Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUÍS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO CONTAGEM DE PRAZOS SOCIEDADE COMERCIAL INSOLVÊNCIA RESPONSABILIDADE TRÂNSITO EM JULGADO CONSTITUCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 02/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
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Sumário : | I. A interrupção e a suspensão da prescrição constituem institutos autónomos e independentes, que não se sobrepõem, mas podem suceder-se com relevantes efeitos no plano do exercício de direitos. II. O prazo de prescrição interrompe-se, nos termos gerais, com a citação do réu para a acção. III. Todavia, o novo prazo não se conta necessariamente a partir do trânsito da decisão que ponha termo ao processo, nem logo após o acto interruptivo, se os réus foram absolvidos da instância e se tal absolvição não for imputável à autora. IV. Decorridos dois meses sobre o trânsito em julgado dessa decisão absolutória, sem o autor instaurar nova acção, a prescrição não corre se o credor estiver juridicamente impossibilitado de demandar o devedor e enquanto durar a suspensão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 216/23.1T8PVZ - A. P1.S1 *** Acordam no Supremo Tribunal de Justiça *** C..., Lda. instaurou acção declarativa, com processo comum, contra AA e BB, condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar à Autora, o montante de €99 542,06, acrescido dos juros que, sobre a quantia de 85.978,64€, se venceram a partir da presente data até efetivo e integral pagamento. Alega em resumo que os réus eram os únicos sócios da sociedade, L..., Lda., a quem forneceu entre 30.4.2010 e 24.2.2012, a mando dos Réus, bens e mercadorias, pelo preço global de €85 978,64, a pagar a pronto. Encerrada a liquidação do activo da massa insolvente daquela sociedade, a Autora não recebeu qualquer quantia para satisfação, ainda que parcial, do aludido crédito. Os réus agravaram muito a situação de insolvência da sociedade L..., Lda., fizeram desaparecer património da sociedade e frustraram a viabilidade económica da empresa. Todos os factos praticados pelos Réus causaram os prejuízos sofridos pela Autora, ou pelo menos contribuíram de modo determinante para a impossibilidade desta satisfazer o seu crédito à custa do património da sociedade L..., Lda., pelo que são responsáveis, enquanto gerentes da sociedade, perante os credores desta, ex artigos 78.º, 1 e 79, 1 do C. S. C. Os réus contestaram e excepcionaram a prescrição do direito dos autores ex artigo 174.º, 2, do C. S. C. ao que a autora se opôs. No saneador foi julgada improcedente a excepção. Inconformados, interpuseram os réus competente recurso de apelação. O Tribunal da Relação Porto julgou procedente o recurso e, consequentemente, prescrito o direito que a autora pretendia fazer valer. Inconformada, interpõe agora a autora recurso de revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma: I) Vem o presente recurso interposto do acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou prescrito o direito que a autora pretende fazer valer nos autos. Na verdade, na situação dos autos, tendo a insolvência sido decretada em 16/03/2012 e transitada a sentença em 09/05/2012, seria a partir desta última data que se deveria contar o início do prazo em questão. II) O prazo prescricional, cujo curso se iniciaria com a declaração de insolvência - como refere e bem o acórdão recorrido - não chegou sequer a começar a correr, porquanto o pressuposto para que a autora tivesse legitimidade para interpor a presente acção era o encerramento do processo de insolvência da sociedade “L..., Lda.” III) De facto, se o prazo prescricional se iniciaria com a declaração de insolvência e se a autora, por falta de legitimidade activa, estava impedida de intentar a presente acção até ao encerramento do aludido processo de insolvência, não há dúvidas que o prazo prescricional, ao invés do relatado no douto acórdão recorrido, apenas iniciou o seu curso de cinco anos após o trânsito em julgado do despacho de encerramento, ocorrido em 05/04/2022, pelo que intentada a acção em 03/02/2023 apenas haviam decorrido dez meses do prazo de prescrição de cinco anos. IV) O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação das normas contidas nos artigos 174º, nº 2 do CSC e 306º, nº 1 do CPC, o que desde já se invoca, para todos os efeitos legais. V) Por outro lado, o acórdão recorrido faz, in casu, uma interpretação manifestamente inconstitucional do artigo 321º, nº 1 do CC, por implicar uma restrição inadmissível do direito fundamental da autora à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos (artigo 20º, nº 1 da Constituição). VI) No entendimento - ao que se crê erróneo - do douto acórdão recorrido, a prescrição teria ocorrido em 05/07/2022, isto é, três meses após o trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo de insolvência. Sucede que o artigo 321º, nº 1 do CC, com esta interpretação, traduz-se num encurtamento excessivo e irrazoável do prazo ao dispor da autora para exercer o seu direito fundamental a uma indemnização. VII) Na verdade, tal artigo, se interpretado, como foi pelo acórdão recorrido, no sentido de abranger o caso em apreço nestes autos - uma situação em que o próprio acórdão reconhece que a autora esteve impossibilitada, na pendência do processo de insolvência, de intentar e fazer seguir acção indemnizatória contra os seus gerentes - viola o artigo 20º da Constituição, na medida em que impõe à autora a necessidade de exercer o seu direito fundamental e sob pena de prescrição do mesmo, num prazo máximo de três meses, o que é manifestamente insuficiente, como resulta, desde logo, da comparação com o prazo de prescrição aplicável de cinco anos, previsto no artigo 174º, nº 2 do CSC. VIII) Deste modo, o prazo de três meses que, em decorrência do artigo 321º, nº 1 do CC, se entendeu aplicável não garante uma efectiva tutela jurisdicional do direito da autora, na medida em que corresponde a um prazo muito curto, drasticamente inferior ao prazo de prescrição aplicável de cinco anos, e que penaliza a autora por, na prática, ver reduzido o prazo prescricional de cinco anos para três meses. IX) Nesta conformidade, deverá ser julgada inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, contido no artigo 20º, nº 1 da Constituição, a interpretação normativa, extraída do nº 1 do artigo 321º do CC, segundo a qual se inicia e corre um prazo prescricional, referente a uma pretensão indemnizatória, no momento em que são cognoscíveis pelo lesado os pressupostos do seu direito à indemnização, embora nesse momento ele esteja legalmente impedido de efectivá-lo, em virtude da pendência de acção de insolvência, apenas se suspendendo a prescrição nos últimos três meses do prazo. Termos em que deverá se julgado procedente o recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que julgue improcedente a invocada excepção da prescrição do direito da autora. Mais requer seja declarada inconstitucional a interpretação do artigo 321º nº 1 do CC feita pelo acórdão recorrido, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Assim se fazendo a habitual, sã e serena JUSTIÇA!». Os réus contra-alegaram, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido. *** Constituem questões decidendas saber se: i) Está prescrito direito da autora. ii) É inconstitucional a norma do artigo 321.º, 1 do CC, na interpretação feita pelo acórdão recorrido. *** O Tribunal da Relação, em sede de fundamentação de facto, deu por reproduzido o que consta do relatório que antecedia, «sem prejuízo da menção a outros factos que resultem dos autos, mormente sustentados em documentos». Na verdade, a prova documental justifica a menção aos seguintes factos feita no acórdão (de forma desordenada): 1. Foi inicialmente atribuída a gerência de L..., Lda. à Ré BB e em 09/06/2003 ao Réu AA. 2. Pela ap. ...31, foi registada a cessação de funções deste mesmo gerente, por renúncia de 03/05/2011. 3. L..., Lda. apresentou-se à insolvência, em 29/02/2012. 4. A insolvência foi decretada em 16/03/2012 e a sentença transitou em 09/05/2012 5. Em 5.4.2022 transitou em julgado a decisão que determinou o encerramento do processo de insolvência. 6. A autora propôs, em 23/01/2013, no juízo central cível da Póvoa de Varzim, Juiz ..., acção de responsabilização dos réus (Proc.517/13.7...) 7. Nessa acção, os réus foram citados em 01/03/2013 e, absolvidos da instância, por decisão proferida em 05/10/2021, por se ter entendido que, na pendência do processo de insolvência, a indemnização apenas podia ser peticionada pela administradora da insolvên cia 8. Essa decisão transitou transitada em julgado em 10/11/2021. 8. A presenta acção foi instaurada em 3.2.2023. *** Na presente acção, a recorrente peticionou a condenação dos recorridos no pagamento de uma indemnização com fundamento em que estes agravaram muito a situação de insolvência da sociedade L..., Lda., fizeram desaparecer património da sociedade e frustraram a viabilidade económica da empresa. Todos os factos praticados pelos Réus causaram prejuízos à autora, ou pelo menos contribuíram de modo determinante para a impossibilidade desta satisfazer o seu crédito à custa do património da sociedade L..., Lda., pelo que são responsáveis, enquanto gerentes da sociedade, perante os credores desta, ex artigos 78.º, 1 e 79, 1 do C. S. C. Os réus excepcionaram a prescrição do direito da autora, excepção que foi julgada procedente pelo acórdão recorrido, que revogou decisão contrária que tinha sido proferida pelo primeiro grau. A tese do acórdão é, em síntese, a seguinte: a prescrição ocorreu em 5.7.2022, 3 meses após o trânsito em julgado da decisão de encerramento da insolvência. Como a acção foi instaurada em 3.2.2023, mostra-se prescrito o direito da autora. Tese da recorrente é, ao invés, esta: não se verifica a prescrição, porquanto o prazo de prescrição de 5 anos deve começar a contar-se a partir 5.4.2022, pois só então o direito pôde ser exercido. Quem tem razão? Comecemos por alguns lineamentos sistemáticos. A prescrição consiste na extinção do direito pelo seu não exercício durante um determinado período de tempo, estabelecido por lei, que, por norma, é de 20 anos (artigo 309.º CC). A opinio iuris aponta a inércia do titular do direito e a exigência de certeza nas relações jurídicas como fundamentos da prescrição extintiva. Em linha geral, o prazo de prescrição começa a correr do dia em que o direito puder ser exercido (artigo 306.º, 1 CC). A prescrição não opera no momento em que sobrevém uma causa que possa justificar a inércia acima referida ou quando não existe tal inércia. Entram em jogo, nestas hipóteses, as figuras da suspensão e da interrupção. Importa não esquecer que são institutos autónomos e independentes, que podem suceder-se, mas que não se fundem numa figura única. A norma de aplicação mais frequente no foro, nos casos de interrupção, é a do artigo 323.º,1 CC que preceitua que a prescrição se interrompe, entre outras causas, pela citação, acto mediante o qual o autor exprime directamente a intenção de exercer o direito. Se a citação não for feita no prazo de cinco dias, depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, a prescrição tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias (artigo 323.º, 2 CC). A suspensão da prescrição pode ter variadas causas: causas bilaterais (artigo 318.º CC), subjectivas (artigos 319.º e 320.º CC) e objectivas (artigo 321.º CC). Tem-se entendido que as causas indicadas nos artigos citados são taxativas, não admitindo integração analógica (v.g. Ac. RL de 28.5.2019, Proc. 3270/18). Consensual é também a ideia de que são distintos os fundamentos da suspensão e da interrupção: na suspensão, a inércia do titular continua a verificar-se, mas tem justificação. Na interrupção não há, pelo contrário, essa inércia. Esta diferença explica os efeitos desiguais dos dois institutos: na suspensão, a prescrição não começa nem corre enquanto subsistir a causa justificativa da inércia, mas não prejudica o tempo eventualmente decorrido precedentemente; após a suspensão o prazo volta a correr; a interrupção, por sua vez, «corta o tempo»; depois de verificado o facto interruptivo, começa a correr, por inteiro, novo período de prescrição. Ainda com interesse para a hipótese dos autos, o artigo 327.º,3 do CC contem um desvio à regra do número 2, ou seja, à regra de que a interrupção da prescrição pela citação, prolonga-se, por regra, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo (artigo 327.º,1). Se o réu for absolvido da instância, por motivo processual não imputável ao titular do direito, e o prazo prescricional se completar entretanto ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses (estando excluída a sobreposição com regime do artigo 279.º, 2 CPC). Partindo destas considerações, entende-se que o acórdão recorrido deve ser confirmado, É de acompanhar este acórdão, desde logo quando entende que «tendo o credor intentado ação de responsabilização dos gerentes de empresa insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 79.º, do C. S. C. e decidindo-se que não tinha legitimidade para o fazer, por força daquele artigo 82.º, n.º 2, b), do C. I. R. E., na contagem do prazo de prescrição que já se tinha iniciado, deve considerar-se que: 1). Tal decisão e correspondente entendimento jurídico não é imputável ao Autor/credor, o que implica a aplicação do disposto no artigo 327.º, n.º 3, do C. C; 2). Esse mesmo entendimento jurídico deve ser entendido como motivo de força maior, implicando a aplicação do disposto no artigo 321.º, n.º 1, do C. C». De resto, a recorrente não questiona este entendimento. Acresce que há consenso quanto ao prazo de prescrição ser um prazo breve, de cinco anos, constante do 174.º, 2 CSC, o que é também correcto. Não há igualmente discordância quanto a ter ocorrido facto interruptivo com a citação dos réus, em 1.3.2013, na acção instaurada em 23.1.2013, no tribunal da Póvoa do Varzim. Como se viu, a interrupção faz nascer novo prazo de 5 anos, mas este não corre até ao trânsito em julgado da decisão que ponha fim ao processo. Acontece que no caso dos autos os réus foram absolvidos da instância. Como não se pode considerar que tal absolvição é imputável à autora, esta beneficiaria do complemento do prazo previsto no artigo 327.º, 3 do CC. O que significaria que, tendo-se entretanto esgotado o novo prazo quinquenal, a autora deveria ter instaurado a presenta acção até ao dia 10.1.2022. Utilizamos o condicional, porquanto o Tribunal da Relação argumentou que se estava diante de um caso de força maior, por respeito pelos fundamentos da sentença de absolvição da instância. Assim sendo, só depois de esgotado o prazo de três meses do artigo 321.º CC, contado do trânsito em julgado da decisão de enceramento da insolvência (5.4.2022), o direito da autora se podia considerar prescrito. Não podemos acompanhar este segmento da argumentação do acórdão. O artigo 321.º CC está pensado para as hipóteses de «suspensão final», permitindo que a ocorrência de um facto de força nos últimos três meses do prazo de prescrição paralise o decurso do tempo, garantindo um mínimo de tempo para ao exercido do direito (cf. Pires de Lima /Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987:289 e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Português, I, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2007:193), mas não serve para acrescentar novo prazo suspensivo a uma suspensão já em curso (a que decorria da impossibilidade jurídica de mover a acção). De todo o modo, quando a autora propôs a presente acção, em 3.2.2023 já o seu direito estava prescrito. Requer a recorrente que seja julgada inconstitucional, por violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva do artigo 20º, 1 da Constituição, a interpretação do acórdão extraída do nº 1 do artigo 321º do CC. Alega que tal artigo, se interpretado, como foi pelo acórdão recorrido, no sentido de abranger o caso em apreço nestes autos - uma situação em que o próprio acórdão reconhece que a autora esteve impossibilitada, na pendência do processo de insolvência, de intentar e fazer seguir acção indemnizatória contra os seus gerentes - viola o artigo 20º da Constituição, na medida em que impõe à autora a necessidade de exercer o seu direito fundamental e sob pena de prescrição do mesmo, num prazo máximo de três meses, o que é manifestamente insuficiente, como resulta, desde logo, da comparação com o prazo de prescrição aplicável de cinco anos, previsto no artigo 174º, nº 2 do CSC. Já vimos que a interpretação do segundo grau não é a mais correcta. Todavia, por maioria razão, faz sentido algo dizer sobre os fundamentos do incidente de inconstitucionalidade. Ora é manifestamente infundada a questão da ilegitimidade constitucional suscitada. Não há qualquer «encurtamento excessivo e irrazoável do prazo ao dispor da autora para exercer o seu direito fundamental a uma indemnização». Vendo bem, a autora já beneficiara do prazo suplementar de 2 meses previsto no artigo 327.º, 3 CC, a acrescer aos 5 anos, para exercício do direito. O regime deste último artigo destina-se precisamente a evitar que o processo se extinga, por razões de forma, e em consequência se considere prescrito o direito do credor, sem que este (ou, pelo menos, o seu advogado) esteja perfeitamente consciente das consequências dessa extinção e da persistência da sua inércia. Acresce que a recorrente não leva devidamente em conta a relação de progressividade que, no caso sujeito, apresenta a sucessão dos institutos da interrupção e suspensão da prescrição. Tendo ficado vencida, suportará a recorrente a totalidade das custas (artigo 527.º, 1 e 2). *** Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. *** 25.2.2025 Luís Correia de Mendonça (Relator) Maria Olinda Garcia Rosário Gonçalves |