Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P3565
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA DA PENA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200311060035655
Data do Acordão: 11/06/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6944/03
Data: 07/10/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : I - Não estando em causa a legalidade das operações que levaram as instâncias à fixação da medida concreta da pena, nem sendo caso de esta se mostrar desproporcionada ou aplicada em violação das regras da experiência, o Supremo Tribunal de Justiça não tem que intervir para «melhorar» o quantum fixado.
II- Como remédios jurídicos, os recursos ordinários não podem, com efeito, ser utilizados com o único objectivo de uma"melhor justiça", uma vez que a pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta da violação do direito material.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. O Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo de RPSL, VMPC, PCVE, todos identificados nos autos, imputando-lhes:
- ao primeiro, a autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/1;
- aos 2.º e 3.º, a autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25, al. a) do DL 15/93 de 22/1, tudo mediante a comissão dos factos constantes da acusação que ora faz fls. 328 a 342, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença em que, além do mais foi decidido julgar procedente, por provada, a acusação e, consequentemente, condenar os arguidos:
- o arguido RPSL, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/1, na pena de cinco anos e seis meses de prisão;
- o arguido VMPC, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25, al. a), do DL 15/93, 22/1, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
- o arguido PCVE, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25, al. a) do DL 15/93, 22/1, na pena de um ano de prisão.
Mais foram condenados nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em seis UC’s e em duas UC’s e procuradoria.
Declararam-se perdidos a favor do Estado todos os estupefacientes e objectos referidos no auto de busca de fls. 81-82, com excepção da viatura Toyota, matrícula QZ e seus documentos, bem como os constantes dos autos (de abertura) de fls. 9 a 11, 28-29, 183.
Deliberou ainda o Tribunal Colectivo, declarar suspensas na sua execução as referidas penas, aos arguidos C, por três anos e E por dois.
Inconformado, recorre ao Supremo Tribunal de Justiça o arguido SL, delimitando assim conclusivamente, com esmero, o objecto do seu recurso:
1.ª A douta decisão recorrida ao haver condenado o recorrente na pena de cinco anos e meio de prisão, como o fez, enfermará, salvo o muito respeito, de erro de Direito, por violação das seguintes normas jurídicas: artigos 70.º e 71.º e 61.º do Código Penal e artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, pois que procedeu à individualização da pena concreta sem ponderar dentro de todas as suas potencialidades os critérios legais atinentes à graduação da mesma.
2.ª Na verdade, estão adquiridos, pois que provados, factos que militam no sentido de uma pena mais benigna, atendendo (i) à ilicitude e concreto, que exclui o comerciar com narcóticos (ii) às condições pessoais, sociais e económicas do recorrente, que militam no sentido de ser de esperar uma integração social não necessariamente possível apenas em meio carcerário (iii) à sua conduta anterior, a justificar que estejamos ante uma decorrência de um problema de dependência face a estupefacientes, a carecer de tratamento adequado.
3.ª No caso concreto, os factos provados indiciam que (i) está em causa uma situação individual de envolvimento do arguido com o consumo de drogas (ii) sendo a sua subsunção ao tipo incriminador meramente resultante da quantidade de produto encontrado em busca efectuada na sua residência, descontado o facto de não haver pesagem que permita determinar a quantidade concreta de parte substancial do achado (iii) pelo que qualquer decisão punitiva tem de viabilizar a consecução de medidas de socialização e de tratamento em meio aberto, indispensáveis ao caso e que está provado já foram ensaiadas no passado, embora sem resultado.
4.ª A medida concreta da pena de prisão que facilita tal desiderato é aquela que possibilite uma liberdade condicional a meio da pena, ou seja, não superior a 5 anos de prisão (art.º 61.º, n.º 1, do Código Penal), e não aquela que apenas a possibilite a 2/3, como sucede com a que foi imposta, superior àquela referida, pelo que se conclui no sentido da primeira.
Nestes termos se conclui no sentido da revogação do douto acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido a uma pena de prisão de cinco anos e meio de prisão, e que lhe seja aplicada pena de prisão não superior a cinco anos de prisão.
Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, defendendo a bondade do julgado.
Subidos os autos, manifestou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto promovendo a designação de dia para julgamento.
A única questão a solucionar prende-se com a medida da pena, sendo essa a delimitação expressa pelo recorrente logo no limiar do seu requerimento de interposição.
Na verdade, a divergência expressa cinge-se a seis meses de diferença na duração da pena de prisão imposta, já que tendo a sentença recorrida aplicado a de 5 anos e seis meses, o recorrente reclama a sua redução para 5 anos.
No despacho liminar, o relator foi de entendimento de que o recurso era da rejeitar.
Daí que os autos tivessem vindo à conferência.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Vejamos antes de mais os factos provados.
1. O arguido RPL, por diversas vezes, no decurso do ano de 2001 deslocou-se a Marrocos, tendo tais deslocações ocorrido nos dias 28 de Junho, com regresso a 30 de Junho, dia 16 de Outubro com regresso a 17 de Outubro de 2001 de 30 de Maio com regresso a 31 de Maio de 2002, para frequentar festas "RAVE";
2. Em datas não determinadas do ano de 2002, mas provavelmente situadas no mês de Agosto, o arguido solicitou aos arguidos VC e PE, que lhe facultassem os respectivos dados de identificação pessoal e moradas a fim de se proceder a encomendas de produtos de natureza estupefaciente, nomeadamente cogumelos alucinogéneos.
3. As referidas encomendas seriam efectuadas via Internet a uma firma sediada na Holanda, denominada "Azarius-Reform Internacional", tendo como destinatários os ditos VC e PE.
4. Cientes da natureza dos referidos produtos os arguidos V e P acederam à proposta do arguido RL e forneceram-lhe os seus elementos de identificação e moradas.
5. Mais acordaram que uma vez recebidas as encomendas os produtos seriam de imediato repartidos entre eles e o dito RP que os consumia em parte.
6. No dia 31 de Agosto de 2002, o arguido RP, na sua residência e via internet encomendou à firma "Azarius-Reform Internacional" cogumelos Psilocybe Cubensis (5 gr.) - cogumelos alucinogéneos, na quantidade de quarenta, com o valor unitário de doze euros, perfazendo o valor global de quatrocentos e oitenta euros.
7. O arguido forneceu os dados de identificação do VC que figurava como destinatário da encomenda.
8. Já em data anterior, no dia 12 de Agosto de 2002, o arguido RP, via Internet, encomendou à firma "Azarius-Reform Internacional" cogumelos Psilocybe Cubensis (5 gr.) na quantidade de vinte (20), com o valor unitário de doze euros, perfazendo o valor global de duzentos e quarenta euros , tendo fornecido os dados de identificação de PCVE que figurava como destinatário da encomenda;
9. Nesse mesmo dia 12 de Agosto de 2002, o arguido RP, via Internet, encomendou à dita "Azarius" Yohimbe Pro -Potency Formula, Ecstasy (6 cápsulas) e Herbal XTC cápsulas (doze cápsulas), tudo no valor global de 39,95 euros, tendo fornecido os seus próprios dados de identificação e a sua residência , sendo o destinatário da encomenda;
10. A primeira das encomendas acima indicadas tendo como destinatário o VC, foi enviada pela firma "Azarius" e recebida nos CTT, de Pêro Pinheiro, para distribuição pelo destinatário.
11. A citada encomenda veio todavia a ser apreendida.
12. Submetido o seu conteúdo a exame laboratorial, conclui-se que se tratava de Psilocibina, com o peso de 178,600 gramas, substância incluída na Tabela II-A anexa ao DL 15/93.
13. Na sequência dos factos descritos no dia 18 de Setembro de 2002, foi efectuada busca domiciliária à residência do arguido VC, sita na Rua Fria, n.º ...., Sabugo, Pêro Pinheiro, tendo sido apreendido:
- uma caixa contendo uma balança digital, com etiqueta autocolante com os dizeres CB-..., para pesos 150 g./01, g, com pinça e peso de cem gramas.
Submetida a balança a exame laboratorial conclui-se que a mesma apresentava vestígios de"cannabis", substância incluída na tabela I-C anexa ao DL 15/93;
- um saco de plástico contendo no seu interior ervas de um produto com o peso bruto de 100,8 gramas;
-uma lata com a inscrição Aptamil 1, contendo no seu interior sumidades floridas, com o peso bruto de 179 gramas;
-uma lata com a inscrição Aptamil AR2, contendo no seu interior sumidades floridas, com o peso bruto de 221 gramas;
-um embrulho em papel contendo sumidades floridas, com o peso bruto de 35,5 gramas;
-uma lata com a inscrição Nikon, contendo, no seu interior sumidades floridas, com o peso bruto de 146 gramas;
- uma pequena saqueta plástica contendo no seu interior um pó, com o peso bruto de 1,68 gramas;
Submetidos os produtos acima indicados a exame laboratorial, o mesmo revelou tratar-se "cannabis fls. sumidades", substância incluída na tabela I-C anexa ao Dl 15/93;
-uma saqueta plástica contendo no seu interior seis embalagens vulgo bolotas, de um produto com o peso bruto de 24,8 gramas;
-um apequena saqueta de plástico contendo no seu interior dois pequenos pedaços de uma massa castanha, com o peso bruto de 2,43 gramas;
Submetidos os produtos acima indicados a exame laboratorial, o mesmo revelou tratar-se de Cannabis (resina), substância incluída na tabela I-C, anexa ao DL 15/93;
-um telemóvel de marca Siemens C 45, com o IMEI 3560735522540541 e respectivo cartão TMN com o n.º 967511734.
Neste telemóvel encontrava-se registado o n.º de telefone 967711550, pertença do arguido RL;
-um postal dos CTT, em nome de VMPC, para levantamento na estação de correios do Sabugo, de uma encomenda remetida da Holanda por "azarius" e assinada por VC;
-uma factura da "Azarius", em nome de VC, relativa à encomenda n.º AI 30104, de 31/08/02 que consta de cogumelos psilocube Cubensis, no valor de 493 euros e um panfleto indicando a forma de usar e os efeitos daqueles cogumelos;
14. No dia 19 de Setembro de 2002, foi efectuada busca domiciliária à residência do arguido RPSL, sita na Estrada Nacional n.º 8, Vivenda branca, Nazaré, tendo sido apreendido:
Na garagem da vivenda foi apreendido:
-um saco contendo sessenta e três comprimidos de cor azul;
Submetidos a exame laboratorial, revelou tratar-se de "MDMA", substância incluída na tabela II-A, anexa ao DL 15/93;
-uma saqueta plástica contendo vinte e nove comprimidos com a inscrição "Silver Pearl";
Submetidos a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "MDMA", também abrangida na tabela supra;
-um saco de plástico contendo cinquenta e oito comprimidos de cor vermelha;
Submetidos a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "MDMA";
- uma saqueta plástica contendo vinte e dois comprimidos de cor creme;
Submetidos a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "MDMA";
uma saqueta contendo um comprimido de cor azul;
Submetido a exame laboratorial, o mesmo revelou tratar-se de "MDMA";
- uma saqueta contendo 0,16 gramas de um produto que submetido a exame laboratorial revelou tratar-se de "MDMA";
-uma saqueta contendo um pó com o peso de 1,88 gramas;
Submetido exame laboratorial o mesmo revelou tratar-se de "MDMA";
- uma saqueta contendo 53 selos de cor verde e castanha;
Submetido a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "LSD", substância incluída na tabela II-A do DL 15/93;
-uma caixa em âmbar contendo cinco pedaços de comprimidos;
Submetidos a exame laboratorial revelou tratar-se de "MDMA";
-um frasco em matéria plástica contendo um líquido que se presumia ser GHB;
- um frasco em vidro de cor castanha contendo no seu interior erva;
- um pedaço de matéria vegetal designada vulgo por Haxixe Afegão, com o peso bruto de 35,4 gramas;
Submetido a exame laboratorial , o mesmo revelou tratar-se de Cannabis (resina), substância incluída na tabela I-C, anexa ao DL 15/93;
-uma placa de matéria vegetal prensada designada vulgo por haxixe afegão, com o peso bruto de 506,7 gramas;
Submetido a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "cannabis-resina";
-dois sabonetes de uma matéria vegetal prensada de cor castanha, com o peso bruto de 503,5 gramas;
Submetido a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "cannabis-resina";
-um pedaço de matéria vegetal prensada de cor castanha com o peso bruto de 60,4 gramas;
Submetido a exame laboratorial revelaram tratar-se de"cannabis-resina";
-33 bolotas de um produto que logo se presumiu ser haxixe com o peso bruto de 154,8 gramas;
Submetido a exame laboratorial, os mesmos revelaram tratar-se de cannabis-resina;
-uma saqueta plástica contendo cogumelos "Psylocina" com o peso bruto de 3,7 gramas;
Submetido a exame laboratorial concluiu-se que efectivamente se tratava de "Psylocina", substância incluída na tabela II-A, anexa ao DL 15/93;
-um frasco contendo uma pequena quantidade de um líquido que se presume ser amoníaco;
-uma embalagem de cor azul com as inscrições "Herbal XTC", contendo no seu interior doze Cápsulas;
Submetido a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "Efedrina", substância incluída na Tabela V, anexa ao DL 15/93;
-uma balança de precisão com a referência PS500, com o número de série 02010600;
-uma viatura marca Toyota, modelo Land Cruiser, com a matrícula QZ;
-livrete e título de registo da referida viatura;
B) No interior da viatura foi apreendido:
- um saco de plástico contendo uma sumidade florida, com o peso de 2, 45 gramas, bem como uma pequena porção de uma substância vegetal com o peso de 0,66 gramas;
Submetidos os produtos a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "cannabis" (sendo primeiro na modalidade de folhas e sumidades e o segundo resina), substância incluída na tabela I-C, anexa ao DL 15/93;
-um cartão de segurança do telemóvel, com o n.º 967711550;
-um bloco de cor branca, com diversos números de telefone e nomes manuscritos;
-um talão de aceitação de encomenda destinada a Amsterdam Web Trading, enviada pelo arguido, bem como fotocópia de um cheque emitido à ordem da mesma firma, no valor de cento e vinte euros, da conta n.º 00019079000, da CGD, titulada pelo arguido;
-dois recibos da firma "Azarius" relativas a diversos produtos enviados, sendo um em nome do arguido e outro em nome de PCVE, com morada na Rua dos Lavradores , n.º ....., Nazaré;
Tais recibos referem-se a produtos enviados por aquela firma que se dedica à venda de produtos, nomeadamente ervas e plantas, legais no país de origem - Holanda, mas cuja detenção, compra e venda é ilegal no nosso país;
-duas folhas A4 da mesma firma descrevendo os produtos disponíveis em Maio de 2002;
-uma CPU, um monitor, um, teclado e um rato;
C) No quarto e na sala, foram apreendidos:
- três bolotas de um produto que logo se presumiu ser haxixe com o peso de 13,25 gramas;
Submetido a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de "cannabis" (resina);
-uma embalagem de plástico contendo no seu interior uma matéria vegetal prensada de cor castanha que logo se presumiu ser óleo de haxixe, com o peso bruto de 1,09 gramas;
Submetido a exame laboratorial, os mesmos revelaram-se"cannabis" (óleo), substância incluída na tabela I-C;
-oito comprimidos com vários símbolos;
Submetidos a exame laboratorial, os mesmos revelaram tratar-se de "MDMA", substância incluída na tabela II-A;
-duas metades de comprimidos;
Submetidos a exame laboratorial, os mesmos revelaram tratar-se de "MDMA";
-nove selos com vários símbolos e tamanhos;
Submetidos a exame laboratorial, os mesmos revelaram tratar-se de "LSD", substância incluída na tabela II-A;
-um comprimido "Micro" que submetido a exame laboratorial revelou tratar-se de "LSD" substância incluída na tabela II-A;
-Um panfleto de cor branca que se presume ser "MDMA" com o peso bruto de 0,1 grama, o qual submetido a exame laboratorial revelou tratar-se de "MDMA";
-dois pequenos pedaços de uma matéria vegetal prensada, de cor castanha, com o peso bruto de 0,22 gramas;
Submetidos a exame laboratorial os mesmos revelaram tratar-se de cannabis (resina);
-seis saquetas de plástico próprias para acondicionar estupefacientes, sendo que uma delas tem manuscrito "Crystal" e outras duas tem "Powerplant";
Submetidos a exame laboratorial, as mesmas apresentaram vestígios de "cannabis", substância incluída na tabela I-C;
-uma embalagem em plástico contendo no seu interior uma erva de cor verde, com o peso bruto de 3,17 gramas;
Submetido a exame laboratorial a mesma revelou tratar-se de "cannabis"(fls. e sumidades);
-uma embalagem de plástico com a inscrição "Yohimbe Pro2", contendo no seu interior 27 cápsulas de uma substância desconhecida;
Submetida a exame laboratorial revelou tratar-se de "Iohimbina", substância não abrangida pelas tabelas anexas do DL 15/93, de Janeiro;
-um telemóvel, marca Alcatel com o n.º MG 204109365 e bateria;
-um telemóvel, marca Nokia , modelo 830, com o n.º 350700102163962 e bateria, com o cartão da TMN n.º 967711550;
-uma fotografia de um grupo de pessoas, onde constam os arguidos RP e VC;
-dois passaportes cujo titular é RPSL;
-um bilhete de identidade em nome de RPSL, já caducado em 10/5/00;
-um bloco manuscrito, contendo diversos contactos;
-diversos papeis e fotocopias;
15. No dia 29 de Outubro de 2002, foi efectuada busca domiciliária à residência do arguido PCVE, sita na Rua dos Lavradores, n.º ...., r/c, Nazaré, tendo sido encontrada e apreendido, no quarto do arguido uma caixa decorativa, contendo diversos pedaços de um produto vegetal prensado, com o peso bruto de cinco gramas;
Submetido a exame laboratorial o mesmo revelou tratar-se de "Cannabis (resina), com o peso líquido de 4,059 gramas, substância incluída na tabela I-C, anexa ao DL 15/93;
16. O arguido RPL, agiu deliberada, livre e conscientemente, bem conhecendo a natureza de produtos estupefacientes dos apreendidos -Cannabis, Psylocina, MDMA, LSD e Efedrina e sabendo que a sua detenção e cedência a terceiros, importação, distribuição é proibida e punida por lei criminal.
17. O arguido VC agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecendo a natureza e características dos estupefacientes que lhe foram apreendidos, bem sabendo ainda que a importação, venda, distribuição, cedência e mesmo detenção de produtos estupefacientes é proibida e punida por lei;
18. O arguido PE agiu deliberada, livre e conscientemente, conhecendo a natureza e características dos estupefacientes que lhe foram apreendidos, bem sabendo ainda que a participação na importação, distribuição, cedência e mesmo detenção dos ditos produtos é proibida e punida por lei;
19. O arguido R referiu ser verdade deter tais produtos que em parte eram para seu consumo e outra parte era para amigos seus e sua namorada.
20. Referiu não se dedicar à venda, apenas adquirindo os ditos produtos em grandes quantidades para consumir designadamente em festas "rave", o que vem fazendo há cerca de dois anos.
21. Explicitou que fazia "vaquinhas" na compra de estupefacientes com namorada e amigos e que o dinheiro era seu e da sua namorada que gastavam para os adquirir.
22. Confirmou conhecer o arguido E há doze anos e que este se ofereceu para disponibilizar os seus dados identificativos, possibilidade que o arguido aproveitou para evitar mandá-los vir em seu próprio nome.
23. No tocante aos que foram mandados vir em nome do V foi este que também se ofereceu.
24. Metade dos estupefacientes, pelo menos eram dele e custeou o seu pagamento.
25. Referiu ter em seu poder vários tipos de estupefacientes porque gostava de variar.
26. Declarou ainda o arguido R que os comprimidos eram só para si e para a namorada C.
27. Quanto ao amoníaco já o tinha em seu poder há bastante tempo.
28. Adquiriu a balança de precisão no Festival "Rave" de Idanha-a-Nova.
29. Os 140 nomes aliados a números de telefone constantes do bloco de notas encontrados no seu telemóvel eram de amigos.
30. O arguido R já respondeu e foi condenado pelo crime de detenção de estupefacientes para consumo, ocorrido em 1995 (8/8/95), tendo sido condenado em 21/2/99, em pena de multa (P.º 909/95.1SDLSB -6º Juízo Criminal de Lisboa).
31. Trabalha como fiscal na Câmara Municipal de Alcobaça, auferindo cerca de quinhentos euros mensalmente.
32. É o único filho resultante do matrimónio dos pais e nasceu em Moçambique, de onde os pais vieram em 1975, após uma permanência de cerca de quinze anos.
33. Radicou-se na Nazaré onde a família iniciou negócio de churrasqueira, vivendo uma boa situação económica com os rendimentos daí resultantes aliados a rendimentos de reforma e de arrendamento de prédios de que os pais são proprietários.
34. O arguido frequentou toda a escolaridade até ao 12º ano no ensino particular, com resultados baixos mas sem reprovações.
35. Frequentou, durante alguns meses o curso de Matemáticas Aplicadas, na Universidade Lusíada e, posteriormente, durante um ano, o de Medicina Dentária, no Instituto Superior de Ciências da Saúde.
36. Entre os 19 e 23 anos referiu ter consumido heroína e cocaína diariamente, foi recrutado para o Serviço Militar Obrigatório e permaneceu na Unidade de Tancos.
37. Foi acompanhado em consulta particular, na Policlínica da Nazaré.
38. Por grande insistência da mãe que aproveitou ter ali conhecimento, o arguido iniciou funções como fiscal municipal em 1999 e em 12/4/01 foi integrado no quadro.
39. O IRS refere ter-se apurado que no início era assíduo mas ultimamente ocorreram problemas relativos à permanência no local de trabalho e falta de interesse neste.
40. Não comparticipava nas despesas do agregado, beneficiando da ajuda e atitude tolerante e desculpabilizante dos seus progenitores.
41. Deu entrada no E.P. de Caxias em 20 de Setembro de 2002 e tem revelado conduta adequada mas descrita pelo IRS como arrogante.
42. Não se disponibilizou para integrar qualquer actividade laboratorial.
43. O arguido VC referiu conhecer o arguido RPSL há cerca de um ano (numa "RAVE").
44. Consome haxixe há treze anos e ultimamente frequentava um tratamento de metadona.
45. Referiu que os "cogumelos" também eram para ele e que a ideia de os mandar vir foi dele e do R.
46. Adquirira a dita balança duas semanas antes da Busca para pesar a droga que consumia.
47. Esclareceu que não pagou a sua parte nos "cogumelos" ao L, sendo este que adiantava o dinheiro e depois o arguido V "contribuiria com algum".
48. Referiu não ter visto o L adquirir produtos nas festas "Rave" locais onde muitas vezes o acompanhou.
49. O arguido V já respondeu e foi condenado por Acórdão de 17/10/97, proferido no P.º 290/96.1SDLSB -1ª Vara de Lisboa, por factos de 15 de Março de 1996, pela autoria de um crime de ofensas corporais, em pena de multa.
50. É o mais novo de dois irmãos de um agregado familiar com raízes na zona do Alentejo que fixou residência na zona rural de Sintra.
51. Aos dezoito anos, o arguido iniciou-se no consumo de álcool e haxixe.
52. Quando cumpria o Serviço Militar iniciou-se no consumo de heroína.
53. Já viveu maritalmente e regressou a casa dos pais que investiram na sua recuperação e Desintoxicação.
54. Há cinco anos iniciou tratamento com metadona e há três anos (segundo referiu ao IRS) abandonou o consumo de heroína.
55. Passou a frequentar festas de jovens, onde o consumo e venda de drogas leves é, segundo referiu ao IRS, habitual.
56. Foi nesse círculo de jovens que adquiriu o haxixe que lhe foi apreendido e cujo consumo esporádico admite manter para "enfrentar a vida e a realidade".
57. Tem um processo pendente, a aguardar julgamento, relativamente à cultura de pés de "cannabis" encontrada no seu quintal.
58. Vive em habitação própria com a companheira e a filha de dezasseis meses de idade, estando ambos desempregados há vários meses e vivendo dos atinentes subsídios e da ajuda de familiares.
59. O arguido E admitiu conhecer o arguido R há mais de dez anos e confirmou os factos, tais com foram dados por provados.
60. É o filho mais novo de uma fratria de dois e desde a sua infância a figura do pai resultou esbatida face às suas deslocações profissionais em cruzeiros marítimos que duravam meses.
61. Interrompeu a frequência escolar no 4º ano, aos treze anos de idade, tendo iniciado a actividade laboral na pintura de construção civil, na companhia do irmão.
62. Aos 16/17 anos frequentou um curso na "Forpescas", na Nazaré, durante um ano tendo obtido a cédula de pescador e a equivalência ao 7º ano de escolaridade.
63. Iniciou consumo de estupefacientes e só ao fim de três anos procurou desintoxicar-se.
64. Face à atitude exigente do pai, a mãe facultava-lhe dinheiro para prover aos consumos à revelia do pai.
65. O pai dedica-se à actividade piscatória possuindo lancha própria e a mãe é empregada de limpeza.
66. O arguido está desempregado há vários meses, alegadamente por não conseguir emprego e sobrevivendo da ajuda dos pais, com quem vive.
67. Há nove meses sujeitou-se a tratamento de desintoxicação sob a orientação da médica der família tendo reiniciado os consumos há cerca de dois anos.
68. Ao IRS o arguido revelou estar preocupado com o desfecho do processo mas não evidenciou motivação para alterar o seu modo de vida e abandonar o consumo de estupefacientes.
Factos não Provados
- Que o arguido R desde há tempo indeterminado se vinha dedicado à compra e venda, de produtos de natureza estupefaciente a terceiros que o procuravam para o efeito, nomeadamente em festas "RAVE" que habitualmente frequentava, por todo o país;
- Que tais produtos estupefacientes eram adquiridos pelo arguido através da Internet em nome de outros indivíduos a quem pedia colaboração para o efeito (com excepção dos factos supra dados por provados);
- Que o arguido R nas suas deslocações a Marrocos, (o arguido) tenha entabulado contactos com indivíduos residentes a quem adquiria de igual forma produtos estupefacientes;
- Que os produtos vindos da "Azarius" seriam entregues ao RPSL na sua totalidade e que este, em contrapartida lhes pagasse dinheiro ou lhes fornecesse estupefaciente;
- Que à data dos factos o arguido R se encontrasse em consumo excessivo de tais produtos;
- Que as aquisições de estupefacientes fossem feitas, em conjunto, com amigos, mobilizando todos eles, para isso, dinheiro conjunto, numa espécie de "vaquinhas", para efectuarem uma aquisição de maior quantidade e obterem melhor preço;
- Que os produtos encontrados em casa do arguido foram adquiridos em momentos e locais distintos, num festival Boom e na Colina do Sol e destinavam-se ao consumo do arguido , da sua namorada e de outros amigos, num total de seis pessoas;
- Que o arguido R não tinha conhecimento de que a detenção dos produtos alucinogéneos, a sua aquisição ou cedência a qualquer título, constituía ilícito penalmente punível;
- Que as autoridades tenham lançado avisos públicos esclarecendo a natureza de tal detenção;
- Que o VC tenha participado com qualquer quantia para a compra dos produtos mandados vir em seu nome;
- Que o arguido RL obtém proventos decorrentes de trabalhos de CAD (desenho efectuado por computador);

Nesta matéria de facto não são perceptíveis vícios que afectem a sua validade, nomeadamente os referidos no artigo 410.º, n.º 2, nem o recorrente lhos assaca.

O enquadramento jurídico dos factos também não sofre contestação nem merece censura por banda deste Alto Tribunal.

Em sede de medida da pena, o tribunal levou em conta, segundo consta da sentença,
« - o grau de ilicitude dos factos elevado, no caso do 1º arguido e médio, no caso dos 2º e 3º;
- a intensidade do dolo, directo com idêntica graduação;
- a conduta anterior e posterior, aonde avultam as confissões parciais prestadas, com relevância para o esclarecimento da verdade material,
- os antecedentes criminais;
- as circunstâncias pessoais e económicas dos arguidos;
- o arrependimento, por todos manifestado.
Tudo ponderado, deliberou o Tribunal Colectivo em considerar como adequada, proporcional e suficiente a reprimir os ilícitos cometidos e a prevenir a prática de outros, a aplicação de penas privativas de liberdade não substancialmente gravosas.»

Pois bem.
Em sede de fixação da medida concreta da pena a intervenção do Supremo Tribunal tem campo de actuação limitado.
Com efeito, como aqui tem sido sucessivamente entendido (1), "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada"(2).
Ou, dizendo por outras palavras,"como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma "melhor justiça". (...) A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação do direito material". (3)
Como resulta dos factos provados, a pena aplicada ao recorrente, atendendo aos critérios de dosimetria do artigo 71.º do Código Penal, mostra-se talhada conforme o exigido pelo citado dispositivo, nos limites admitidos pela culpa do agente, conjugada com as finalidades da pena, proporcionada à gravidade da ilicitude dos factos, mormente esta, e proferidas com sentido de justiça.
Culpa que, como escreve a Doutora Anabela Miranda Rodrigues, (4) não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo desta, que, em caso algum, pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.
E se, como escreve a mesma autora (5), o limite mínimo da pena é «o absolutamente imprescindível para se realizar a finalidade de prevenção geral», sob a forma de defesa da ordem jurídica, (6) não se vê que a pena aplicada esteja de algum modo feridas de ilegalidade ou seja desproporcionada às circunstâncias do acaso.
E ainda segundo a mesma fonte, (7) embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, [só] na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade.
No caso não se demonstra que estes ensinamentos tenham sido afrontados pela decisão recorrida, tendo em conta, mesmo, que o recorrente não é virgem na sua ligação com a droga e que uma primeira hipótese de socialização em liberdade que lhe foi concedida não surtiu os efeitos esperados.
Em suma: não se demonstrando que o tribunal recorrido tenha levado a cabo qualquer procedimento ilegal, por acção ou omissão, na determinação da medida da pena, nem que a mesma se mostre fixada em violação das regras da experiência, ou desproporcionada na sua quantificação, a pretensão do recorrente, manifestamente improcede.
3. Razão por que, por manifesta improcedência -art.º 420.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - rejeitam o recurso.
O recorrente pagará pelo decaimento 5 unidades de conta de taxa de justiça, a que acrescem outras 3, por força do disposto no n.º 4 daquele mesmo artigo.
Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Novembro 2003
Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Costa Mortágua
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1 Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html, e muitos outros que se lhe seguiram.
2 Cfr. a solução que, para o mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255
3 Cfr. Cunha Rodrigues, Recursos, in Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 387.
4 Cfr., Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, pág. 182
5 Ibidem.
6 Que não se confunde com o limiar mínimo da moldura penal abstracta.
7 Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, págs. 182