurada a proteção das crianças. Nestas situações adquire primazia a salvaguarda dos direitos fundamentais das crianças à vida, à liberdade e livre desenvolvimento da personalidade, à integridade física e moral (artigos 24.º, 25.º e 26.º da Constituição). De acordo com os conhecimentos científicos disponíveis, as crianças, como seres em desenvolvimento, têm necessidades especiais, e se não recebem os cuidados e a afeição próprios da sua idade, podem sofrer danos físicos e psíquicos irreversíveis, que para além de lhes causarem privações durante a infância, condicionam mais tarde a sua vida adulta, afetando a sua inserção social e profissional, a sua capacidade de confiar nos outros, e diminuindo seu bem-estar psicológico como pessoas. Por isso, a Constituição coloca uma particular enfâse na proteção da infância, consagrando o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições (artigo 69.º, n.º 1, da Constituição) e o dever do Estado proporcionar especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (artigo 69.º, n.º 2, da Constituição).

É neste quadro jurídico-constitucional que os tribunais se movem, tentando assegurar os direitos fundamentais dos pais e dos filhos. Os pais, para que tenham oportunidades de assumirem as suas responsabilidades parentais e de se realizarem como pessoas sendo pais e sendo mães, convivendo com os seus filhos, educando-os e com eles estabelecendo relações afetivas de qualidade. As crianças, para que cresçam numa família onde sejam protegidas, recebam os cuidados e afetos adequados à sua idade, vejam satisfeitas as suas necessidades básicas de alimentação e de saúde, bem como as afetivas e educacionais, devendo ter-se em conta, nas decisões judiciais, que a noção de tempo das crianças e dos adultos é distinta e que as necessidades das crianças são urgentes e não podem esperar.

A legislação, relativa aos direitos das crianças e dos jovens, estabelece que todas as decisões judiciais respeitantes ao destino ou projeto de vida das crianças e dos jovens, designadamente aquelas que se reportem à constituição de relações jurídicas familiares como é o caso do vínculo da adoção (artigo 1586.º do Código Civil), devem ter em conta, como critério primordial, os seus direitos e interesses, quer se trate de sentença que constitui o vínculo de adoção (artigo 1974.º, n.º 1, do Código Civil, quer daquela que verifica a ocorrência das situações que dão lugar à adotabilidade da criança (artigo 1978.º, n.º 2, do Código Civil).

A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo consagrou também este princípio fundamental do superior interesse da criança no seu artigo 4.º, al. a), nos termos do qual «A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto». Este princípio é aplicável a todos os processos tutelares cíveis, por força do artigo 4.º, n.º 1, do RGPTC (Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis) – Lei 141/2015, de 8-09) e tem sido amplamente reafirmado e desenvolvido pela jurisprudência. Por todos, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04-06-2020 (proc. n.º 785/18.8T8VFX.L1-2), em cujo sumário se consagrou o seguinte:

«I – A intervenção para promoção e proteção da criança e do jovem em perigo obedece, nos termos do art. 4º da LPCJP, aos princípios do interesse superior da criança e do jovem, da proporcionalidade e atualidade, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família.

II – Um dos princípios a observar na intervenção a efetuar é o da prevalência da família, atento o direito e o dever dos pais constitucionalmente consagrado de educar e manter os filhos, não podendo de eles ser separados, exceto quando não cumpram os seus deveres fundamentais para com aqueles e sempre mediante decisão judicial.

III – Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades de tal ordem que comprometem o estabelecimento de uma relação afetiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que seja salvaguardado o interesse desta, designadamente através da adoção, por ser esta a resposta mais adequada e que mais se aproxima da família natural.

IV – O perigo exigido na alínea d), do nº 1, do art. 1978º, do CCivil é aquele que se apresenta descrito no art. 3º, da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº 3, do art. 1978º, do CCivil, sem que se pressuponha a efetiva lesão, bastando, assim, um perigo iminente ou provável».

 

3. Tratando-se de uma medida de proteção como a destes autos – a confiança judicial com vista a futura adoção (artigos 35.º, n.º 1, al. g), e 38.º-A, ambos da LPCJP) – esta tem de ser obrigatoriamente decidida por um tribunal (artigo 38.º da LPCJP) e tem uma natureza irreversível, produzindo ex lege a consequência da inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978.º-A do Código Civil), faz cessar o direito de visita dos pais biológicos e não está sujeita a revisão (artigo 62.º-A da LPCJP), salvo os casos excecionais previstos no n.º 2 do citado artigo 62.º-A. Daí que se revista de particular acuidade o dever de respeito pelo direito dos pais a um processo justo, em que sejam respeitados os seus direitos à participação e ao contraditório, para que os seus pontos de vista sejam ponderados. No mesmo sentido se tem orientado a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), que integra a análise do direito a um processo justo na proteção do direito à vida familiar contra ingerências do Estado (artigo 8.º da CEDH), conforme sucedeu no caso Soares de Melo c. Portugal (Queixa n.º 72850/14, acórdão do TEDH, de 16-02-2016), que culminou na condenação do Estado português por violação do artigo 8.º da CEDH e num juízo de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional num processo de fiscalização concreta (Acórdão n.º 193/2016), que incidiu sobre a interpretação normativa segundo a qual, em processo de promoção e proteção em que esteja em causa a aplicação da medida prevista na al. g) do n.º 1 do artigo 35.º (com a redação dada pela Lei n.º 31/2003, de 22-08), não é obrigatória a constituição de advogado aos progenitores a partir da designação do dia para o debate judicial a que se referia o artigo 114.º, n.º 3, da LPCJP (com a redação dada pela citada Lei n.º 31/2003).

Como afirmou o TEDH no Acórdão Soares de Melo c. Portugal, «Embora o artigo 8.º da Convenção não encerre nenhuma condição explícita de processo, o processo decisório ligado às medidas de ingerência deve ser equitativo e adequado a respeitar os interesses protegidos por esta disposição. Convém, assim, determinar, em função das circunstâncias de cada caso, e nomeadamente da gravidade das medidas a adotar, se os pais puderam desempenhar no processo decisório, visto como um todo, um papel suficientemente importante para que seja concedida a proteção necessária aos seus interesses».

No caso agora sub judice, a recorrente, mãe dos menores, alegou a violação do seu direito à vida familiar apenas nesta vertente procedimental.

Invoca terem sido violados os seus direitos fundamentais de audição obrigatória, participação e contraditório (artigos 4.º al. i), 104.º n.º 3, e 114.º, n.º 2, todos da LPCJ), por ter sido decretada pelo tribunal uma medida de confiança judicial com vista a futura adoção (artigo 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJP), que extinguirá a relação de filiação através do instituto da adoção e que terá por consequência que os seus filhos vão ser integrados numa família adotiva, cortando-se definitivamente os laços com a família de origem (artigo 1986.º, n.º 1, do Código Civil).

O argumento invocado para sustentar a sua posição é o de que o Ministério Público, no tribunal de 1.ª instância, não apresentou alegações, violando o artigo 114.º, n.º 2, da LPCJP, segundo o qual «O Ministério Público deve alegar por escrito e apresentar provas sempre que considerar que a medida a aplicar é a prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º», bem como o artigo 104.º, n.º 3, também da LPCJP, que consagra o princípio do contraditório.


4. Vejamos:

O princípio do contraditório implica que os pais têm direito, por si ou através dos seus mandatários, a requerer diligências, a oferecer meios de prova e a fazer alegações escritas. A audição dos pais sobre a situação que originou a intervenção e sobre a aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção é obrigatória, nos termos dos artigos 85.º e 107.º, n.º 1, al. b), da LPCJP; estes têm o direito a consultar o processo (artigo 88.º, n.ºs 3 e 4, da LPCJP); o direito de alegar (artigo 114.º, n.º 1 e 3, da LPCJP);direito de requerer provas (artigo 117.º) e de fazer alegações no debate judicial (artigo 119.º da LPCJP).

Em particular, quando esteja em causa a medida prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. g) da LPCJP deve observar-se o princípio do contraditório quanto aos factos e à medida a aplicar em todas as fases do processo, nomeadamente na conferência para a obtenção de acordo e no debate judicial.

A norma constante do n.º 3 artigo 104.º foi aditada à LPCJP pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto, e a sua introdução está diretamente relacionada com os efeitos jurídicos decorrentes da aplicação da medida referida no artigo 35.º, n.º 1, al. g) e com o princípio do contraditório.

O artigo 104.º da LPCJP, sob a epígrafe “Contraditório”, dispõe o seguinte:

«1 - A criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto têm direito a requerer diligências e oferecer meios de prova.

2 - No debate judicial podem ser apresentadas alegações escritas e é assegurado o contraditório.

3 - O contraditório quanto aos factos e à medida aplicável é sempre assegurado em todas as fases do processo, designadamente na conferência tendo em vista a obtenção de acordo e no debate judicial, quando se aplicar a medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º».


O debate judicial reveste-se de particulares garantias para os pais biológicos. Têm de estar representados por um advogado ou patrono oficioso para que este traga ao processo a perspetiva dos pais em linguagem jurídica, possa requerer diligências e oferecer provas que contraditem o pedido do Ministério Público, que, a ser procedente, implicará, quando se trate de medida de confiança com vista a futura adoção, um corte definitivo nos laços jurídicos de filiação.

No caso sub judice, a progenitora esteve durante o processo de promoção e proteção representada por advogado; os pais biológicos foram notificados pela juíza do tribunal de 1.ª instância da possibilidade de vir a ser aplicada uma medida de confiança com vista a futura adoção e convidados a apresentar alegações, requerer diligência e oferecer provas documentais ou testemunhais.

Conforme consta do ponto 4. do Relatório do presente Acórdão:

 «Concluindo os relatórios juntos nos autos pela aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, e não se afigurando possível a obtenção de solução negociada de medida de promoção e proteção, determinou-se a notificação do Ministério Público e dos progenitores para a apresentação de alegações (…)» – destaque nosso

Na sequência da notificação deste despacho, veio a progenitora apresentar requerimento, no qual, alegando a alteração das suas condições de vida, pediu a realização de relatório social às suas novas condições de vida (ponto 5. do Relatório), o que o tribunal ordenou, proferindo despacho, determinando a realização pela EMAT de “relatórios sociais urgentes às actuais condições sociais, económicas e habitacionais de ambos os progenitores, tendo presente uma derradeira possibilidade de reunião familiar com pelo menos um dos progenitores, antes de avançar para a decisão definitiva da confiança com vista a futura adopção.”

Juntos os relatórios ao processo, a juíza do tribunal de 1.ª instância proferiu despacho destinado a assegurar o contraditório dos pais quanto ao conteúdo dos mesmos:

«Assegure o contraditório relativamente aos relatórios sociais que antecedem. Considerando o teor dos relatórios sociais ora juntos e para o qual se remete, importa determinar a prossecução dos autos para debate judicial tendo em vista a eventual aplicação da medida de confiança dos menores com vista a futura adopção.

As partes foram já notificadas para, em prazo, apresentarem alegações, nada tendo sido junto aos autos ou qualquer meio de prova junto ou testemunha arrolada. Considerando, contudo, a factualidade vertida nos relatórios sociais juntos aos autos, o tribunal, oficiosamente, determina a inquirição das seguintes pessoas:

(…)

Para realização de debate judicial tendo em vista a eventual aplicação da medida de promoção e protecção de confiança com vista a adopção designo o próximo dia 19 de Maio de 2021, pelas 10.00 horas para tomada de declarações de parte dos progenitores, esclarecimentos da perita nomeada e inquirição da testemunha FF e, pelas 14.00 horas, para inquirição das demais testemunhas supra identificadas - artigo 114º, nº 3 da LPCJP».

Verifica-se, pois, que a tramitação do processo se deu com o respeito pelos direitos da agora recorrente, que estava representada por advogado, teve oportunidade de contraditar os relatórios sociais, apresentar testemunhas e documentos ou requerer outras diligências, e que sempre soube que estava em causa uma medida de confiança com vista a futura adoção, pois foi informada disso pelo tribunal. Para além de estar representada por advogado, que tem o dever de a esclarecer sobre o significado dos conceitos jurídicos e de exercer os direitos da sua constituinte no processo, os pais foram ouvidos pelo tribunal, tendo que se presumir que conhecem a palavra «adoção» e que esta lhes terá sido explicada, quer pelo advogado logo após a notificação acerca da possibilidade de aplicação dessa medida, quer pelo próprio tribunal durante a audição.

O presente processo tem a especificidade de nele não ter o MP apresentado, como é usual, alegações e prova, que, quando são apresentadas, têm de ser notificadas aos pais biológicos para que as possam contradizer (artigo 114.º, n.ºs 1 e 4, da LPCJ).

Todavia, da formulação do preceito não resulta que o MP tenha o dever de se pronunciar sobre a medida de proteção prevista na al. g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, em termos de a sua inobservância ter por consequência uma nulidade processual com influência no exame da causa, como pretende a recorrente. Antes, pelo contrário, trata-se de um poder funcional dependente de um juízo de avaliação do MP, sempre que este considere que a medida a aplicar é a prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP. Neste sentido se pronunciou a doutrina (cfr. Paulo Guerra, Lei de Proteção de Crianças e Jovens Anotada, 4.ª edição, p. 306), afirmando que «Perante a falta de alegações do MP – artigo 114.º/2 da LPCJP -, alegações que estão longe de serem consideradas obrigatórias (a lei fala em «deve»), o juiz deve, em despacho avulso, dar a conhecer aos pais o possível rumo que o processo pode vir a ter, na sequência do debate judicial que se avizinha».  

Assim, o MP, que nestes processos representa o Estado e o interesse público na legalidade e na proteção das crianças, pode entender não ser relevante apresentar alegações escritas, o que não impede o juiz ou a juíza do processo, enquanto titular do órgão de soberania que administra a justiça em nome do Povo (artigo 202.º, n.º 1, da Constituição), encarregado de proteger os direitos e interesses fundamentais dos indivíduos (artigo 202.º, n.º 2, da Constituição), designadamente, os direitos e interesses das crianças (artigo 69.º da Constituição), de decidir pela aplicação da medida de proteção de confiança com vista a futura adoção. Decisivo é que os pais estejam representados por advogado ou lhes tenha sido nomeado um patrono oficioso, que o tribunal os notifique a informar da aplicabilidade da medida e lhes permita o exercício do direito ao contraditório, como de facto fez.  

Como bem se afirma no acórdão recorrido, se o MP não apresentar alegações, e o tribunal entender, ou tiver como previsível, que a defesa dos interesses das crianças pode levar (ou até impõe) à aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35º, o juiz não pode obrigar o MP a alegar nesse sentido, mas também não pode ficar refém da atuação do MP. Está dentro dos poderes do juiz aplicar a medida, verificados que estejam os respetivos pressupostos, e desde que cumprido o contraditório, de modo a possibilitar, em tempo útil, que os progenitores aleguem o que tiverem por conveniente, quanto à aplicação da dita medida, e ofereçam as competentes provas.

Conforme resulta do Relatório do presente acórdão e dos despachos proferidos no processo, o tribunal de 1.ª instância, em despacho de marcação do debate judicial, datado de 12.04.2021, referência ......77, em despacho datado de 23.03.2021, ref.ª ......88 e em despacho datado de 22.02.2021, ref.ª ........288, deu a conhecer aos progenitores, que os autos iriam prosseguir para debate judicial tendo em vista a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção.

Os pais foram ouvidos e requereram relatório social sobre as suas condições de vida, tendo tido a oportunidade para contraditar este relatório, pois foram expressamente notificados para o efeito e estavam representados por advogado.

Não se verifica, pois, qualquer nulidade processual ou qualquer nulidade do acórdão recorrido pela circunstância de o MP não ter apresentado alegações escritas no tribunal de 1.ª instância. Ademais, estando a mãe das crianças, agora recorrente, representada por advogado, não só no debate judicial, mas também na fase que antecede a realização deste, ficou assegurada a participação efetiva e informada desta no desenvolvimento do processo, tendo-lhe sido proporcionado a defesa do seu direito a conviver com os seus filhos e a assumir a sua guarda.

5. Em consequência, concluímos que não se verificou qualquer violação do disposto nos artigos 4.º al. i), 35.º, n.º 1, al. g), 104.º, n.º 3 e 114.º, n.º 2, todos da LPCJP, tendo sido assegurado aos progenitores o efetivo cumprimento dos princípios do contraditório, audição e participação.

6. Anexa-se sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I – A medida de proteção como a destes autos – a confiança judicial com vista a futura adoção (artigos 35.º, n.º 1, al. g), e 38.º-A, ambos da LPCJP) – tem de ser obrigatoriamente decidida por um tribunal (artigo 38.º da LPCJP) e tem uma natureza irreversível, produzindo ex lege a consequência da inibição do exercício das responsabilidades parentais (artigo 1978.º-A do Código Civil), faz cessar o direito de visita dos pais biológicos e não está sujeita a revisão (artigo 62.º-A da LPCJP), salvo os casos excecionais previstos no n.º 2 do citado artigo 62.º-A.

II - Como afirmou o TEDH no Acórdão Soares de Melo c. Portugal, «Embora o artigo 8.º da Convenção não encerre nenhuma condição explícita de processo, o processo decisório ligado às medidas de ingerência deve ser equitativo e adequado a respeitar os interesses protegidos por esta disposição. Convém, assim, determinar, em função das circunstâncias de cada caso, e nomeadamente da gravidade das medidas a adotar, se os pais puderam desempenhar no processo decisório, visto como um todo, um papel suficientemente importante para que seja concedida a proteção necessária aos seus interesses».

III – A circunstância de o Ministério Público não ter apresentado alegações escritas, no tribunal de 1.ª instância, quando está em causa uma medida de proteção e promoção de confiança com vista a adoção (artigo 35.º, n.º 1, al. g), da LPCJ), como prevê o artigo 114.º, n.º 2, da LPCJ, não gera qualquer nulidade processual suscetível de influir no exame da causa, nos termos do artigo 195.º do CPC.

IV – No caso sub judice, a progenitora esteve durante o processo de promoção e proteção representada por advogado; os pais biológicos foram notificados pela juíza do tribunal de 1.ª instância da possibilidade de vir a ser aplicada uma medida de confiança com vista a futura adoção e convidados a apresentar alegações, requerer diligências e oferecer provas documentais ou testemunhais.

V – Em consequência, não se verificou qualquer violação do disposto nos artigos 4.º al. i), 35.º, n.º 1, al. g), 104.º, n.º 3 e 114.º, n.º 2, todos da LPCJP, tendo sido assegurado aos progenitores o efetivo cumprimento dos princípios do contraditório, audição e participação.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.



Lisboa, 19 de outubro de 2021


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Fernando Samões (2.º Adjunto)