Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B2429
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: BANCO
RELAÇÃO BANCÁRIA
DEVERES DE CONDUTA
DEPÓSITO BANCÁRIO DE CHEQUE
Nº do Documento: SJ200811180024292
Data do Acordão: 11/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Indicações Eventuais: 1
Sumário :
1. A relação bancária – relação do Banco com o seu cliente – iniciando-se, normalmente, com a celebração de um contrato de abertura de conta, intensifica-se ao longo do tempo, volvendo-se numa relação contínua que, podendo ser preenchida com os mais diversos negócios, mantém, todavia, uma certa unidade, configurando-se, assim, como uma relação contratual duradoura.

2. Entre as partes – banqueiro e cliente – há deveres de conduta decorrentes da boa fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro;

3. Este fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que se espera da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter em vista a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente; a tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária.

4. Essa especial relação complexa, de confiança mútua e dominada pelo intuitus personae, impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé: deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de discrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus personae da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente.

5. No caso de depósito bancário de um cheque – mesmo de um cheque interbancário – para que o banco proceda à sua cobrança, a sua creditação em conta do cliente é feita sob reserva ou com a cláusula salvo boa cobrança.

6. Tendo o banco feito, por escrito, ao seu cliente, a declaração de que a conta deste fora creditada com o montante do cheque, salvo boa cobrança deste, cumpriu o especial dever de informação a que estava vinculado, e o cliente pôde ficar a saber, ou pelo menos não pôde não ficar a saber que o cheque foi recebido sujeito a boa cobrança, com as consequências desse facto.

7. Ao creditar o valor do cheque na conta do seu cliente, o banco fá-lo provisoriamente, não assumindo o risco da sua não cobrança, antes fazendo um verdadeiro financiamento do cliente por antecipação de fundos – financiamento sujeito à condição de boa cobrança.

8. Neste caso, deve o cliente contar com que, se o cheque não tiver boa cobrança, a inscrição a crédito será anulada, ou compensada pela inscrição, a débito da sua conta, do crédito de reembolso do banco.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

IMPRENSA NACIONAL – CASA DA MOEDA, S.A. intentou, em 14.12.2005, pela 7ª Vara Cível de Lisboa, contra BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., acção com processo ordinário, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 225.000,00, acrescida de juros de mora contados desde 21.03.2005 até integral pagamento e do correspondente imposto de selo sobre estes juros.
Alegou, para tanto, ter recebido uma proposta de compra de moedas de uma empresa estrangeira, cujo preço, de € 225.000,00, seria pago antecipadamente ao envio da mercadoria, e creditado numa conta bancária da autora, de que esta era titular no Banco réu. Essa conta foi creditada pelo réu e ficou livremente movimentável após a data-valor indicada, tendo disso o réu informado a autora, que confiou e expediu a mercadoria para o comprador. Porém, decorridos alguns dias, o réu debitou a conta da autora por idêntica importância, alegando não ter obtido cobrança do cheque interbancário, utilizado para o pagamento, o qual era falso. Acha-se assim a autora prejudicada no montante da transacção devido à informação errada do réu e ao indevido crédito na conta, sendo que, sem essa informação e sem o crédito da sua conta, não teria enviado a mercadoria, que não conseguiu recuperar.
O réu contestou, alegando que o saldo do cheque ficou imediatamente disponibilizado e livremente movimentável, como é prática bancária quando o cliente é digno de crédito, e não a partir da data-valor; mas, como o cheque havia sido recebido por depósito sujeito a “boa cobrança” e não foi bem cobrado, o seu valor foi posteriormente debitado na conta da autora. Conclui pela responsabilidade desta por ter confiado indevidamente na efectiva cobrança do cheque e não ter tomado as devidas cautelas em negócio com cliente que desconhecia, negócio que o réu ignorava, sem obrigação de o conhecer.

Seguindo o processo a sua normal tramitação, veio a ser efectuado o julgamento e a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.

A autora recorreu, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Do acórdão da Relação traz agora a autora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, finalizando as respectivas alegações com a enunciação das seguintes conclusões (aqui reproduzidas in integrum, apenas com alterações de pormenor):
1ª - “Quanto à INCM, a referida creditação da conta (sem especiais reservas e com imediata disponibilidade do valor) e a subsequente nota de crédito do BES surgiram no quadro de uma transacção vultosa em que a mercadoria deveria ser entregue após o pagamento do preço mediante creditação da indicada conta no BES”;
2ª - “A creditação ocorreu mais de uma semana após a INCM ter recebido notícia pela compradora de esta haver ordenado a prevista transferência e de o BES ter recebido um documento de pagamento equivalente (o «cheque» do Bank of Ireland)”;
3ª - “Em face do extracto e da nota de crédito, era normal pensar que, em vez da transferência, fora utilizado esse meio de pagamento bancário equivalente.
E, em vista do seu teor, do tempo em que ocorreram e do modo como o BES fez a creditação, era também normal pensar que já se tratava de um pagamento definitivo ou confirmado”;
4ª - Quanto ao BES, ele recebeu esse meio de pagamento, com data de 4 de Março, mediante «depósito directo» - isto é, sem intervenção humana -, no dia 7”;
5ª - “Só o creditou e emitiu a nota de crédito no dia 16 (aliás, só recebida pela INCM a 21)”;
6ª - “Não informou esta da forma de depósito utilizada, que, pelo seu carácter impessoal, envolvia, se não um risco de cobrança comum, pelo menos um especial risco de o cheque ser falso, dado que não possibilitava qualquer avaliação ou controlo; nem sequer implicava uma identificação pessoal do depositante”;
7ª - “Pelo contrário, procedeu à creditação da conta sem alertar a INCM quanto a esse risco especial e, ainda por cima, em circunstâncias tais (quando ao tempo em que procedeu à mesma e, sobretudo, ao modo como o fez, com efeitos imediatos), que eram de molde a fazer crer que o pagamento estava realizado. E também guardou para si as naturais dúvidas e reservas que a simples análise do título não podia deixar de suscitar a um profissional como o BES”;
8ª - “Efectivamente, trata-se de um cheque bancário ou interbancário em que aparece como emitente o Bank of Ireland e a nota de crédito indica tratar-se de compra de cheques sobre o estrangeiro para crédito em conta, sem mais esclarecimentos, assinalando-se como data-valor o dia 21”;
9ª - Como se viu, quer a sentença, quer o acórdão recorrido alhearam-se do facto (essencial) provado nos autos – cfr. alínea H da Matéria de Facto Assente (correspondente ao alegado no artigo 15º da P.I.) – de que o cheque em causa era um cheque interbancário e não um cheque comum;
10ª - Nesse contexto, quanto ao título em causa, a corrente cláusula contratual geral de ressalva de boa cobrança, constante dos impressos/extractos utilizados e tipicamente aplicável aos cheques comuns, perde aqui todo o significado;
11ª - Daí também que se não tenha provado na acção, que seja prática normal a de um banco creditar os cheques depositados a favor de um seu cliente e tornar o seu valor disponível de imediato, ainda sem a cobrança; nem se provou que essa fosse a prática contratual concreta entre os aqui recorrente e recorrido;
12ª - “O BES teve pois todo o tempo que julgou oportuno para apreciar a situação e actuar em conformidade, salvaguardando os interesses contratualmente protegidos da INCM. Durante esse tempo (13 dias ao todo, 8 dias até à emissão da nota de crédito e à inscrição do valor em conta), podia perfeitamente ter confirmado junto do Bank of Ireland a genuinidade do título”;
13ª - “Havia mesmo circunstâncias especiais que, para afastar eventual responsabilidade, lhe impunham esse dever de diligência: a falta de controlo pessoal do depósito; o facto de se tratar de um draft nacional e não internacional, o valor «anormalmente elevado» em jogo, a data de emissão e o local do depósito, bem como outras circunstâncias apontadas”;
14ª - “O mesmo sucede quanto ao dever de diligência e de cuidado na creditação da conta e na emissão da nota de crédito”;
15ª - Por conseguinte, a relação bancária em questão, fundada no contrato de conta corrente, postulava aqui vários deveres, deveres que são de qualificar como fundamentais nessa relação: dever de prestação de serviços específicos; em razão da profissionalidade e competência própria do banco, encerra, ainda, «uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro», implicando uma «continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente», nesse domínio; engloba a «relação de confiança inerente a toda a actividade bancária», que assim se situava num plano contratual, não meramente legal; «típico contrato de salvaguarda de interesses»; «deveres gerais de informação, no seu sentido mais amplo», «incluindo deveres de esclarecimento, de aviso e de conselho». Deveres que no caso foram incumpridos pelo recorrido BES;
16ª - Até pelos deveres impostos pelas regras de ordem pública, postulava-se aqui a necessidade de cuidadosa verificação da regularidade/efectiva provisão do cheque, ademais, como se disse, tratando-se de título especial e de montante elevado: o BES estava aqui obrigado a empregar a diligência que lhe é exigível em face do conhecimento que tem ou deve ter relativamente a operações com cheques sacados sobre bancos estrangeiros;
17ª - Acresce que o controlo rigoroso dessa operação por parte do réu apenas exigia que este tivesse assegurado a creditação efectiva: não se pedia mais do que isso, mas exigia-se concretamente isso: ou confirmava, por contacto com o Banco sacado a regularidade do cheque, ou aguardava o seu efectivo desconto, operação após a qual creditaria a conta da recorrente-beneficiária;
18ª - O BES incumpriu assim os seus deveres contratuais de gestão criteriosa e cuidada dos interesses da INCM, designadamente de informação atempada, suficiente e inequívoca em ordem a evitar a produção de danos que ocorreu precisamente em função desse seu comportamento gravemente negligente: De resto, dada a relação contratual existente e a verificada produção do prejuízo, sempre lhe competiria provar o contrário, o que não fez, pelo que lhe cabe suportar, ou reparar, tais danos, repondo a situação que existiria sem esse comportamento; isto é, deverá considerar sem efeito o estorno e repor na conta a importância debitada;
19ª - O contrato de abertura de conta celebrado entre recorrente e recorrido postula deveres e obrigações para ambas as partes, repousando antes de mais na obediência às regras da boa fé (cfr. artigos 227º e 762º n.º 2 do C. Civil) e na existência de um dever de protecção baseado na confiança, princípios estes que vão de par com os deveres gerais de agir com zelo e diligência, deveres esses que a lei (Dec-lei n.º 298/92 de 31.12 – Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) consagra no que concerne à actividade bancária, maxime no que respeita às relações com os clientes;
20ª - No âmbito do mandato e no que concerne aos cheques, os bancos têm o dever de debitar e/ou creditar a conta de depósito à ordem, mas acrescem deveres laterais, entre os quais o de verificar cuidadosamente os cheques que lhes são apresentados, dever esse que se insere no dever de fiscalização a cargo do Banco e se exprime como dever essencial e absoluto;
21ª - Ora o BES, ao adiantar os fundos do cheque sem que tal lhe tivesse sido pedido pela recorrente, e sem que tivesse feito uma reserva explicita para que esta pudesse saber que o crédito dos valores em causa ainda não era definitivo, incumpriu tal mandato e desrespeitou o contrato. Daí que em sede de responsabilidade contratual, recai sobre si a presunção de culpa no aludido incumprimento (artigo 799º n.º 1 do C. Civil);
22ª - Acresce que o pagamento do cheque interbancário veio a ser recusado pelo suposto emitente, não por motivo de falta de provisão, mas por ser tratar de um título falso. Se assim não fosse o Bank of Ireland, com toda a probabilidade, tê-lo-ia pago, sendo que só o BES poderia e deveria ter controlado este circuito;
23ª - Atenta a importância em jogo e a estreita confiança que é própria das relações de negócios bancárias, a inscrição do valor na conta da INCM nunca poderia ter sido feita, quando menos, sem a correspondente reserva inequívoca, a nota de crédito teria que ser suficientemente esclarecedora e o respectivo envio nunca deveria ter ocorrido por um meio que implicou o seu recebimento apenas no dia 21, dando a entender que o título não suscitava dúvidas;
24ª - Colocada a questão de outra forma, a falsidade ocorreu na esfera de actividade e controlo do BES e, portanto, de risco. A «burla» consumou-se através dele;
25ª - Ora, como se viu, no que concerne à cobrança e disponibilização do montante do cheque dos autos ficou provado que o recorrido foi negligente na consecução daqueles objectivos e faltou aos deveres de informação e de boa fé que sobre ele impendiam, pois não realizou os actos e diligências que se impunham em sede de cobrança prévia à disponibilização dos fundos, nem disso prestou informação à recorrente;
26ª - Teria de haver uma reserva explicita do réu para que a autora pudesse saber que o problema da cobrança do cheque ainda se poderia colocar após o dia 21, acautelando em conformidade os seus interesses. Isto não foi feito e foi por isso que a autora expediu a encomenda e não recebeu o preço, ou melhor, recebeu-o do Banco réu, mas foi-lhe de novo retirado;
27ª - O Banco ao prestar a informação à autora de que o montante depositado estava disponível com data valor de 21.03.2005, sem a informar que tal não decorria da respectiva boa cobrança, não observou a diligência profissional e o dever de informação que lhe é exigido (o que consubstancia conduta ilícita geradora do dever de indemnizar);
28ª - Com efeito, cumpria ao réu, como entidade profissional, financeira, o cumprimento da obrigação de prestar e fornecer as informações necessárias à salvaguarda dos interesses dos particulares – neste caso da autora – que recorrem aos seus serviços especializados;
29ª - Há que concluir que o réu prestou à autora uma falsa informação, pois quando se informa que os fundos resultantes de cheque estão disponíveis (podendo – como o foram – ser movimentados) deve entender-se, para um declaratário normal na posição da autora (cfr. artigo 236 do C. Civil), que o cheque foi pago;
30ª - Deste modo, o réu transferiu para o cliente todos os riscos de um acto que apenas a si diz respeito, pois a autora não sabia, nem podia saber, atenta a forma como o Banco réu actuou, que os montantes por este disponibilizados na sua conta, não resultavam da efectiva cobrança de valores – no caso, do cheque interbancário depositado;
31ª - Com efeito, o réu decidiu, unilateralmente, adiantar-lhe ainda antes da confirmação da cobrança, os valores em causa – conforme referida carta de fls. 23 – carta que traduz claramente, insiste-se, a confissão do réu em como, no caso, não observou a prática bancária enquadrável;
32ª - Por conseguinte, do que se deixou evidenciado resulta que a conduta do réu consubstancia ilicitude, culpa, prejuízo sofrido pelo credor, o nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo, tendo contrariado os usos bancários e as citadas disposições legais ao disponibilizar o montante do cheque sem a sua efectiva cobrança; sem dar cumprimento à obrigação de informar a recorrente clara, completa e inequivocamente pela sua gestão profissional, donde resultou uma actuação para além da querida por esta, impondo-lhe um risco que ela não queria assumir.

Foram, assim, violados os artigos 227º, 239º, n.º 1 e 762º n.º 2; os artigos 798º, 800º, n.º 2 e 799º, n.º 1; e os artigos 236º e 295º, todos do Cód. Civil.

O réu recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do acórdão.
Corridos os vistos, cumpre agora decidir.

2.

Vêm provados os factos seguintes:
1. A autora é cliente do Banco Espírito Santo, sendo titular da conta D.O. n.º ......... do balcão/agência do Saldanha (Lisboa) (A);
2. Em 10 de Janeiro de 2005 a autora recebeu de “G......, Ltd.”, Londres, uma proposta de compra de uma partida de moedas comemorativas (1º);
3. A autora aceitou essa proposta, tendo ficado convencionado com a compradora que a mercadoria objecto do contrato só seria entregue após pagamento do preço contratual de € 225.000,00 (2º);
4. Tal quantia seria creditada pelo comprador, através de transferência bancária, na conta bancária da autora identificada no n.º 1 (3º);
5. A Glocester, Ltd., comunicou à autora que havia procedido ao pagamento ordenado a seu favor em 07.03.2005 (4º);
6. No dia 11 de Março, a autora comunicou ao comprador que a conta ainda não havia sido creditada (5º);
7. No dia 16 de Março de 2005, a conta da autora no BES foi creditada pela importância de € 244.948,00, indicando-se como data-valor o dia 21 desse mês, facto de que a INCM tomou conhecimento conforme informação que lhe foi prestada pelo réu, confirmada por extracto que lhe foi enviado (B);
8. Do extracto consta que “os depósitos constituídos por documentos só se tornam efectivos após boa cobrança dos mesmos” (C);
9. Os valores titulados pelo cheque foram levados à conta da autora no referido dia 16 de Março, data a partir da qual ficaram disponíveis e livremente movimentáveis, e não apenas na respectiva data-valor de 21.03.2005 (F), 6º e 15º);
10. A autora recebeu no dia 21 de Março uma nota de crédito do BES, datada de 16.03.2005, no valor de € 224.948,00, correspondente à verba de € 225.000,00, deduzida do valor da taxa da operação bancária e do imposto de selo (D);
11. Desse documento consta que “em caso de cheque, o depósito só se torna efectivo após boa cobrança do mesmo” (E);
12. Os responsáveis da autora convenceram-se do recebimento do preço e da disponibilidade do saldo no dia 21 de Março e, no próprio dia, providenciaram as competentes guias de remessa e factura da encomenda (7º);
13. A expedição, por via aérea, ocorreu no dia 23.03.2005 (8º);
14. A autora procedeu desta forma por confiar na informação prestada pelo BES (9º);
15. O cheque foi depositado em mão, através do serviço “depósito directo”, numa agência do Banco réu (16º);
16. É prática bancária geral a aceitação de depósitos de valores em qualquer conta, independentemente de quem o faz ser ou não o titular da conta (17º);
17. O cheque foi recebido sujeito a “boa cobrança” (18º);
18. Não foi bem cobrado e, por esse motivo, foi debitado na conta da autora no dia 28.03.2005, pela quantia de € 225.043,84 (G) e 19º);
19. No dia seguinte, 29.03.2005, o réu informou a autora que retirara esse valor da conta, porquanto o cheque interbancário, datado do dia 04.03.2005, utilizado para o pagamento, era falso, pelo que havia sido devolvido, e enviou então cópia do mesmo à autora (H);
20. No mesmo dia enviou também à autora cópia de talão de depósito do cheque, com data de 07.03.2005, do qual consta como beneficiária a INCM, que não o preenchera e que o desconhecia (I) e 10º);
21. Até 29.03.2005 apenas o réu teve conhecimento do título, uma vez que a autora cuidava que a forma de pagamento a utilizar pela G...., Ltd. seria a transferência bancária (11º);
22. A autora não teve qualquer intervenção no recebimento do cheque e respectivo depósito no BES, desconhecendo a via pela qual lhe foi entregue (12º);
23. Informada de que o valor em causa teria chegado ao BES no dia 7, a autora admitiu que a creditação da conta já era definitiva no dia 16.03.2005, embora com data valor de 21, pelo que firmou a convicção de que isso aconteceria, o mais tardar, nesta data (13º);
24. Devido à falsidade do cheque, não foi possível à autora recuperar o respectivo valor do adquirente da mercadoria (14º);
25. A partir de 29 de Março a autora envidou várias diligências junto do réu, designadamente através do fax reproduzido a fls. 22, em ordem a que repusesse na sua conta o referido crédito de € 225.000,00, mas este recusou fazê-lo (J);
26. Em 08.04.2005 a autora recebeu do réu a telecópia junta a fls. 23, em que este afirma que “o facto de o Banco Espírito Santo ter chegado a creditar o referido montante deve-se apenas à credibilidade e à consideração que V. Exas. nos merecem enquanto clientes do nosso banco, à segurança inerente às transacções em que V. Exas. participam e à solidez da vossa Instituição”(L);
27. Pela sua carta de 01.07.2005 a autora interpelou o réu para que procedesse, de imediato, ao crédito de € 225.000,00, acrescentando designadamente que “ ... o que estava em causa não era a disponibilização de fundos titulados por cheque da própria INCM, que em vosso critério justificassem – pela credibilidade que nos reconhecem – um “adiantamento”, mas de valores de terceiros com quem a mesma se relacionou, sendo que a INCM não solicitou, nem esperava do BES, outra conduta que não a de que actuasse na observância dos procedimentos aplicáveis, por serem os únicos que servem a certeza e a segurança, necessárias nesta sede, o que constitui, especificamente, a obrigação que ao BES cumpre assegurar (M);
28. O réu respondeu conforme carta de 19.07.2005, em que, no fundamental, remete para a sua referenciada telecópia de 08 de Abril (N).

3.

Sabido que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, só sendo de conhecer pelo tribunal ad quem as questões que nelas são suscitadas, entremos então na apreciação dessas questões.
Os Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar, profissionalmente actos bancários. E a referência ao carácter profissional da sua actividade significa, antes de mais, que se trata de uma prática habitual – o banco não se limita à prática de actos bancários ocasionais ou isolados, mas sim à sua prática em cadeia, em sequência articulada – lucrativa, isto é, que visa a obtenção de lucros, de proventos, assentando, por isso, numa organização empresarial – e tendencialmente exclusiva, do ponto em que só pode ser exercida por certas entidades (as instituições de crédito, categoria em que se englobam), que, em princípio, só devem exercer a actividade bancária (e não qualquer outra, ou mais qualquer outra).
Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes.
É assim que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) contém um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (arts. 73º a 76º).
A competência técnica (art. 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.
No tocante às relações com os clientes (art. 74º) vem referenciado o dever de adopção, por parte do banqueiro, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados.
E quanto ao critério de diligência (art. 76º), também referenciando o banqueiro, enquanto instituição, aponta ele para o modelo do banqueiro criterioso e ordenado, no que pode ver-se a recuperação, com fins bancários, da figura do bonus paterfamilias, prudente, ordenado e dedicado (1) .
De particular importância é o dever de informação. Pode dizer-se que parte significativa das questões sobre responsabilidade bancária diz respeito à responsabilidade por informações prestadas pelo banqueiro. O que bem se entende, pois a relação bancária duradoura, a relação de clientela, estabelecida entre uma instituição bancária e o cliente, é uma relação de permanente informação.
Surgindo, normalmente, com a celebração de um contrato de abertura de conta, ela intensifica-se ao longo do tempo, volvendo-se numa relação contínua, que, podendo ser preenchida com os mais diversos negócios, mantém, todavia, uma certa unidade.
A relação bancária tem, pois, origem contratual. É certo que, celebrado o acordo inicial, intervêm e logram depois aplicação regras legais, ou fundadas nos usos ou em cláusulas contratuais gerais – mas a natureza contratual subsiste, configurando-se como uma relação contratual duradoura.
E entre as partes – banqueiro e cliente – haverá deveres de conduta, decorrentes da boa fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade, com especial incidência sobre a parte profissional, o banqueiro.
Como decorre do que já ficou referido, este fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que é expectável da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter na mira a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente. A tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária, tal como acima a definimos.
Ao traçar o retrato da relação contratual bancária ALMENO DE SÁ vinca, a traço cheio, os seguintes aspectos: (2)
- há um fundamental dever de prestação de serviços, no qual se insere, designadamente, a obrigação de o banco «colocar à disposição do cliente a respectiva estrutura organizativo-funcional, em ordem à execução de tarefas de tipo variado» no âmbito da actividade bancário-financeira;
- o já assinalado carácter profissional e a competência técnica da sua organização impõem ao banco «uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro» e implicam, neste particular domínio, «uma continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente»;
- a relação de confiança inerente a toda a actividade bancária situa-se num plano contratual, e não meramente legal;
- o dever geral do banco de executar as diversas operações que lhe são solicitadas, ao longo do tempo, pelo cliente, e mesmo os singulares negócios acordados, é conformado e «medido» com base nesta dimensão contratual global.
Como se refere num dos pareceres juntos aos autos ., «esta especial relação obrigacional complexa, de confiança mútua e dominada pelo intuitus personae», imporá à instituição financeira, mesmo no silêncio do contrato, «padrões profissionais e éticos elevados numa política de “conhece o teu cliente”, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil; arts. 73º e segs. da Lei-Quadro bancária): deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de discrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus personae da relação e assim originar a responsabilidade de instituição financeira imprudente ou não diligente».
Do acervo destes deveres fazem, pois, parte os deveres gerais de informação, no seu sentido mais amplo, que incluem deveres de esclarecimento, de aviso e de conselho, cuja violação pode ter consequências gravosas, do ponto de vista económico, para o cliente.
No que concerne ao caso sub judicio, verifica-se que o banco recorrido (o BES) actuou, relativamente à recorrente INCM, no âmbito de um contrato de conta-corrente – contrato que serve de base e (3) de suporte a diversas operações do cliente na sua relação duradoura com o banco, que àquele presta um conjunto de serviços.
Com a celebração deste contrato, o banco obriga-se, designadamente, a prestar ao cliente o serviço de caixa, efectuando os pagamentos solicitados, efectuando a cobrança de valores, as transferências e recepção de fundos por conta do cliente, e lançando em conta-corrente as várias operações que se forem sucedendo.
Um dos aspectos deste serviço de caixa é, pois, o recebimento de valores pelo banco, por conta do cliente, e a sua creditação na conta-corrente, em nome deste.
No caso de depósito bancário de cheque, que envolve a entrega do título para que o banco proceda à sua cobrança, a sua creditação em conta é feita sob reserva ou com a cláusula salvo boa cobrança.
No caso em apreço está em causa, não um vulgar cheque regulado na LUCh, mas um cheque interbancário, aparentemente emitido pelo Bank of Ireland, que não foi depositado pessoalmente, antes foi depositado em mão, através do serviço “depósito directo” numa agência do Banco aqui recorrido, sendo “prática bancária geral a aceitação de depósitos de valores em qualquer conta, independentemente de quem o faz ser ou não o titular da conta” (n.º 16 dos factos assentes).
O cheque foi recebido sujeito a “boa cobrança” (n.º 17 dos factos assentes).
A tal não obsta o facto de se tratar de cheque interbancário, e, por isso, emitido (em princípio) por um banco, com a segurança que daí advém, dado ser reduzido o risco de não vir a ser cobrado. Na realidade, o risco de não cobrança não está totalmente eliminado. Como se refere no parecer de CALVÃO DA SILVA já citado, “o risco da não cobrança do cheque resulta não apenas da falta de provisão – (...) – mas também de vários outros factores, como a falsificação, o abuso de confiança ou a apropriação ilegítima do cheque (cfr. art. 8º, n.os 2 e 3, do Dec-lei 454/91), a justificar a cautela inerente à ressalva do bom fim ou boa cobrança e a não desconsideração desse risco pelo Banco receptor.”
“Acresce que o Banco receptor não está em condições de controlar a genuinidade ou falsidade do cheque emitido pelo próprio Banco sacado e de tomar as precauções necessárias ou convenientes à prevenção e eliminação do inerente risco e protecção do seu cliente-mandante.
O que tudo justifica a validade da cláusula “salvo boa cobrança”, no caso em análise.
Não nos parece, por isso, de aceitar sem reservas, a afirmação de que, estando em causa um cheque interbancário, o risco de não cobrança “não existe ou é negligenciável, sendo perfeitamente normal que o banco receptor o desconsidere.”
Colhe-se da matéria de facto provada que no dia 16 de Março de 2005, a conta da autora no BES foi creditada pela importância de € 244.948,00, indicando-se como data-valor o dia 21 desse mês, facto de que a INCM tomou conhecimento conforme informação que lhe foi prestada pelo réu, confirmada por extracto que lhe foi enviado; e desse extracto consta que “os depósitos constituídos por documentos só se tornam efectivos após boa cobrança dos mesmos”.
Os valores titulados pelo cheque foram levados à conta da autora no referido dia 16 de Março, data a partir da qual ficaram disponíveis e livremente movimentáveis, e não apenas na respectiva data-valor de 21.03.2005.
A autora recebeu no dia 21 de Março uma nota de crédito do BES, datada de 16.03.2005, no valor de € 224.948,00, correspondente à verba de € 225.000,00, deduzida do valor da taxa da operação bancária e do imposto de selo, constando desse documento que “em caso de cheque, o depósito só se torna efectivo após boa cobrança do mesmo”.
Com o recebimento da nota de crédito, os responsáveis da autora convenceram-se do recebimento do preço e da disponibilidade do saldo nesse dia 21 de Março e, no próprio dia, providenciaram as competentes guias de remessa e factura da encomenda das moedas comemorativas, expedindo-a, por via aérea, no dia 23.03.2005, tendo procedido desta forma por confiarem na informação prestada pelo BES.
Porém, o cheque não foi bem cobrado e, por esse motivo, foi debitado na conta da autora no dia 28.03.2005, pela quantia de € 225.043,84; e, no dia seguinte, 29.03.2005, o réu informou a autora que retirara esse valor da conta, porquanto o cheque interbancário, datado do dia 04.03.2005, utilizado para o pagamento, era falso, pelo que havia sido devolvido, e enviou então cópia do mesmo à autora, remetendo-lhe também cópia do talão de depósito do cheque, com data de 07.03.2005, do qual consta como beneficiária a INCM.
A autora não teve qualquer intervenção no recebimento do cheque e respectivo depósito no BES, desconhecendo a via pela qual lhe foi entregue.
Informada de que o valor em causa teria chegado ao BES no dia 7, a autora admitiu que a creditação da conta já era definitiva no dia 16.03.2005, embora com data-valor de 21, pelo que firmou a convicção de que isso aconteceria, o mais tardar, nesta data.
Devido à falsidade do cheque, não foi possível à autora recuperar o respectivo valor do adquirente da mercadoria, não obstante as várias diligências que, a partir de 29 de Março, desenvolveu junto do réu, designadamente através do fax reproduzido a fls. 22, em ordem a que repusesse na sua conta o referido crédito de € 225.000,00, o que este recusou fazer.
Perante este quadro fáctico, verifica-se que o ora recorrido fez, por escrito, ao seu cliente, a ora recorrente, a declaração de que a conta desta fora creditada salvo boa cobrança do cheque creditado – menção constante do extracto e da nota de crédito que lhe enviou e que a recorrente recebeu antes da expedição da mercadoria que o cheque pretensamente se destinava a pagar.
Estando em causa uma relação bancária, assente num contrato de conta-corrente, com as características já acima assinaladas, cremos poder afirmar-se que o BES actuou de forma criteriosa e diligente na gestão dos interesses do cliente, cumprindo o especial dever de informação a que estava vinculado. Ao contrário do que afirma a recorrente, logo na conclusão 1ª da sua alegação recursória, a creditação da sua conta, pelo recorrido, não se fez sem especiais reservas, não sendo igualmente de aceitar que, em face do extracto e da nota de crédito, e em vista do seu teor, do tempo em que ocorreram e do modo como o BES fez a creditação, era normal pensar que já se tratava de um pagamento definitivo ou confirmado.
A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º/1 CC).
E, perante a declaração constante do extracto – de que os depósitos constituídos por documentos só se tornam efectivos após boa cobrança dos mesmos – e da nota de crédito – de que, em caso de cheque, o depósito só se torna efectivo após boa cobrança do mesmo – o destinatário da declaração (a INCM), para mais “dotado de pessoal qualificado para lidar com este tipo de situações”, “pôde ficar a saber, ou pelo menos não pôde não ficar a saber que o cheque foi recebido sujeito a «boa cobrança», com as consequências desse facto”.
Pôde ficar a saber, isto é, que o BES, ao creditar o valor do cheque na sua conta, o fazia provisoriamente, não assumindo o risco da sua não cobrança, e deveria contar com que, se a condição da boa cobrança não se verificasse, a inscrição a crédito seria anulada, ou compensada pela inscrição, a débito da mesma conta, do crédito de reembolso do Banco.
Por isso, a convicção da recorrente, de que o preço havia sido recebido e de que a creditação da sua conta era definitiva desde 16 de Março de 2005, ou, pelo menos desde 21 do mesmo mês – quiçá (também) fundada na informação da Glocester, Ltd., de que havia procedido ao pagamento em 07.03.2005 (n.º 5 dos factos assentes) – não pode, a nosso ver, ser imputada ao recorrido, só a ela própria, recorrente, podendo ligar-se.
Pelo que, se no próprio dia 21 esta providenciou as competentes guias de remessa e a factura da encomenda e se expediu a mercadoria no dia 23, por confiar na informação do banco, só de si mesma se pode queixar, já que tal informação – unicamente veiculada através dos dois indicados documentos, o extracto bancário e a nota de crédito – não inculcava nem permitia essa convicção à recorrente, não estando a convicção por esta formada de acordo com o sentido normal da declaração do BES.
Ou seja: a confiança da recorrente não foi legítima e justificada pela informação prestada pelo Banco, muito claro na referência à cláusula de «boa cobrança»: a compreensão que dela teria tido um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário (a recorrente) não seria a que teve a própria recorrente.
É, a tal respeito, particularmente impressiva a nota de crédito, datada de 16 de Março, e pela recorrente recebida em 21 do mesmo mês, que referia, de forma expressa, que «em caso de cheque (como era o caso) o depósito só se torna efectivo após boa cobrança do mesmo».
Não obstante esse «alerta», a recorrente, dois dias depois, expediu a mercadoria, sem indagar junto do recorrido se o cheque havia logrado boa cobrança.
Da imediata disponibilidade e livre movimentabilidade do valor do depósito, pela autora/recorrente, a partir da data do lançamento do cheque (em 16 de Março), e antes da respectiva data-valor (21 de Março), não pode extrair-se nenhum argumento a favor da sua tese.
O BES explicou o facto, na telecópia que remeteu à autora/recorrente em 08.04.2005 : “o facto de o Banco Espírito Santo ter chegado a creditar o referido montante deve-se apenas à credibilidade e à consideração que V. Exas. nos merecem enquanto clientes do nosso banco, à segurança inerente às transacções em que V. Exas. participam e à solidez da vossa Instituição”.
Tal constitui uso ou prática bancária, como o reconhece a jurisprudência (4) , traduzindo um verdadeiro financiamento do cliente por antecipação de fundos – financiamento sujeito, como vimos, à condição de boa cobrança. Se esta não se efectiva, o banco lança a respectiva importância a débito da conta, devolvendo o cheque ao cliente.
Reafirmando ideia já expressa: em boa verdade, o BES, ao creditar o valor do cheque, não assume o risco da sua não cobrança ou incumprimento. Pelo que, não se verificando a condição de boa cobrança, a inscrição a crédito na conta do cliente seria anulada ou compensada pela inscrição, a débito da mesma conta, do crédito de reembolso do Banco sobre aquele (estorno). “Débito em conta ou estorno que assim funciona como o modo ou mecanismo prático de exercício do direito de recurso do Banco contra o cliente “provisoriamente” creditado e (eventualmente) financiado na forma de antecipação de fundos salvo bom fim, quer dizer, creditação e antecipação de financiamento sujeitas a condição resolutiva.”
Também da indicação da data-valor não pode extrair-se que o montante em causa estava disponível a partir dessa data. À data dos factos o conceito de data-valor, relativamente a operações de depósitos de cheques, não constituía garantia, por parte do Banco depositário, da boa cobrança desses cheques.
Ademais, provado está que o montante do cheque, levado à conta da autora/recorrente em 16 de Março, ficou disponível e livremente movimentável logo a partir dessa data e não da respectiva data-valor de 21 desse mês, pelo que aquela sabia, ou não podia ignorar, que a disponibilidade do correspondente valor não resultava da efectiva e concretizada boa cobrança do cheque nem da data-valor: a disponibilidade imediata e com início no próprio dia em que o valor do cheque foi creditado na conta não toleravam outro entendimento.
Não procedem, pois, as razões avançadas pela recorrente, não obstante suportadas no valiosíssimo parecer de E. FERREIRA MENDES, a que já fizemos referência.
Não se vê que o BES haja incumprido os seus deveres contratuais para com a autora/recorrente. O que se prova é que os cumpriu – que cumpriu a obrigação de acautelar os interesses do cliente – fornecendo-lhe atempadamente a informação bastante para que, se devidamente ponderada, não se produzissem danos na esfera patrimonial daquela. A sua actuação não era de molde a criar na autora/recorrente a convicção de que o pagamento do cheque estava realizado.
Seguro é ainda que nenhuma responsabilidade lhe cabe, enquanto mandatado para a cobrança do título, por conta e risco da autora, no não pagamento deste: se o banco sacado recusa o pagamento, por falsidade do cheque, é óbvio que o BES não pode cumprir o mandato de cobrança, não lhe sendo imputável esse incumprimento. Daí que lhe deva ser reconhecido o direito de devolução do dinheiro depositado e disponibilizado ao cliente, na medida em que o cheque, apresentado ao banco estrangeiro, não foi pago.
Nem vale esgrimir, contra o recorrido, com o lapso de tempo decorrido entre a data do depósito directo do cheque numa agência do recorrido e a recepção, pela recorrente, da nota de crédito que aquele lhe enviou. O procedimento de pagamento de um cheque bancário no estrangeiro é por natureza demorado, não sendo fácil ao beneficiário prognosticar quanto tempo decorrerá até receber definitivamente o dinheiro.
Nem, pelas razões já aduzidas, lhe estava vedada a creditação provisória da conta da recorrente, desde que lhe comunicasse – como o fez – que o fazia sob condição de boa cobrança. Como refere o acórdão recorrido, essa conduta não é lesiva nem dela pode emergir o direito à indemnização pedida com base na data de disponibilização.
A autora, ora recorrente, sofreu um prejuízo em consequência de um comportamento precipitado, negligente, da sua parte, já que a informação de que dispunha, fornecida pelo recorrido, desde que interpretada e valorada de acordo com a doutrina da impressão do destinatário, a que acima se aludiu, era suficiente para, no dia 23 de Março a alertar para a conveniência em não enviar a mercadoria para o estrangeiro, por não estar assegurado o pagamento do preço respectivo.
Como assim, o recurso terá, forçosamente, de improceder.

4.

Nos termos expostos, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2008

A. Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva

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1- Cfr. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 2ª ed. – 2001, Almedina, págs. 335/336, autor que aqui seguimos de perto.
2- Em estudo intitulado Relação bancária, cláusulas contratuais gerais e o novo Código Civil brasileiro, publicado no BFDUC, vol. LXXVIII (2002), citado no parecer de E. FERREIRA MENDES, junto aos autos
3- Da autoria do Prof. CALVÃO DA SILVA.
4- Cfr. neste sentido os Acs. deste Supremo Tribunal, de 26.06.80 (BMJ 298/354) e de 08.05.84, este disponível (o sumário) em www.dgsi.pt, da Rel. Porto, de 09.10.2001 (Col. Jur. XXVI, t. 4, pág. 204) e Rel. Guimarães, de 09.02.2005, disponível em www.dgsi.pt