Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1729
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS
EXTINÇÃO
ACORDO
Nº do Documento: SJ200309180017292
Data do Acordão: 09/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7189/02
Data: 11/12/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I- O contrato de associação em participação consiste na associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda.
II- É elemento essencial do contrato a participação nos lucros, estando dispensada a participação nas perdas.
III- Tal contrato pode ser extinto por acordo das partes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" demanda "B - Sociedade de Construções, Lda", pedindo que a requerida lhe preste contas relativas ao exercício de 1997 em diante.
Alega para tanto que celebrou com a requerida um contrato mediante o qual se associou à actividade económica desta, participando nos lucros, prestando-lhe em contrapartida o seu trabalho, como encarregado geral, não lhe tendo a requerida prestado contas da sua actividade comercial.
Contestou a requerida, alegando que não tem de prestar contas já que tal contrato é de prestação de serviços, tendo terminado em Abril de 1996, por acordo das partes.
Conclui pela improcedência da acção.
Houve réplica.
Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos normais, realizando-se a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença onde, julgando-se a acção improcedente, se absolveu a requerida do pedido.
O requerente apelou, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de Novembro de 2002, negado provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida.

O requerente interpôs recurso de revista para este Tribunal, concluindo assim, a sua alegação de recurso:
1- A retenção de 7,5% dos lucros consubstancia uma prestação de natureza patrimonial por parte do recorrente no contrato dos autos.
2- O contrato sub judice é um contrato de associação em participação.
3- Não se verificou qualquer causa de extinção do contrato tipificada na lei.
4- Do contrato não resulta qualquer condição para a extinção do contrato em apreço.
5- Não resulta da matéria dada como provada que a recorrida quisesse rescindir o dito contrato.
6- Nem que o recorrente quisesse expressa ou tacitamente rescindir esse contrato.
7- O contrato sub judice mantém-se em vigor.
8- Pelo que deve a recorrida prestar contas ao recorrente.
9- O Tribunal "a quo" não podia concluir pela manutenção do acórdão aí recorrido já que qualificou o contrato dos autos como sendo de associação em participação.
10- Nem podia conhecer de matéria que não está dada como provada como seja a vontade na celebração do contrato, nomeadamente a condição de que melhorasse o C haveria fundamento para a extinção do contrato.
11- Nomeadamente não podia o Tribunal "a quo" fundamentar a sua decisão segundo juízos de credibilidade na vontade subjacente à celebração do negócio quando essa matéria não é objecto dos autos.
12- Violaram-se, assim, os artigos 27º e 30º do Dec-Lei nº 231/81 e 668º, nº 1, alíneas c) e d) do C.P.C.
13- Pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado por forma a que a recorrida preste contas ao recorrente; ou
14- Ser o acórdão recorrido nulo porquanto, sendo um contrato de associação em participação, o seu fundamento está em contradição com a decisão.
15- E o Tribunal "a quo" conheceu de matéria de que não podia tomar conhecimento, nomeadamente o que determinou a vontade das partes na celebração do contrato dos autos já que essa matéria não foi objecto dos mesmos.
Contra alegou a recorrida, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos:
1- A ré B - Sociedade de Construções, Lda, é uma sociedade comercial que tem por objecto a indústria de construção civil, compra e venda de propriedades, prédios e revenda dos adquiridos para esse fim.
2- Em Janeiro de 1993 o autor e a ré celebraram o acordo referido a fls. 5, cujo teor se considera reproduzido.
3- No âmbito do acordo referido em 2, o autor obrigou-se a prestar à ré a sua actividade como encarregado geral, recebendo em contrapartida 50% dos lucros auferidos pela mesma ré, ficando 7,5% dos lucros retidos para desgaste de viaturas e outras adquiridas e ainda compensação do investimento efectuado.
4- O acordo de fls. 5 foi celebrado numa altura em que o sócio gerente da ré, C, não estava bem de saúde.
5- No exercício da sua actividade de encarregado geral, o autor actuava segundo o seu juízo e sem estar sujeito às ordens e direcção do sócio gerente da ré, C, este impedido por razões de saúde.
6- Nos termos do acordo referido em 2, cabia à ré proporcionar ao autor a utilização de uma viatura automóvel para as deslocações do mesmo, suportando a ré os custos dessa utilização.
7- O autor colaborou com a ré apenas até final de Abril de 1996.
8- Nos últimos meses dessa colaboração e após o sócio gerente da ré, C, ter recuperado da saúde, este, várias vezes, corrigiu ordens dadas pelo autor e retirou serviço das mãos deste.
9- Em finais de Abril de 1996, o gerente da ré, C, declarou ao autor que prescindia dos seus serviços como encarregado geral.
10- Após aquela data o autor deixou de comparecer ao serviço, o que ocorreu até à presente data.
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.
As questões suscitadas no recurso consistem em saber se: a) o contrato foi rescindido; b) o acórdão é nulo.
Vejamos:
a) No acórdão recorrido qualificou-se, e bem, o contrato como de associação em participação.
Com efeito, está provado que no âmbito do acordo feito, o autor obrigou-se a prestar à ré a sua actividade como encarregado geral, recebendo em contrapartida 50% dos lucros auferidos pela mesma ré, ficando 7,5 % dos lucros retidos para desgaste de viaturas e outras adquiridas e ainda compensação do investimento efectuado.
Sendo o contrato de associação em participação, a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda - cfr. art. 21º, nº 1 do DL nº 231/81 de 28 de Julho, sendo elemento essencial do contrato a participação nos lucros, estando dispensada a participação nas perdas - cfr. nº 2 do citado art. 22º, o acordado configura tal contrato.
Efectivamente o ora recorrente associou-se à actividade económica da ora recorrida, prestando-lhe a sua colaboração como encarregado geral, participando em 50% dos lucros por esta auferidos.
Tal contrato vigorou durante um certo período de tempo até que, em finais de Abril de 1996, o sócio-gerente da ora recorrida declarou ao ora recorrente que prescindia dos seus serviços e após tal data este deixou de comparecer ao serviço.
No acórdão recorrido, após se ter interpretado o contrato no sentido de poder ser revogado, entendeu-se que o mesmo podia terminar por acordo das partes e que, «em casos como o dos autos, não se concebe a continuação da associação sem a participação pessoal do associado, pois esta é fundamental. E parece não haver dúvidas de que se tratava de um contrato intuitu personae.»
Concordamos com tais considerações.
Com efeito, muito embora os casos de extinção da associação estejam enumerados no art. 27º do DL nº 231/81 e os casos de resolução no seu art. 30º, o contrato também pode ser extinto por mútuo consentimento dos contraentes nos termos do art. 406º, nº 1 do Código Civil pois, como se refere no acórdão recorrido, «Como em qualquer outro contrato prevalece a vontade das partes ...»
E, tendo o sócio-gerente da ora recorrida dispensado os serviços do ora recorrente e este deixado de comparecer ao serviço desde então, é de interpretar tal comportamento, como o fez o acórdão recorrido, como aceitação da extinção do contrato.
É este o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir do comportamento do declarante - cfr. art. 236º, nº 1 do Código Civil.
Portanto, o contrato está extinto desde finais de Abril de 1996 e, sendo assim, o ora recorrente deixou de ser associante, não podendo, por isso, pedir a prestação de contas do ano de 1997.
b) O acórdão recorrido não padece de quaisquer das nulidades previstas no art. 668º, nº 1 do C.P.C., que lhe são imputadas pelo recorrente.

Com efeito, limitou-se a conhecer das questões que lhe foram sujeitas a apreciação no recurso, a saber:
a) qual a natureza jurídica do contrato celebrado entre apelante e apelada;
b) se no ano de 1997 existia a obrigação de prestar contas por parte da ré;
c) eventual nulidade da sentença.
Interpretou o contrato, fazendo um exame crítico dos factos.
A decisão está conforme aos fundamentos de facto e de direito.
E conheceu apenas das questões que devia conhecer.
Aliás no acórdão recorrido não se afirma existir a condição de que, caso melhorasse o C, haveria fundamento para a extinção do contrato.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
Pelo exposto, nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2003
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino