Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1223/05.1TBCSC-B.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: CONTRATO PROMESSA
POSSE
PROMITENTE-COMPRADOR
HIPOTECA
EMBARGOS DE TERCEIRO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS - GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES - DIREITOS REAIS / POSSE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, p. 243.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1251.º, 1253.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06-11-2007, REVISTA N.º 3354/07 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 13-11-2007, REVISTA N.º 3615/07 - 1.ª SECÇÃO;
-DE 19-04-2012, REVISTA N.º 299/05.6TBMGD.P1.S1 - 2.ª SECÇÃO;
-DE 22-05-2012, REVISTA N.º 430/07.7TVLSB.L1.S1 - 1.ª SECÇÃO.
Sumário :
I. O promitente comprador a quem foi entregue o imóvel prometido vender, pode, nos casos limite, ser considerado um possuidor e não um detentor precário, nomeadamente, quando se puder deduzir que as partes, com aquela entrega, pretenderam antecipar os efeitos do contrato definitivo. II. Ainda que o promitente comprador se encontre na situação de possuidor, nos termos definidos em I, não pode opor, a sua posição ao titular de hipoteca sobre o imóvel, com registo anterior.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            I         
Por apenso à execução comum que a Caixa Geral de Depósitos intentou contra AA, BB e CC, vieram DD e EE deduzir os presentes embargos de terceiro.
Alegam, em resumo: 
O prédio penhorado na execução pertence-lhes e não aos executados, porque, por contrato promessa de 01.03.00, a executada AA prometeu vender a referida fracção à embargante DD, que por sua vez prometeu comprá-la pelo preço de 38 500 000$00/192 037,19 euros, do qual os embargantes já pagaram o total de 27 250 000$00/135.922,43 euros, faltando pagar apenas 11 250 000$00/56.114,76 euros, quantia que não foi liquidada por não ter sido outorgada a escritura pública do contrato prometido por facto imputável aos ora executados, uma vez que de início foi necessário obter uma autorização judicial para o negócio por o 2o e 3o executados serem menores e, posteriormente, depois de obtida tal autorização, foi a Ia executada interpelada para outorgar a escritura, mas não efectuou qualquer diligência nesse sentido.
Mais alegaram que ficou acordado que os embargantes usassem o prédio, o que estes têm vindo a fazer desde Março de 2000, habitando-o, agindo como seus proprietários, liquidando as quotas do condomínio, participando nas assembleias de condóminos, efectuando benfeitorias, à vista de todos, sem oposição de ninguém, pelo que exercem a posse em nome próprio sobre o prédio.
Concluíram pedindo a admissão dos embargos e a sua procedência, com o levantamento da penhora sobre o prédio.
Produzida prova liminar e recebidos os embargos, apenas a embargada exequente Caixa Geral de Depósitos contestou, alegando, em síntese, que o contrato promessa invocado pelos embargantes, mesmo que acompanhado da tradição do prédio, não é susceptível de transmitir a posse ao promitente comprador por ter natureza obrigacional, pelo que os embargantes não têm a posse sobre o imóvel penhorado, sendo insuficientes os factos invocados para qualificar a sua ocupação como posse, sendo irrelevante o facto de haver eventual incumprimento dos executados e sendo certo ainda que o direito da exequente é de constituição anterior, pois à data do contrato promessa já havia uma hipoteca registada a seu favor, o que certamente seria do conhecimento dos embargantes e faz suspeitar que o acordo é simulado.

Concluiu pedindo a improcedência dos embargos.

O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos e ordenou o levantamento da penhora sobre o imóvel em causa.

Apelou a embargada exequente, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente o recurso, revogando a sentença e mantendo a penhora em questão.

Recorrem, agora, os embargantes, os quais, nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões:

1 Os recorrentes são verdadeiros possuidores da fracção em causa e não seus meros detentores, atentos os factos que praticaram.

2 Assim, houve a tradição da coisa, o que permitiu aos embargantes exercer publicamente sobre tal bem poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade, sendo que os promitentes vendedores, nunca se opuseram a esse exercício,

3 Foi, pois, intenção das partes do contrato promessa antecipar os efeitos do contrato prometido, sendo que é irrelevante que não tenha sido atribuído a esse contrato eficácia real, uma vez que o que está em causa é a posse efectiva.

4 Os recorrentes só pagaram 47,27% do preço, não tendo liquidado o remanescente, pelo facto dos promitentes vendedores não terem diligenciado pela celebração da escritura pública, constituindo-se deste modo uma expectativa jurídica que merece a tutela do direito.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II

Vêm dados por provados os seguintes factos:

:          1. Encontra-se inscrita na Ia Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante a apresentação n°57, datada de 12 de Janeiro de 2007, a penhora efectuada no âmbito dos autos principais, a favor da exequente, Caixa Geral de Depósitos, SA, para garantia da quantia exequenda no montante de 79 648,98 euros, relativamente à fracção autónoma correspondente ao quarto andar C e designada pela letra X do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Praceta ... e descrito naquela Conservatória sob o n°2662/201088 (A).
2. Os embargantes só tiveram conhecimento da penhora referida em 1. em 22 de Abril de 2010, data em que foi afixado o edital relativo à venda ordenada nos autos, tendo também tomado conhecimento da data designada para a venda (1).
3. Por acordo escrito denominado "contrato promessa de compra e venda", datado de 1 de Março de 2000, a executada AA, declarou prometer vender à ora embargante DD, que, por sua vez, declarou prometer comprar-lhe pelo preço de 38 500 000$00/192 037,19 euros a fracção referida em 1. (2).

4. Nos termos de tal acordo, foi estipulado entre as partes que o pagamento do preço seria feito de forma faseada e que a escritura pública de compra e venda seria outorgada no prazo de 3 meses após a executada obter autorização judicial para venda do imóvel, uma vez que à data da celebração do contrato-promessa os seus filhos, BB e CC eram menores, e o bem imóvel objecto do contrato integrava a herança por óbito do pai dos mesmos (3).
5. A autorização para venda da fracção em causa nos autos foi dada por decisão proferida em 15 de Fevereiro de 2005 (4).
6.   Por diversas vezes, os ora embargantes interpelaram extra-judicialmente a
executada AA para a realização/outorga da escritura pública de
compra e venda, não tendo a mesma feito qualquer diligência (5).

7. Para pagamento do imóvel dos autos, como sinal e princípio de pagamento, os ora embargantes entregaram à executada a quantia de 1 000 000$00/4 987,98 euros (6).
8. Em 1 de Março de 2000, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, os embargantes entregaram à executada a quantia de 9 000 000$00/44 891,81 euros (7).
9. A 9 de Maio de 2000, os embargantes efectuaram mais um pagamento no montante de 8 200 000$00/40 901,43 euros (8).

            10. Ficou acordado entre as partes, que os promitentes-compradores, ora embargantes, poderiam usar e fruir do bem imóvel objecto do contrato, designadamente para a sua habitação e do seu agregado familiar, oito dias após a assinatura do contrato promessa (12).

11. Desde então, os embargantes fizeram da fracção dos autos a casa de morada de família, como se ela lhes pertencesse (13).

12. Liquidaram, ao longo dos anos, as quotas de condomínio (14).
13. A embargante DD era e é convocada para as assembleias de condóminos, votando e assinando as actas, como se fosse proprietária do imóvel (15).
14. Os embargantes outorgaram, em seu nome, os contratos de água, luz e gás para a fracção em questão nestes autos, desde o momento em que aí passaram a residir (16).
15. Os embargantes solicitaram junto do Banco Pinto & Sotto Mayor um empréstimo no âmbito do crédito pessoal, destinado a obras de habitação, no montante de 6 128 703$00 (17).

16. Os embargantes ocupam a fracção à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e de forma contínua, desde Março de 2000 até à presente data (18).
17. Em 26 de Outubro de 1994 foi lavrado registo provisório de aquisição (convertido em definitivo em 2 de Fevereiro de 1995) da fracção descrita em 1. a favor da embargada AA e marido FF (doe).
18. Em 2 de Maio de 1996 foi lavrado registo de aquisição de Vi (metade) da referida fracção, em determinação de parte ou de direito, a favor dos embargados AA, BB e CC, por sucessão por morte daquele outro (doe).
                  Ao abrigo dos artigos 713 n°2 e 659° n°3 do CPÇ foram ainda considerados provados pela Relação os seguintes factos, com base no requerimento executivo e documentos aí juntos, bem como a certidão do registo predial junta aos autos com a penhora:
19.  O título executivo em que se baseia a presente execução é uma escritura pública de
7 de Dezembro de 1994, em que a executada AA e o seu falecido marido FF compraram a fracção autónoma designada pela letra X, correspondente ao 4
o andar C do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n°2662
e se confessaram devedores ao Banco Nacional Ultramarino da quantia de 16 000 000$00 por
virtude de empréstimo.

20. Pela apresentação 21/261094, provisória por natureza, foi registada hipoteca voluntária a favor do Banco Nacional Ultramarino para garantia deste empréstimo no valor de 16 000 000$00, montante máximo de 29 600 000$00 e pela apresentação 17/020295, foi o referido registo convertido em definitivo.



      III
                   Apreciando
                 



                  A questão colocada no presente recurso, tem sido objecto de jurisprudência deste Supremo.
                 

                  Assim:

            “I - No contrato-promessa de compra e venda, hão-de ser o acordo de tradição (acto jurídico causal da posse) e as circunstâncias relativas ao elemento subjectivo a determinar a qualificação da detenção pelo promitente-comprador. 

II - Assim, enquanto o contrato-promessa não for denunciado ou resolvido por motivo imputável ao promitente-comprador, pode haver posse deste e direito à correspondente defesa e dos seus efeitos. Tal posse, em nome próprio e titulada, encontra fundamento na circunstância de ser exercida na pressuposição do cumprimento do contrato e como mera antecipação dos efeitos translativos do contrato definitivo e na da execução da pactuada tradição, e ainda como antecipação dos efeitos da mesma venda, como se prevê no art. 1263.º, al. b), do CC. 

III - Trata-se, contudo, de uma “posse condicional” na medida em que a sua permanência e conservação andam associadas e, consequentemente, mantêm-se dependentes da celebração do contrato definitivo. Dessa condicionalidade, inerente à falta de eficácia translativa do contrato-promessa e da traditio, decorre ainda que o animus possidendi não se identificará, em tais casos, com o elemento subjectivo da posse do proprietário, pelo menos quanto à invocabilidade do domínio por usucapião. 

IV - Portanto, em regra, o promitente-comprador exercerá sobre o bem um direito pessoal de gozo, semelhante ao do comodatário, mas que lhe não confere a realidade da posse, nem mereceu ainda equiparação legal. Porém, pode haver, como se referiu em I, posse do promitente-adquirente, o que sucederá quando, obtido o corpus pela tradição, a coberto daquela pressuposição de cumprimento do contrato definitivo, pratica actos de posse com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome. 

V - É o que acontece nos casos em que o promitente-comprador pagou a totalidade ou quase totalidade do preço ou em que a entrega da coisa lhe é feita pelo promitente-vendedor “como se sua fosse já” e aquele passa a agir como tal ou em que a tradição seja motivada ou acompanhada de circunstâncias que, por incompatíveis com acto de mera tolerância, revelem ou consolidem uma expectativa de irreversibilidade da situação. 

VI - Ficando por demonstrar que, com a tradição, subsequente ao contrato-promessa e a ele associada, se pretendeu mais do que constituir um direito pessoal de gozo, com a demissão da promitente-vendedora da sua qualidade de proprietária e transferência dessa qualidade para o promitente-comprador, não é aplicável a presunção consagrada no n.º 2 do art. 1252.º do CC, face à ressalva prevista no art. 1257.º, n.º 2, do mesmo Código. 

VII - Iniciada a posse do promitente-comprador como precária, só será apta a conduzir à usucapião mediante a inversão do título de posse, ou seja, desde que demonstrado por ele que, apesar da causa da detenção, passou a deter e fruir o bem como dono (art. 1290.º do CC). 

VIII - Sendo a materialidade provada compatível com qualquer título de ocupação, que não exclusivamente o exercício do direito de propriedade, mas tendo sido alegado, de forma algo dispersa e imperfeita, que ocorreu a entrega real da fracção e foram praticados os actos posteriores com intenção de exercer sobre ela o direito correspondente ao domínio, ignorando, no momento da aquisição, lesar o direito de outrem, tendo vindo continuadamente a actuar como proprietário do andar e como tal sendo considerado por todos os condóminos vizinhos e conhecidos, cumpre ordenar a baixa do processo à Relação para ampliação da matéria de facto no sentido de se apurar a intenção das partes no acto de tradição e exercício dos poderes de facto sobre o andar entregue, e para novo julgamento da causa, de harmonia com o disposto os arts. 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 2, do CPC. 

06-11-2007  Revista n.º 3354/07 - 1.ª Secção  Alves Velho (Relator)  Moreira Camilo  Urbano Dias

            “I - O direito de retenção é concedido ao promitente-comprador e beneficiário da tradição da coisa para garantir o crédito emergente do não cumprimento imputável ao promitente-vendedor, não garantindo, portanto, o crédito da celebração do contrato prometido que é o objecto directo do contrato-promessa. 

II - Não alegando os embargantes o incumprimento do contrato-promessa que celebraram na qualidade de promitentes-compradores, tendo por objecto a fracção penhorada na acção executiva a que os embargos estão apensos, impõe-se concluir que não gozam do respectivo direito de retenção, que não se constituiu ainda. 

III - Feita a penhora por iniciativa de qualquer credor, o credor garantido pelo direito de retenção terá de ser chamado ao concurso de credores (se o não for, mantém o direito que lhe é reconhecido pelo art. 864.º, n.º 10, do CPC), aí fazendo valer o seu direito de preferência e pode mesmo requerer a suspensão da graduação de créditos até obter título exequível se ainda o não tiver (art. 869.º do CPC). 

IV - É exactamente através da via executiva que o direito de retenção exerce a sua função de garantia, não podendo a sua existência impedir ou inutilizar a penhora, prejudicando assim os demais credores do promitente-vendedor, sem benefício útil para o promitente-comprador, que tem o seu direito de crédito (emergente do incumprimento do contrato-promessa) acautelado no âmbito da acção executiva. 

V - Portanto, o acto da penhora não afectaria nunca, no caso concreto, o alegado direito de retenção dos embargantes, uma vez que, se fossem já seus titulares, não haveria a incompatibilidade que, nos termos do art. 351.º do CPC, justifica o recurso aos embargos de terceiro. 

VI - Existem casos em que a posse resultante da tradição da coisa pode assumir todas as características que definem a posse verdadeira e própria (art. 1251.º do CC), juntando ao corpus também o animus correspondente ao direito real em causa. 

VII - Incidindo a hipoteca constituída a favor do exequente sobre vários prédios do executado, entre eles o terreno destinado a construção onde veio a ser edificada a casa que o executado prometeu vender aos embargantes e que foi objecto de penhora, deverá entender-se, face ao princípio da indivisibilidade da hipoteca (art. 696.º do CC), que aquela garantia abrange a totalidade do prédio penhorado, estendendo-se ao edifício que posteriormente nele veio a ser construído. 

VIII - Aliás, tratando-se uma benfeitoria realizada pelo próprio dono do terreno, sempre estaria abrangida pela hipoteca primitivamente incidente sobre o terreno onde veio a ser edificada, como resulta do disposto no art. 691.º, n.º 1, al. c), do CC. 

IX - Mesmo provando-se que os embargantes são titulares do direito de posse sobre o imóvel penhorado, jamais os embargos poderiam proceder porquanto estamos em presença de penhora incidente sobre prédio hipotecado, em que a garantia da hipoteca está registada em data muito anterior ao início da posse dos embargantes.

13-11-2007 - Revista n.º 3615/07 - 1.ª Secção  Moreira Alves (Relator) Alves Velho  Moreira Camilo

            “I - O contrato promessa com tradição não transfere, em regra, a posse. 

II - Excecionalmente, a tradição material da coisa a favor do promitente comprador pode conferir a posse, para efeitos de usucapião, como sucede nas hipóteses em que a tradição ocorre, após o pagamento da totalidade do preço, acompanhada da intenção de transmitir, em definitivo, o direito prometido, e passando o promitente comprador, consequentemente, a actuar uti dominus da coisa entregue. 

III - A intenção com que são exercidos os poderes de facto – animus – constitui matéria de facto, na apreciação da qual deve ser tida em conta a alegação implícita. 

IV - Traduz tal alegação, implícita, a invocação do convencimento da “legitimidade do seu direito”, invocada pelos promitentes-compradores, em simultâneo com a invocação do seu direito de propriedade. 

19-04-2012 - Revista n.º 299/05.6TBMGD.P1.S1/ - 2.ª Secção - João Bernardo (Relator)  - Oliveira Vasconcelos  - Serra Baptista  (Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)

“ ………………………………………………………………………………………………

VIII - Por norma, o contrato-promessa de compra e venda, mesmo que seja acompanhado de tradição da coisa, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador o qual adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor ou possuidor precário. 

IX - Excepcionalmente, são admissíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche todos os requisitos de uma verdadeira posse, actuando uti dominus, designadamente quando haja sido paga a totalidade do preço ou parte substancial do mesmo ou quando as partes não tenham o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v.g., evitar o pagamento do IMT ou precludir o exercício de direito de preferência). 

X - A simples ocupação de uma fracção autónoma, por virtude da celebração de um contrato-promessa, não é suficiente para que se possa falar numa situação de verdadeira posse, a menos que, entretanto, tenha havido inversão do título de posse, facto que acarreta, a favor do promitente-comprador, o início da contagem do prazo necessário para a verificação da usucapião. 

XI - O direito de retenção, a favor do promitente-comprador que obteve a tradição da coisa, previsto no art. 755.º, n.º 1, al. f), do CC, é inoponível a um Banco que, actuando na qualidade de credor hipotecário do promitente-vendedor, obteve a adjudicação da coisa em acção executiva, sendo certo que aquele direito caduca com a venda executiva, nos termos do art. 824.º, n.º 2, do CC.

22-05-2012  Revista n.º 430/07.7TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção  Martins de Sousa (Relator) *  Gabriel Catarino António Joaquim Piçarra

            2 Da jurisprudência citada é de retirar a seguinte doutrina:

Do contrato promessa de compra e venda de uma fracção autónoma não podem decorrer efeitos de natureza real, uma vez que tal tipo contrato é meramente obrigacional. Havendo a tradição da coisa, o promitente comprador passa a ser mero detentor ou possuidor precário da mesma, não sendo titular de uma verdadeira posse que tenha o direito de defender.

No entanto, pode acontecer que, do caso concreto, se possa deduzir dessa tradição que as partes quiseram antecipar os efeitos do contrato definitivo – a transferência da propriedade para o comprador e a percepção do preço pelo vendedor - , por forma a que o mesmo comprador passe a actuar como se fosse o proprietário da coisa.

Não será de exigir o pagamento total do preço, mas certamente uma sua parte substancial. Tratando-se de fracção autónoma, o agir o promitente comprador como condómino, assumindo o exercício dos direitos e cumprindo os deveres de tal posição é outro aspecto determinante de um corpus possessório – a actuação como titular do direito de propriedade -, sendo certo que o animus possessório se presume. No mesmo sentido vai o realizar obras no andar. É esta a orientação que decorre dos art.ºs 1253º nº 1 e 1251º do C. Civil - cf. Penha Gonçalves Curso de Direitos Reais 243 -. O que tudo levará a concluir pela actuação uti dominus do promitente comprador.

No entanto, ainda que se considere, em determinado caso concreto, que o promitente comprador é um verdadeiro possuidor, isso não impede que a hipoteca registada em data anterior ao início da sua posse prevaleça sobre esta.

3 No caso vertente, o não pagamento de cerca de metade do preço e o facto, constante dos factos provados – 4 -  de que, aquando da traditio, faltava ainda autorização judicial para a venda, são dados que infirmam o corpus possessório da promitente compradora, que lhe adviriam, por outro lado, do facto de agir como condómino. Note-se que, como é referido em alguns dos acórdãos atrás citados, a posse do promitente comprador é, muitas vezes, qualificada de “excepcional” pela jurisprudência.

Assim tem de ser entendido que não provou a sua posse.

No entanto, ainda que se concluísse pela posse daquela, sempre os embargos teriam de improceder, porque o direito real de garantia hipoteca, previamente registado, prevaleceria. Como se referiu em 2ª instância, prevaleceria ainda que os embargantes já tivessem celebrado a escritura de compra e venda da coisa, nunca podendo evitar o direito de sequela da hipoteca e, portanto, a penhora.

Termos em que improcede o recurso.

Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

                                                           Lisboa, 21 de Março de 2013

Bettencourt de Faria (Relator)

Pereira da Silva

João Bernardo