Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1048/03.9TBVIS.C1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CONSUMIDOR
DENÚNCIA
PRAZO DE CADUCIDADE
CONTAGEM DOS PRAZOS
SUSPENSÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática: DIREITO CIVIL - CONTRATOS
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 12.º, 331.º, N.º 2, 342.º, N.º1, 343.º, N.º 2, N.º 1, 879.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 660.º, N.º 2.
LEI N.º 24/96, DE 31 DE JULHO – LEI DA DEFESA DO CONSUMIDOR (LDC): - ARTIGOS 2.º, N.º 1, 4.º, N.ºS 2, 3 E 4, 12.º, N.ºS 1 E 3.
Sumário : I. O alargamento dos prazos relativos à venda de bens de consumo, operado pelo art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8-4-2003, só se aplica para o futuro, mantendo-se para as vendas de pretérito os prazos contemplados nos art.ºs 4.º e 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – Lei da Defesa do Consumidor (LDC).
II. Preenche o conceito de consumidor o adquirente de uma viatura automóvel destinada a uso não profissional, se o respectivo fornecedor exercer com carácter profissional a correspondente actividade económica (cfr. o n.º 1 do art.º 2.º da LDC).
III. Salvo o estabelecimento de prazos mais favoráveis por convenção das partes ou pelos usos, o fornecedor de bens móveis não consumíveis estava obrigado a garantir o seu bom estado e o seu bom funcionamento por período nunca inferior a um ano» (art.º 4.º, n.º 2, da LDC)
IV. O consumidor a quem fosse fornecido o veículo com defeito (salvos previa informação e esclarecimento antes da celebração do contrato), poderia exigir, «independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou resolução do contrato». (art.º 12.º, n.º 1, da LDC). Para tanto, deveria «denunciar o defeito no prazo de 30 dias» e dentro do prazo de um ano após o seu conhecimento (princípio da correspondência entre o prazo de mínimo de garantia e o período para o exercício do direito de acção - n.ºs 2 e 3 do art.º 4.º dessa Lei).
V. Tais direitos caducavam se o consumidor não houvesse feito a denunciam dentro do prazo de 30 dias, ou decorridos sobre esta seis meses, não se contando para o efeito o tempo o tempo despendido com as operações de reparação» (sic) - n.º 3 do art.º 12.º da LDC – recaindo sobre o fornecedor demandado o ónus da prova do decurso desse prazo (art.º 343.º, n.º 2, do CC).
VI. O prazo de garantia «suspende-se durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação resultantes de defeitos originários» (cfr. o n.º 4, do citado art.º 4.º).
VII Defeitos originários, são os coevos (já existentes à) da data do respectivo fornecimento pelo produtor ou fornecedor.
VIII. O prazo de garantia só opera entre o vendedor e o comprador originários, não sendo criada por uma subsequente transmissão uma nova relação garantística entre o fornecedor inicial e o novo e 2.º adquirente, que permita a este vindicar um novo prazo para o exercício dos direitos de potestativos pela lei conferidos ao 1.º adquirente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA demandou na comarca de Viseu, com data de 3 de Março de 2003, BB-G...-COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS SA, alegando resumidamente o seguinte:
- sua mãe adquiriu à R. (concessionária da marca Volkswagen), em 12-5-2000, a viatura Volkswagen Golf TDI, de matrícula ...-...-PO, sendo que posteriormente a transmitiu a ele A., o qual a registou em seu nome em 2-7-2001;
- desde Fevereiro de 2001 que a referida viatura, na sequência de um acidente, seguido de incêndio (ocorrido em 22-2-2001), sofreu uma série de avarias cuja reparação a R. foi assumindo (o que determinou ao A. sucessivos períodos de privação da mesma), embora sem lograr repará-las devidamente, causando esta situação sucessivos e inúmeros incómodos ao A., para além da desvalorização da viatura e da perda de confiança no bom funcionamento da mesma.
Formula, a final, os seguintes pedidos referidos à R. BB-G...:
- substituir o automóvel referido por um novo das mesmas características; ou, subsidiariamente,
- pagar ao A. a quantia devida pela ocorrida desvalorização da viatura, a liquidar ulteriormente; e, em todo o caso,
- pagar ao A. a quantia de €29.100,00, a título de danos não patrimoniais.
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2. Na sua contestação, deduziu a Ré, ora recorrida, a excepção peremptória de caducidade do direito de acção para exercitação (pelo autor ora recorrente) dos eventuais direitos inerentes à aventada venda de bem defeituoso.
Desde logo e premonitoriamente, alegando haver procedido às reparações da mesma por mera “cortesia comercial”, sem se assumir como responsável pelos alegados vícios da coisa, tendo procedido à sua total reparação (com substituição das peças necessárias), sem qualquer custo para o A. e colocando a viatura em condições de utilização.
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3. Por sentença de 3-12-2008, o Mmo Juiz do Círculo Judicial de Viseu:
- julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela R.,
- julgou a acção parcialmente procedente, condenando, inter alia, a R. BB-G... a pagar ao A. a quantia (que se viesse a apurar-se em liquidação ulterior), referente à desvalorização sofrida pelo veículo em resultado das reparações sofridas constantes das alíneas S), V), W), BB) a DD) dos factos assentes”, bem como a quantia de €3.000,00 a título de danos patrimoniais”;
- julgou, no mais, a acção improcedente, designadamente quanto ao pedido de compensação por danos não patrimoniais.
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4. Inconformados com essa decisão, dela vieram ambas as partes apelar, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 2-2-2010, invertendo o sentido decisório da sentença quanto à deduzida excepção peremptória de caducidade do direito de acção (que julgou procedente), julgou improcedente a apelação do A. e procedente a apelação da R., revogando, em consequência, a sentença recorrida, e absolvendo a R. do pedido.
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5. De novo irresignado, desta feita com tal aresto, dele veio o A. recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou 37 conclusões que passam a transcrever-se se por forma abreviada na parte relevante:
1.ª- Até por referência ao aduzido no douto acórdão recorrido no ponto 2.2 (b) da Fundamentação crê o recorrente que houve contradição e lapso evidente entre esta (fundamentação) e a decisão de procedência da excepção de caducidade da acção.
2.ª- Com efeito, no segundo parágrafo deste ponto do douto acórdão revidendo, é referido que (transcreve-se) «sendo certo que a R. ao assumir esse encargo (das reparações) - mesmo tendo-o feito por "cortesia comercial" - conferiu a essas situações um tratamento que deve ser considerado equivalente à reparação dos defeitos, em certo sentindo assumindo-os como tale colocando a actuação do A. no plano das faculdades decorrentes da existência de defeitos na coisa fornecida»…
3.ª- Ora, atenta esta conclusão, a qual não poderia deixar de ser extraída nestes precisos termos em virtude da factualidade assente, entre outras, nas alíneas E), F), H), M), N), O), R), T), U), V), AA), TT), VV, WW), YY), MA), é manifesto que a R. não poderia valer-se da alegação de caducidade da acção;
4.ª- Pois, fá-lo-ia em claro abuso de direito (art.º 334.º do CC) e em oposição frontal ao disposto no n.º 2 do art.º 331.º do CC;
5.ª e 6.ª- Com efeito, está-se nos autos perante um conflito entre partes que, num mesmo plano, respeita a direitos disponíveis, sendo que o comportamento evidenciado pela R., ao reparar o veículo do autor sempre que este dava entrada nas suas oficinas avariado, assumindo como tal os defeitos de que a viatura padecia … se traduziu no reconhecimento concreto do direito por parte daquele contra quem veio a ser exercido;
7.ª e 8.ª- Assim, verificou-se esta causa impeditiva da caducidade do direito de acção, que foi, precisamente, o reconhecimento do direito por parte da Ré, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 331.º do CC;
9.ª, 10.ª e 11.ª- De resto, a Ré sempre reparou a viatura do autor sem ter exigido qualquer contrapartida pela sua reparação, ou seja, sempre assumiu as reparações como sendo dentro do período de garantia de que o autor gozava, entendimento este acolhido nomeadamente, do acórdão do STJ de 3-11-2009, no Proc. n.º 4073/04.9TBMAI.P1, in www.dgsi., relativo a uma hipótese paralela de reconhecimento dos defeitos por parte do empreiteiro (artigo 331.°, n.º 2 do CC), que procedeu a reparações no imóvel construído…;
12.ª- O acórdão recorrido, ao julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção do autor, violou o disposto no n.º 2 do art° 331° do CC e nos art.ºs 4.º e 12.º, n.º 3 da Lei n.º 24/96, devendo, como tal, ser substituído por outro que julgue improcedente a citada excepção;

30.ª-…
31.ª e 32.ª- ln casu, o veículo não serve o fim para que foi adquirido (avarias repetidas verificadas dentro do período de garantia), pelo que se não poderá concordar com a fundamentação da decisão de 1.ª instância, na parte em que refere que "não ficaram provados defeitos em sentido objectivo e subjectivo" ( ... ) "que não fosse adequado ao uso específico para o qual o autor o destinou ou que não fosse adequado às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

Teria, assim, o acórdão recorrido violado «o disposto no art.º 799, n.º 1 do CC, bem como os art.ºs 2° e 3.º e os n.ºs 1 e 4 do art.º 12.º da Lei n.º 24/96, de 31/7, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que julgue procedente aquele peticionado» (conclusão 33.ª).
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7. Contra-alegando, sustentou a Ré BB-G... a correcção do julgado, para o que formulou 39 conclusões que igualmente se reproduzem sumariamente na parte relevante:
I., II. e III. O Tribunal da Relação não vislumbrou qualquer fundamento para modificar as respostas fornecidas pelo Tribunal de primeira instância; antes reforçou essa ideia ao considerar que (...) este Tribunal aceita perfeitamente a resposta negativa da 1.ª instância ao quesito 1.º ("A R. BB-G... imputou a origem do Incêndio referido em D) a um defeito de fabrico?) e a resposta positiva ao quesito 46° (“Como cortesia comercial a R. BB-G... decidiu reparar a viatura referida em A) e suportar os seus custos?"); é, pois, inequívoco o juízo valorativo da matéria de facto em consequência do julgamento que dele fizeram ambas as instâncias;
IV. e V. Ao concluir que “a R., ao assumir este encargo (das reparações) - mesmo tendo-o feito por cortesia comercial - conferiu a essas situações um tratamento considerado equivalente à reparação dos defeitos”(…), em certo sentido assumindo-os como tal, a Relação formula um juízo de equivalência de uma reparação efectuada por cortesia comercial a outra efectuada para eliminar defeitos; isto independentemente de se estar ou não em período de garantia; e terá sido ou foi este juízo de equivalência que serviu de pretexto para o recorrente vir argumentar no sentido das alegações que apresenta e respectivas conclusões de 1 a 13;
VI. e VI. Ora, o referido prazo de equivalência, há que dizê-lo, assim entendido, corresponderia a uma contradição no raciocínio que não no julgamento da matéria de facto, pois, não se vê com que legitimidade, e com que fundamento, poderia a Relação fazer equivaler duas situações que são antagónicas quanto à origem de uma determinada situação concreta a impor uma reparação num veículo automóvel;
VIII. De facto, quer se estivesse - o que não era manifestamente o caso - em período de garantia ou fora dele, em circunstância alguma uma reparação efectuada por cortesia comercial pode corresponder a uma reparação efectuada em consequência de um defeito comprovado, desde logo porque a primeira não constitui nenhuma obrigação jurídica, ao invés da segunda;
IX e X- E assim, o raciocínio do tribunal conducente ao silogismo, só pode ser entendido como equacionando uma situação meramente hipotética, pois que, de outra forma, exorbitaria, sem qualquer fundamento legal, das consequências inevitáveis a retirar da matéria dada como definitivamente assente (ponto 2.1.2. (a) do douto acórdão da Relação).
XI. Tal conclusão retirada pelo acórdão recorrido só poderia e só pode ser equacionada e interpretada para efeitos de juízo jurídico meramente especulativo, isto é, querendo significar, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, que ainda que se pudesse considerar que a R., ao assumir este encargo (das reparações) - mesmo tende-o feito por cortesia comercial - estava a assumir um defeito, ainda assim, sempre se teria de concluir da mesma forma, isto é, pela caducidade do direito de acção, já que, como se afirma no douto acórdão recorrido: (...)" Estamos, pois, no que respeita ao prazo que aqui nos interessa considerar, exclusivamente no domínio da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, coincidindo nesta o prazo do de exercício do direito de acção com o prazo mínimo de garantia (art.ºs 12, n.º 2 e 4.º, n.º 2, da Lei 24/96), sendo este, face à natureza móvel do bem e não fixação contratual de outro lapso de tempo, de um ano" ( ... )
XII. E subtraídos ou descontados os tempos de reparação, estaríamos, em qualquer dos casos, julgado e hipotético, para além do prazo de 1 ano…;
XIII. A recorrida nunca reconheceu a existência de defeitos na viatura, nunca os assumiu enquanto tal, ou tais reparações como sendo dentro do período de garantia, corno aliás resulta abundantemente comprovado nos autos (cfr. nota 17, pág. 14 do acórdão recorrido);
XIV. Pelo que inexiste qualquer causa impeditiva da caducidade do direito de acção e sempre poderia a R., corno oportunamente fez, valer-se da alegação da referida caducidade da acção, no legítimo exercício de um direito.
XV. Ao invés, é o recorrente quem, agora e de novo, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, ao tentar aproveitar-se de uma exposição de raciocínio eventualmente, e s.d.r., menos clara, do douto acórdão recorrido para vir imputar à recorrida uma actuação em abuso de direito, que nunca alegou;
XVI e XVII e XVIII. À data dos factos que o recorrente pretende ver qualificados como sendo um defeito, ou seja, em 23-3-2001, a lei aplicável era a lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96 de 31/7 e o disposto nos art.ºs 917.º e 921.º do CC, sendo que para a sua aplicação tomar-se-ia sempre e previamente necessário provar-se a existência de defeitos originários da viatura; e só verificada e feita a prova da existência de defeito originário se tornava possível fazer valer a aplicação da tutela de suspensão do prazo de garantia, pelo período de tempo de privação do uso da viatura, em virtude das operações de reparação a que a mesma tivesse sido sujeita em consequência das mesmas;
XIX. Contudo, como bem decidiram as instâncias, o recorrente não logrou fazer prova da existência da natureza do facto originário que esteve na base da reparação, pelo que também não havia lugar a qualquer suspensão do decurso do prazo de garantia;
XX. Ainda assim, o douto acórdão recorrido foi mais longe, para esgotar todas as possibilidades, hipotisando os factos e fazendo-os equivaler a uma situação de defeito para, mesmo nesse caso, poder evidenciar que os prazos, apesar de suspensos na sua contagem com as reparações, já estavam esgotados e portanto já havia caducado ao recorrente o direito de propor a acção;


XXXIII e XXXIV. Reitera-se que à data da ocorrência de todos estes factos, já há muito havia decorrido o prazo legal de garantia da coisa. Mesmo quanto à única situação que o tribunal considerou como representando um defeito (perda de potência da viatura), já que tal factualidade ocorreu mais de 2 anos após a aquisição da viatura em estado novo e mais de 1 ano após a sua aquisição pelo recorrente;
XXXV e XXXVI. Sendo presumida a culpa do vendedor, cabe ao alienante elidi-Ia,mediante prova do desconhecimento não culposo do vício ou da falta do qualidade da coisa» (cfr. os art.ºs 912.º, n.º 2 e 799°, ambos do CC), havendo sempre que fazer-se previamente a prova da existência do defeito, o que no caso vertente não só não sucedeu, como se faz a prova do seu contrário;
XXXVII. O recorrente que, depois de ter sempre aceite e solicitado que fossem feitas as reparações, não procedeu ao levantamento da sua viatura, pelo menos a partir de 30-12-2002 (resposta aos quesitos 58°e 60°), antes tendo optado por propor a acção, deixando-a até final desta a ocupar as instalações da recorrida e nunca solicitou já em sede probatória, a realizacão de uma perícia à viatura, para assim confirmar as suas afirmações de que a viatura estava e era desconforme e defeituosa;
XXXVIII. Ficou assente que o recorrente aceitou a inexistência do defeito e a reparação da viatura como cortesia comercial (resposta aos quesitos 44° a 48° da 48.º da BI. - alíneas QQ) a UU» …
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8. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.
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9. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
a)- No título de registo de propriedade do veículo automóvel Volkswagen, com a matrícula ...-...-PO, encontra-se o registo a favor do A., em 2-7-2001;
b)- O veículo referido em A) foi adquirido à mãe do A., CC;
c)- A R. BB-G... é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de viaturas automóveis;
d)- Em 23-2-2001 o veículo referido em A) deu entrada nas instalações da R. BB-G... após ter sofrido um incêndio;
e)- Desde o dia 23-3-2001 até fins de Janeiro de 2002, o veículo identificado em A) esteve para reparação nas oficinas da R. BB-G...;
f)- A R. BB-G... previu como data para a entrega do veículo o dia 28-12-2001;
g)- A data prevista no facto anterior não foi cumprida;
h)- Em 28.12.2001 a R. BB-G... disponibilizou uma viatura de substituição;
i)- Essa viatura era movida a gasolina;
j)- A R. BB-G... informou o A. do período da garantia que o veículo identificado em A) tinha;
k)- No dia 31-1-2002 verificou-se no computador de bordo do veículo identificado em A) que a informação relativa à temperatura se apresentava imprecisa;
l)- Na data referida em K) o Autor deu conhecimento à R. BB-G... do facto também referido em K);
m)- Em 8-2-2002 a R. BB-G... recebeu nas suas instalações o veículo identificado em A) para reparação;
n)- O veículo identificado em A) permaneceu em reparação de 8-2-2002 a 22-2-2002;
o)- Nessa reparação foi substituído o computador de bordo;
p)- Em data não apurada no início do ano de 2002 o ar condicionado do veículo identificado em A) deixou de funcionar;
q)- Na mesma data verificou-se excesso de calor dentro do habitáculo;
r)- Foram levados ao conhecimento da BB-G... os factos dados como provados nos anteriores P) e Q) e o veículo entrou nas oficinas da R. para reparações no mês de Maio;
s)- Em Agosto de 2002 sentia-se um excesso de calor provindo do motor do veículo identificado em A), o qual também não desenvolvia a potência devida;
t)- Em 28 de Agosto de 2002 foi o veículo identificado em A) recolhido para reparação nas oficinas da BB-G...;
u)- No dia 4-10-2002 o veículo identificado em A) foi entregue ao A.;
v)-Tendo sido substituída a peça que provocava os factos descritos em S);
x)- No dia 6-10-2002 verificou-se um excesso de calor provindo do motor do veículo identificado em A);
y)- Ficando o veículo imobilizado na estrada junto à cidade do Porto às 2h00;
w)- O veículo era conduzido pela irmã do A. que se deslocava para Viseu;
z)- No dia referido em W) foi chamado um reboque para transportar o veículo identificado em A);
aa)-O veículo identificado em A) ficou em reparação nas oficinas da R. BB-G... desde o dia 6-10-2002 até Novembro de 2002;
bb)- No dia 25-12-2002 o veículo identificado em A) revelou falta de «potência», fazendo com que a rotação do motor baixasse sem motivo;
cc)- Revelou também engasgue do motor;
dd)- Assim como diminuição da velocidade;
ee)- Verificou-se que a porta do condutor range;
ff)- Verificou-se ainda o excesso de calor do habitáculo;
gg)- O A. sente-se inseguro em relação à segurança do veículo identificado em A);
hh)- O A. utilizava o veículo identificado em A) para se dirigir ao trabalho;
ii)- Utilizava-o também para viagens de recreio pessoal em férias e fins-de-semana;
jj)- O preço de custo diário de uma viatura de aluguer de categoria e características equivalentes ao veículo identificado em A) é de € 50,00;
kk)- Em virtude das anomalias verificadas no veículo identificado em A), o A. teve que proceder a interpelações, telefonemas, deslocações e cartas;
ll)- Em consequência das anomalias do veículo identificado em A) o A. sentiu incómodo e sentimento de desgosto;
mm)- O veículo identificado em A) sofreu desvalorização pelo decurso do tempo e pelas reparações efectuadas;
nn)- No dia 23-2-2001 a mãe do A. informou a Ré BB-G... que, no dia anterior, ao desfazer uma rotunda na circunvalação de Viseu bateu com a roda da frente do lado direito veículo identificado em A) no lancil da estrada, provocando o incêndio e afectando a óptica da frente direita;
oo)- No dia 28-2-2001 a mãe do A. informa a R. BB-G... que primeiro ocorreu o incêndio e em seguida, devido ao fumo, embateu com o veículo identificado em A) no lancil;
pp)- Em virtude dos factos descritos em OO), a mãe do A. referiu não pretender accionar o seguro contra incêndio que tinha contratado;
qq)- Em inícios de Junho de 2001 deslocou-se às instalações da R. BB-G... um técnico alemão da Volkswagen AG;
rr)- Tendo este concluído que não existiam deficiências no veiculo referido em A);
ss)- Como cortesia comercial a R. BB-G... decidiu reparar a viatura referida em A) e suportar os seus custos;
tt)- Após o exame técnico levado a cabo pelo técnico alemão, desmontou-se o veículo identificado em A) com vista à remoção e substituição de todas as peças afectadas pelo incêndio;
uu)- O que foi aceite pelo A.;
vv)- Procedeu-se à substituição de toda a cablagem do veículo identificado em A), desmontando e pondo o chassis a descoberto;
xx)- Atendendo a que a cablagem é aplicada nas viaturas automaticamente durante o processo de fabrico foi necessário encomendá-lo à Volkswagen Alemã, o que demorou meses;
yy)- Foi necessário desmontar a existente e substituí-la pela nova aplicada manualmente o que levou à demora da reparação;
zz)- Foi aplicado um motor novo e mão-de-obra;
aaa)- O calor verificado no veículo identificado em A) resultou do facto do A. desligar o ar condicionado com temperaturas elevadas em memória;
bbb)- A R. BB-G... substituiu o medidor de massa de ar;
ccc)- No dia 25-11-2002 o A. apresentou uma reclamação derivada no facto de não ter procedido ao levantamento da viatura quando a mesma já se encontrava reparada;
ddd)- No dia 30-12-2002 a R. BB-G... avisou o A. que o veículo podia ser levantado;
eee)- Em 25-2-2003 a R. BB-G... solicitou por escrito que o A. levantasse o veículo;
fff)- O A. depois de 25-2-2003 não procedeu ao levantamento do veículo;
ggg)- […]” [transcrição de fls. 832/836]
hhh)- A este acervo fáctico acrescentou a Relação o facto (admitido por acordo das partes) que o veículo ...-...-PO foi adquirido à R. pela mãe do A. em 12-5-2000.
No mais e a propósito do assentamento fáctico, salientou a Relação não haver vislumbrado qualquer fundamento para modificar as respostas fornecidas pelo tribunal de 1.ª instância.
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Direito aplicável.
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10. Da invocada excepção de caducidade.
Á data da propositura da presente acção (3-3-2003) ainda se não encontrava em vigor o Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8-4-2003 (venda de bens de consumo), o qual, no seu art.º 5.º, veio alargar os prazos para o exercício dos direitos do consumidor consignados no respectivo art.º 4.º fixandos-os em 2 dois ou 5 anos a contar da entrega do bem, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel.
Hemos, pois, que ater-nos, de modo exclusivo, ao domínio da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – Lei da Defesa do Consumidor (LDC), ex-vi do disposto no (art.º 12.º do CC).
E diga-se, desde já, talho de foice, que quer o A., quer a respectiva progenitora (primitiva adquirente-titular do veículo) preenchem o conceito de consumidor definido no n.º 1 dessa Lei, já que não flui dos autos que a viatura adquirida à R. se destinava a um uso não profissional, e que o fornecimento desse bem foi operado por uma entidade que «exerce, com carácter profissional uma actividade económica» (cfr. o n.º 1 do art.º 2.º da LDC).
Ao abrigo do n.º 1 do art.º 12.º da LDC, «o consumidor a quem seja fornecida a coisa com defeito, salvo se dele tivesse sido previamente informado e esclarecido antes da celebração do contrato, pode exigir, independentemente de culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou resolução do contrato».
E, nos termos do n.º 2 da mesma norma, o consumidor deveria «denunciar o defeito no prazo de 30 dias, caso se tratasse de bem móvel ou de um ano se tratasse de bem imóvel, após o seu conhecimento e dentro dos prazos de garantia previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 4.º dessa Lei.
Postula, por seu turno o n.º 2 do art.º 4.º do mesmo diploma «que sem prejuízo do estabelecimento de prazos mais favoráveis por convenção das partes ou pelos usos, o fornecedor de bens móveis não consumíveis está obrigado a garantir o seu bom estado e o seu bom funcionamento por período nunca inferior a um ano».
Dois prazos de caducidade (ou extintivos) pois, em equação: 30 dias para a denúncia dos defeitos; 1 ano para o exercício do direito de acção. Este último, por força do princípio da coincidência entre o prazo para o exercício do direito de acção, com o prazo mínimo de garantia nos termos dos incisos normativos citados, atentas a natureza móvel do bem e a não fixação contratual de outro lapso de tempo.
Prazo de garantia esse que, nos termos do n.º 4, ainda desse art.º 4.º, se «suspende durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação resultantes de defeitos originários» (sic).
Tem, deste modo, de tratar-se de defeitos originários, isto é coevos (já existentes à data) do respectivo fornecimento pelo produtor ou fornecedor. Qualidade essa cujo encargo de prova impende sobre o consumidor lesado nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do CC.
Tendo presente que, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º da LDC, «os direitos conferidos ao consumidor, nos termos do n.º 1, caducam findo qualquer dos prazos referidos no número anterior sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, não se contando para o efeito o tempo o tempo despendido com as operações de reparação» (sic).
Qual, assim, o prazo, o termo inicial (dies a quo) da contagem para o exercícios dos direitos do consumidor consignados no citado art.º 12 da LDC, e a factualidade relevante dada como assente?
De advertir – tal como fez e bem a Relação - que o termo inicial a considerar na contagem do prazo de garantia não é o da transferência da propriedade da viatura para o A., mas sim o da (anterior) aquisição da mesma pela sua progenitora (12-5-2000), ex-vi do n.º 1 do art.º 879.º, n.º 1, do CC. Com efeito, pressupõe tal garantia uma relação estabelecida entre o vendedor e o comprador originários, não sendo criada por essa subsequente transmissão uma nova relação garantística entre o fornecedor inicial e o novo e 2.º adquirente, que permita a este vindicar um novo prazo para o exercício dos direitos de potestativos pela lei conferidos ao 1.º adquirente.
O 2.º adquirente limitou-se a suceder na garantia prestada (pelo primitivo transmitente) ao primeiro adquirente com os respectivos âmbito e amplitude.
O que vale por dizer que há que contar o aludido prazo de 1 ano desde a data da primeira aquisição da viatura, ou seja desde 12-5-2000, pelo que, se tal prazo houvesse corrido seguida ou continuamente, ter-se-ia ele esgotado em 12-5-2001, ainda antes da transferência registral da viatura para o ora A-recorrente.
Teriam, todavia, ocorrido alguns hiatos temporais em tal contagem correspondentes a outro tantos factos geradores da respectiva suspensão, sem contudo, operarem a inutilização do tempo já anteriormente transcorrido (períodos esses relativos à privação do veículo por reparações assumidas pela R.) que teriam exaurido, inicialmente para a mãe do A. e depois para o próprio A., os prazos de denúncia e de exercitação do direito à reparação de danos ou à substituição da coisa, tudo força do disposto nos já citados n.ºs 1 e 3 do art.º 12,º da LDC.
E na verdade, sempre haveria que não perder de vista que sucessão na relação de garantia conexa com a venda, transferiria para o 2.º adquirente as vicissitudes dessa relação, designadamente as suspensões da contagem dos aludidos prazos extintivos.
Com efeito, entre a data da aquisição da viatura (pela progenitora do A.) e a propositura da presente acção decorreram 2 anos (12-5-2000 a 12-05-2002) e 9 meses (Maio de 2002 a 3-3-2003); sendo que a privação da viatura decorrente da reparação (alíneas D) e E) dos factos) correspondeu a 10 meses de suspensão do aludido prazo de um ano. Deste modo, e mesmo levando em conta - com a viatura já registada em nome do A. - as privações referidas nas alíneas N), R), T) e U) do assentamento factual, elas geradoras do efeito suspensivo do prazo em curso, tal viria a situar a propositura da acção entre 17 e 18 meses após a sua aquisição.
De resto – insiste-se - o ónus de demonstrar que esta privação se tratou de uma reparação de defeitos impendia sobre o A., dado tratar-se de um elemento integrador do direito à reparação ou substituição aqui exercido pelo A., demonstração essa que não chegou a ser feita.
Não logrou também o ora recorrente fazer a prova da natureza originária dos defeitos da coisa, ficando sem se saber se tais defeitos eram inatos ou congénitos da coisa ou se foram posteriormente produzidos por qualquer actuação humana intencional ou meramente negligente ou por qualquer outra ocorrência de carácter anómalo
Não olvidar, neste conspectu - por se encontrar processualmente adquirido - por um lado, que as reparações só foram solicitadas pelo autor, ora recorrente, à Ré, ora recorrida, após uma acidente de viação seguido de incêndio da viatura, não vindo demonstrado que a viatura em causa enfermasse de qualquer defeito (de origem) de fabrico ou que aquele incêndio houvesse sido resultado de qualquer defeito da coisa fornecida e, por outro lado, que a Ré, ora recorrida, só se decidiu a proceder a tais reparações e a suportar os respectivos custos por mera “cortesia comercial” (cfr. respostas aos cruciais quesitos 1.º e 46). O que logo arredaria, a contrario sensu – acrescentamos nós - que as reparações efectuadas o houvessem sido no cumprimento de uma obrigação jurídica.
Realidade factual esta última que logo afastaria a existência da invocada causa impeditiva de caducidade traduzida num eventual «reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido» (cfr. o n.º 2 do art.º 331.º do CC).
De resto - e tal como a recorrida bem salienta – a falta de prova da existência de vícios originários da coisa, logo afastaria a possibilidade da ocorrência de qualquer facto com eficácia suspensiva do decurso do prazo de garantia em todo o período que mediou entre o momento em que a viatura deu entrada nas instalações de reparação da recorrida e a data em que a mesma foi entregue ao ora recorrente.
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11. Assim sendo, sob qualquer ângulo que se visione o problema, sempre estaríamos mos para além do prazo legal de 1 ano para a exercitação dos direitos do consumidor decepcionado ou prejudicado.
Prazo esse em que não seria de imputar o período correspondente ao da recolha da viatura pela R. (alíneas BBB) a EEE) dos factos), já que fora da consideração como “reparação de defeitos” a relevar para os fins do n.º 3 do art.º 12º, citado.
Verifica-se, assim, que o prazo de caducidade (o nº 3 do artigo 12º da Lei nº 24/96 qualifica-o expressamente como tal) do direito de acção aqui em causa já se encontrava exaurido ao tempo da instauração do presente processo (3-3-2003), pelo que procede a deduzida excepção peremptória extintiva, havendo, como tal, lugar à absolvição da Ré do pedido.
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12. Procedendo, pois, o referido fundamento do recurso, prejudicada estava a apreciação de qualquer outra questão, designadamente o deduzido pedido de substituição do veículo (art.º 660.º, n.º 2, do CPC), pelo que, assim havendo decidido, não merece o acórdão recorrido qualquer censura.
Não se mostra, ademais, que a Ré, ora recorrida, ao deduzir a excepção em causa, tenha excedido os limites impostos pela da boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico, isto é que tenha litigado com abuso de direito nos termos e para os efeitos do art.º 334.º do CC).
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13. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente no supremo e nas instâncias.
Lisboa, 12 de Outubro de 2010

Ferreira de Almeida (Relator)

Azevedo Ramos

Silva Salazar