Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | CUSTÓDIO MONTES | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DIREITO INTERNACIONAL DIREITO COMUNITÁRIO TRATADOS MENORES DIREITO DE VISITA DIREITO DE GUARDA DE MENORES | ||
Nº do Documento: | SJ200412090039397 | ||
Data do Acordão: | 12/09/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 10809/03 | ||
Data: | 05/10/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Sumário : | 1. O direito convencional internacional, desde que ratificado ou aprovado, tem recepção automática no direito interno português e tem primazia sobre o mesmo. 2. Os factores de atribuição de competência internacional dos tribunais portugueses só são de ter em conta se tal matéria não estiver estabelecida em tratados, convenções, regulamentos comunitários ou leis especiais. 3. Em questões de direito de visita e de guarda, a Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo estipula que o tribunal da residência dos menores é o único competente, cujas decisões são executórias no Estado requerente e, a pedido do M.º P.º ou da pessoa interessada, no Estado requerido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O M.º P.º requereu a favor da menor A Acção de limitação ao exercício do poder paternal e fixação de visitas dos avós paternos, nos termos do art. 1887.º-A do CC e art. 146.º, i) da OTM. A requerida, B, mãe da menor, na contestação, para além de pedir a improcedência da acção, excepcionou a incompetência internacional dos tribunais portugueses, por ser no Luxemburgo a residência habitual da menor. Os avós da menor responderam à matéria da excepção, que impugnaram. Em conferência foi fixado um regime provisório do regime de visitas dos avós paternos à menor. O tribunal da 1.ª instância julgou procedente a invocada excepção de incompetência dos tribunais portugueses e absolveu a requerida da instância, decisão que foi mantida, embora por outros motivos, no recurso de agravo interposto, entretanto, para a Relação de Lisboa pelo M.º P.º. Novamente inconformado, o M.º P.º interpôs recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes Conclusões: 1. O aliás douto Acórdão violou as disposições dos artigos 65° n.º 1 al. d) C PC, 155° n.o 3 OTM, 1887°-A CC, e por erro de interpretação as convenções intencionais, quer a de Haia, de 5-10-1961, aprovada DL 48494 de 27-7-1968, nomeadamente artigo 1 ° a 5°, quer a convenção com o Grão Ducado do Luxemburgo, aprovada AR n.o 6/94 DR I-A 5-2-1994, nomeadamente arts 1° e 3° (DL 314/78 de 27-10) e normas constitucionais portuguesas, como artigos 4°,13°,e 69° CRP, que aqui se invocam para todos os efeitos legais. A requerida contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Matéria de facto a considerar 1. A, filha de C e de B, nasceu no dia 2.3.93, no Luxemburgo, sendo de nacionalidade portuguesa; A questão fundamental suscitada no recurso é a de saber se a Convenção entre o Governo da República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo, relativa ao auxílio judiciário em matéria de Direito de Guarda e de Direito de Visita, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 6/94, de 5.2 é apenas aplicável em casos de "situações de protecção, aquando do perigo iminente e por isso de competência exclusiva para aplicação a estrangeiros", sendo da exclusiva competência dos tribunais nacionais as medidas tutelares cíveis, como a de limitação do poder paternal, ou se a mesma Convenção é aplicável, sem essas restrições, em matéria de direito de guarda e de direito de visita, como se decidiu no Acórdão sob recurso. Uma outra questão, mas apenas no caso de esta primeira ser julgada neste segundo sentido, é a de saber, se, assim interpretadas as respectivas normas, ocorre violação dos arts. 4.º, 13.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa. 1.ª questão Dispõe o art. 65.º, do CPC: 1. Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (1) , a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias: b...... c..... Dada a inserção sistemática da excepção com se inicia o normativo transcrito, logo se vê que os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses só são tidos em conta se tal matéria não estiver estabelecida em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais. De facto, o n.º 1 do art. 65.º citado é claro, ao preceder a definição dos factores de atribuição da competência internacional da expressão "sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções ..." E é assim, porque o direito convencional internacional, no caso dos autos, desde que ratificado ou aprovado, tem recepção automática no direito interno (2) e tem primazia sobre o mesmo. (3) (4) O Acórdão sob recurso aplicou ao caso dos autos a Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo, acima referida, depois de ter excluído a competência internacional dos nossos tribunais e a aplicabilidade do art. 155.º da OTM. Diz-se, de facto, no Acórdão sob recurso que, face ao disposto no art. 155.º, 5 da OTM (5), este normativo é inaplicável ao M.º P.º, que, sendo susceptível de domicílio não o é de residência, apenas própria das pessoas físicas (art. 82.º, 1 do CC), sendo o requerente da acção a menor, em representação da qual o M.º P.º a intentou. E, residindo a menor e a mãe no estrangeiro, "a competência interna do tribunal português dependeria da prévia determinação da competência internacional dos tribunais portugueses - arts. 65.º, 1, b) do CPC e 155.º, 5 da OTM - ou seja, a competência territorial não permite achar a competência internacional". Por outro lado, o Acórdão sob recurso, fundamentando de forma diferente da sentença da 1.ª instância, considerou inaplicável a Convenção de Haia de 1961, por força dos arts. 3.º e 28.º (6) da Convenção entre a República Portuguesa e o Grão-Ducado do Luxemburgo, pois, aquela no seu art. 4.º implica a formulação pelas autoridades nacionais duma especial exigência na satisfação dos interesses da menor que, no caso, se não entendeu assumir. Vejamos, então, o que dispõe, sobre a questão, a Convenção aplicada ao caso dos autos. O art. 1.º: 2. A presente Convenção tem por objectivo: a) Reconhecer e executar as decisões judiciárias relativas à guarda e ao direito de visita proferidas num dos Estados Contratantes. 1.a) Os tribunais do Estado da residência habitual do menor são os únicos competentes para conhecer das questões em matéria de direito de guarda e de visita, excepto no âmbito de um processo de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens. b.... 2. O tribunal chamado a pronunciar-se sobre uma questão em violação do n.º 1 declara-se, oficiosamente e em qualquer momento, incompetente para conhecer da questão. Ora, destes dispositivos não resulta a interpretação restritiva que o Digno recorrente defende, (7) porque a expressão "protecção das crianças", contida no preâmbulo da Convenção não tem o sentido específico que o Digno recorrente lhe empresta mas antes, um sentido lato. Por outro lado, a expressão "reconhecer e executar as decisões judiciárias relativas à guarda e ao direito de visita proferidas num dos Estados Contratantes", contida na al. a), 2 do art. 1.º citado, pressupõe o proferimento dessas mesmas decisões judiciárias relativas à guarda e ao direito de visita pelo Estado Contratante que for competente, tal como a Convenção define essa mesma competência, relativamente à guarda e ao direito de visita dos menores. Reconhece-se ainda que o único tribunal competente nessa matéria é o tribunal da residência habitual dos menores, por ser esse o que está em melhores condições para tutelar eficazmente os interesses do menor. E as decisões proferidas ao abrigo do art. 3.º da Convenção são executórias, como flui de várias normas da mesma Convenção. (8) A Convenção prevê até a alteração do direito de visita ao progenitor que se encontre impossibilitado de entrar no Estado da residência habitual do menor, (9) o que, obviamente, está em consonância com a disposição que refere como único tribunal competente para a definição de tais direitos, o do Estado da residência habitual do menor. Diga-se, finalmente, que a Convenção se reporta aos direitos de guarda e de visita dos menores e não à Regulação do poder paternal, estatuto pessoal da menor, o que não permite as ilações que o Digno recorrente extrai para efeitos da competência do tribunal. Aliás, no caso em apreço, nem sequer se põe essa questão porque o poder paternal pertence à mãe da menor. (10) Por outro lado, a tese do Digno recorrente permitiria que em casos tão melindrosos, o Estado da residência da menor definisse o direito de visita, no superior interesse da criança e, depois, o tribunal da nacionalidade o alterasse, o que, a nosso ver, a Convenção não permite traria qualquer acrescento aos princípios constitucionais invocados no recurso, como adiante se mencionará. Aliás, vê-se bem dos autos que o direito de visita dos avós está regulado no Luxemburgo, tendo sido restringido o mesmo por forma a que a menor não ficasse a dormir em casa dos avós, com base no superior interesse da menor, conforme parecer da psicóloga ouvida. (11) E esta acção visa alterar essa situação (depois de o não terem conseguido no tribunal do Luxemburgo), conforme facilmente se apreende do pedido formulado. (12) Concluímos, pois, como na Relação, cuja decisão se deve manter. 2.ª questão Suscita ainda, o Digno recorrente, uma questão de inconstitucionalidade assim colocada: "Lá como cá, em Portugal, não carecem as ordens jurídicas de convenções para regular o poder paternal de estrangeiros no país. Nós regulamos o poder paternal aos menores estrangeiros aqui residentes, mas não impedimos que essa regulação do poder paternal seja feita pelo País da nacionalidade do menor ..." o que seria inconstitucional, por os Estados não deverem rejeitar os direitos de cidadania aos seus nacionais; se assim fosse, haveria violação dos arts. 4.º (cidadania), 13.º, (igualdade), 14.º e 19.º (protecção do Estado Português aos menores e no estrangeiro). Esta alegação é destituída de fundamento porque a finalidade da Convenção aplicada no Acórdão sob censura visa "assegurar a protecção da criança" e "reconhecer e executar as decisões judiciárias relativas à guarda e ao direito de visita proferidas num dos Estados Contratantes" - proferidas, dizemos nós, no tribunal competente. Não está em causa o direito de Regulação do Poder paternal porque, como se disse, ele pertence à mãe nem, por outro lado, as finalidades tidas em vistas pela Convenção afectam, em nada, os direitos da cidadania portuguesa, (13) da igualdade (14) ou da protecção do estado português aos menores no estrangeiro. (15) É, pois, destituída de qualquer fundamentação a pretensão do Digno recorrente. Decisão Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida. Sem custas por delas estar isento o M.º P.º Lisboa, 9 de Dezembro de 2004 Custódio Montes Neves Ribeiro Araújo Barros ----------------------------------------- (1) Sublinhado nosso. |