Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11188/17.1T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : Encontrando-se assente na factualidade provada do caso, que, “Caso o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco BPN não o autorizaria”, considera-se cumprido o ónus da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a cargo do investidor, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA, residente na ..., ..., intentou em 5 de junho de 2017 ação declarativa de condenação, com processo comum contra Banco Bic Português S.A., com sede na ..., ..., pedindo a condenação deste a pagar ao Autor:

a) o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de 220.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento; ou assim não se entendendo:

b) ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 200.000,00€ que o A. entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006;

c) ser declarado ineficaz em relação ao A. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;

d) condenar-se o R. a restituir ao A. 220.000,00€ que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efetivo e integral cumprimento;

e, sempre,

e) ser o R. condenado a pagar ao A. a quantia de 5.000,00, a título de dano não patrimonial.

Alegou, para tanto, que:

- O A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem n° ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efetuava poupanças;

- Em 13 de abril de 2006 o gerente do Banco Réu da agência de ..., disse ao A., que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

- O dito funcionário do Banco Réu sabia que o A. não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente

- E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

- Sucede que o seu dinheiro - 200.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que o A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

- De todo o modo, e o que motivou a autorização, por parte do A., foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

- A verdade é que o A., atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

- O que quer dizer, que se o A. tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

- Nunca foi intenção do A. investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu, e o A. sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

- O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

- Daí a convicção plena com que o A. ficou da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança ao A. e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que tinha sido dito pelo referido gerente da agência-de-...;

- E que manteve até novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.

- Agora, o Banco Réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que o A. nem sabia existir.

- O A. ficou alarmado e recorreu ao signatário para intentar a presente acção.

- O A. não sabia o que era a SLN. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco Réu utilizava.

- Aliás, a qualquer conta a prazo é habitual os bancos atribuírem uma denominação.

- Pelo que o A. desconhecia e nem podia conhecer, que tinha adquirido uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo, pois caso soubesse que se tratava de um produto de risco, não o teria adquirido.

- Sendo certo que, como se referiu, nem sequer foi informado sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.

- E nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou ao A. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006.

- Sendo assim o R. depositário de 200.000,00€, que mantém aplicados em obrigações SLN 2006;

- Dinheiro esse que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses.

- O A. nunca assinou qualquer documento ou deu qualquer ordem de compra de obrigações SLN.

- Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelo A; e nem nunca conheceu o A. qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente.

- E tais eventuais documentos a existirem só podem ser contratos de cláusulas gerais, cujas assinaturas se tivessem sido efetuadas e não foram, não teriam validade, por os contratos serem nulos;

- Também não correspondem à real vontade do A;

- Tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que o A nunca aceitaria, se acaso o Réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.

- Como vem decidindo a jurisprudência, a liquidez, prazos de reembolso e prazos de vencimento dos juros ou retribuição, são cláusulas essenciais de qualquer aplicação financeira.

- Pelo que sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5° e seguintes do DL. 446/85, de 15/10, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

- Vendo-se agora o A confrontado com a subscrição de produtos de risco, sem que o montante de capital investido se encontre garantido no prazo de maturidade, que in casu ocorreu em maio de 2016.

- Na data de vencimento contratada, o R. não lhe restituiu o montante que o A. lhe confiou, sendo que na agência de ... lhe diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações;

- Também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde maio de 2009 e até novembro de 2015.

- Para além disso, o Réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.

- Aliás, como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo Réu aos seus funcionários.

- Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do banco R. repetiam junto dos seus clientes, como o fez com o A., era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros.

- As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido.

- Daqui resulta que o Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

- Assim, deve o Réu ser condenado a pagar ao A. imediatamente o capital de €200.000,00 e os juros legais desde a mora até efetivo e integral pagamento, e, que, neste momento - 05/06/2017 - ascendem ao montante de 20.000,00€, o que perfaz o total de 220.000,00€, acrescido dos juros vincendos sobre essa quantia desde a citação até efetivo e integral pagamento;

DANO NÃO PATRIMONIAL:

- O A., por efeito do incumprimento do Réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficou impedido de usar o seu dinheiro como bem entendesse.

- Além disso, com a sua atuação, o Réu colocou o A. num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro;

- E tem provocado no A. ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida;

- Pelo que o A. anda em permanente estado de "stress", doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossado das suas economias de uma vida, e sem perspetivas de futuro;

- Devendo tal dano não patrimonial ser indemnizado num mínimo de € 5.000,00.

2. Citado, veio o Réu contestar, por exceção e por impugnação.

Por exceção, invocou:

(i) a incompetência em razão do território com o fundamento de que a ação foi intentada no Tribunal Judicial da Comarca de..., tendo sido distribuída ao Juízo Central Cível de ..., quando, de acordo com o regime do artigo 71° do CPC, e uma vez que o Banco Réu tem a sua sede em ..., o local de cumprimento da obrigação é ..., e competente em razão do território é o Tribunal Judicial da Comarca de ... - ..., tribunal esse onde a causa deveria ser intentada e por onde deve prosseguir;

(ii) ineptidão da petição inicial invocando que o Autor alega ter contratado em erro, e por isso não pode exigir o cumprimento do contrato que acreditou ter celebrado, em substituição do contrato que de facto celebrou. A discrepância entre a vontade negocial e a conjetural só pode ter eficácia destrutiva. Argumenta portanto existir contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo nos termos do disposto no artigo 193° do CPC;

(iii) prescrição, argumentando que o Autor tem conhecimento da subscrição supostamente viciada assente na alegada errada informação que imputa ao banco Réu das quatro Obrigações SLN RM 2 — SLN 2006, ou melhor ainda - Obrigações SLN Rendimento Mais 2 — 2006, pelo menos desde o mês seguinte ao da subscrição - altura em que recebeu por correio o aviso de débito correspondente à subscrição efetuada e também, desde então, vários extratos periódicos onde lhe apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, em 2006, pelo que o prazo de dois anos previsto no artigo 324° do CVM para o demandar por negócio em que haja intervindo como intermediário-financeiro, já se encontrava prescrito quando a ação deu entrada em juízo (05/06/2017);

(iv) caducidade da arguição da anulabilidade do negócio uma vez que esta deve se arguida no prazo de um ano a contar da cessação do vício - artigo 287° do CC - e o banco Réu foi citado para esta causa em 08-06-2017; e

(v) o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, atendendo à propositura da presente ação decorridos cerca de dez anos após a subscrição das quatro Obrigações, sabendo que título havia adquirido, deixou-se estar auferindo uma remuneração muito acima da média para aquela aplicação, não tendo pedido qualquer esclarecimento, não tendo reclamado da subscrição, fazendo o banco confiar que o Autor não poria em causa a operação da aquisição daquele título, tendo-se conformado com a mesma.

Por impugnação, contrapôs, em substância, que o Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo, sendo que quando subscreveu a Obrigação SLN, foram naturalmente explicadas aos Autor, pelos funcionários do Réu, quer pessoalmente, quer por telefone, as características do produto, tendo assinado de forma deliberada e consciente o boletim de subscrição. Alegou, ainda, que o Autor sempre recebeu um extrato mensal onde aparecia a aludida obrigação como integrando a sua carteira de títulos e que desde então recebeu, semestralmente, a remuneração dos respetivos cupões. Argumentou, igualmente, que o Autor, gerente comercial de um empresa, efetuou diversos investimentos ao longo de vários anos, designadamente em fundos de investimento — em 13-4-2006 no valor de € 82.900,00, não sendo, assim crível, até pela menção «OBRIGAÇÃO», por todos sobejamente conhecida, constante dos extratos mensais, quer da informação prestada antes do ato de subscrição, que o Autor se pudesse convencer de que se tratava de um depósito a prazo ou que desconhecesse as condições de reembolso da Obrigação 2006 por si subscrita e que o mesmo era da inteira responsabilidade da entidade emitente, a SLN, SGPS, S.A.

Ao tempo da subscrição nada desabonava o produto e nada fazia prever a insolvência da entidade emitente.

Termos em que concluiu pela improcedência da ação.

3. O Autor veio responder à defesa por exceção do Banco Réu, esclarecendo sobre a arguida ineptidão da petição inicial, o seguinte:

O Autor, através da presente ação, pretende que o Banco Réu lhe pague, a título principal, a quantia de 220.000,00 euros (para além de 5.000,00 por danos morais).

Para esse efeito, alega que estava convencido de que o valor em causa foi aplicado num produto sem risco, com as condições que descreveu, garantido pelo Banco Réu.

A diferença entre o que ocorreu e o que era a vontade e conhecimento do Autor determina a existência de um vício, que deve responsabilizar o banco réu pelo valor em causa, acrescido de juros, nos termos já sobreditos.

Mostra-se plenamente fundamentado (na causa de pedir da ação) o pedido principal apresentado.

A título subsidiário, alegando a nulidade do contrato, peticiona a restituição dos valores.

Mostram-se tais pedidos e causa de pedir perfeitamente conformes.

O Autor configura a relação jurídica, quer ao nível da responsabilidade civil contratual, quer ao nível da responsabilidade extracontratual e da responsabilidade pré-contratual.

Todavia, daqui não se poderá concluir, como o faz o réu, que existe contradição na alegação dos factos que integram a causa de pedir, ou tão pouco destes factos relativamente aos pedidos deduzidos.

Ainda, resulta da análise da contestação, que o réu apreendeu claramente a pretensão ou pretensões do Autor, bem como a causa ou causas de pedir invocadas que lhe estão subjacentes.

Reage à impugnação do Banco Réu sobre os documentos que juntou — cfr. fls. 62 verso.

Reafirma o alegado na petição inicial.

4. Foi decidida favoravelmente e com trânsito a exceção da incompetência do tribunal da Comarca de ... em razão do território, passando a causa a ser tramitada pelo Juízo Central Cível de ... — cfr. fls. 69 e ss.

5. Teve lugar a audiência prévia.

Nela foi julgada improcedente a exceção da ineptidão da petição inicial por alegada incompatibilidade substancial das causas de pedir.

Foi relegada para momento posterior a apreciação da exceção perentória da prescrição.

Foi julgada improcedente a exceção da caducidade por se considerar não aplicável ao caso o prazo invocado.

Foi atribuído valor à causa.

Saneou-se a causa.

Elencaram-se os factos assentes.

Identificou-se o objeto do litígio.

Enunciaram-se os temas da prova.

À solicitação feita junto do BdP para saber quais as taxas de juro praticadas por cada um dos bancos estabelecidos em Portugal, nos diferentes prazos, nas suas operações passivas, constituídas no mês de abril de 2006, respondeu-se como consta de fls. 81, indicando páginas de consulta na net, e ainda conforma fls. 85 a 88.

6. Realizada a audiência de julgamento, em 15.02.2019, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Banco BIC Português, S.A. do pedido.

7. Inconformada com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Juiz Desembargador Relatou proferido, em 31.12.2019, decisão singular que julgou o recurso de apelação parcialmente procedente e, revogando a sentença recorrida, condenou o Banco Réu a pagar ao Autor a quantia de € 200.000,00 acrescida de juros moratórios, vencidos desde 8 de maio de 2016, e vincendos, até integral pagamento, à taxa supletiva legal que for vigorando para as operações meramente civis, absolvendo-o do demais peticionado.

8. O Banco BIC Português, S.A. veio, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, do CPC, reclamar para a conferência, na sequência do que o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 05-03-2020, acórdão que confirmou integralmente a decisão singular, com um voto de vencido.

9. Inconformado, de novo, com este acórdão, o Banco réu interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1. O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido pelo banco, similar a um depósito a prazo, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveriam ter sido informado aos Autores, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso...

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014 ou em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica no momento da subscrição!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação...

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do ‘tulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no arto 236o do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. Acresce que a expressão garantido pelo Banco era também ela consentânea com a realidade na altura da subscrição!

24. Efectivamente o banco era parte integrante do património da emitente das obrigações e como tal garante do cumprimento das suas obrigações.

25. Também por isso não faz qualquer sentido afirmar, ou querer retirar dessa afirmação, uma garantia de cumprimento no sentido de uma fiança pelo facto da mesma ser em absoluto redundante. O banco como elemento do património da eminente já era, com todo o seu património, garantia geral do cumprimento das obrigações daquela.

26. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

27. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

28. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

29. Apesar dos autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

30. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

31. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

32. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

33. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

34. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

35. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

36. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

37. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

38. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

39. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

40. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

41. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do ‘tulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

42. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

43. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito se, e só se, tais riscos de facto existirem!

44. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

45. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

46. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

47. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

48. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida ao A. e o acto de subscrição.

49. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

50. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

51. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

52. E, de resto, nos termos do disposto no arto 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

53. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

54. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso o A. É este o único conteúdo ‘pico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

55. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo ‘pico ou não do acordo contratual entre as partes.

56. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

57. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

58. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

59. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

60. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

61. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

62. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

63. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

64. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

65. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

66. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações, ou de qualquer característica do produto, e que é essa causa do seu dano!

67. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

68. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

69. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

70. E nada disto foi feito!

71. Dizer simplesmente que não subscreveriam se soubessem que o capital não era garantido é manifestamente insuficiente pelas razões já acima explanadas relativamente à compreensão desta expressão e da realidade accionista do grupo SLN.

72. Aceitar esta alegação seria o mesmo que dizer que este Autor, que se define como cliente de depósito a prazo, nunca o subscreveria se soubesse que os mesmos não eram garantidos a 100%.

73. Dir-se-ia, a ser assim, que o nexo só se verificaria se resultasse provado que, se soubesse de todas as características dos produtos em causa, o Autor teria guardado os seus valores em casa, debaixo do colchão!!!

74. A origem do dano do Autor reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco é alheio!»

Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido e a sua substituição por outro que absolva o Banco-R. do pedido»

10. O autor apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela manutenção do decidido.

11. Encontrando-se então pendente neste Supremo Tribunal de Justiça um recurso para uniformização de jurisprudência – processo n.º 1479/16.4...-A – que incidiu sobre as questões de direito suscitadas no presente processo e que se revestiu de prejudicialidade em relação a esta ação, determinou-se, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do Acórdão que viesse a ser proferido no citado recurso.

12. Como é sabido, o objeto do recurso determina-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, ambos do CPC.

Assim, a esta luz, a questão a decidir consiste na de saber se o Banco réu, enquanto intermediário financeiro, é responsável perante os investidores, por violação culposa dos deveres de informação, incidindo as conclusões do Banco sobre os seguintes requisitos da responsabilidade civil: ilicitude, culpa e nexo de causalidade.

13. Tendo sido proferida ulteriormente decisão no processo n.º 1479/16.4...-A e tirado o respetivo Acórdão Uniformizador (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.o 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4...-A, publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, p. 10 e ss), foi declarada a cessação da suspensão da instância.

Cumpre apreciar e decidir

II - Fundamentação

A – Os factos

Após o exercício pelo Tribunal da Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, foram considerados provados os seguintes factos:

1 ° O Autor é titular dos seguintes valores mobiliários:

- Quatro obrigações subordinadas SLN 2006 no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada uma.

2° O Autor era cliente do BPN, na sua agência da ..., com a conta de depósitos à ordem n° ...01, onde movimentava parte dos seus dinheiros, realizava pagamentos, e efetuava poupanças.

3° O Autor tinha um perfil de investimento conservador e cauteloso, preferindo a aplicação das suas poupanças em depósitos a prazo.

4° O Autor subscreveu as obrigações referidas em 1 ° por ocasião de uma deslocação à agência do Réu, e após lhe ter sido proposta por funcionário do Réu.

5° Aí foi informado que as obrigações referidas em 1 ° constituíam um investimento sem risco, de capital garantido, pagamento de juros semestrais em percentagem superior ao que auferiria um depósito a prazo, e com possibilidade de resgate do capital, quando assim o entendesse, mediante aviso com antecedência ao Réu.

6° Não foi disponibilizada ou entregue ao Autor qualquer documentação relativa às obrigações referidas em 1 °, designadamente, a nota informativa de fls. 24 verso a 40 verso, aqui reproduzida.

7° Nunca o gerente ou funcionários do BPN, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006, ou ainda, na designação de fls. 24 - "SLN RM 2 — SLN 2006".

8° Caso o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco BPN não o autorizaria.

9° As obrigações subscritas e referidas em 1 ° foram emitidas pela SLN ¬ Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., em abril de 2006, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, pagamento de juros semestral, e com maturidade a 09.05.2016, tratando-se de obrigações subordinadas.

10° Consta do argumentário distribuído às Agências do BPN relativamente a tal emissão obrigacionista a ser utilizado na captação de investidores que a obrigação SLN 2006 (era de) capital garantido e (apresentava) elevadas taxas de remuneração.

11° O Autor recebia extratos mensais enviados pelo Réu, bem como avisos de pagamento de juros.

12° O Autor não foi restituído do capital investido nas obrigações referidas em 1°, cujo vencimento ocorreu a 8 de maio de 2016.

13° O não reembolso do capital investido causou ao Autor ansiedade, preocupação e tristeza.

- Sobre matéria não provada, o Tribunal da Relação de Lisboa emitiu a seguinte declaração: «Nada mais se provou com interesse. Não há necessidade de elencar o remanescente de factos não provados saídos do 1° grau».

B – O Direito

1. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.o 8/2022, proferido no Processo n.o 1479/16.4...-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ n.º 8/2022, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

2. Trata-se pois, de proceder à aplicação da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022 aos factos do caso concreto, procedendo a uma operação de subsunção dos factos na norma.

Esta é a metodologia decisória que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4...-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.

3. A relação jurídica entre o Banco e o cliente enquadra-se na legislação que regula o contrato de intermediação financeira.

O Banco, nas suas conclusões de revista, não impugnou esta qualificação jurídica do contrato, o que alega é que o dever de informação é uma prestação meramente acessória, que foi cumprida pelo Banco e que nunca estaria ao abrigo de uma presunção de causalidade, pois à data tudo fazia crer que a obrigação SLN era um produto seguro, sendo que o banco não garante o risco geral de incumprimento das obrigações, nem o risco de solvabilidade da SLN. Prossegue o Banco considerando que estamos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução financeira, que foi já cumprido no ato de subscrição. Assim, para efeitos de responsabilidade civil, na perspetiva do recorrente, releva somente o contrato principal que tem por objeto a execução de uma ordem dada pelo Autor, enquanto investidor, à entidade emitente, a SLN, sendo apenas esta a única entidade responsável pelo não reembolso do capital.

Não subsistem dúvidas, pois, que o Banco atuou como intermediário financeiro, qualidade que nem sequer impugnou.

As instituições de crédito podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira — cf. artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos e artigo 293.º, n.º 1, alínea a) do CVM.

Essas atividades de intermediação financeira estão reguladas em especial nos artigos 289º e ss. do CVM, onde são classificadas, seguindo Menezes Leitão (“Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros”, in: Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 131 e 132): 1) em serviços de investimento em valores mobiliários; 2) serviços auxiliares de investimento e 3) gestão de instituições de investimento coletivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários.

No caso, o que releva são os serviços de investimento previstos no artigo 290º do CVM, na redação do DL n.º486/99 de 13/11, que estava em vigor quando o Autor em abril de 2006 adquiriu obrigações SLN, por sugestão e intermédio do Réu, dado que as alterações introduzidas ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, apenas passaram a vigorar em 01-11-2007.

O artigo 290º, na redação original, estipulava:

1- São serviços de investimento em valores mobiliários:

a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem;

b) A execução de ordens por conta de outrem;

c) A gestão de carteiras por conta de outrem;

d) A colocação em ofertas públicas de distribuição;

2- A negociação por conta própria em valores mobiliários é considerada serviço de investimento quando realizada por intermediário financeiro.

Por outro lado, o n.º 3 dispunha que «A mediação em transações sobre valores mobiliários considera-se equiparada ao serviço receção e a transmissão de ordens por conta de outrem».

No caso, dado que a intervenção do Réu consistiu na aquisição de obrigações na sequência da ordem meramente formal por parte do Autor, mas induzido pelo funcionário do Réu, estamos perante uma atividade de mediação em transações prevista no n.º 3 do artigo 290º do CVM.

A ordem de aquisição de investimento, em si, não é em rigor um contrato, mas em regra a emissão da ordem é efetuada no âmbito de uma relação existente entre o investidor e o intermediário financeiro, que pode integrar a tipificada relação de clientela, prevista no artigo 322º n.º 3, do CVM, ou um contrato-quadro.

Assim, como ocorreu no caso presente, a ordem de investimento dada ao banco insere-se numa relação estável estabelecida entre banco e ordenador, e não pode ser considerada isoladamente.

Esse contrato celebrado entre o banco e o cliente teve início com a abertura de contas de depósito a prazo, e apresenta um carácter genérico, dentro do qual cabem várias figuras contratuais e atividades de natureza material, funcionando como uma espécie de contrato quadro. A relação estabelecida entre o banco e o ordenador com este enquadramento é diferente da simples ordem de bolsa e, na medida em que traduz um encontro de vontades, é um contrato.

Os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados, prestam, no mercado de valores mobiliários, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

Estamos, pois, no âmbito da responsabilidade contratual do intermediário financeiro perante o investidor.

4. O direito aplicável ao caso concreto, tratando-se de obrigações SLN 2006, subscritas em abril de 2006 (factos provados 1.º e 9.º) , é o Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, interpretado à luz dos critérios fixados no AUJ n.º 8/2022.

O artigo 7.º do CVM dispõe o seguinte:

1- A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 – O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 – O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.

4 – À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Por sua vez, o artigo 304º, sob a epígrafe (Princípios), estabelece que:

1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(...)»

O artigo 309º (Conflito de interesses) preceitua o seguinte:

1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 – (...).

E o artigo 310°, sob a epígrafe (Intermediação excessiva), dispõe no seu no 1 que:

«1 – O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre valores mobiliários ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objectivo estranho aos interesses do cliente».

Deve ainda o intermediário financeiro, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a) e n.º 2).

No artigo 314.º do CVM estabelece-se a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública:

«1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».

5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:

- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;

- a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.

- a culpa do intermediário financeiro, por força da presunção de culpa estabelecida na regra do n.º 2 do artigo 314.º, ilidível nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.

- o nexo de causal entre a violação do dever de informação e o dano, que deve ser aferido pelo critério da causalidade adequada nos termos do artigo 563.º do Código Civil, que prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

- o dano, que, em termos genéricos, consiste no prejuízo resultante do investimento nas obrigações.

6. Violação culposa do dever de informação: ilicitude e culpa

Afastada pelo AUJ n.º 8/2022 a possibilidade de aplicar uma presunção legal de ilicitude, cabe ao autor da ação o ónus da prova da violação do dever de informação.

Vejamos, pois, em primeiro lugar, se os recorrentes cumpriram este ónus da prova, tal como decorre da matéria de facto provada, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.

O Autor é titular de quatro obrigações subordinadas SLN 2006 no valor nominal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) cada uma (facto provado n.º 1), que subscreveu em abril de 2006 (facto provado n.º 9), na sua agência da ... (facto provado n.º 2), mediante proposta feita pelo funcionário do banco réu (facto provado n.º 4). O Autor tinha um perfil de investimento conservador e cauteloso, preferindo a aplicação das suas poupanças em depósitos a prazo (facto provado n.º 3)

Nos termos do facto provado n.º 5, na agência do banco réu, onde tinha a sua conta à ordem e as suas poupanças, o Autor “(...) foi informado que as obrigações referidas em 1 ° constituíam um investimento sem risco, de capital garantido, pagamento de juros semestrais em percentagem superior ao que auferiria um depósito a prazo, e com possibilidade de resgate do capital, quando assim o entendesse, mediante aviso com antecedência ao Réu”. Por outro lado, conforme facto n.o 6, não foi disponibilizada ou entregue ao Autor qualquer documentação relativa às obrigações referidas em 1 °, designadamente, a nota informativa de fls. 24 verso a 40 verso, aqui reproduzida. O facto n.º 7 afirma que nunca o gerente ou funcionários do BPN, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2006, ou ainda, na designação de fls. 24 - "SLN RM 2 — SLN 2006".

7. Da factualidade que se acaba de descrever, resulta que o autor, um investidor conservador, subscreveu obrigações SLN, por iniciativa do funcionário da agência onde tinha conta à ordem, sem que lhe tivesse sido explicado o que eram obrigações e o respetivo regime jurídico. O Banco Réu, através dos seus funcionários, pelo contrário, assegurou ao autor (e demais clientes) que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, sem risco de perda de capital, com pagamento de juros semestrais acima do valor dos depósitos a prazo e com possibilidade de resgate a qualquer momento.

Ora, tendo em conta o âmbito e o alcance do conteúdo atribuído pelo AUJ n.º 8/2022 ao dever de informação do intermediário financeiro, é manifesto que o Banco não cumpriu os deveres de informação que sobre ele impendiam.

O AUJ n.º 8/2022 aceitou o princípio já sedimentado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual o intermediário financeiro deve prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (artigo 312.º, n.º 1, do CVM). Além disso, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2, do CVM), o que significa que a “intensidade do dever de informação varia em função do tipo contratual e do perfil do cliente” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/10/2018, proc. n.º 2339/16.4...), devendo o grau de conhecimentos e experiência reportar-se ao produto financeiro em causa.

O AUJ n.º 8/2022 entendeu, também, que se o intermediário financeiro equipara uma obrigação a um depósito a prazo, e afirma que o capital é garantido, falta aos seus deveres de informar com verdade, rigor e exatidão o investidor, conforme decorre do seguinte excerto:

«Ora, se o intermediário financeiro equipara simplesmente a subscrição de obrigações subordinadas a um depósito a prazo, viola esse dever de informação, porquanto existem diferenças assinaláveis e muito significativas entre os dois produtos, que aqui resumidamente se apontam:

— As obrigações representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é a entidade emitente que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da solidez financeira da entidade emitente.

A subscrição de uma obrigação é um investimento e, através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através dos depósitos a prazo.

As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito bancário.

— Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do Decreto -Lei n.º 430/91, de 2 de novembro).

Como se refere no acórdão de 5/12/2019, no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.

— o Fundo de Garantia de Depósitos encontra -se regulado nos artigos 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito. A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 e foi transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto -Lei n.º 246/95, de 14 de setembro —(...).

Ora, sendo o Autor cliente conservador, que não sabia o que eram obrigações, o Banco devia ter dito que o investimento proposto implicava risco de perda de capital e que, em caso de insolvência da empresa emitente, a SLN, o autor ficaria numa posição desfavorável em relação aos demais credores para reclamar o seu crédito, visto que só após os credores comuns serem satisfeitos é que poderia ter oportunidade de obter a realização do seu crédito obrigacionista, como resulta do disposto na al. c) do artigo 48º do CIRE (DL nº53/2004, de 18 de março). Ora, como resulta à saciedade da matéria de facto provada, nada disto foi explicado ao autor. Pelo contrário, foi-lhe dito que o produto financeiro em causa era semelhante a um depósito a prazo e que o capital era garantido. A circunstância de se avizinhar ou não a probabilidade de uma crise financeira nada releva para este efeito, pois o conteúdo dos deveres de informação não pode depender, em relação a clientes conservadores, não qualificados, de previsões financeiras otimistas em relação ao futuro.

O Banco enquanto intermediário financeiro está vinculado por força da lei à proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros, devendo indagar sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer – no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente (artigo 304.º, n.º 3, do CVM), observando os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

O facto de o cliente ter sido induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar para lhe propor a subscrição de obrigações, dizendo-lhe que é um produto com capital garantido tal como um depósito a prazo, agrava o juízo de ilicitude, no sentido em que qualquer reticência ou vaguidade de informação já seria violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro.

O não cumprimento dos deveres de informação, se bem que podendo ser sancionado ao abrigo do artigo 227.º do Código Civil (culpa na formação dos contratos), que consagra a chamada responsabilidade civil pré-contratual, tem sido sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799o, no1, do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do artigo 314 do CVM, quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

No caso concreto, não resultou provado qualquer facto suscetível de ilidir a presunção de culpa que recai sobre o Banco. Acresce que o padrão para avaliar a culpa não é o critério abstrato fixado no artigo 487.º do Código Civil, que remete para a figura tradicional do «bom pai de família», sendo exigível ao intermediário financeiro, por força da legislação específica que regula esta relação obrigacional com o cliente, um grau de diligência mais acentuado, em que não são toleráveis procedimentos que possam ser considerados culpa leve.

Assim sendo, deve entender-se que ficou demonstrada a violação culposa do dever de informação.

A informação prestada foi incompleta, falsa e obscura, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022, onde se consagrou o seguinte na sua fundamentação:

«A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.

(...)

A informação foi incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.

Ao contrário da informação do Banco, porquanto se tratava de um empréstimo obrigacionista em que, em caso de falência ou liquidação do emitente, o reembolso das obrigações fica subordinado ao prévio reembolso de todos os demais credores não subordinados da emitente: “apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns” (Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª edição, p.137).

A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto».

8. Assim, tem de se concluir que o Banco violou culposamente os deveres de informação que sobre ele impendiam.

Improcedem, pois, as conclusões 1.ª a 60.ª da alegação de recurso do Banco BIC, réu nos presentes autos.

9. Nexo de causalidade entre o facto e o dano

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

10. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1 do AUJ n.º 8/2022). O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

11. Apesar de o AUJ n.º 8/2022 não ter aceitado a tese da presunção do comportamento conforme à informação, não quis dificultar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova do nexo causal, nem afastar todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, pretendendo até facilitar o ónus da prova para não se inverter a lógica do instituto da responsabilidade civil.

Veja-se o seguinte excerto dos fundamentos do AUJ n.º 8/2022:

«O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais».

Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2019 (proc. n.º 2259/17.5...), sobre a conceção de nexo causal na responsabilidade civil:

«É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano.

É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» ([5]).

(...)

Essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados ([6]).»

(...)

Como também considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (p. 08A3747), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».

É o que, em suma, nos transmite o ensinamento do Prof. Vaz Serra ([7]) de que a causa em sentido jurídico se deve restringir àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado, independentemente de este ter sido, exclusivamente, condicionado por tal causa:

«O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.».

A causa (normativamente adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.

Todavia, por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.

E «[q]uando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)», como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009».

12. O Banco entende que a insolvência da SLN quebra o nexo causal, mas não tem razão.

Como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2019 (proc. n.º 2259/17), o facto de o Banco ter violado o dever de informação, «(...) não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado».

Em face do âmbito do dever de informação, tal como delimitado no AUJ n.o 8/2022, e que deve incidir sobre as consequências da insolvência da entidade emitente, o dano tem o seu início, a sua primeira condição, na tomada da decisão acerca da aquisição das obrigações, com o inerente risco de perda de capital por insolvência da empresa emitente, sobre o qual o banco não informou o investidor.

13. Para o efeito de determinar se ficou ou não preenchido o ónus da prova importa analisar a matéria de facto provada relativamente à violação do dever de informação (factos n.º 1 a n.º 7), e, em particular, o facto provado n.º 8, que tem o seguinte conteúdo:

«Caso o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco BPN não o autorizaria».

Nesta factualidade é por demais evidente que se encontra verificado o nexo de causalidade entre a conduta do Banco Réu/recorrente e o dano, pois provou-se que o autor se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações – um produto de risco, sem capital garantido pelo BPN – não o teria autorizado.

Improcedem, pois, as conclusões 61.º a 74.º.

14. Nos termos do facto provado n.º 12, o Autor não foi restituído do capital investido nas obrigações referidas em 1°, cujo vencimento ocorreu a 8 de maio de 2016. Pelo que se conclui que o Banco Réu incorre na obrigação de indemnizar o autor pelo dano da perda do capital.

15. Não tendo o Banco questionado a forma como foi determinado o montante ou a extensão do dano patrimonial indemnizável, nem o Autor, em recurso subordinado, impugnado a não ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, confirma-se a decisão do acórdão recorrido e condena-se o Banco BIC a pagar ao Autor a quantia de € 200.000,00 acrescida de juros moratórios, vencidos desde 8 de maio de 2016, e vincendos, até integral pagamento, à taxa supletiva legal que for vigorando para as operações meramente civis.

16. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I – Encontrando-se assente na factualidade provada do caso, que, «Caso o Autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo Banco BPN não o autorizaria», considera-se cumprido o ónus da prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, a cargo do investidor, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)