Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA GIRÃO | ||
Descritores: | PEDIDO CÍVEL CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO | ||
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Nº do Documento: | SJ200411180026402 | ||
Data do Acordão: | 11/18/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2577/03 | ||
Data: | 01/23/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | I - A regra do nº1 do artigo 661 do Código de Processo Civil, nos termos da qual o juiz não pode condenar em objecto diverso do que lhe foi pedido, há-de ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela; II - Assim, não é violada essa regra se o tribunal, julgando parcialmente procedentes os embargos de terceiro, ordena o levantamento da penhora relativamente ao direito de meação do embargante sobre o prédio penhorado, quando o que o embargante pedira fora o levantamento da totalidade da penhora, sob a alegação de ser o exclusivo titular do direito de propriedade sobre o mesmo prédio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Por apenso à execução intentada por "A-Artigos Desportivos", B, ex-marido da executada C veio deduzir os presentes embargos de terceiro pedindo que esta seja condenada a reconhecer-lhe o direito de propriedade e a posse sobre o imóvel penhorado e a ver declarado sem efeito a penhora e o cancelamento do registo, caso este venha a ser efectuado. Com o fundamento de que a partilha extrajudicial, formalizada entre o B e a C, pela qual o imóvel passou a ser propriedade plena do embargante é inoponível à embargada-exequente, nos termos dos artigos 819 do Código Civil (CC) e 5 do Código de Registo Predial (CRP), por o respectivo registo ser posterior ao do arresto de que resultou a penhora, a primeira instância sentenciou a improcedência dos embargos. Contudo, a Relação de Coimbra, na parcial procedência da apelação do embargante, revogou esta decisão pelo que, julgando parcialmente procedentes os embargos «e entendendo como convertida a penhora efectuada no direito à meação da executada C», ordenou «o levantamento da mesma na parte que a excede e que é a meação do embargante no prédio penhorado.». É deste acórdão que a embargada nos traz o presente recurso de agravo com as seguintes conclusões: 1. Na sequência da penhora do bem imóvel de propriedade da executada C e do seu marido, o embargante, poderia este opor-se à penhora requerendo a separação judicial de bens nos termos dos artigos 825 e 864-B do CPC, ou deduzindo embargos de terceiro, opondo-se assim à penhora da sua parte do imóvel. 2. Após o registo do arresto do imóvel de propriedade de ambos e convertido tal arresto em penhora, a embargada/exequente requereu a citação do marido da executada C nos termos dos artigos 825 e 864-B do CPC, crendo que esta se encontrava casada com o embargante. 3. Na data em que o embargante é citado nos termos dos artigos 825 e 864-B do CPC, já se encontrava divorciado da executada C, pelo que não poderia mais fazer uso do expediente da separação e partilha de bens, tanto mais que já havia sido feita a escritura da partilha do imóvel, na qual era atribuída a sua propriedade exclusivamente ao embargante, sem haver lugar a tornas. 4. Nos termos do disposto no artigo 819 do CC, é tal partilha ineficaz em relação à embargada/exequente, visto o imóvel à data da escritura da partilha, encontrar-se onerado com o registo do arresto que, posteriormente, veio a ser convertido em penhora. 5. Nunca em sede de petição de embargos, nem em sede de réplica - onde poderia ter alterado o pedido e a causa de pedir - o embargante pediu o levantamento da penhora sobre a sua metade do imóvel comum ao casal. 6. Conforme resulta da petição de embargos, afinal o embargante pede a condenação da embargada a «reconhecer o direito de propriedade e a posse da embargante e a ser declarada sem efeito a ordenada penhora e o cancelamento do registo da mesma, caso tenha ou venha a ser efectuado.». 7. E como causa de pedir, o embargante alega tão só a sua posse e propriedade exclusiva sobre o imóvel, na sequência da partilha de bens em processo de divórcio, decretado em 27/9/01. 8. O embargante poderia subsidiariamente ter pedido (ou posto a hipótese) o levantamento da penhora sobre a sua parte no imóvel, quer na qualidade de cônjuge, quer na qualidade de comproprietário - que nunca fez. 9. Ao decidir pelo levantamento da penhora sobre o imóvel na parte que a excede e que é a meação do embargante no prédio penhorado, está o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra a pronunciar-se sobre algo que não foi pedido pela embargada, que não constitui a causa de pedir e que nem sequer foi levantado pelas partes. 10. O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra recorrido padece de excesso de pronúncia, devendo ser mantida a penhora sobre a totalidade do imóvel, confirmando-se a decisão da 1ª instância. 11. Assim, o douto acórdão ora recorrido, excedendo o pedido do embargante, é nulo nesta parte, nos termos do disposto no artigo 668, nº1, al. e) ex vi artigo 716 do CPC. 12. Este excesso de pronúncia é relevante e é o que determina esta decisão. 13. O douto acórdão recorrido violou, assim, o disposto no artigo 668, nº1, al. e) ex vi artigo 716 do CPC.. O agravado contra-alegou no sentido da improcedência do recurso. Corridos os vistos, cumpre decidir. Para a solução do recurso basta, no que concerne a matéria de facto, o que acima se relatou. A questão a resolver no presente agravo é apenas a de saber se o acórdão recorrido excedeu o pedido ao julgar procedentes os embargos quanto ao direito de meação do embargante sobre o prédio penhorado, quando o pedido tinha incidido sobre o exclusivo direito de propriedade a que o embargante se arrogava relativamente a esse mesmo prédio. Como é sabido, a nulidade invocada pela embargada/agravante - prevista na alínea e) do nº1 do artigo 668 do Código de Processo Civil (CPC) - está directamente relacionada com a proibição da condenação ultra/extra petitum, consagrada no nº1 do artigo 661 do mesmo Código no sentido de que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir. Na verdade, considerando, além do mais, o principio dispositivo - as partes dispõem tanto do processo como da relação jurídica material -, a sentença deve decidir em consonância, o mais estreita possível, com a pretensão do peticionante e sem modificação substancial (e oficiosa) do fundamento por ele alegado (causa de pedir). No entanto, se é certo que o juiz está adstrito à alegação dos factos tal como se encontra efectivada pelas partes, já é totalmente livre na respectiva qualificação jurídica (artigo 664 do CPC). Daí que a referida regra do nº1 do artigo 661 do CPC, nos termos da qual o juiz não pode condenar em objecto diverso do que lhe for pedido, há-de ser interpretada em sentido flexível, de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, quando este traduza mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo autor, não exclua uma outra abarcada por aquela - cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/2/1993, BMJ 424º-669 e Anotação de Vaz Serra ao acórdão do STJ, de 15/10/1971, na RLJ, ano 105, página 234. É por isso que, por exemplo, o tribunal não deixará de decretar a ineficácia do negócio quando foi pedida a sua nulidade (e vice-versa), assim como (caso do supra citado acórdão de 4/2/1993) não deixará de declarar ser a autora titular do direito de superfície sobre determinado prédio, quando o pedido visava a sua titularidade do pleno direito de propriedade sobre o mesmo prédio. Assim entendida a regra do nº1 do artigo 661 do CPC, logo se concluirá que, no caso em apreço, ela não foi violada e que, consequentemente, não se verifica a correspondente nulidade prevista na alínea e) do nº1 do artigo 668 do CPC, imputada pela agravante ao acórdão sob recurso. Conforme acertadamente se lê no acórdão, os embargos de terceiro podem basear-se não só e exclusivamente na posse, mas também na titularidade do respectivo direito, estabelecendo a lei que só a posse ou a titularidade do direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial é que os legitima - citado artigo 351, nº1 do CPC. O ora agravado, arrogando-se titular exclusivo do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado na execução de que dependem os presentes embargos, veio pedir o levantamento da totalidade da penhora, mas o acórdão recorrido, sem fugir dos factos alegados, concluiu - bem ou mal é questão que escapa ao objecto do recurso - que o direito do agravante, sobre o prédio, merecedor da tutela do embargos era tão só o direito de meação (uma vez que, à data da penhora, o imóvel pertencia ao património em comunhão do embargante e da executada) e, consonantemente, julgou parcialmente procedentes o embargos e ordenou o levantamento da penhora relativamente a esse direito de meação do embargante/agravado. É assim manifesto que esta decisão se contém dentro dos limites impostos pelo nº1 do artigo 661 do CPC, uma vez que o efeito prático que dela decorre não deixa de ser o pretendido pelo embargante/agravado - a libertação do seu direito sobre o prédio penhorado -, embora com outra qualificação jurídica e sem a extensão por ele pretendida. DECISÃO Lisboa, 18 de Novembro de 2004 Ferreira Girão Luís Fonseca Lucas Coelho |