Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P3293
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO
QUESTÃO NOVA
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: SJ200312110032935
Data do Acordão: 12/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2 J CR FARO
Processo no Tribunal Recurso: 1748/97
Data: 04/29/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: ORDENADA DILIGÊNCIA.
Sumário : 1 - A vista a que se refere o art. 416.º do CPP destina-se a transmitir os autos ao Magistrado que assegura a representação do Ministério Público no tribunal ad quem, mas permite ainda que esse Magistrado se debruce sobre as questões formais que serão objecto de exame preliminar do relator (n.º 3 do art. 417.º) e que exare nos autos o resultado desse exame, lavrando nota sobre a «regularidade» ou sobre a «irregularidade» detectadas.
2 - Permite também que exerça o seu poder-dever de se pronunciar sobre as questões a conhecer em conferência, sejam elas prévias ou incidam sobre o mérito do recurso, podendo ainda antecipar, em relação às alegações, a sua posição sobre o mérito do recurso, emitindo parecer que condense o seu entendimento.
3 - Se entender que devem ser resolvidas questões que não vem colocadas na motivação do recurso, designadamente nas respectivas conclusões, ou que não vem apontadas na resposta a essa motivação, deverá então o Ministério Público indicá-las, nesse visto, com precisão, assim permitindo ao Tribunal ad quem a percepção dessa modificação (art. 417.º, n.ºs 3 e 6) ou orais (art. 423.º, n.º 1).
4 - Desta forma, também os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso e pela posição assumida pelo Ministério Público no Tribunal ad quem serão dela notificados, podendo então responder no prazo de 10 dias (n.º 2 do art. 417.º).
5 - Se só em alegações escritas é feita referência a essas alterações, deve então ser cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP.
Decisão Texto Integral: Supremo Tribunal de Justiça:

1.

O tribunal colectivo do 2.º Juízo Criminal de Faro decidiu (Processo Comum Colectivo 1748/97.0JAFAR), decidiu proceder ao cúmulo jurídico de penas aplicadas e, em consequência:

- condenar o arguido PMSV na pena unitária de dezassete anos de prisão;

- condenar o arguido HFCL na pena unitária de doze anos de prisão.

- ao abrigo do disposto no art. 1.º, n.º 1 da Lei n.º 29/99, de 12/05, das penas supra definidas, declararam perdoados aos arguidos PMSV e HFCL um ano e seis meses de prisão.

2.

O Ministério Público recorreu desta decisão, concluindo na sua motivação:

I - Devendo a pena única situar-se entre um mínimo de 2 anos e 9 meses de prisão e um máximo de 17 anos e 10 meses de prisão deveria a mesma ser fixada em 11 anos de prisão, atenta a juventude do arguido, HFCL quer à data dos factos, quer actualmente.

II - Não beneficia este arguido do perdão previsto no art. 1.º da Lei 29/99, dado que o mesmo teria de ser de imediato revogado, por se verificar que o arguido já cometeu novas infracções dolosas nos três anos subsequentes à data da entrada em vigor da Lei 29/99, nos termos constantes do art. 4.º da citada Lei.

III - O arguido PMSV beneficia do perdão previsto no art. 1.º, n.º 1 da Lei 29/99, mas não na medida que lhe foi aplicada de um ano e seis meses de prisão, dado que se mostra ser-lhe mais favorável o perdão de um oitavo da pena, o qual corresponde a 25 meses e 15 dias de prisão, sendo por isso este o perdão aplicável nos termos da parte final da supra referida norma.

IV - Assim não decidindo violou o douto acórdão recorrido o disposto nos art.ºs 1.º, n.º 1 e art. 4.º da Lei 29/99 de 12/5, os quais devem ser interpretados no sentido constante das conclusões que antecedem.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que decida em conformidade com as conclusões acima enunciadas.

3.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, requereu o Ministério Público alegações escritas e, assinalado o respectivo prazo, veio a produzi-las atempadamente, concluindo:

1. O douto acórdão recorrido, na determinação da pena relativa ao condenado SV, violou o determinado nos arts. 77.º, n° 1, e 78°, n° 1, ao englobar no respectivo cúmulo jurídico penas parcelares relativas a crimes que foram praticados pelo condenado já depois do trânsito em julgado da sua condenação nos autos de processo comum singular

2. O Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir se, no caso concreto, a medida do perdão, deve ou não manter-se, não pode ficar cativo de uma operação de determinação da pena que desrespeita aqueles normativos, de vendo, oficiosamente, conhecer também da medida da pena.

3. Dentro da moldura penal do concurso, integradora das penas parcelares referidas no douto acórdão recorrido sob os n°s 1., 2., 6., 7., 8. - neste somente as penas de 7 meses e de 2 anos e 4 meses, relativas a factos praticados, respectivamente, em 19 de Novembro e 11 de Dezembro de 1997 - e 9., sendo o limite mínimo três anos de prisão e o limite máximo dezassete anos e três meses de prisão uma pena não superior a seis anos de prisão parece-nos responder adequadamente às exigências de prevenção, sem colocar em causa o limite que a culpa constitui.

4. Dentro da moldura penal do concurso, integradora agora das penas parcelares referidas no douto acórdão recorrido sob os n°s 3., 4., 5. e 8.

- neste somente as penas de 3 anos, 2 anos e 6 meses e de 2 anos e 6 meses, relativas a factos praticados, respectivamente, em 2, 3 e 12 de Janeiro de 1999, sendo o limite mínimo três anos de prisão e o limite máximo dezanove anos e quatro meses de prisão uma pena única não superior a sete anos de prisão parece-nos responder adequadamente às exigências de prevenção, sem colocar em causa o limite que a culpa constitui.

5. Uma vez que os factos praticados pelo condenado PMSV ocorreram todos antes de 25 de Março de 1999, sobre cada pena única incidirá o perdão a que alude o art. 1°, n° 1, da referida Lei n° 29/99, em medida que, face às penas únicas que o Supremo Tribunal de Justiça vier a impor, se mostrar então mais favorável ao condenado, mantendo-se distintas as penas únicas, a cumprir sucessivamente, salvo para efeitos da interrupção a que alude o art. 62°.

6. Atento o disposto no art. 4.º da Lei n.º 29/99 e uma vez que o condenado HFCL praticou infracção dolosa nos três anos subsequentes à data da entrada em vigor daquela lei, não deve ter lugar a aplicação do perdão por configurar como um acto inútil.

7. A pena não privativa de liberdade prevista no art. 50.º constitui uma verdadeira pena e não uma forma de execução de uma pena de prisão, sendo autónoma em relação à pena de prisão substituída.

8. Nos termos do art. 4950 do C.P.P., competente para a revogação - impondo o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença -, é o Tribunal que o for para a execução da pena de substituição e não o Tribunal com competência, nos termos do art. 471.º do C.P.P., para a realização do cúmulo jurídico pelo que a revogação, pelo douto acórdão recorrido, quando da realização do cúmulo, da pena de substituição impostas pelo Tribunal de Portimão viola o princípio do juiz natural.

9. Verificados os pressupostos típicos a que alude o art. 56°, n° 1, o Tribunal decide, nos termos do art. 495° do Código de Processo Penal, da revogação depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado, pelo que o douto acórdão terá também violado o princípio do contraditório.

10. Não tendo sido revogada pelo Tribunal de Portimão a pena de substituição previstas no art. 50.º, não pode a pena de prisão substituída ser cumuladas com as outras penas de prisão não substituídas, sob pena de violação do art. 77.º

11. O douto acórdão recorrido - ao considerar que, por ser o Tribunal competente para a realização de cúmulo jurídico, podia nele integrar a pena de prisão substituída imposta no proc. n° 8/99.7GEPTM, apesar de não se mostrar revogada pelo Tribunal de Portimão a pena de substituição, acabando, assim, por proceder à "revogação" automática desta - afronta as normas dos arts. 56°, 59.º, n.º 2, 77.º e 78°, todos do C.P., 470°, n.º 1, 495°, n.ºs 2 e 3, e 498°, n.º 3, todos do C.P.P., nega a intangibilidade do caso julgado, com tutela no art. 282°, n.º 3, da C.R.P., desrespeita o princípio do juiz natural, não salvaguarda o princípio do contraditório, não assegurando, assim, todas as garantias do processo criminal previstas no art. 32°, n°s 1, 5 e 9, da C.R.P.

Termos em que deverá ser revogado o douto acórdão recorrido,

a) quanto ao condenado HFCL, na parte em que incluiu no cúmulo jurídico a pena de prisão substituída e aplicou o perdão previsto na Lei n.º 29/99, de 12/05, não devendo a pena única ser superior a seis anos de prisão;

b) quanto ao condenado PMSV, na parte em que, havendo lugar à determinação de duas penas únicas, englobou num único cúmulo jurídico penas parcelares relativas a crimes que foram praticados pelo condena do já depois do trânsito em julgado da sua condenação nos autos de processo comum singular n.º 141/97.OTBABF, devendo o perdão a que alude o art. 1.º, n° 1, da referida Lei n° 29/99, incidir sobre a medida de cada pena única, que não deverão ser superiores a seis e sete anos de prisão, mantendo-se as penas únicas distintas, a cumprir sucessivamente, salvo para efeitos da interrupção a que alude o art. 62°.

4.

Os recorridos não alegaram, não tendo, no entanto, o prazo decorrido sucessivamente.

5.

Colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

5.1.

Porém deve ser ponderada uma questão prévia resultante do conteúdo das alegações do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça, quando conjugado quer com a motivação de recurso, quer com a posição assumida no visto a que se refere o art. 416.º do CPP.

Com efeito, verifica-se que a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal apôs um visto, nos termos daquele artigo e requereu a produção de alegações escritas. Nestas suscita questões que não se contêm nas conclusões da motivação de recurso do Ministério Público e que não foram apontadas no falado visto.

Importa assim determinar se essa posição deve ter consequências e, em caso afirmativo, quais.

5.2.

Comecemos, pois, por atentar na vista em que despachou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, tendo presente que dispõe o art. 416.º CPP que, «antes de ser apresentado ao relator, o processo vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso».

E prescreve o n.º 2 do art. 417.º do CPP que se, na vista a que se refere o art.416.º, o Ministério Público não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias.

Este momento de intervenção processual do Ministério Público foi já objecto de atenção da doutrina. Escreve Maia Gonçalves (CPP Anotado, 13.ª Edição, pág. 828-9) que, sendo os recursos em processo penal obrigatoriamente motivados no tribunal a quo pelo Ministério Público, quando este for recorrente, ou por ele respondidos, quando o não for, «cumprirá ao MP no tribunal superior apor o seu visto ou emitir o seu parecer, no qual não está vinculado peia motivarão ou nela resposta o seu parecer, no qual não está vinculado pela motivação ou pela resposta do MP no tribunal inferior.»

«No visto a que se refere este artigo o MP emite o seu parecer, podendo suscitar quaisquer questões que se lhe oferecerem como cabidas para a decisão.

E devendo, logicamente, seguir a ordenação estabelecida nas alíneas do n.° 2 do art. 417.°; em casos que se afigurem de extrema simplicidade aporá o visto no processo.

Se o recurso não for rejeitado ou julgado em conferência e houver de prosseguir, o MP normalmente já não terá novo visto, sendo só convocado para a audiência».

Por sua vez, escrevem Simas Santos e Leal-Henriques (CPP Anotado, 2.ª Edição, págs. 836-7 e Recursos em Processo Penal, 5.ª Edição): «Chegado o processo de recurso ao Tribunal Superior, vai o mesmo com vista ao M.° P.° para que este se pronuncie sobre:

- as questões formais que serão objecto de exame preliminar do relator (e que se abordarão em anotação ao artigo seguinte);
- as questões de fundo, quando a decisão recorrida não constitua decisão final e, como tal, deva o recurso ser decidido em conferência [art. 419.°, n.° 4, al. c)].»
Lembram, depois, estes Autores que tem sido diferente a prática do Ministério Público nesse visto: nas Secções Criminais do STJ não emitindo, por via de regra, parecer sobre o fundo da questão nos recursos em que há audiência com alegações orais, só aí tomando posição; nas Relações dando frequentemente parecer de fundo mesmo quando havia lugar a alegações orais.
Opinam, depois, que o «aditamento do n.° 2 ao art.° 417.°, por força da Lei n.° 59/98 - prevendo a notificação dos demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso, para, querendo, responderem no prazo de 10 dias, no caso de o M.° P.° não se limitar a apor o seu visto -, parece sugerir que qualquer daquelas atitudes é admissível, cabendo ao magistrado do M.°P.° escolher, caso a caso, a mais adequada.»
Sustentam que neste visto o Ministério Público no tribunal superior não está limitado ou vinculado pela posição assumida pelo Ministério Público no tribunal recorrido na motivação ou resposta à motivação e dá o seu visto de estrita legalidade defendendo a posição que entende adequada.
«Discordando do recurso interposto na 1.ª instância, pode o M.°P.° no tribunal superior apresentar desistência do mesmo nos termos do artigo anterior, mas nada o obriga a tomar tal posição. Basta pensar na possibilidade de o recurso suscitar uma questão de grande interesse doutrinal, se bem que a posição em concreto defendida pelo recorrente não é a mais adequada, sendo desejável que o Tribunal Superior se pronuncie.»
Tendo sido suscitada a constitucionalidade da disposição do CPP de 1929 correspondente ao art. 416.º, sobre o visto do M.° P.° no Tribunal Superior, tendo o Tribunal Constitucional proferido já diversos acórdãos sobre a matéria, como referenciamos abaixo.
No entanto, o M.°P.° não é interessado na condenação mas unicamente na obtenção de uma decisão justa, partilhando com o julgador do dever de objectividade, isto quer nas fases contraditórias e presididas pelo juiz, quer na fase de inquérito de que é o titular, e assume no tribunal superior uma posição próxima da figura de advogado-geral, tendo o visto como função permitir o contacto do M.º P.º do tribunal superior com o processo.
Daí que não acompanhemos a censura constitucional de tal visto, sendo certo que, como vinham procedendo os tribunais superiores, basta dar oportunidade à outra parte de se pronunciar, sempre que no visto se levantem novas questões ou se use de nova argumentação (...)
O Tribunal Constitucional teve ocasião de se pronunciar sobre a norma deste artigo, nos termos seguintes:
- interpretada no sentido de que, na vista a que se reporta, pode o M.° P.° pronunciar-se sobre o objecto do recurso, desde que, se emitir parecer que possa agravar a posição do arguido, se dê a este a oportunidade de responder, não foi julgada inconstitucional (Acs. N.os 651/93, DR-ll de 94.03.31 e 396/94, DR-II de 94.10.25) (...);
- interpretada como não sendo obrigatória a notificação ao assistente do parecer do M.° P.° emitido ao abrigo dessa norma, não foi julgada inconstitucional (Ac. n.º 974/96).
A revisão operada pela Lei n.º 59/98, veio tomar posição sobre esta questão, resolvendo-a no sentido acima defendido. Com efeito, como vimos, por força do n.º 2 do art. 417.º se, na vista preliminar, o M.° P.° não se limitar a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder em 10 dias.»
Também a esta vista se refere Damião da Cunha (Sobre a "vista" do Ministério Público, junto do Tribunal de Recurso - Breves considerações sobre a posição institucional do MP junto do tribunal de recurso, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues - I, pág. 356): «Interposto recurso pelo MP (contra ou a favor do arguido, importa agora menos), quem vai sustentar este recurso ("sustentar", no sentido em que existe um momento de alegações, escritas ou orais) junto do tribunal de Recurso é "outro" (mas de grau superior) magistrado do MP. Ora, a consideração de magistrado (e de magistrado superior) deste representante do MP, significa que não subsiste um qualquer "dever de obediência" por parte deste, pois que, por princípio, a sua tarefa de alegação (aquela que deveria ser realizada em audiência de julgamento) só pode ser cumprida quando, num juízo ao menos provisório, considere os motivos e as conclusões do recurso como aceitáveis e, eventualmente, "procedentes’

Mas, seguramente, que não se pode esperar que o MP, junto do tribunal de Recurso, alegue (sustente "fundamentos") que, de facto, não lhe parecem minimamente consistentes. E assim, nestes casos, incumbe-lhe "tomar posição": ou admite que as conclusões são "boas", mas não estão devidamente fundamentadas, e procede a uma correcção dos "motivos" do recurso, ou, então, incumbe-lhe renunciar ao recurso - exactamente "desistir" do recurso.» (...)

A posição do MP, junto do tribunal de recurso, corresponde, formalmente, a um dever de continuar uma resposta (de sustentar uma resposta). Mas materialmente é uma posição de estrita objectividade, face aos fundamentos do recurso e face a uma eventual resposta. E, nesta breve análise, tanto pode tomar uma posição no sentido de afirmar a manifesta improcedência do recurso ou da sua manifesta procedência e naturalmente dar conta desse sentido ao tribunal. Ou, então, pode "suprir" uma deficiente resposta, não tanto "em vista" da resolução definitiva do caso, mas sim para fazer notar que existe um "problema" que merece ser discutido, em momento próprio (obviando, assim e se se quiser, a um juízo de manifesta "procedência").

Nesta perspectiva, como se vê, a posição do MP junto do tribunal de recurso é sempre de colaboração com este. Mesmo aqueles poderes que lhe concedemos para eventualmente "corrigir" qualquer aspecto referente à matéria do recurso, têm apenas por fim garantir aquilo que Cunha Rodrigues define como "dimensão reintegradora" da posição do MP quanto ao objecto do processo (Sobre o princípio da igualdade de armas, p. 102, consequência dos princípios da hierarquia e indivisibilidade do MP): exactamente no sentido de garantir que qualquer aspecto atinente ao objecto do recurso (todavia, tanto em favor como contra o arguido) mereça a "devida" consideração pelo tribunal» (Ob. Cit., págs 357-8).

5.3.

Sem entrar numa análise exaustiva da natureza e funções da vista ao Ministério Público no Tribunal Superior, pode concluir-se, com os Autores citados, que, face à alteração introduzida no art. 417.º do CPP, é claro hoje que assim se transmitem os autos ao Magistrado que assegura a representação do Ministério Público no tribunal ad quem, mas que não se esgota aí a função da vista.

Ela permite ainda que o Ministério Público se debruce sobre as questões formais que serão objecto de exame preliminar do relator (se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso; se deve manter­se o efeito que foi atribuído ao recurso; se o recurso deve ser rejeitado; se existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; se há provas a renovar e pessoas que devam ser convocadas - n.º 3 do art. 417.º) e que transmita aos autos o resultado desse exame, exarando nota sobre a «regularidade» ou sobre a «irregularidade» detectadas.
Mas permite também que o Ministério Público exerça o seu poder.dever de se pronunciar sobre as questões a conhecer em conferência, sejam elas prévias ou incidam sobre o mérito do recurso (casos em que, aliás, o relator deve elaborar em 15 dias projecto de acórdão - n.º 4 do art. 417.º).
Poderá ainda antecipar, em relação às alegações, a sua posição sobre o mérito do recurso, emitindo parecer que condense o seu entendimento.

Mas, entendendo que devem ser resolvidas questões que não vem colocadas na motivação do recurso, designadamente nas respectivas conclusões, ou que não vem apontadas na resposta a essa motivação, deverá então indicá-las, nesse visto, com precisão.

Com efeito, esse entendimento traduz-se então, na óptica do Ministério Público, num alargamento do objecto do recurso (de cuja admissibilidade se não cura neste momento) a novas questões, ou às mesmas questões mas com novas roupagens, o que deve ser assinalado no primeiro contacto do Magistrado do Ministério Público, que assim o entende, com o processo.

Assim se permitirá ao Tribunal ad quem a percepção dessa modificação de grande relevância, desde logo, em termos processuais no exame do relator a que se refere o art. 417.º e no enunciado das questões que devem merecer especial exame na fase seguinte das alegações escritas (art. 417.º, n.º 6) ou orais (art. 423.º, n.º 1).

Não significa esta posição que se entenda que neste caso o Ministério Público deva necessariamente antecipar os argumentos que iria apresentar e desenvolver na sequente fase de alegações. Significa tão só que então o Ministério Público indicar aquelas questões na forma exigida para as conclusões da motivação de recurso, ou seja, na forma tida como idónea pela lei processual penal para as introduzir em debate em sede de alegações.

Desta forma, também os demais sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso e pela posição assumida pelo Ministério Público no Tribunal ad quem serão dela notificados, podendo então responder no prazo de 10 dias (n.º 2 do art. 417.º).

Todos esses elementos serão depois objecto de desenvolvimento em alegações escritas ou orais.

Doutra forma, como sucedeu no caso, os recorridos foram notificados para produzirem, querendo, alegações escritas sobre as conclusões da motivação do recurso e não sobre as questões que vieram a ser objecto da pronúncia pelo Ministério Público e que, no contexto, constituíam uma surpresa.

O que resultou no desrespeito da norma do n.º 2 do art. 417.º, como foi aqui entendida.

Daí que devam ser agora notificados os recorridos do teor da alegação escrita do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça para responderem, querendo, no prazo de 10 dias.

6.

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em ordenar a notificação dos recorridos do teor da alegação escrita do Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça para responderem, querendo, no prazo de 10 dias.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2003

Simas Santos

Costa Mortágua

Rodrigues da Costa