Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S369
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: COMPENSAÇÃO
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
RECONVENÇÃO
PRESCRIÇÃO
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
JUSTA CAUSA
DEVER DE RESPEITO
CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: SJ200605240003694
Data do Acordão: 05/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O pedido de compensação de créditos formulado pelo réu na contestação tem a natureza de excepção peremptória se for igual ou inferior ao montante peticionado na acção, caso em que não originará alteração do valor da causa, mas reveste a natureza de reconvenção se lhe for superior e, nessa medida, implicará uma alteração do valor do processo.
II - Só nos casos em que o prazo da prescrição de créditos se havia já completado no momento em que se verificaram os demais requisitos da invocabilidade da compensação pelo seu devedor (e não em qualquer outro momento posterior), é que a prescrição pode impedir a extinção da dívida por compensação (arts. 850.º e 854.º do CC).
III - Não se verifica oposição ou incompatibilidade entre o art. 850.º do CC, que prevê a possibilidade de, em determinadas condições, se poder operar a compensação entre créditos não prescritos e créditos prescritos, e o art. 38.º, n.º 1 da LCT, que se limita a indicar um prazo especial de prescrição de créditos laborais e a estabelecer a forma de contagem desse prazo.
IV - A rescisão unilateral do contrato de trabalho com aviso prévio só produz efeitos depois de decorrido o prazo do aviso, podendo o trabalhador revogar a sua decisão inicial até ao segundo dia útil seguinte à data em que a rescisão deve produzir os seus efeitos (art.s 38.º e 39.º e LCCT).
V - No decurso do prazo de aviso prévio, o trabalhador e o empregador continuam mutuamente obrigados pelos respectivos direitos e deveres funcionais, pelo que a violação grave da relação laboral, praticada por qualquer dos respectivos sujeitos confere ao outro o direito de fazer terminar esta imediatamente com justa causa.
VI - Constitui justa causa de rescisão imediata pelo trabalhador por violação de dever de respeito, o envio pelo empregador aos seus clientes, dentro do prazo de aviso prévio pela anterior rescisão unilateral do contrato, de uma carta circular em que, com indicação do nome do trabalhador, se informa que este pediu a sua demissão, mas a mesma não foi imediatamente aceite por estar em curso um processo disciplinar fundado na existência de fortes suspeitas de que a demissão estivesse relacionada com condutas de forte deslealdade e de favorecimento de empresas concorrentes, e se pede aos aludidos clientes que informem o empregador emitente da circular no sentido de denunciar eventuais condutas do visado conducente ao desvio de clientela desta última a favor das suas concorrentes comerciais.
VII - Não pratica qualquer acto laboral censurável o trabalhador que, nas negociações prévias de um contrato em que era parte o seu empregador, comunica à potencial contraparte que não era possível à sua empresa, para além do desconto de preços de 1% sobre o valor total que já tinha sido proposto, conceder mais do que 0,5% desse mesmo valor, sendo que na sequência de tal comunicação, e por causa dela, não se vem a concretizar o negócio em causa no valor de Esc. 55.063.000$00, se o trabalhador procedeu a tal comunicação em estrita observância de ordens superiores.
VIII - Independentemente da designação que as partes possam ter dado ao respectivo negócio jurídico, é de qualificar como contrato de trabalho e não como contrato de prestação de serviços, o convénio entre dois sujeitos jurídicos em que o primeiro, para além de funções de assessoria e de assistência jurídica, assessora a administração do segundo em questões operacionais, representa o mesmo em reuniões e conduz negociações em diversos contratos, recebe ordens e instruções directas do empregador no exercício de tais funções (quer através do administrador delegado, quer de administradores executivos), participa em reuniões do empregador do qual recebe directivas, é o responsável efectivo e operacional de uma divisão dos serviços deste, tem responsabilidades numa área de trabalho cometida a uma outra empresa detida pelo mesmo empregador, tem o seu local de trabalho nas instalações deste e aí permanece diariamente durante cerca de sete horas, é coadjuvado por uma secretária trabalhadora do mesmo e é também considerado por este nos documentos internos como seu "trabalhador" com antiguidade referida à do começo de todas estas funções.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



1 - RELATÓRIO


1.1.

"AA" intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de Contrato individual de trabalho, contra "Empresa-A", pedindo, com fundamento em rescisão contratual com justa causa, que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 18.700.000$00, sendo 1.200.000$00 a título de remuneração do mês de Janeiro de 1998, 2.400.000$00 a título de férias e subsídio de férias vencidos em 1/1/98, 400.000$00 a título de férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado em 1998, 300.000$00 de proporcionais de subsídio de Natal e 14.000.000$00 a título de indemnização por antiguidade, tudo acrescido de juros moratórios vencidos, que quantifica, e vincendos.
Em sede contestatária, a Ré impugnou parcialmente a versão da P.I., negando que o Autor venha direito a qualquer das pretensões reclamadas, com excepção de um crédito global de 3.000.000$00, e sustentando que a relação laboral entre as partes remonta apenas a 1/10/96.
Para além disso, invoca um crédito sobre o Autor, no montante de 55.063.000$00, com fundamento em violação ilícita, por banda do mesmo, das obrigações a que se encontrava contratualmente adstrito, pois actuou, segundo diz, contra ela e violando os mais elementares deveres de lealdade e obediência.
Conclui pela improcedência da acção e pela procedência da sua pretensão, pedindo que o Autor seja condenado a indemnizá-la na medida e no montante do crédito que lhe venha a ser reconhecido, operando a respectiva compensação.
O Autor reagiu, na resposta, contra a supra exceptiva invocada e reclamou a prescrição dos créditos aduzidos pela Ré.
1.2.
Após a fase dos articulados, a Ré requereu a rectificação dos valores indicados nos art.ºs 39º, 40º e 113º da Contestação, o que lhe foi deferido por despacho de fls. 135.
O Autor agravou dessa decisão, cujo recurso foi admitido com subida diferida.
Na fase do saneamento, o Tribunal julgou procedente a excepção da prescrição do crédito reclamado pela Ré e absolveu o Autor do "pedido reconvencional" contra si deduzido, por via do qual se reclamava a compensação de créditos.
A Ré desta feita, apelou desse segmento decisório, cujo recurso também foi admitido com subida diferida.
No decurso da audiência, o Autor agravou ainda do despacho que admitira a depor a testemunha BB, a cujo recurso também foi atribuído subida diferida.
Finalmente a 1ª instância, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 86.790,83, acrescida de juros moratórios até integral pagamento, absolvendo-a no mais do pedido.
Irresignada com a respectiva sentença, dela apelou a Ré.
O Acórdão da Relação negou provimento aos dois recursos de apelação e confirmou, respectivamente, o despacho saneador na parte impugnada e a sentença final.
Quanto aos dois recursos de agravo interpostos pelo Autor, a Relação não chegou a apreciá-los, invocando, nesse sentido, o disposto no art.º 710º do C.P.C., que reserva a apreciação dos agravos interlocutórios interpostos pelo apelado para aquelas situações em que a apelação ou apelações sejam providos.
1.3.
Permanecendo irresignada, a Ré pede a presente revista, cujas alegações remata com o seguinte núcleo conclusivo:
1 - O Acórdão recorrido fez uma interpretação das normas aplicáveis que, no entender da recorrente não é correcta nem densificadora da justiça que aqui se impõe;
2 - No que concerne à peticionada compensação de créditos, nunca a recorrente deduziu qualquer pedido reconvencional, na medida em que não pretendeu obter do recorrido qualquer vantagem para além da mera extinção, por compensação, dos créditos contra si invocados;
3 - a reconduzir a excepção da compensação deduzida pela recorrente a um pedido reconvencional, o Acórdão violou os art.ºs 487º; 493º e 501º do C.P.C.;
4 - a decisão em crise considerou inaplicável o art.º 850º do C.C. aos créditos laborais por contrariar o art.º 38º nº1 da L.C.T., entendimento de que se discorda.
5 - na verdade, este último preceito apresenta apenas, como especificidade o facto de o início do prazo da prescrição aí previstos acorrer com a cessação da relação de trabalho e a circunstância de tal prazo ser de um ano (contado a partir dessa data), pelo que a tal prazo prescricional se aplicará o restante regime geral da prescrição, para além de estar sujeito, à articulação com outros institutos que pressuponham a verificação da prescrição;
6 - a aplicação do referido art.º 850º não contraria o art.º 38º nº1 da L.C.T. pois que aquele se move num quadro de créditos já prescritos, o que por si só dependerá sempre, no domínio laboral, da eficaz e válida aplicação do dito art.º 38º, num momento necessariamente prévio ao da invocação do preceito civil;
7 - Se os créditos se tornaram comparáveis quando cessou o contrato de trabalho em Fevereiro de 1998 em Abril de 1999 (quando foi emitida a declaração de compensação de créditos pela ora recorrente na sua contestação), os créditos da ora recorrente encontravam-se já prescritos, o que, por si só, não poderá impedir a sua compensação nos termos do art.º 850º;
8 - a invocação da compensação de créditos, nos termos deste último, preceito, poderá ser arguida tanto pela entidade patronal como pelo trabalhador, beneficiando ambos de um tratamento idêntico à luz da lei, pelo que não se vislumbra em que medida a interpretação sustentada "seria ir contra o princípio da igualdade das partes", como se afirma no Acórdão;
9 - violado ficou, assim o citado art.º 858º;
10 - relativamente à existência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, não se pode considerar que pela circular emitida pela recorrente aos seus clientes tenham sido cometidas quaisquer ofensas à honra ou dignidade do recorrido, nos termos do art.º 35º nº1 al. F) da L.C.C.T.;
11 - na verdade, o recorrido não invocou quaisquer outros factos praticados pela recorrente para além do envio da dita circular, nem invocou mais nenhum outro facto circunstancial relevante para a ponderação da procedência do motivo justificativo que suportou a rescisão do contrato de trabalho;
12 - a recorrente, apenas a título de mera suspeita, imputou ao recorrido um possível envolvimento e favorecimento de um concorrente da Empresa-A, pelo que tal, no contexto que ocorreu, não se afigura como suficientemente grave para justificar a rescisão do contrato de trabalho;
13 - a mera suspeita apenas representa a incerteza ou dúvida relativas à continuidade de um vínculo duradouro (como o é o laboral), e não um prenúncio de absoluta e violenta ruptura, de crise contratual que indicie a imediata impossibilidade da sua manutenção;
14 - não pode merecer qualquer censura a posição adoptada pela recorrente, que apenas procurou salvaguardar a sua clientela perante a possibilidade de a ver desviada ou interceptada por concorrentes, como de facto ocorreu com o cliente "CC", perante uma actuação de alguns seus colaboradores (o recorrido e o comandante DD) que apresentava contornos pouco nítidos e suspeitos;
15 - Seria expectável que o recorrido, enquanto Director Geral da recorrente, diligenciasse no sentido de clarificar a sua posição profissional e pessoal e que colaborasse na clarificação de um assunto que afectou severamente a surpresa, em estrito respeito pelos princípios da boa fé e da confiança, que marcadamente determinam a relação jurídica de trabalho;
16 - o recorrido não deveria ter deixado de comparecer ao serviço, o que apenas poderá ser interpretado como uma clara desconsideração e desrespeito pelo exercício das suas funções e pela recorrente, enquanto entidade patronal;
17 - a conduta da recorrente não constitui um ilícito criminalmente punível, nomeadamente porque carece do elemento subjectivo da infracção, não existindo qualquer circunstância de facto que permita concluir que a recorrente pretendeu, com o seu comportamento, ofender a honra ou consideração do recorrido, ou sequer previsse essa ofensa de modo a que a mesma lhe pudesse ser imputada dolosamente;
18 - a conduta da recorrente não poderá ser refutada como culposa, do mesmo modo que não se poderá considerar como não ilidida a presunção constante do art.º 799º do C.C.;
19 - não se poderá deixar de discordar que o Acórdão refere o seu entendimento quanto à justa causa com o argumento de que a recorrente nunca chegou a instaurar contra o A. qualquer processo disciplinar, pois entretanto verificou-se o término da relação laboral, o que sempre tornaria inútil tal procedimento;
20 - ao invés, deveria o Acórdão retirar as devidas ilações do facto de o recorrido não ter actuado criminalmente contra a recorrente com base numa alegada ofensa à sua honra ou consideração e de o Comandante DD - igualmente visado na carta circular - não ter sequer demandado a recorrente com vista a obter créditos laborais inequívocos, decorrentes da cessação do seu contrato de trabalho;
21 - a pretensa lesão da honra do recorrido não passou, de facto, de uma imputação de suspeitas que se justificava pela necessidade imperiosa de salvaguardar os interesses da recorrente;
22 - Sempre se deverá considerar que a conduta da recorrente não se afigura punível, de harmonia com o disposto no art.º 180º nº2 al. B) (última parte) do C. Penal por resultar demonstrado que esta tinha fundamento sério para em boa fé, refutar como verdadeira a referida imputação, sob a forma de suspeita de "envolvimento e favorecimento de um concorrente do Empresa-A", como claramente resulta da simples leitura dos factos mais relevantes que ficaram provados e, particularmente, da ponderação da sucessão no tempo dos acontecimentos relacionados com a perda do cliente e rescisão dos contratos de trabalho pelo recorrido e C.te DD, pelo que sempre a decisão em crise violou os art.ºs 35º e 36º da L.C.T.;
23- o recorrido, em 5/2/98, rescindiu o contrato de trabalho com a recorrente, nos termos do art.º 38º da L.C.T.; no dia 25/2/98 enviou-lhe uma carta, comunicando a rescisão do contrato com justa causa;
24- a operatividade jurídica da 2ª rescisão admitindo a validade dos argumentos que invocou, deverá reconduzir-se à desobrigação do cumprimento do prazo de aviso prévio em factos, não lhe conferindo já o direito à indemnização prevista no art.º 38º da L.C.T.;
25- na verdade, a opção do recorrido pelo regime previsto na Secção II - Rescisão com aviso prévio - do Capítulo VI da L.C.C.T, inviabiliza a invocação posterior da rescisão prevista na Secção I do mesmo Capítulo - que não já a possibilidade da cessação automática do contrato que, aliás, o legislador distingue nos n.ºs 1 e 2 do art.º 39º;
26- nestes casos, a relação laboral, apesar de ainda subsistir, está já marcada por uma característica ou carisma indelével, que é a certeza do seu termo. Isto é, a relação laboral encontra-se já rescindida, não podendo voltar a sê-lo pois por definição, uma relação jurídica não suporta mais do que uma rescisão;
27- se um trabalhador, na pendência do aviso prévio, por vítima de um comportamento subsumível ao conceito de justa causa, poderá fazer cessar de imediato o seu contrato (seja por via do art.º 34º n.º 1 da L.C.C.T., seja, por via do regime genérico da relação do não cumprimento, previsto no art.º 428º do C.C. - desobrigando-se do eventual prazo de aviso prévio em falta - mas não já rescindir um vínculo que já se encontrava rescindido;
28- a indemnização prevista no art.º 36º visa, sobretudo, tutelar situação de desemprego voluntário forçado;
29- na economia da L.C.C.T., o legislador considerou que merece a mesma tutela um trabalhador que é despedido pela entidade patronal, contra a sua vontade, como aquele que não quer ser despedido mas que, em nome de valores que o direito acolhe e protege , se viu forçado a despedir-se;
30- ambos os casos traduzirão, em termos substanciais, situações de desemprego involuntário, por decorrerem de factos culposos imputáveis à entidade patronal;
31- assim, o trabalhador que já rescindiu, de forma livre e não condicionada, a relação laboral e apesar e apenas está a cumprir um prazo que visa, sobretudo, proteger interesses da entidade patronal, colocou-se, automaticamente, fora da tutela prevista no art.º 36º;
32- nestes termos, ao condenar a recorrente no pagamento da indemnização prevista naquele art.º 36º, no valor de 14.400.000$00, a decisão em crise violou, por incorrecta interpretação, os art.ºs 13º n.º 3, 34º, e 36º da L.C.C.T.;
33- a eventual quantificação da indemnização infundadamente reclamada pelo recorrido passa pela qualificação jurídica da relação que existiu entre ele e a recorrida no período anterior a 13/11/97 pois, a partir desta data, é pacífica a existência de um vínculo laboral típico;
34- a subordinação jurídica é o grande critério que permite diferenciar os contratos de trabalho dos contratos de prestação de serviços, sendo necessário atender aos seus principais elementos indiciários;
35- não se podendo concluir pela existência de um contrato de trabalho, tendo em conta os índices relativos ao horário e ao local de trabalho, ficou também por demonstrar que era a recorrente quem moldava, através de ordens e instruções directas, os termos da prestação de serviço do recorrido;
36- a autonomia típica dos contratos de prestação de serviços, enquanto ausência de subordinação à direcção da outra parte, não é incompatível nem fica diminuída pela existência de ordens ou instruções directas;
37- apesar da actividade do recorrido contribuir para a realização dos fins da recorrente, nunca aquele esteve verdadeiramente integrado na estrutura da Ré até 1997, do mesmo modo que, até então, não se encontrava em situação de dependência económica exclusiva da recorrente;
38- é na vontade das partes que reside o critério último de qualificação de um contrato como contrato de trabalho, sendo necessário, para o efeito, lançar mãos das regras da interpretação negocial;
39- se ambas as partes declararam querer celebrar contratos de prestação de serviços, e se o recorrido é, enquanto Advogado, portador de específica formação jurídica, deve concluir-se então que a qualificação utilizada para os acordos celebrados é um elemento que deveria ser tido mais em conta na sua caracterização jurídica, facto que redundaria na inevitável conclusão de que não se tratava de contratos de trabalho;
40- concluindo-se pela inexistência de qualquer contrato de trabalho no período anterior a 13/11/97, a antiguidade do recorrido, ao serviço da recorrente, só poderá sentar-se a partir de tal data. Ao concluir de maneira diferente, sempre a decisão em crise violou os art.ºs 1º da L.C.T. e 1152º e 1153º do C.C..
1.4.
O Autor-recorrido contra-alegou, sustentando a improcedência da revista.
1.5.
No mesmo sentido se pronunciou, com a expressa discordância da Ré, que respondeu ao respectivo Parecer, a Ex.ma Magistrada do M.º P.º.
1.6.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2. FACTOS
A factualidade dada como provada nas instâncias não foi censurada pelas partes.
Como assim, e tendo em conta o disposto nos art.ºs 713º n.º 6 e 726º do Cod. Proc. Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem pontualmente coligidos aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do recurso.
3. DIREITO

3.1.
Conforme resulta da exposição anterior, as partes aceitaram pacificamente a decisão que o Acórdão da Relação veio a perfilhar relativamente aos agravos interlocutórios suscitados pelo Autor.
Deste modo, a presente revista corporiza algumas censuras que a ré entendeu dever dirigir ao Acórdão em crise, no âmbito das duas apelações - saneador e sentença final - que interpusera das correspondentes decisões da 1ª instância.
Sendo assim - e visto o preceituado nos art.ºs 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C., ex vi art.º 1º n.º 2 al. A) do C.P.T. - são as seguintes as questões decidendas:
1ª- qualificação - como defesa por excepção ou como reconvenção - da contestação da Ré, no que se reporta ao crédito que contrapôs ao Autor, e relevância da prescrição desse crédito para efeitos de compensação com os créditos invocados na P.I.;
2ª- justa causa de rescisão;
3ª- indemnização devida (exigibilidade e valor);
4ª- eventual extinção, por compensação, dos créditos do Autor.
Passemos à sua análise.
3.2.1.
A recorrente começa por questionar o segmento do Acórdão sindicando que, confirmando a decisão constante do despacho saneador, julgou verificada a excepção da prescrição do crédito invocado pela Ré na contestação, absolvendo o Autor do "pedido reconvencional".
Neste contexto, invoca desde logo a recorrente que o sobredito Acórdão, ao reconduzir a "excepção da compensação" a um "pedido reconvencional", violou o disposto nos art.ºs 487º, 493º e 501º do C.P.C.
Segundo diz, a Ré não pretendeu obter do Autor qualquer vantagem para além da mera extinção, por compensação, dos créditos contra si invocados visando apenas que o Tribunal condenasse o Autor numa quantia que operacionalizasse a compensação pois que esta depende do reconhecimento da existência de créditos mutuamente exigíveis: nessa medida, é de todo evidente que não aduziu qualquer reconvenção.
Segundo as instâncias, torna-se irrelevante que a Ré não tenha utilizado o termo "reconvenção" ou a locução "pedido reconvencional", certo que tal pedido foi efectivamente formulado, não se limitando a Ré a concluir pela improcedência da acção ou a pedir, ela própria, a sua absolvição do pedido.
Se estas considerações denotam que as instâncias estavam aparentemente libertas de espartilhos formais, já a conclusão de que foi formulado um pedido reconvencional a partir do simples facto de ter a Ré incluído na contestação que "... deverá ser condenado o A. a indemnizar a R. na medida e no montante do crédito que lhe venha a ser reconhecido por este Tribunal, operando-se a respectiva compensação nos termos sobreditos" veio demonstrar que, afinal, as instâncias ancoraram, para aquele juízo, numa única expressão - "ser condenado" -, a qual veio a condicionar decisivamente o seu discurso ulterior, olvidando toda a economia da contestação e os objectivos que a Ré visou claramente alcançar com a dita expressão.
3.2.2.
A compensação é uma forma de extinção das obrigações, em que o devedor opôs ao crédito do credor um contra-crédito seu, extinguindo-se reciprocamente as respectivas obrigações se os créditos forem de igual montante ou, sendo-o de valor desigual, extinguindo-se a obrigação de menor valor e reduzindo-se a de maior valor na parte correspondente.
Para o efeito, deverão estar necessariamente preenchidos os requisitos elencados na lei Civil - art.º 847º do Cod. Civil.
O art.º 33º do C.P.T. (aprovado pelo D.L. n.º 272-A/81, de 30/9, atendendo a que a presente acção foi ajuizada em 2/12/99, mas cuja disciplina em nada diverge, na espécie, da que decorre do C.P.T. de 99) possibilita a dedução de reconvenção, em processo laboral, quando se pretende obter a compensação, ainda que entre o pedido reconvencional e o pedido da acção não exista uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência - cfr. art.º 66º al. P) da Lei n.º 82/77, de 6/12, que passou com a mesma redacção para o art.º 64º al. P) da Lei n.º 38/87, de 23/2 (L.O.T.J.) e para o art.º 85º al. P) da Lei n.º 3/99, de 3/1 (L.O.F.T.J.).
Em face da dupla função do contra-crédito que é oposto ao credor pelo devedor - tanto funciona como crédito autónomo do Réu, como pode funcionar ainda como facto extintivo do crédito invocado pelo Autor - largamente se discutiu a questão de saber se, sendo o crédito do Réu inferior ao peticionado na acção ou se o Réu não pretendesse a condenação do Autor no valor residual, a almejada compensação exigia a sua dedução em reconvenção ou se, ao invés, devia ser oposta por simples excepção.
Várias soluções foram adiantadas.
Tendo por base a letra do art.º 274º n.º 2 al. B do C.P.C., havia quem considerasse que a compensação apenas podia ser accionada pela via reconvencional, independentemente da relação quantitativa entre os créditos em confronto (cfr. Castro Mendes in "Direito Processual Civil, III, págs. 15 e segs.).
Sustentavam outros que, sendo o crédito do Réu de montante inferior ao do Autor a compensação só podia ser oposta por via da excepção.
Para uma terceira corrente, se a compensação respeitasse a crédito superior ao do Autor (e o Réu pretendesse a condenação na diferença) ou a crédito ilíquido (e o Réu pretendesse que na acção fossem efectuadas as operações de liquidação), ela haveria de ser sempre deduzida em reconvenção, ainda que, naquele último caso, o crédito invocado fosse inferior ao da acção (cfr. P. Lima e A. Varela in "Anotado", 2ª ed., pág. 140).
Não obstante, a posição defendida por Vaz Serra (in R.J.S., Ano 104º/276 e segs. e 110º/254 e segs.), para quem o Réu só deve valer-se da reconvenção quando, sendo o seu crédito de valor superior ao do Autor, ele pretendesse a condenação da contra parte no valor residual emergente: nos demais casos a compensação devia ser oposta por meio da excepção (cfr., no mesmo sentido, Almeida e Costa in "Direito das Obrigações", 8ª ed., pag. 1022 e segs. e Ac. deste S.T.J. de 8/11/01 (Ver. n.º 3327/01), que reflecte a orientação do Ac. do mesmo Tribunal de 2/7/74 (B.M.J. 239/120), tirado por unanimidade em reunião conjunta das Secções Cíveis).
Sufragando esta orientação - e sabido que é abstractamente admissível a dedução de reconvenção em processo laboral no caso de compensação - haveria que averiguar, em casos como o vertente e perante a contestação apresentada, se a Ré pretendia, ou não, através da mesma, a condenação do Autor no valor residual do seu arrogado crédito: em caso afirmativo, o contra crédito deveria ser oposto por via de reconvenção; em caso negativa, deveria sê-lo pela via da excepção.
3.2.3.
E foi deste último modo que a Ré, inequivocamente, procedeu.
Analisando a sua contestação, verifica-se que a Ré invoca ter um crédito sobre o Autor, no montante de 55.063.000$00, decorrente de um comportamento ilícito daquele seu funcionário, que terá negociado contra a Ré, enquanto seu trabalhador, violando os mais elementares deveres de obediência e lealdade.
E, no final do articulado, pede que o Autor seja condenado a indemnizá-la "... na medida e no montante do crédito que lhe venha a ser reconhecido, operando-se a respectiva compensação nos termos sobreditos".
Perante estas "alegações" e "conclusão", é de entender que a Ré não pretendeu obter do Autor qualquer outra vantagem para além da extinção, por compensação dos créditos invocados na P.I..
Mesmo entendendo a Ré - como entende - que o seu crédito é superior ao do Autor, não deixou de clarificar que fazia a declaração compensatória "até ao limite" do seu crédito (art.º 119º da contestação), jamais referenciando que pretendia ainda a condenação do Autor no valor residual ou que, de algum outro modo, formulava um pedido reconvencional.
Na lição da A. Varela, "o pedido reconvencional é autónomo na medida em que transcende a simples improcedência da pretensão do Autor e os corolários dela decorrentes" (in "Manual ...", 1984, pág. 309).
Em face da contestação ajuizada e do respectivo contexto, é manifesto que o pedido deduzido nada mais visa do que pretender ver declarada pelo tribunal a existência de créditos mutuamente exigíveis, enquanto pressuposto necessário à operatividade da compensação, não transcendendo a simples improcedência da pretensão do Autor.
Deste modo, a invocação da compensação no caso vertente não constitui um pedido reconvencional, tal como ele se mostra previsto nos art.ºs 274º e 501º do C.P.C. mas, tão-somente, a mera invocação de um facto extintivo enquadrando-se patentemente, na defesa por excepção peremptória (cfr. art.ºs 487º n.º 2 "in fine" e 493º n.º 3 do C.P.C.).
Não se sufraga, assim, a tese das instâncias no sentido de absolver o Autor de um inexistente pedido reconvencional.
3.2.4.
Corporizando a alegação da compensação uma excepção peremptória, impunha-se à 1ª instância, o dever de a apreciar, aquando da prolação do despacho saneador (mesmo não tendo sido deduzida reconvenção, como não foi).
As instâncias consideraram inatendível a compensação, com o fundamento de que o art.º 850º do Cod. Civil, por contrariar o art.º 38º n.º 1 da L.C.T., não é aplicável à prescrição dos créditos laborais.
Esta questão vem recolocada na revista e também aqui - dizemo-lo já - não acompanhamos as instâncias.
Neste âmbito, decidiu o Acórdão recorrido que a invocação da compensação - mesmo que não configurasse reconvenção mas simples excepção - nunca seria atendível, por virtude da já operada prescrição extintiva do crédito compensatório.
Prescrição - acrescenta - que a própria Ré reconhece, visto que havia já decorrido há quase dois meses, quando a mesma Ré reclamou o seu direito, o prazo de um ano sobre a cessação do contrato individual de trabalho, previsto no art.º 38º n.º 1 da L.C.T..
Considerou ainda a Relação que a excepcional faculdade de compensação de créditos, consentida pelo falado art.º 850º, se baseia na ideia de que o credor, que pode extinguir o seu crédito mediante compensação, tende a demorar a efectivação pontual desse crédito e de que não seria equitativo que ficasse prejudicado por serem desiguais os prazos de prescrição, sustentando que a letra do referido preceito pressupõe claramente essa diferença de prazos prescricionais, sem a qual a sua previsão se tornaria carecida de sentido.
Por isso se conclui também - como já se salientou - que o art.º 850º do C.C. contraria o art.º 38º n.º 1 da L.C.T., à luz do qual inexiste a assinalada diferença de prazos, que é de um ano para o trabalhador e para o empregador e se conta em qualquer dos casos, da mesma data, ou seja, do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Mais ponderou a Relação que o entendimento contrário violaria o princípio da igualdade das partes, tanto quanto é certo que iria conceder ao empregador um direito que seria negado ao trabalhador, sempre que estivessem prescritos os créditos por este reclamados.
Por seu turno, sustenta a recorrente que a prescrição do seu aduzido crédito - efectivamente já verificada quando foi limitada na contestação a declaração de compensação -, não pode, por si só, impedir a compensação: a tal se oporia, segundo diz, o referido art.º 850º.
Vejamos.
3.2.5.
Nos termos do art.º 38º n.º 1 da L.C.T., todos os créditos emergentes de contrato de trabalho, e da sua violação ou cessação, extinguem-se, por prescrição, decorrido que seja um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.
Este preceito estabelece um regime especial de prescrição dos créditos laborais, subtraindo à aplicação geral da lei civil os aspectos específicos que contempla: duração do prazo e fixação do seu " dies a quo".
Quanto ao mais não especialmente previsto, deverá continuar a ser coligível o regime geral da prescrição, assim como deverá ser articulados os outros institutos que pressuponham a verificação da prescrição e não contendam com as especificidades do enunciado regime da L.C.T..
Neste sentido se têm orientado a doutrina e a jurisprudência, para quem importa avocar o regime substantivo da lei civil em tudo o que, relativamente à prescrição dos créditos laborais, não venha contemplado na lei especial.
A nosso ver, é justamente o que sucede com o princípio expresso no mencionado art.º 850º, segundo o qual o crédito prescrito "... não impede a compensação se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis".
Na verdade, a aplicação do comando assim enunciado, na medida em que defende de uma prévia verificação da prescrição do crédito, ou seja, de uma prévia constatação do preenchimento dos pressupostos elencados no art.º 38º da L.C.T., sempre que estejam em causa créditos laborais, pressupõe a óbvia e necessária apreciação desta norma: deste modo, e sem mais, não pode contender com o seu âmbito de especialidade.
Ademais, não vemos por que motivo a possibilidade de compensação de créditos prescritos, consentida pelo art.º 850º, deva restringir-se aos casos em que os prazos de prescrição são desiguais: ao invés do que se afirma no acórdão sindicando, nem a letra do preceito pressupôs claramente essa diferença de prazos prescricionais, nem a sua previsão se torna desprovida de sentido quando os referidos prazos são idênticos.
A letra do preceito, desde logo, nada adianta sobre a questão, uma vez que não alude à dimensão dos prazos e apenas se reporta à "... data em que os créditos se tornaram compensáveis" estabelecendo, como condição para a operatividade da compensação, que a prescrição não pudesse ser então invocada.
É nesta data que têm de se verificar os requisitos da compensação e, em consonância, é desde essa data que os créditos se consideram extintos, tal como decorre do art.º 854º do C.C. - que estabelece a responsabilidade da compensação - não se exigindo a diversidade dos prazos prescricionais.
Como assinalam P. Lima e A. Varela (in ob. cit., pág.123), a norma do art.º 850º: "... é uma consequência da retroactividade da compensação prescrita no art.º 854º".
Assim, só nos casos em que o prazo da prescrição já se havia completado no momento em que se verificaram os demais requisitos da compensação e os créditos se tornaram consequentemente compensáveis, é que a prescrição pode impedir a extinção da dívida por compensação: é a esse momento, e a nenhum outro eventualmente posterior, que deve reportar-se a averiguação sobre a prescrição que, sendo posterior, se revela de todo inoperante para impedir a compensação como o art.º 850º meridianamente assume e declara.
Por outro lado, tanto se revela equitativo tutelar o interesse do credor que pode extinguir o seu crédito mediante compensação e que tende, confiado na possibilidade de a realizar, a demorar a efectivação pontual desse crédito, no caso de ser o prazo da prescrição respectivo inferior ao do contracrédito, como no caso de ele ser igual (maxime se os créditos se fazem valer em juízo, caso em que o crédito do réu, a invocar na contestação, estará necessariamente prescrito quando a acção for intentada no limite do prazo prescricional, como é usual nas acções emergentes do contrato individual de trabalho) ou até superior.
Finalmente - e como bem refere a recorrente - não se vislumbra como a aplicação da compensabilidade dos créditos prescritos pode "... ir contra o princípio da igualdade das partes", uma vez que a invocação da compensação, por via do art.º 850º, tanto pode ser efectuado pelo empregador como pelo trabalhador, beneficiando ambos de tratamento similar, em consonância com o princípio do tratamento uniforme emergente do falado art.º 38º da L.C.T.. Se nenhum dos créditos estava prescrito no momento em que se tornaram compensáveis, a verificação da prescrição antes de ser emitida a declaração compensatória impede que a compensação opere, conforme flui do art.º 850º, uma vez que a declaração - seja do trabalhador, seja do empregador - tem efeitos retroactivos, pretendendo o legislador que o Réu não seja penalizado por eventual inércia na propositura de acção para reclamar o seu crédito.
É que a declaração compensatória - já o sabemos - retroage os seus efeitos à data em que os créditos se tornaram compensáveis (art.º 854) e, uma vez feita, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.
Somos a concluir que procede a tese da recorrente, quer quanto à qualificação da sua defesa - por excepção -, quer quanto à invocabilidade do comando emergente do falado art.º 850º.
3.2.6.
As partes convergem no que respeita à prescrição do crédito aduzido pela Ré.
E, com efeito, tal prescrição parece evidente.
Estamos perante um crédito indemnizatório resultante de uma actuação do Autor, alegadamente violadora dos seus deveres de obediência e lealdade ao intervir, como trabalhador da Ré, nas negociações inseridas na renovação de um contrato de "CC ".
Segundo a Ré, o Autor não cumpriu a obrigação de negociar com todo o seu empenho e dedicação, por forma a tentar evitar a perda do contrato, sendo que esse comportamento provocou um dano no valor médio de 55.063.000$00.
Como se vê, tratar-se de um crédito directamente decorrente das relações essenciais de trabalho, relativamente ao qual se não coloca a hipótese de estar sujeito a prazo prescricional diverso (mais longo) do que o previsto no art.º 38º - n.º 1 da L.C.T..
Consequentemente, torna-se líquido que o assinalado crédito se encontrava prescrito quando se efectuou a declaração compensatória (visto que a mesma foi corporizada na contestação, apresentada em 16/4/99 e notificada ao Autor por carta remetida em 20/4/99 - fls. 42 e 67), certo que já decorrera entretanto o prazo de um ano sobre a cessação do contrato de trabalho (que se verificou em 27/2/98).
Admitindo-se que se consumou entretanto a prescrição extintiva do crédito invocado pela Ré, mas admitindo também, que essa prescrição não obsta a atendibilidade da compensação, face ao comando do art.º 850º, haverá que apreciar, naturalmente, o mérito dessa aduzida excepção peremptória.
Porém, como a operatividade da compensação defende, necessariamente, do reconhecimento judicial dos créditos a compensar, haverá que apreciar, de seguida, os pressupostos dos direitos indemnizatórios invocados pelo Autor, que o Acórdão reconheceu mas que a recorrente questiona na presente revista.
3.3.1.
Neste âmbito, caberá averiguar se a rescisão contratual operada pelo Autor se fundou, ou não, em justa causa.
A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o período de aviso prévio previsto no art.º 38º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo D.L. n.º 64-A/89, de 27/2 (L.C.C.T.) em situações que considera de todo normais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio.
Segundo o art.º 35º n.º 1 desse diploma, constituem justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador os seguintes comportamentos da entidade empregadora:
Al. F) "ofensas à (...) honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei praticadas pela entidade empregadora ou seus representantes legítimos".
Para que exista "justa causa" - que, nos termos expressos dos art.ºs 34º e 35º do D.L. n.º 64-A/89, condiciona o direito do trabalhador a rescindir o contrato - ao invés do que sucedia na vigência do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, aprovado pelo D.L. n.º 372-A/75, que não continha qualquer referência explícita à "justa causa", é ainda necessário que aquele comportamento do empregador se configure de tal modo grave que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, que o contrato pressupõe.
Lança-se, assim, mão do conceito de "justa causa" consagrado pelo art.º 9º do D.L. n.º 64-A/89, como já era entendimento generalizado na vigência da anterior "Lei dos Despedimentos", considerando-se, embora a lei não o explicitasse, que se achava subjacente ao conceito geral de "justa causa" a ideia de "inexigibilidade", que igualmente enforma a noção de "justa causa disciplinar consagrada no domínio da faculdade de ruptura unilateral por banda da entidade patronal.
Nos precisos termos daquele art.º 35º (n.º 4), do trabalhador, constituída por algum dos comportamentos enumerados nas várias alíneas do seu n.º 1, tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do art.º 12º n.º 5 do mesmo diploma, com as necessárias adaptações.
Para apreciação da "justa causa" deve, assim, o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes, verificando-se, em face delas, se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho.
3.3.2.
Retornando ao concreto dos autos, avaliemos agora se o comportamento imputado à Ré, ao dirigir aos seus clientes a circular incerta a fls.28, integra uma ofensa culposa e punida por lei à honra e dignidade do Autor e se, em caso, afirmativa, a mesma íntegra "justa causa" para a rescisão contratual, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção do vínculo laboral.
A dita circular foi dirigida em 18/2/98 pela administração da Ré a vários dos seus clientes o tem o seguinte teor:
"Vimos pela presente comunicar que o Sr. AA e o C.te DD apresentaram o pedido de demissão, existindo fortes suspeitas de que tal demissão, se relaciona com o envolvimento e o favorecimento de um concorrente da Empresa-A por parte dos dois colaboradores.
A Empresa-A não aceitou a saída imediata por eles solicitada, desde logo por pretender apurar as referidas suspeitas, estando neste momento em curso o respectivo processo disciplinar e em estudo a possibilidade de se actuar criminalmente.
Vimos por este meio alertar-vos para a possibilidade de tais trabalhadores visem a estabelecer contactos convosco em nome de interesses alheios ao Empresa-A, caso em que, perante um tal comportamento eticamente reprovável, solicitamos nos informem de imediato.
A Empresa-A tem vindo a contactar os seus clientes, evidenciando que a Empresa, dentro do Grupo SAREC, reforçou a sua organização e eficiência, dispondo de projectos fortes nas concessões que se aproximam, mantendo-se, como sempre esteve, à total disposição dos clientes.
Toda a equipa, que se mantém coesa e unida, não pode deixar de lamentar as indiciadas condições pouco éticas em que se terá verificado o pedido de demissão dos dois elementos da área comercial, que, a confirmarem-se, pouco abonarão a imagem de cada um destes".
Tal como fez o Acórdão recorrido, também consideramos que a Ré, ao comunicar aos seus clientes, mesmo sob a forma de suspeita, que o Autor se envolvera com um concorrente da Ré, sua empregadora, e a favorecera no contexto de negociações com o relevo que tinham as que decorriam com a "joint venture", imputou àquele um facto muito grave, claramente ofensivo da sua honra, consideração e dignidade profissional, tendo designadamente em conta o concreto posicionamento do Autor no contexto da empresa e o inerente nível de relações que, necessariamente e até então mantinha com os clientes a quem foi dirigida a Circular.
É manifestamente grave e desprestigiante imputar tal deslealdade a alguém que exerce funções de director-geral de uma empresa - e que também já fora titular de cargas no respectivo Conselho de Administração - manchando necessariamente a sua honra e consideração, no fundo a sua imagem, perante os referenciados clientes.
A conduta da Ré, integra, pois, objectivamente, um crime de difamação - art.º 180º C. Penal.
Invoca a recorrente que não ficou demonstrada a sua culpa e que havia fundamento sério para imputar ao recorrido, sob forma de suspeita, o favorecimento de um concorrente seu.
Mas sem razão.
Desde logo, uma vez que a Ré violou um dever contratual específico, ao divulgar pelos seus clientes, a dita circular (o dever do respeito pelo trabalhador, previsto no art.º 19º al. A) da L.C.T.), a sua conduta presume-se culposa, nos termos do art.º 799º do Cod. Civil.
Por outro lado, apesar de alegados, não ficaram provados quaisquer factos que permitissem à recorrente reputar como verdadeira a avançada suspeita, designadamente que o Autor não tivesse acatado ordens da Ré na reunião de 22 de Janeiro com a "joint venture", que tivesse omitido informações relevantes ou que a sua conduta tivesse de algum modo, impedido a renovação do contrato, tudo com o propósito de favorecer um concorrente da Ré.
Ao invés, de harmonia com a factualidade dada como apurada o Autor seguiu estritamente as ordens da Administração da Ré para flexibilizar os preços até 1%, tendo contactado a Ré, no decurso das negociações, como lhe fora determinado, recebendo então novas instruções para cima flexibilizando adicionar - limite de 0,5%, instruções que o Autor acatou, oferecendo aos responsáveis da joint venture uma redução de 1,5% nos preços.
Também ficou provado que a recorrente já recebera, em 7 de Janeiro, uma comunicação da joint venture, em que esta ponderava considerar a proposta que recebera de um concorrente, o que a deveria ter feito antever negociações difíceis e, mesmo, hipotisar a não renovação do contrato.
Mais se apurou que a Ré estava ciente de que perderia dinheiro nesse ano se aceitasse uma redução dos preços superior a 1,5%, tendo reconhecido, na comunicação documentada a fls. 126, que nas negociações havidas pois até "ao limite" que podia ir, "... garantindo o nível de seriedade e estabilidade do serviço minimamente exigível", o que denota ter a recorrente admitido que o pacote negocial se deverá à sua administração e não ao Autor.
Como bem notou o tribunal "a quo", acresce que a Ré utilizou, um meio (por escrito e através de circular) que facilitou a divulgação da comunicação junto dos seus clientes, além de que conferiu um maior impacto à referida imputação ao afirmar que estava em curso um processo disciplinar (que pressupõe a prática de um ilícito disciplinar bem definido e enquadrado, o conhecimento do seu autor e das circunstâncias em que o ilícito foi praticado) e em estudo a possibilidade de se actuar criminalmente, sendo certo que nada nos autos indicia a adopção de qualquer uma dessas medidas.
Assim, além de ter violado o dever de respeito que é devido ao trabalhador, a recorrente, através dos seus representantes legítimos, praticou uma grave ofensa à honra, consideração e dignidade profissional do Autor, punida pela lei penal, o que integra, patentemente, a "factispecie" da al. F) do n.º 1 do art.º 35º da L.C.C.T..
Finalmente, é de entender que esta ofensa, atento o contexto em que se desenvolvia o vínculo laboral entre as partes e as circunstâncias do caso, pôs em causa, de forma irremediável, a própria continuidade da relação laboral.
Com efeito o recorrido exercia as funções de Director-Geral e trabalhava directamente com a Administração da recorrente - de que já fizera parte - pelo que a respectiva relação contratual, para se manter firme, exigia um clima óbvio de respeito e de confiança mútua.
Ora, sucede que a ofensa foi grave e dirigiu-se ao âmago das relações contratuais duradouras que vigoravam entre as partes, bem se percebendo que o Autor se tenha sentido ofendido na sua dignidade e que tenha considerado definitivamente destruído o clima de respeito e confiança mútua que suportavam a relação contratual.
Aliás, a própria Ré já abalara, de algum modo, aquele clima de confiança quando, em 29 de Janeiro, o seu administrador delegado informara outros quadros da empresa que decidira afastar o autor das suas funções na direcção das operações portuárias, o que chegou ao conhecimento do Autor, levando-o a que deixasse de comparecer ao serviço, invocando o direito a gozo de férias.
Mais prudente seria, porventura, que as partes tivessem então rescindido amigavelmente o vínculo laboral, como o Autor propôs.
Mas isso não sucedeu.
E, num contexto já fortemente fragilizador não deve surpreender que a ofensa, corporizada na dita circular, tivesse vindo definitivamente destruir a base de confiança do contrato, tornando inetigível ao Autor, a partir de então, a manutenção do vínculo laboral, justificando-se que o rescindisse com efeitos imediatos, como veio a suceder, através da missiva de 27 de Fevereiro.
Nesta vertente, improcede, destarte, a tese da recorrente.
3.4.1.
Pretende a recorrente que a operatividade jurídica da rescisão operada em 25 de Fevereiro de 1998, mesmo a admitir-se a validade dos argumentos aí aduzidos, deve reconduzir-se apenas à desobrigação do cumprimento do prazo de aviso prévio então em curso, não conferindo jamais ao Autor o direito à indemnização de antiguidade previsto no art.º 36º da L.C.C.T..
Adianta, neste sentido, dois argumentos: por um lado, a relação laboral já se encontrava marcada no caso, por um "carisma indelével" que era a certeza do seu termo; por outro, assinalada indemnização visa tutelar situações de desemprego voluntário forçado e já não aquelas em que o trabalhador haja já rescindido, de forma livre e não condicionada, a relação laboral e em que esteja apenas a decorrer um prazo que visa, sobretudo, proteger interesses da entidade patronal.
Se recordarmos a factualidade atendível, logo se percebe a tese da recorrente.
Essa factualidade evidencia:
- que o Autor, por carta de 5/2/98 (junta a fls. 26) comunicou à Ré que, pelas razões nela enunciadas, rescindia o contrato de trabalho que o vinculava à empresa e que essa rescisão produziria efeitos dentro de 30 dias;
- posteriormente, em 25/2/98, no decurso, portanto, do prazo do aviso prévio, o Autor rescindir o contrato com invocação de justa causa, ao tomar conhecimento do conteúdo da circular divulgada pela Ré.
Desde já se adianta que não subscrevemos a tese da recorrente.
Conforme se infere dos art.ºs 38º e 39º da L.C.C.T., a apresentação da declaração de rescisão contratual com aviso prévio só produz efeitos no final do prazo respectivo, podendo o signatário revogar a declaração de rescisão até ao 2º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos.
Esta realidade infirma só por si, a conclusão, aqui avançada pela recorrente, de que o contrato estava "indelevelmente marcado pelo carisma da certeza do seu termo".
É que a relação laboral mantém-se em vigor, na pendência do aviso prévio, com todos os direitos e obrigações das partes.
Segundo Monteiro Fernandes (in "ob. cit", pág. 584), o aviso prévio constitui uma "... comunicação antecepitada, em termos inequívocos, do propósito de desvinculação em certa data", sendo o prazo respectivo "... um período em que a relação de trabalho se mantém de pé, agora como que sujeita a termo resolutivo, permanecendo, por conseguinte, de modo integral, os direitos e obrigações recíprocos das partes".
E prossegue: "... significa isto, tacitamente, que o desenvolvimento das relações contratuais pode no decurso de tal lapso de tempo, gerar situações novas e anómalas que (porventura) confirmam qualquer das partes justa causa para romper antecipadamente o vínculo".
Correspondendo justamente esta hipótese ao concreto dos autos, não vislumbramos qualquer válida razão para que deixem de ser reconhecidos aos trabalhadores os direitos decorrentes da rescisão com justa causa, v.g. o direito à indemnização prevista no falado, art.º 36º.
Mas há mais.
Cotejando os art.ºs 35º e 36º, verifica-se que a indemnização em apreço apenas é devida nos casos em que a rescisão por justa causa assenta numa conduta ilícita e culposa do empregador (justa causa subjectiva prevista no n.º 1 do art.º 35º), já não o sendo quando ela se acoberta em comportamentos não culposos ou em factos que radicam na órbita de risco do próprio trabalhador (justa causa objectiva prevista no n.º 2 do art.º 35º), muito embora o trabalhador seja colocado, em qualquer das hipóteses, na incontornável necessidade de fazer cessar o contrato consta o que seria a sua vontade.
É dizer que a indemnização apenas se justifica nos casos em que a rescisão contratual se funda num facto culposo e ilícito da entidade empregadora, que torna inetigível a subsistência da relação contratual, surgindo com uma função simultaneamente preventiva e punitiva, em nada se confundindo com a necessidade de tutelar situações de desemprego voluntário forçado, como pretende a recorrente.
Nas situações em que a rescisão se funda num facto culposo da entidade empregadora, a indemnização surge com uma configuração semelhante à indemnização devida por despedimento ilícito (sendo calculada aliás em termos idênticos - art.º 13º da L.C.C.T.), tornando-se patente a sua vertente sancionatória.
Assim, desde que se verifique, "justa causa" para a rescisão imediata do contrato, nos termos do art.º 35º n.º 1 da L.C.C.T., como aqui ocorre, é de reconhecer ao trabalhador o direito à indemnização prevista no art.º 36º do mesmo diploma para os casos de "rescisão do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º 1 do artigo anterior".
3.4.2
Aqui chegados, coloca-se a questão da "antiguidade" do autor, que a recorrente volta a repristinar na presente revista e que tem evidentes reflexos no cômputo da indemnização devida.
Sustenta a recorrente que a antiguidade deve remontar a 13/11/97, enquanto as instâncias consideraram, com a anuência do Autor, que ela deve reportar-se a 1/12/86.
A divergência assinalada entronca na qualificação dos contratos que, sucessivamente, vincularam as partes, ao longo do respectivo vínculo.
Na parte útil, releva, essencialmente, a seguinte factualidade:
- o A., a partir de 1/12/86, exerceu ao serviço da Ré pelo menos, funções de consultoria e de assistência jurídica e arremessava a administração em questões operacionais, representando a R. em reuniões e conduzindo negociações de diversos contratos;
- desde tal data, e no exercício dessas funções, recebia ordens e instruções directas da R., através do seu administrador - delegado, recebendo também, pontualmente ordens dos restantes administradores executivos da A.;
- participava em reuniões da R., dela recebendo directivas;
- em 1995 e 1996, foi o responsável efectivo e operacional da divisão de carga aérea ao serviço da R., sendo-lhe, ainda cometidas responsabilidades na aérea das operações portuárias, que estava cometida à "Empresa-B", empresa detida pela R.;
- o A. tinha o seu local de trabalho nas instalações da R., onde dispunha de um gabinete pessoal e onde permanecia diariamente desde cerca das 10h30 até depois das 17h30;
- o A. era coadjuvado por uma secretária, empregada da R; a qual apenas, secretariava o A. e o assessor das relações públicas da R; passando, após a saída deste, a secretariar em exclusivo o A; instalada no gabinete deste;
- nos documentos internos da Secção de recursos humanos da R; o A. figurava entre os seus trabalhadores, com antiguidade reportada a 1/12/86.
Resulta ainda provado que o A. sempre auferia uma retribuição calculada em função do tempo de trabalho e não em função dos respectivos resultados, tinha um período de ocupação diária de sete horas de trabalho por cada dia útil, contratualmente estabelecido, recebia mensalmente uma quantia fixa de 15.000$00 a título de subsídio de transporte em automóvel próprio, passando a dispor, a partir de 1992, de um carro distribuído pela R. para seu uso pessoal, e recebia anualmente, a partir de 1988, 14 meses de retribuição, ou seja, tinha, como a generalidade dos trabalhadores subordinados, férias pagas e auferia subsídio de férias de Natal.
3.4.3
Conforme vem constituindo jurisprudência uniforme deste S.T.J., o que verdadeiramente distingue o contrato individual de trabalho do contrato de prestação de serviços é a subordinação jurídica - que só no primeiro existe - e que decorre do poder de direcção conferido pela lei à entidade empregadora - art.º 39º nº1 da L.C.T. - a que corresponde um dever de obediência por parte do empregado - art.º 20º n.º 1 al. c) do mesmo diploma.
Embora a almejada qualificação contratual decorra, necessariamente, de diversos indícios coligíveis para esse efeito, a verdade é que tais indícios deverão sempre, em análise global, reconduzir-se ao único critério claramente diferenciador e verdadeiramente típico do contrato de trabalho qual seja a subordinação jurídica pressuposta no art.º 1º da L.C.T..
Compaginando estes princípios com a factualidade dada como provada, não temos dúvidas em concluir, como as instâncias, que a relação contratual, aprazada entre as partes configurou, desde 1 de Dezembro de 1986, uma relação de trabalho subordinado, tal como esta se achava definida naquele último preceito citado.
Ainda que a actividade de consultoria e assistência jurídica se desenrole, muitas vezes, no âmbito de uma prestação de serviços, a verdade é que também pode ser prestada no âmbito de um contrato de trabalho e, no caso dos autos, ficou provado que o A., desde 1/12/86, recebia ordens, instruções directas e directivas da R., no exercício das suas funções.
Ademais, o A. desempenhava outras funções dentro do mesmo condicionalismo directivo, que implicavam a sua integração na estrutura organizacional da empresa, ocorrendo da dita factualidade, com bastante clareza, indícios de que a globalidade da actividade desenvolvida pelo A. em benefício da recorrente foi sempre prestada de forma juridicamente subordinada.
Assim, a circunstância de o A. percepcionar, desde o início, uma remuneração fixa, ulteriormente acrescida de remunerações (em dinheiro ou em espécie) geralmente associadas ao contrato de trabalho, constitui um índice relevantíssimo de que a R. retribuía essencialmente a disponibilidade do A. para o exercício da sua actividade - como é típico da "locatio operarum" - e não, "tout court", o resultado do seu trabalho - como sucede na "locatio operis" -.
O pagamento dos subsídios de férias e de Natal - também eles típicos de uma relação laboral, que a lei coercivamente impõe - demonstra que as partes perspectivaram o respectivo vínculo como um contrato de trabalho.
Finalmente, parece óbvia a integração do A. na organização empresarial da recorrente, de cuja estrutura e meios - que lhe eram disponibilizados - se servia para o exercício das suas funções, devendo aqui destacar que trabalhava nas instalações da Ré, em gabinete próprio e com secretária pessoal, também ela pecuniária da R..
Em contrário, invoca a recorrente que não ficou demonstrada a vinculação do recorrido a horário de trabalho que lhe tivesse sido imposto, que não pode presumir-se ter o local de trabalho sido definido pela recorrente, que a modalidade de retribuição e a propriedade dos instrumentos de trabalho não podem constituir índices decisivos e, enfim, que também irreleva o recebimento de ordens e de instruções directas da Ré, pois não está demonstrado que a recorrente conformasse, com elas, a prestação do Autor.
Também se aduz, no mesmo sentido, que o Tribunal ignorou a vontade das partes ao celebrarem "Contratos de prestação de serviços", sendo certo que o Autor é advogado.
Na óptica da recorrente, a relação recíproca só passou a constituir contrato de trabalho a partir de 13 de Novembro de 1997, data à qual se deve consequentemente reportar a "antiguidade" do Autor.
Parece evidente a falibilidade dos argumentos coligidos.
Desde logo, a perspectiva da Ré, no que concerne à pretensa mudança da qualificação contratual, não se coaduna com aquela que consta dos documentos internos da sua secção de recursos humanos, onde o Autor figurava entre os seus trabalhadores, com antiguidade reportada a 1/12/86.
Por outro lado, o poder de direcção do empregador não fica minimamente fragilizado se o horário e o local de trabalho resultarem de consenso e não forem impostos.
Também irrelevam a categoria profissional do Autor e a designação contratual atribuída pelas partes, não só porque a factualidade compilada, relativa ao condicionalismo em que se desenvolveu a actividade do Autor, infirma o que tal "nomen juris" poderia indicar, mas também - e sobretudo - por estar expressamente provado que aquela designação foi exclusivamente adoptada por razões de conveniência fiscal, o que logo exclui uma interpretação da vontade das partes no sentido de aquelas pretenderem o estabelecimento de uma relação de trabalho independente.
Aliás, deve notar-se - como também faz o Acórdão recorrido - que a própria Ré, ao comunicar ao Autor que o aviso prévio atendível era de 60 dias e não de 30 (cfr. carta enviada a 12/2/98 e junta a fls. 27), está inequivocamente a reconhecer que a relação de trabalho existente entre ambos era muito anterior a 13 de Novembro de 1997.
Se a factualidade provada não consente dúvidas quanto à localização temporal dos factos necessários à caracterização da relação contratual e os faz remontar a Dezembro de 1986, nada justifica que se localize a relação laboral apenas em 1997.
De resto, a única especificidade verificada a partir de 13/11/97 consistiu em ter o Autor passado a desempenhar para a Ré as funções de director-geral - na sequência da extinção da "Empresa-A - Operações Portuárias S.A.", incorporada por fusão na Ré - sendo certo que já antes dessa fusão (em 1995 e 1996) o Autor tivera, responsabilidades naquela área das operações portuárias, que estava cometida àquela mesma empresa, então detida pela Ré.
É dizer, em suma, que as partes estiveram vinculadas, desde 1/12/86, por um contrato de trabalho.
No período entre 2/2/90 e 24/7/95 o Autor exerceu o cargo de vogal do Conselho de Administração da Ré, pelo que, nos termos do art.º 398º n.º 2 do Cod. Soc. Comerciais, o contrato esteve entretanto suspenso.
Em conclusão:
O contrato de trabalho dos autos esteve em vigor, pelo menos, desde 1 de Dezembro de 1986 até 2 de Fevereiro de 1990, data em que se suspendeu nos sobreditos termos, retomando a sua vigência com a cessação do mandato em 24 de Julho de 1995, vindo a cessar em 27 de Fevereiro de 1998, data em que a recorrente recebeu a comunicação de rescisão imediata do contrato, que lhe foi remetida pelo Autor.
Nos termos do art.º 2º n.º 2 do D.L. n.º 398/83, de 2/11, o tempo de suspensão do contrato de trabalho "... Conta-se para efeitos de antiguidade".
Como assim, o montante da indemnização devido deve ser calculado com base na antiguidade correspondente à vigência do contrato sem intercorrências, ou seja, desde 1/12/86 até à data da rescisão (cfr. art.º 13º n.º 3 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Foi o que fizeram - e bem - as instâncias.
3.5.
Uma vez reconhecida a existência dos créditos do Autor e concretizada a respectiva dimensão, estamos agora em condições de apreciar o mérito da excepção peremptória da compensação dos créditos invocada pela recorrente, cuja apreciação não foi feita pelas instâncias por, indevidamente, terem absolvido o Autor de um inexistente pedido reconvencional e terem considerado inaplicável ao caso a regra da compensabilidade dos créditos prescritos.
Trata-se de uma questão cujo conhecimento foi tido por prejudicado nas instâncias.
Por via do preceituado nos art.ºs 715º n.º 2 e 726º do C.P.C., cabe ao S.T.J. proceder agora à apreciação do mérito daquela excepção.
E, para o efeito, torna-se desnecessário ordenar a ampliação da matéria de facto, uma vez que o despacho de condenação integrou (sendo posteriormente submetidos à instrução) os factos pertinentes, já que os mesmos revelavam igualmente para efeitos de se ajuizar sobre a existência ou inexistência da justa causa para a rescisão contratual.
Sucede que, à luz da factualidade provada, a assinalada excepção terá de ser necessariamente julgada improcedente.
Com efeito, essa factualidade de modo algum permite afirmar que a Ré tem um crédito sobre o Autor, no valor de 55.063.000$00, decorrente de comportamento ilícito deste, por pretensa violação das obrigações a que o mesmo se encontrava sujeito, por força do contrato de trabalho, negociando contra os interesses da Ré e violando, desse modo, os mais elementares deveres de obediência e lealdade.
Pretende a Ré que esse invocado comportamento ilícito lhe provocou o falado prejuízo.
Porém, a prova alcançada evidencia que o administrador delegado da Ré determinou ao Autor que não oferecesse mais de 0,5% de redução nos preços, para além da redução de 1% que já havia sido concedida, estando ambos cientes que uma redução superior faria com que a Ré nesse ano, perdesse dinheiro com o contrato (cfr. respostas aos quesitos 45º e 46º).
Sendo assim, o Autor mais não podia fazer do que oferecer a redução aprazada, o que a "joint-venture" não aceitou (cfr. resposta ao quesito 47º).
Tendo o Autor flexibilizado o preço até ao limite que lhe foi imposto e não tendo o seu interlocutor negocial aceitado a proposta, está bom de ver, por inevitável, que o contrato não seria renovado, como não foi.
Neste contexto, de modo algum se poderá imputar ao Autor, quer o incumprimento de obrigações laborais, quer a responsabilidade por eventuais prejuízos que para a Ré tenham advindo do rompimento negocial.
Aliás, a existência dos próprios prejuízos também quedou indemonstrada.
Para além de não se terem provado quais as receitas que o contrato com a "joint venture" proporcionou à Ré nos anos de 1993 a 1997 - o que era indispensável para a afirmação dos alegados danos (cfr. respostas aos quesitos 39º a 43º), a verdade é que ficou expressamente provado que a Ré perderia dinheiro com uma redução de preços superior a 1,5%: por isso, ainda que se apurassem as receitas dos anos transactos, seria impossível confirmar que as receitas, atinentes ao período da frustrada renovação, seriam idênticas às daqueles anos.
Em suma:
inexistindo crédito da Ré, a compensar com os créditos reconhecidos ao Autor - o de 3.000.000$00 reconhecido, com trânsito, na 1ª instância, e o crédito indemnizatório ora confirmado na presente revista - falha um dos pressupostos essenciais da compensação previsto no art.º 847º do Cód. Civil: a existência de um direito de crédito na titularidade do compensante.
E, desse modo, claudica necessariamente a pretensão compensatória reclamada pela Ré-recorrente.
4. DECISÃO
Em face do exposto - e ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes - acordam em negar a revista, confirmando o Acórdão impugnado.
Custas pela recorrente, revogando-se, simultaneamente, a condenação em custas que as instâncias operaram pelo inexistente pedido reconvencional.
Lisboa, 24 de Maio de 2006
Sousa Grandão
Fernandes Cadilha
Mário Pereira