Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3967
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: SJ200712040039677
Data do Acordão: 12/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

1. Enquanto no substabelecimento sem reserva se verifica a exclusão do primitivo mandatário, tal como decorre do n° 3 do art. 36° C.Pr.Civil, já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada por dois mandatários, cada um deles com plenos poderes para praticar actos processuais em representação da parte. O substituinte não é, neste caso, excluído da posição representativa, subsistindo antes dois mandatos.
Em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos poderes de representação, as notificações a fazer no processo poderão ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios.
Só assim não acontecerá se tiver sido escolhido domicílio específico para recebimento das notificações, situação em que as mesmas serão então dirigidas para esse domicílio.
2. O art. 20° da Constituição da República reconhece vários direitos, direitos esses que integram o direito geral de protecção jurídica.
Esse direito abarca normativamente, desde logo, o direito que a todos é reconhecido de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade – n° 2 do citado art. 20°.
O entendimento de que, no caso de substabelecimento com reserva, as notificações a fazer no processo poderão ser feitas a qualquer dos advogados, mostra-se perfeitamente razoável e proporcionado, não podendo ver-se nela uma limitação do direito de acompanhamento pleno por advogado.
Daí que a interpretação dos arts. 36° e 254° C.Pr.Civil com este sentido não enferme de qualquer inconstitucionalidade.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

CÂMARA MUNICIPAL DE PONTE DA BARCA,

intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra

... - SERVIÇOS E INVESTIMENTOS DO ALTO LIMA, LDª,

tendo a acção sido julgada procedente logo no despacho saneador quanto a um dos pedidos formulados e procedente ainda, quanto aos restantes, na sentença final.

Inconformada recorreu a ré, tanto daquela como desta sentença, tendo a Relação de Guimarães julgado improcedentes ambos os recursos de apelação.

Ainda irresignada, recorreu de novo a ré agora para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso admitido como revista, mas julgado deserto por falta de alegações.

Posteriormente veio o mandatário que, ao abrigo de um substabelecimento com reserva, motivara o recurso da sentença que conhecera de parte do pedido no saneador, arguir a nulidade daquele despacho que julgara deserto o recurso com o fundamento de lhe não ter sido notificado o acórdão da Relação.
Por despacho do relator, confirmado em conferência, foi esta nulidade desatendida.

Inconformado com esta decisão dela agravou a ré, pugnando pela sua revogação com a consequente notificação ao mandatário com poderes substabelecidos do acórdão que conheceu das sentenças proferidas em 1ª instância.

Contra-alegou a recorrida sustentando, no essencial, que o substabelecimento foi outorgado unicamente para elaboração das alegações de recurso de apelação interposto do saneador, continuando o advogado inicialmente constituído a assumir a prática do patrocínio em todos os actos, pelo que se não impunha a notificação do acórdão da Relação ao advogado substabelecido.

***


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Âmbito do recurso


A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, a discordância da agravante radica, em síntese, no seguinte:


1. Tendo sido emitido substabelecimento passaram a existir no âmbito do processo dois mandatários, pelo que se não podia ignorar que era ao mandatário com poderes substabelecidos que deviam ser (também) efectuadas as notificações de todos os actos respeitantes ao primeiro acto no qual teve intervenção.

2. E isto porque era um legítimo interesse da parte, que o Tribunal não podia ter ignorado, que fosse o mandatário com poderes substabelecidos a pleitear em tudo quanto respeitasse ao desenvolvimento do recurso que intentou, ao abrigo dos seus poderes, ainda que substabelecidos.

3. Implicitamente, ficou estabelecido que o mandatário com poderes substabelecidos receberia no seu domicílio profissional todas as notificações relativas ao recurso que intentou, ao abrigo dos seus poderes.

4. Até porque o substabelecimento se justificou pelo facto do mandatário apresentante das alegações de recurso pertencer a um escritório especializado na área de direito em causa nas mesmas (direito administrativo), o que, só por si, constituía motivo suficiente para que no caso não fosse indiferente que qualquer um dos mandatários da parte no processo fosse notificado pelo Tribunal.

5. Porque os art.° 36.°, n.° 3, 253.° e 254.° do CPC devem ser conjugadamente interpretados à luz do artigo 22 °, n.° 2 da Constituição, sob pena de interpretados de outra forma, incorrerem estas normas legais em inconstitucionalidade por violação da referida disposição jusfundamental.


B- Face à posição do recorrente vertida nas conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, a verdadeira questão controvertida a dilucidar reconduz-se a averiguar se ao mandatário forense substabelecido com reserva lhe devem também ser notificadas todas as decisões relacionados com o acto processual para que foi substabelecido.


III. Fundamentação


A- Os factos

Com interesse para decisão desta questão controvertida, para além dos factos referidos no relatório, há ainda a considerar mais o seguinte:

1- Encontra-se incorporada nos autos a fls. 292 uma Procuração na qual ... … constitui seu bastante procurador DR. AA, S, contribuinte fiscal n° ..., advogado com escritório na Rua Quelha das Hortas,..., da vila de Arcos de Valdevez, a quem confere poderes gerais forenses, junta com a contestação.

2- Do despacho saneador foi interposto recurso mediante requerimento subscrito por este mandatário forense –fls. 353, a quem foi notificado o despacho da sua admissão –fls. 371.

3- As alegações referentes a este recurso foram subscritas pelo advogado BB, tendo sido incorporada nos autos, a fls. 412, um substabelecimento assinado pelo Dr. AA aí se consignando que no Sr. Dr CC, no Sr. Dr. DD e no Sr. Dr. BB, advogados com escritório na Rua Ricardo Severo n.° ..., na cidade do Porto, substabeleço, com reserva, os poderes que me são conferidos por ...- Serviços e Investimentos do Alto Lima, L.da, pela procuração junta aos autos de Acção Ordinária que corre termos sob o número 37/03.8T.B. P.T.B. no Tribunal Judicial de Ponte da Barca.

4- Posteriormente, o advogado AA continuou a intervir sozinho na tramitação processual subsequente.

5- O acórdão da Relação de Guimarães foi notificado apenas a este advogado.


B- O direito

1.1- O mandato judicial, que pode ser conferido por instrumento público ou documento particular ou mesmo por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência processual (art. 35º C.Pr.Civil), confere ao mandatário poderes para representar a parte em todos os actos e termos do processo (nº 1 do art. 36º C.Pr.Civil).
E preconiza o nº 2 do mesmo art. que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.
Com o substabelecimento o mandatário está a investir uma outra pessoa, igualmente habilitada, nos poderes de representação forense da parte e no dever de os exercer, como refere Castro Mendes (1)
O substabelecimento pode ser com ou sem reserva. Enquanto nesta segunda hipótese se verifica a exclusão do primitivo mandatário, tal como decorre do nº 3 do mesmo art. 36º, já no substabelecimento com reserva, a parte fica representada por dois mandatários, cada um deles com plenos poderes para praticar actos processuais em representação da parte. O substituinte não é, neste caso, excluído da posição representativa, subsistindo antes dois mandatos.
Desde que o substabelecimento não contenha qualquer limitação, ambos os mandatários ficam com iguais poderes de representação da parte.

O mandatário judicial constituído no processo, sempre que o juiz ou a lei processual o determinem, tem de ser notificado de todos os actos que se vão praticando, para assumir as suas competências e obrigações funcionais.
Esta omissão é geradora de nulidade porquanto é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 201º C.Pr.Civil.
A notificação do advogado é feita nos termos e com as formalidades previstas no art. 254º C.Pr.Civil, sendo a respectiva carta registada enviada para o escritório ou domicílio por ele escolhido.
Enviada para essa direcção, mesmo que devolvida a carta, tem-se a notificação por efectuada, em conformidade com o preceituado no nº 4 do art. 254º.

Em caso de substabelecimento com reserva, assumindo ambos os advogados plenos poderes de representação, as notificações a fazer no processo poderão ser feitas a qualquer deles, nos respectivos escritórios.
Só assim não acontecerá se tiver sido escolhido domicílio específico para recebimento das notificações, situação em que as mesmas serão então dirigidas para esse domicílio.

Na situação vertente, o primitivo mandatário substabeleceu com reserva num outro advogado, substabelecimento não direccionado para a prática de qualquer acto judicial específico. Depois e como se consignou no acórdão recorrido, não foi escolhido domicílio próprio para recebimento das notificações.
Assim sendo, as notificações podiam ser feitas a qualquer dos advogados, tanto ao primitivo como ao substabelecido.
A notificação do acórdão proferido na Relação foi correctamente efectuada quando dirigida para o escritório do primitivo mandatário, pelo que de nenhuma irregularidade padece.


1.2- Sustenta ainda a recorrente que, ao admitir-se que apenas um dos advogados devia ser notificado, está-se a limitar a escolha de mandatário para a prática de actos específicos no âmbito do processo e, como tal, a violar o princípio constitucional vertido no art. 20º da Constituição da República.

O art. 20º da Constituição da República reconhece vários direitos, direitos esses que integram o direito geral de protecção jurídica.
Esse direito abarca normativamente, desde logo, o direito que a todos é reconhecido de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade – nº 2 do citado art. 20º.
Este direito não foi cerceado à recorrente que, em vez de um só mandatário forense, passou a ter mais do que um com o substabelecimento com reserva. E a todos eles foi reconhecido o direito de intervirem processualmente.
Agora o que a lei ordinária impõe é que só um desses advogados seja notificado dos actos processuais. E isto para evitar a anarquia processual relacionada com a verdadeira contagem de prazos que resultaria da notificação a todos e cada um desses advogados.
Este entendimento mostra-se perfeitamente razoável e proporcionado, não podendo ver-se na notificação dos actos processuais apenas a um desses advogados uma limitação do direito de acompanhamento pleno por advogado.
E este direito fundamental não foi afectado, na sua essência, por essa regra processual, porquanto a recorrente não viu cerceado o direito à escolha de mandatário, nem à intervenção no processo de qualquer um dos advogados escolhidos.
Daí que a interpretação dos arts. 36º e 254º C.Pr.Civil com aquele sentido não enferme de qualquer inconstitucionalidade.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em negar provimento ao agravo e condenar a recorrente nas custas.


Lisboa, 4 de Dezembro de 2007

Alberto Sobrinho (Relator)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Salvador da Costa

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(1) in Direito Processual Civil, II, pág. 141.