Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1612
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NEVES RIBEIRO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À VIDA
DANOS MORAIS
SUCESSÃO
Nº do Documento: SJ200506160016127
Data do Acordão: 06/16/2005
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1831/04
Data: 01/05/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vitima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em consequência de acidente de viação, cabe, em conjunto, e pela precedência indicada no artigo 496º-2 do Código Civil, às pessoas que, também nesta disposição, se mencionam.
2. Mas não se trata de um direito sucessório relativo a danos provocados por lesão da personalidade do falecido, não revestindo um chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo o artigo 2024.º, do Código Civil, não havendo assim, por conseguinte, lugar à repartição da indemnização, como se uma herança se tratasse.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A", intentou, no tribunal da comarca de Barcelos, acção com processo na forma ordinária contra "B", S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 22.391.191$00, acrescida de juros de mora, desde a data da citação, até integral pagamento.
Alegou para o efeito, e circunscrevendo a parte que para aqui é útil, que seu marido foi vitima do acidente de viação, que o processo descreve, tendo sofrido lesões várias, que lhe determinaram a morte, dias depois do acidente. Em decorrência, tanto o falecido marido da A., como a A. sofreram danos, (entre outros), não patrimoniais.
Compete à Seguradora reparar esses danos, pois que o dono do veículo causador do acidente, havia transferido para ela a responsabilidade civil emergente da utilização do veículo.
O falecido deixou como herdeiros legítimos, ela, Autora, e seus sogros, pais do falecido, cuja intervenção principal requereu - o que foi deferido.
Os chamados a intervir, na sequência, deduziram pedido contra a R., pretendendo a respectiva condenação na quantia de 17.454,60 euros, acrescida de juros, valor, segundo eles, da sua "quota parte" nos danos não patrimoniais assinalados acima.

2. Foi proferida sentença, que condenou a R. a pagar à A. o montante global de 111.686.59 euros (22.391.191$00), deduzido do montante que a A. tiver recebido do Centro Nacional de Pensões a título de pensões de sobrevivência, acrescido dos juros de mora.

3. Apelaram os chamados e a Ré.
E a Relação de Guimarães decidiu assim, ainda na parte que releva do pedido de revista:
Condenou a Seguradora a pagar à viúva (só à viúva e não aos chamados, seus sogros):
Por danos não patrimoniais:
a) - 39.903,94 euros (8.000.000$00), a título do dano pela morte;
- 9.975,94 euros (2.000.000$00), a título do dano sofrido pela vítima antes de morrer;
b) - 9.975,94 euros (2.000.000$00), a título do dano moral sofrido pela própria Autora.
[Sobre estas quantias incidem juros de mora, desde a data da sentença, nos termos nela definidos (e que não vêm impugnados)].

4. São agora os sogros da Autora que pedem revista, defendendo nas suas conclusões, em síntese, que têm direito a serem indemnizados pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes da morte, e os derivados da perda da própria vida (dano pela morte), conforme dispõe o artigo 496.º, n.º2, do Código Civil. [São os danos que se indicam na alínea a), anterior].
Isto porque - dizem - a reparação pecuniária do dano pela morte e dos danos sofridos pela vítima, antes da morte, transmite-se aos seus herdeiros legítimos, por via sucessória, nos termos gerais do artigo 2131.º e segs. do Código Civil, por forma que, «o direito à indemnização pelo dano não patrimonial da perda da vida do filho dos recorrentes, C (ou dano da morte), e pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, até ao momento do seu falecimento, cabe à A. A e aos chamados, na proporção de 2/3 para aquela, e 1/3 para estes (artigo 2142.°, n° 1 do CC)».
Donde - concluem - «os valores fixados pela decisão recorrida, e que a Ré foi condenada a pagar, a título de indemnização pelo dano da morte (€ 39.903,76) e a título de compensação pelos danos sofridos pelo C, antes da ocorrência da sua morte (€ 9.975,94), têm de ser atribuídos à A. e aos chamados, na referida proporção de duas terças partes (€ 33.253,14) para aquela e uma terça parte (€ 16.626,56) para estes».

5. Pelo que acaba de descrever-se, a questão jurídica que vem posta pelos recorrentes, consiste em saber se, a indemnização fixada pela decisão recorrida (n.º 3, antecedente), no que respeita ao "dano morte" e aos danos morais sofridos pelo filho dos recorrentes no período, após o acidente, e que precedeu a sua morte, deve ser dividida, na medida proporcional à quota hereditária normal, calculada em função das regras estabelecidas pelo artigo 2142 n. 1, do Código Civil.
A Relação respondeu negativamente. E respondeu bem!
Diga-se antes de mais que, os recorrentes não vieram pedir a indemnização por dano autónomo, alegando e demonstrando a verificação de dano não patrimonial próprio, relativamente à perda mortal do filho.
Não é isto que está em causa no seu pedido de revista.

6. O que está em causa, na versão recorrente, é apenas um problema sucessório entre cônjuge e pais do falecido - seus únicos herdeiros (legítimos e legitimários) - sobre a repartição do montante indemnizatório pelos danos aludidos no dito ponto 3, alínea a).
Ora, o artigo 496º, n.º 2, do Código Civil, determina que o direito de indemnização por tais danos, cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

7. A razão do preceito é estabelecer um regime de precedência na transmissão do "direito á compensação" por danos não patrimoniais. Não, propriamente, estabelecer uma remissão para as disposições que regem a sucessão por morte.
Está em causa nesta categoria de danos (danos morais - para melhor nos entendermos) um núcleo de pessoas que, no critério da lei, e aproximando-se a uma norma de ordem natural, são aquelas que mais, em princípio, poderão ter sofrido moral, afectiva e emocionalmente, com a perda do falecido.
Nem verdadeiramente se pode falar de uma sucessão, no sentido técnico do termo, mas de uma devolução de circulo restrito, pelos danos morais da vítima antes de falecer (e após o acidente), e pela privação que teve do direito a viver, em consequência do mesmo acidente - um direito próprio e originário da pessoa falecida.
Do que a doutrina e a jurisprudência falam, (1) é de uma atribuição de um direito compensatório a certas pessoas mais ligadas ao falecido por relações familiares. A lei refere "cabe" e não sucede - o que não é por acaso!
O que significa também que, a atribuição feita exclusivamente à viúva pelas instâncias, está correcta, respeitando a precedência indicada pelo n.º 2 aludido, como específica transmissão de direitos da personalidade falecida, que não de mero chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo a linguagem utilizada pelo artigo 2024, do Código Civil.

8. Termos em que, sem necessidade de maiores explanações, se confirma a decisão recorrida, negando-se a revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 16 de Junho de 2005
Neves Ribeiro,
Araújo Barros. (Entendo seguindo Inocêncio Galvão Teles e Diogo Leite de Campos, que os danos não patrimoniais sofridos pela vítima (incluindo o dano morte) se transmitem por via hereditária aos respectivos herdeiros, legítimos conforme as disposições das leis sucessórias.
Oliveira Barros.
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(1) Fontes largamente referidas pelo acórdão recorrido a fls.475/476 e pela sentença, fls. 325. que não tem interesse reproduzir. Poder-se-á, porventura, adicionar, com interesse específico: O Dano Corporal - quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios - Dissertação de Doutoramento do Professor Álvaro Dias, particularmente, a páginas 355/356; e Tratado de Direito Civil Português, I Parte (2004), do Professor Menezes Cordeiro, particularmente, a páginas 139/140, com vasta indicação actualizada de fontes, nas notas de páginas 138/140.