Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B711
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
ANALOGIA
Nº do Documento: SJ200304100007112
Data do Acordão: 04/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1882/02
Data: 09/26/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" PORTUGUESA, SA demanda B - INSTALAÇÕES DE GÁS, LDA, C e D, pedindo a condenação da 1ª ré no pagamento da quantia de 13.166.800$00 e o 2º e 3º réus condenados solidariamente a pagar-lhe e por conta da quantia de 13.166.800$00, o montante de 1.000.000$00, acrescida de juros de mora vincendos sobre 13.166.800$00 à taxa legal supletiva de 12% ou outra que venha a estar em vigor até integral pagamento.
Alega para tanto que celebrou com a 1ª ré um contrato de revenda de gases liquefeitos do petróleo e que esta o não cumpriu, garantindo os 2º e 3º réus a responsabilidade resultante deste contrato até ao montante de 1.000.000$00.
Contestaram os réus alegando que foi a autora quem incumpriu o contrato, cansando-lhes avultados prejuízos, pedindo em reconvenção a condenação da autora no pagamento de 13.006.309$00 para ressarcimento dos prejuízos sofridos com a conduta da autora.
Houve réplica e tréplica.
Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos normais, realizando-se a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença onde, julgando-se a acção parcialmente procedente, se condenaram solidariamente todos os réus a pagarem à autora uma indemnização no montante de 1.000.000$00; e, julgando-se improcedente a reconvenção, absolveu-se a autora do pedido.
A autora e os réus apelaram, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de Setembro de 2002, negando provimento à apelação da autora e dando parcial provimento à apelação dos réus, julgado improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo a autora e os réus dos pedidos.
A autora e os réus interpuseram recurso de revista para este Tribunal.
Os réus concluem assim, a sua alegação do recurso:
1- Os fundamentos do acórdão recorrido estão em oposição com a decisão, uma vez que esta não conclui pela procedência (pelo menos) parcial da reconvenção decretando fundada a resolução do contrato operada pela recorrente, o que acarreta a nulidade do acórdão recorrido, nos termos do art. 668º, nº 1, c), aplicável ex vi art. 716º, ambos do C.P.C., nulidade esta que expressamente se invoca.
2- Nos termos do nº 4 do art. 668º do C.P.C. deverá tal nulidade ser suprida.
3- Decidindo-se como se deverá decidir nos termos do número anterior que a ora recorrente resolveu válida e eficazmente o contrato, assiste-lhe também, atento o disposto nos arts. 562º e segs., 798º e 801º, nº 2 do Código Civil e Cláusula 11ª do Contrato de Revenda, o direito a ser ressarcida pelos prejuízos sofridos.
4- Assim, salvo melhor opinião, dever-se-á fixar a indemnização peticionada pela recorrente em 58.517,98 Euros. Em suma,
5- Deve o pedido reconvencional ser julgado parcialmente provado e procedente, revogando-se o acórdão recorrido nesta parte, por violação dos arts. 405º, 406º, 562º, 566º, 762º, 798º, 799º e 801º, todos do Código Civil.
A autora conclui assim, a sua alegação do recurso:
1- A 1ª ré, ao transmitir a sua posição contratual a terceiro concorrente da A sem o seu consentimento, violou e incumpriu o contrato celebrado com a ora recorrente (nº 1 do art. 424º do Código Civil).
2- A 1ª ré, ao deixar de adquirir produtos fornecidos pela ora recorrente a partir de 10/5/00, faltou culposamente às suas obrigações contratuais (nº 1 do art. 762º do Código Civil, a contrario, art. 798º do Código Civil).
3- A 1ª ré não tinha motivo justificativo para rescindir o contrato celebrado com a ora recorrente, pelo que o mesmo apenas pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou por denúncia, nos termos previstos na cl. 2ª do contrato de revenda (art. 406º do Código Civil, a contrario).
4- A 1ª ré, com as actuações descritas em 1, 2 e 3 destas conclusões, procedeu de má fé (nº 2 do art. 762º do Código Civil).
5- Constitui facto impeditivo do direito invocado pela A o de que os revendedores de 2ª linha (apesar de não serem mais abastecidos pela 1ª ré) continuarem a ser abastecidos pela A, pelo que teria de ser provado pelos ora recorridos, os quais detinham a lista dos clientes (art. 342º, nº 2 do Código Civil).
6- Pelo que a norma jurídica a aplicar, para a determinação da indemnização devida à ora recorrente (ao abrigo da cl. 11ª do contrato, do art. 798º e do art. 32º, nº 1 do DL 178/86) deve ser a que consta no art. 566º, nº 2 do Código Civil, e não a que consta do art. 566º, nº 3 do Código Civil.
7- Pelo que foram violadas, através da sua incorrecta aplicação, as normas constantes nos artigos 424º/1, 762º/1 a contrario, 798º, 406º a contrario, 762º/2, 342º/2 e 566º/2, todos do Código Civil, e art. 32º/1 do DL 178/86 de 3 de Julho.
Contra alegaram os recorridos, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias julgaram provados os seguintes factos:
1- A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a importação e comercialização de produtos derivados do petróleo.
2- Em 1/12/95 a autora e a ré celebraram um contrato no qual a 1ª ré foi nomeada revendedora, para os concelhos de Viseu, Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul e Vouzela, de gases de petróleo liquefeitos fornecidos pela A.
3- Mais ficou acordado que a 1ª ré, durante a vigência do contrato, apenas poderia comprar e vender gases de petróleo liquefeitos que lhe fossem fornecidos pela autora.
4- Em 1/12/95, e conforme estipulado na cláusula 7ª, nº 1, al. c) do contrato, o 2º e 3º réus declararam garantir, renunciando ao benefício da excussão, a responsabilidade resultante do não cumprimento daquele contrato pela ora 1ª ré, até ao montante máximo de 1.000.000$00.
5- A partir de 10/5/00 a 1ª ré não adquiriu mais nenhuma carga de gás A, sendo que o seu ritmo normal de compra diária, até àquela data, era de 22 garrafas de 45 Kg, 23 garrafas de 13 Kg e 7 garrafas de 11 Kg.
6- Em 15/5/00 a autora recebeu uma carta enviada pela 1ª ré, na qual esta declarava rescindir o contrato de revenda celebrado com a autora, invocando incumprimento contratual por parte desta, acrescentando que, em qualquer caso, denunciava o contrato para o fim do prazo em vigor (1/12/00), conforme documento de fls. 17 a 19 cujo teor se dá por reproduzido.
7- Em carta enviada à 1ª ré em 31/5/00 a autora não aceitou nem reconheceu como válida a declaração de rescisão da 1ª ré, conforme documento de fls. 20 que se dá por reproduzido.
8- Entre Novembro de 1999 e Abril de 2000, a 1ª ré comprou na Gás Viseu, Lda, 35.217 Kg de gás butano e 202.355 Kg de gás propano.
9- Entre as partes não foi acordado qualquer obrigação a cargo da 1ª ré de compra de quantidades mínimas de gás.
10- Acresce que, em finais de 1999, a autora propôs a outorga de um aditamento ao contrato inicial, que já estava assinado, pelo menos, pelo Sr. Y, chefe da divisão de gás norte da autora, conforme documento de fls. 89 a 90 que se dá por reproduzido.
11- A 1ª ré, entre Janeiro de 1999 e Maio de 2000, adquiriu à autora ou a empresas indicadas por esta as quantidades de gás butano e propano indicadas no doc. de fls. 21 cujo teor se dá por reproduzido.
12- Em inícios de 2000, a E alterou o seu objecto social, acrescentando a actividade de instaladora de rede de gás e entidade montadora e reparadora de aparelhos de gás, conforme documento de fls. 108 a 110 que se dá por reproduzido.
13- Passados poucos dias, após 12/5/2000, surgiram pela cidade de Viseu, folhetos a publicitar a E e em que esta figurava como revendedor exclusivo da A. Gás, conforme documento de fls. 111 que se dá por reproduzido.
14- Este tipo de folhetos provêm da A. Portuguesa e são cedidos no âmbito dos contratos de revenda aos revendedores em todo o País.
15- Em Maio de 2000 a 1ª ré cedeu à F - Comércio de Combustíveis, Lda, revendedora da G para o concelho de Viseu, os seus clientes de gás de petróleo liquefeito da A.
16- Em consequência do referido em 15, houve clientes que deixaram de ser abastecidos com gás A, o que importou para a autora num prejuízo não concretamente apurado.
17- A autora tentou junto da 1ª ré que esta lhe facultasse a lista daqueles clientes.
18- Parte dos cientes que eram abastecidos pela B com gás A passaram a ser abastecidos pela F com gás G.
19- A margem média da autora era de 50.000$00 por 1.000 Kg de Gás.
20- Entre 1 de Janeiro e 30 de Abril e entre 1 de Novembro e 31 de Dezembro a autora faz 60% das vendas realizadas em todo o ano.
21- Muitos dos clientes que eram abastecidos com gás A pela B são hoje abastecidos com o mesmo gás A pela E.
22- Por volta de 1997, a B passou a ser abastecida de gás A, não directamente pela autora mas através do Depósito Intermédio da autora em Viseu, o qual é gerido pela empresa E, Lda, a qual é também revendedora de primeira linha da gás A.
23- Os revendedores de segunda linha eram clientes angariados pela 1ª ré e vendiam garrafas de gás, eminentemente Butano 13 (garrafas de 13 Kg) e Propano 11 (garrafas de 11 Kg).
24- A 1ª ré não assinou o aditamento.
25- A 1ª ré exercia a actividade de instalação, montagem e reparação de redes de gás em blocos de apartamentos, as chamadas "colectivas".
26- Através deste trabalho, a 1ª ré angariava clientes.
27- De facto, no período que medeia entre Outubro de 1998 e Abril de 1999 a 1ª ré vendeu 172.757 Kg de gás butano 13.
28- A 1ª ré comprava as garrafas de butano de 13 Kg à autora pelo preço de 1.401$00 e revendia-as por 1.650$00.
29- No período que medeia entre Maio de 1998 e Novembro de 1998 a 1ª ré efectuou vendas de gás butano 13 no montante de 134.225 Kg.
30- Quanto ao gás propano 11, no período que medeia entre Outubro de 1998 e Abril de 1999 a 1ª ré vendeu 16.456 Kg.
31- A 1ª ré comprava as garrafas de propano de 11 Kg à autora pelo preço de 1.401$00 e revendia-as por 1.600$00.
32- Assim, no período que medeia entre Maio de 1998 e Novembro de 1998 a 1ª ré efectuou vendas de propano 11 no montante de 14.069 Kg.
33- A 1ª ré comprava as garrafas de propano de 45 Kg à autora pelo preço de 5.651$00 e revendia-as por 6.650$00.
34- Para melhor atender os seus cientes a quem fornecia gás, a 1ª ré, que tinha as suas instalações na Rua D. Nuno Álvares Pereira, mudou as suas instalações para a Rua Nova da Balsa, bl 44-A, Loja C.
35- Assim, celebrou um contrato de arrendamento comercial de duração limitada para locação do novo espaço em 1/3/99 e que se prolongará até 28/2/04, conforme documento junto que se dá por reproduzido.
36- Após a rescisão operada e motivada nos termos expostos, e dado que a 1ª ré neste momento só se dedica à instalação e montagem, tais instalações são inadequadas, dado que não há qualquer atendimento ao público em geral.
37- A 1ª ré pagava a título de renda pelo primeiro espaço locado 30.000$00, sendo que pelas novas instalações despende 95.000$00, montante este actualizável anualmente.
38- Para o negócio de distribuição de gás a 1ª ré adquiriu dois veículos pesados, de matrícula VI e PH, em 25/9/96 e 19/2/98, respectivamente, conforme documento junto que se dá por reproduzido.
39- Porém, e pelas razões já aduzidas, e tendo em conta a restrição da actividade já referida, neste momento os investimentos feitos e em consequência, os referidos veículos já não são necessários, estando parados.
40- O seu preço comercial à presente data, do VI é de 700.000$00 e do PH é de 600.000$00.
41- A autora propôs à 1ª ré o pagamento de 800.000$00 para compensar esta do trabalho que tinha vindo a desenvolver, e bem, no concelho de Viseu.
42- Este montante foi acordado e aceite pela autora e 1ª ré, tendo sido por ambas considerado justo.
43- A autora e 1ª ré, para chegarem a tal montante, tiveram em consideração os seguintes factores: 1) que foi a autora que "comprou" o negócio à H, pela quantia de 5.750.000$00 e que o colocou gratuitamente à disposição da B, Lda; 2) que a B, embora tivesse previsto no contrato que podia revender exclusivamente produtos da A nos concelhos de Viseu, Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul e Vouzela (cl. 1ª, nº 1 do doc. 1, junto à petição inicial), apenas revendeu sempre garrafas de gás no concelho de Viseu; 3) o trabalho desenvolvido até então pela 1ª ré no concelho de Viseu.
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
Analisemos os recursos, começando pelo dos réus cuja respectiva alegação foi apresentada em 1º lugar.
As questões suscitadas neste recurso respeitam: a) à nulidade do acórdão recorrido por oposição entre a decisão e os fundamentos; b) ao ressarcimento da ré pelos prejuízos causados.
Analisemos tais questões:
a) Nos termos do art. 668º, nº 1, al. c), aplicável à 2ª instância por força do art. 716º, nº 1, ambas estas normas do C.P.C., a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Pediu-se na reconvenção, além do mais, que fosse julgada válida e eficaz a rescisão efectuada pela reconvinte por carta datada de 10/5/00, com os efeitos aí descritos e as respectivas consequências contratuais.
No acórdão recorrido reconhece-se que « a Ré sociedade tinha motivos legítimos para rescindir ou resolver o contrato » mas julga-se a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a autora do pedido reconvencional.
Existe assim manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, razão porque o acórdão recorrido é nulo.
Deve pois suprir-se a nulidade, declarar-se em que sentido a decisão deve considerar-se modificada e conhecer-se dos outros fundamentos do recurso - cfr. art. 731º, nº 1 do C.P.C.
b) O contrato de revenda dos autos configura-se num contrato de concessão comercial que consiste « num contrato-quadro ("Rahmenvertrag"/"contrat cadre") que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa, por força do qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações (mormente no que concerne à sua organização, à política comercial e à assistência a prestar aos clientes) e sujeitando-se a um certo controlo e fiscalização do concedente. Como contrato-quadro, o contrato de concessão comercial funda uma relação de colaboração estável, de conteúdo múltiplo, cuja execução implica, designadamente, a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário, para revenda, nos termos previamente fixados, os bens que este se obrigou a distribuir.» - cfr. Prof. Pinto Monteiro, "Contrato de Agência", 4ª ed., pág. 49.
Acrescentando - cfr. ob. cit., pág. 50 e segs., que « não dispondo o contrato de concessão comercial, pois, de regime jurídico próprio (...), sendo ele, nessa medida, um contrato juridicamente atípico, surge o problema de saber como determinar a sua disciplina. Parece-nos que será pelo regime da agência (...) que muitas lacunas poderão ser integradas.».
« O contrato de concessão comercial tem como elementos caracterizadores: a) o carácter duradouro do contrato (a estabilidade do vínculo); b) actuação autónoma do concessionário, em nome próprio e por conta própria (transferindo-se o risco do produtor para o distribuidor); c) objecto mediato: bens produzidos ou distribuídos pelo concedente; d) obrigação do concedente celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda (o dever de venda dos produtos a cargo do concedente); e) obrigação do concessionário de celebrar - no futuro - sucessivos contratos de compra (o dever de aquisição impendente sobre o concessionário); f) o dever de revenda por parte do concessionário dos produtos que constituem o objecto do contrato, na zona geográfica ou humana a que o mesmo se refere; g) obrigação do concessionário orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato e do concedente fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade; h) exclusividade (na maioria dos casos).» - cfr. Maria Helena Brito, "O Contrato de Concessão...", págs. 179 a 184; José Alberto Coelho Vieira, "O Contrato de Concessão Comercial", AAFDL, 1991, pág. 15.
« I- O contrato de concessão comercial é um contrato atípico através do qual uma das partes (concessionário) se obriga a comprar à outra (concedente) determinada quota de bens com o fim de os revender ao público em determinada zona. II- A exclusividade não é indispensável à função económica-social do contrato. III- O contrato nominado que com ele tem mais afinidade é o de agência (DL nº 178/86 de 3/7), sendo aplicável por analogia o regime deste contrato, sobretudo quanto à cessação. ...» - cfr. acórdão do S.T.J. de 22/5/95: C.J./S.T.J., 3º-115.
A fundamentação que a autora apresenta para o alegado incumprimento da ré consiste em ter vendido produtos de outra marca, ter cedido os clientes a terceiro e ter deixado de comprar produtos à autora.
A autora não conseguiu provar que a ré haja vendido produtos similares de outra marca.
Porém, já logrou provar que a ré cedeu os clientes a terceiro, ou seja, à F - Comércio de Combustíveis, Lda, revendedora da G para o concelho de Viseu, e que lhe deixou de comprar produtos a partir de 10 de Maio de 2000.
E não se provou qualquer comportamento da autora justificativo da rescisão do contrato comunicado pela ré àquela, por carta datada de 12/5/00.
Com efeito, são irrelevantes para a rescisão os factos: a) da ré ser abastecida de gás A, desde 1997, através do Depósito Intermediário da autora em Viseu, o qual é gerido pela empresa E, Lda, também revendedora de 1ª linha de gás A, portanto concorrente da ré, já que a A não estava impedida de o fazer, nos termos contratuais, podendo nomear outro ou outros revendedores para a mesma área e ramo de comércio e não se tendo obrigado a fornecer o produto directamente à ré; b) de após 12 de Maio de 2000 terem surgido pela cidade de Viseu, folhetos a publicitar a E e em que esta figurava como revendedora exclusiva da A Gás, folhetos esses provenientes da A, pois tal facto é posterior à carta enviada pela ré, declarando rescindir o contrato, o que traduz desinteresse pelo negócio, justificando assim que a A procurasse promover as vendas através de outro revendedor e também porque a ré B cedera os seus clientes (que compravam gás A) à F, representante da G, sendo de presumir que tais clientes passaram a comprar gás G.
Aliás, como já se referiu, o contrato nominado que tem mais afinidade com o contrato de concessão comercial é o de agência, sendo aplicável por analogia o regime deste contrato, sobretudo quanto à cessação.
Ora, dispõe o art. 30º do DL nº 178/86 de 3 de Julho que o contrato de agência só pode ser resolvido por qualquer das partes : a) se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.
Portanto, exige-se incumprimento grave e reiterado, e tal não se verificou por parte da autora.
Os réus não lograram provar os factos constitutivos do seu direito à indemnização - cfr. art. 342º, nº 1 do Código Civil e respostas negativas aos quesitos 9º a 11º, 13º a 20º, 22º a 24º e 27º a 30º.
Com efeito, são pressupostos da responsabilidade contratual imputada à autora: 1) a inexecução da obrigação (acto ilícito), 2) a culpa, 3) o prejuízo, 4) o nexo de causalidade; e os réus não lograram provar factos que preencham a totalidade destes pressupostos, conforme lhes competia.
Analisemos, agora, o recurso da autora.
A questão suscitada neste recurso consiste em saber se houve incumprimento contratual da ré B, prejuízos para a autora resultantes desse incumprimento e a consequente obrigação de indemnizar.
Nos termos da cláusula 3ª, nº 1 do Contrato de Revenda celebrado entre as partes, o revendedor compromete-se a comprar e vender, por conta própria, os produtos das marcas usadas pela A Portuguesa e fornecidos pela mesma que constituem objecto do presente contrato. O revendedor não pode comprar ou vender, por si ou por interposta pessoa, nomeadamente sociedade de que faça parte, os referidos produtos, ou similares, que não sejam fornecidos pela A Portuguesa, salvo autorização prévia, escrita desta.
Está provado que a partir de 10/5/00 a ré B não adquiriu mais nenhuma carga de gás A, sendo que o seu ritmo normal de compra diária, até àquela data, era de 22 garrafas de 45 kg, 23 garrafas de 13 kg e 7 garrafas de 11 kg; e que em Maio de 2000, a ré B cedeu à F - Comércio de Combustíveis, Lda, revendedora da G para o concelho de Viseu, os seus clientes de petróleo liquefeito da A.
Portanto verificam-se duas violações contratuais: 1) cessação das compras à autora, o que representa uma violação do contrato de cuja a essência faz parte o dever do concessionário realizar contratos de compra, neste caso da ré B comprar gás liquefeito de petróleo à autora, aliás conforme determina a citada cláusula 3ª, nº 1; 2) cessão dos clientes do gás A à F, representante da G, tudo se passando como se a ré B deixasse de vender produtos da A, transferindo a venda para produtos da G, o que lhe estava vedado pois a B estava obrigada a só vender produtos da A - cfr. citada cláusula 3ª, nº 1.
Tal conduta da B acarretou prejuízos à autora pois, deixando de lhe comprar os produtos, impedia que esta auferisse os lucros resultantes das vendas (lucros cessantes) e cedendo os clientes à F, representante da G, estes deixaram de ser abastecidos com gás A.
Tais prejuízos resultantes do incumprimento da ré B obrigam esta a indemnizá-los - cfr. art. 798º do Código Civil.
Todavia não foi possível apurar o montante desses prejuízos.
Assim, mostrando-se reconhecido o direito da autora a indemnização dos prejuízos sofridos mas desconhecendo-se qual o seu montante, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença - cfr. art. 661º, nº 2 do C.P.C.
Conforme ensina o Cons. Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", Vol. III, págs. 232 e 233, « A condenação no que se liquidar em execução de sentença é de proferir tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no de ter sido apresentado pedido específico e não ter sido possível determinar o objecto ou a quantidade da condenação.
Pelo exposto, anula-se o acórdão recorrido e julga-se improcedente o pedido reconvencional dos réus.
E, julgando-se em parte procedente o pedido da autora (porque não se pode para já condenar no montante pedido pois a indemnização terá de ser liquidada em execução de sentença) condena-se a ré B a pagar à autora a indemnização que for liquidada em execução de sentença e os restantes réus condenados solidariamente a pagar à autora o montante que for liquidado em execução de sentença mas só até ao limite de 1.000.000$00, sendo a quantia indemnizatória liquidada acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação da acção.
As custas da revista dos réus ficam a seu cargo.
As custas da revista da autora ficam a cargo dos réus mas sem prejuízo da divisão que destas venha a fazer-se na conta do processo executivo, conforme o resultado da liquidação a efectuar.

Lisboa, 10 de Abril de 2003
Luís Fonseca
Eduardo Batista
Moitinho de Almeida