Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A930
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: MÚTUO
JUROS REMUNERATÓRIOS
VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES
Nº do Documento: SJ20070524009306
Data do Acordão: 05/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :

I - Os juros remuneratórios distinguem-se dos juros moratórios, porque, enquanto aqueles constituem a contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital mutuado durante a vigência do contrato de mútuo nos seus termos acordados, - pelo que só com o decurso do tempo em que esse capital foi sendo disponibilizado ao mutuário vão nascendo e se vão vencendo como preço de tal disponibilização -, estes constituem uma reparação pelos prejuízos resultantes do atraso no cumprimento da obrigação, ou seja, no caso, pela não restituição do capital mutuado no momento do vencimento.

II – O vencimento imediato de todas as prestações em falta destinadas à restituição da quantia mutuada, como consequência da falta de pagamento de qualquer das prestações na data do respectivo vencimento, não abrange os juros remuneratórios que em tais prestações se integravam.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 12/12/03, Banco AA, S.A., instaurou contra BB e mulher, CC, acção com processo ordinário, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe a quantia de 20.735,46 euros, acrescida de 3.225,46 euros de juros vencidos até então e de 129,02 euros de imposto de selo sobre esses juros, bem como os juros que sobre aquela primeira quantia se vencerem à taxa anual de 23,08% desde 13/12/03 até integral pagamento e o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre esses juros recair.

Invoca para tanto ter emprestado ao réu marido, em proveito comum do seu casal com a ré, para aquisição de um veículo automóvel, a quantia de 15.089,09 euros, com a comissão de gestão de 74,82 euros, mediante o pagamento de juros à taxa anual de 19,08% e a restituir em 60 prestações mensais e sucessivas, ficando acordado entre as partes que a falta de pagamento de qualquer das prestações na data do respectivo vencimento implicaria o vencimento imediato de todas as demais.

Mais ficou acordado entre autora e réu que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, seria devida uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 19,08% - acrescida de 4%, no total de 23,08%.

O réu, porém, não efectuou até hoje o pagamento da 3ª prestação, nem das 15ª e seguintes, tendo-se vencido a 15ª em 10/4/03 e vencendo-se então todas as demais, sendo o total das prestações em débito o capital pedido.

Os réus, citados, não contestaram, pelo que foi oportunamente proferido despacho a declarar confessados os factos articulados pela autora.

Foi depois proferida sentença que absolveu a ré do pedido mas que condenou o réu a pagar à autora a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas, acrescidas de juros desde 10/4/03 à taxa anual de 23,08% e do imposto de selo respectivo, até integral pagamento.

Apelou a autora, tendo a Relação negado provimento ao recurso e confirmado a sentença ali recorrida por acórdão de que vem interposta a presente revista, de novo pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:

1ª - Não faz qualquer sentido condenar o R. apenas no pagamento ao A. de uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas, acrescidas de juros contabilizados desde 10.04.2003 à taxa de 23,08% a que acresce o imposto de selo respectivo, até integral pagamento, deduzido o valor obtido com a venda do veículo.

2ª - O artigo 781º do Código Civil é expresso ao estabelecer, que: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.”

3ª - Estamos perante obrigações com prazo certo pelo que o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação do devedor ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 805º do Código Civil, o seu vencimento é imediato.

4ª - Conforme acordado entre as partes, para que todas as prestações do contrato dos autos se vencessem imediatamente - como venceram -, apenas era - como o foi - necessário o preenchimento de uma condição, o não pagamento pelo R. de uma das referidas prestações.

5ª - Está provado nos presentes autos que o A. na acção, ora recorrente, é uma sociedade financeira de aquisições a crédito, constituindo, actualmente uma instituição de crédito.

6ª - Não existe qualquer taxa juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pela A., ora recorrente.

7ª - A taxa de juro – 19,08% - estabelecida por escrito para o financiamento de aquisição a crédito ao R., ora recorrido, do veiculo automóvel referido nos autos, é inteiramente válida.

8ª - É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou parabancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses.

9ª - Não é pois aplicável no contrato de mútuo dos autos o disposto no artigo 560º do Código Civil.

10ª - Ressalta do contrato de mútuo de fls. , que os juros capitalizados respeitam ao período de 6 anos.

11ª - A capitalização de juros é, pois, inteiramente válida, no caso do contrato dos autos.

12ª - Ao contrário do que se pretende na sentença recorrida, o disposto no artigo 781º do Código Civil, não se restringe às prestações de capital, estendendo-se evidentemente aos juros remuneratórios que fazem parte de cada prestação que se vence.

13ª - Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no seu recentíssimo acórdão, no processo n.º 3420/06-1, de 21.11.2006, ao referir, que: “Ora, o Autor não logrou provar que, anteriormente à propositura desta acção, tenha interpelado a Ré para proceder ao pagamento que ora vem exigir.

No entanto, ficou provado que as partes convencionaram que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.

Ora, resultando tal facto da factualidade dada como provada e não tendo surgido oposição na presente acção logo se constata que o contrato é válido, já que foi livremente celebrado entre as partes (art. 405º do C. Civil), sendo certo que a aludida cláusula 8ª das Condições gerais não se inclui em matéria em que supletivamente o legislador quis regular o trato contratual.

Dita doutra maneira, o disposto no art. 781º do C. Civil, na interpretação que lhe foi dada supra, por não ser uma norma imperativa pode ser afastada pela livre vontade das partes contraentes.

Como sustenta Mário Júlio de Almeida Costa esta disposição legal sofre uma limitação quanto à venda a prestações, já que o legislador optou por sancionar uma solução diversa, baseada na ideia de protecção dos consumidores que utilizem esse contrato, nos termos do que se dispõe no art. 934º do mesmo Código.

Assim, este normativo é imperativo, contrariamente o constante do art. 781º já não o será, pelo que os contraentes podem-no afastar livremente, nos termos do art. 405º do C. Civil.

Consequentemente, as partes ao clausularem que as diversas prestações se venceriam, desde que uma delas não fosse paga, independentemente de ter havido interpelação, não ofende qualquer norma imperativa, pelo que a validade do contrato celebrado não deveria ter sido colocada em crise, conforme foi pelas Instâncias.

Efectivamente, tem-se presente toda a problemática atinente ás cláusulas contratuais gerais, maxime ao “controlo da inclusão”, de que fala Mário Júlio de Almeida Costa, nomeadamente que pertence, nos termos do art. 5º n.º 3 do citado Dec. - Lei n.º 446/85, ao contraente que submete a outrem as cláusulas contratuais gerais, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva, sendo que esse dever de comunicação é uma obrigação de meios no dizer do mesmo Mário Júlio de Almeida Costa e Menezes Cordeiro, mas o certo é que, por confissão, ficou provado que as partes na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.

Assim, não poderia o julgador ter questionado a validade da eficácia daquela cláusula que, aliás, foi firmada previamente à assinatura do contrato, e, que, por não integrar matéria imperativa, estava vedado conhecer, atenta a confissão operada.

Não seria, por esta forma, necessária qualquer interpelação para que todas as prestações do contrato em análise nos presentes autos se vencessem, face ao não pagamento de uma delas – o seu vencimento é, pois, imediato.

14ª - É, pois, manifesta a falta de razão que assiste à sentença que confirmada foi pelo Acórdão recorrido, que, ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 560º do Código Civil, nos artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto - Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec. - Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Dec. - Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Dec. - Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Dec. - Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Dec. - Lei 298/92, de 31 de Dezembro e ainda, o disposto no artigo 781º do Código Civil, o artigo 1º, n.º 1, alínea d), 4º e 211º do Código do Registo Civil.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente.

Não houve contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os seguintes:

1º - No exercício da sua actividade comercial, a 14.02.02, a Autora e o Réu, BB, este na qualidade de mutuário, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 9, denominado Contrato de Mútuo, tendo na frente Condições específicas e no verso Condições Gerais e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

2º - No referido instrumento, Autora e Réu declararam que é celebrado o contrato de mútuo constante das condições específicas e Gerais seguintes ...

3º - Ainda no referido instrumento e na parte designada por «Condições Específicas», Autora e 1º Réu consignaram o seguinte:

Objecto financiado e identificação do fornecedor: Marca Audi, modelo A4, matrícula 00-00-IO;

Condições de Financiamento:

Montante do empréstimo: € 15.089,09;

Comissão de gestão: € 74,82;

Número de Prestações: 60;

Valor de cada prestação: € 441,18;

Valor total das prestações: € 26.470,80;

Data de vencimento da 1ª prestação: 10.02.02;

Data de vencimento da última prestação: 10.01.2007;

Taxa de juro: 19,08%;

TAEG: 22,62%.

4º - No verso do referido instrumento e sob «Condições Gerais», Autora e Réu consignaram o seguinte:

- «3 . UTILIZAÇÃO DO EMPRÉSTIMO» O empréstimo considera-se utilizado com a entrega pelo Banco AA, ou de conta e ordem desta, de um cheque ou com a realização de uma transferência bancária a favor do Mutuário ou do fornecedor do bem a adquirir pelo Mutuário, no momento fixado nas Condições Especificas.

- «4 . REEMBOLSO E PAGAMENTOS» a) O empréstimo será reembolsado em prestações mensais, iguais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento, se encontram estabelecidas nas Condições Especificas. b) A menos que o Banco AA opte por outro meio, todos os pagamentos previstos neste contrato a realizar pelo Mutuário serão efectuados por transferência de uma conta aberta por este, junto de uma instituição de crédito, para outra conta de que o Banco AA seja titular, junto da mesma ou de outra instituição de crédito. O Mutuário, em documento contratual autónomo que identifica as contas acima referidas, instruirá a instituição de crédito junto da qual manterá a dita conta para transferir para a conta da Tecnicrédito os montantes previstos neste contrato nas datas nele previstas. c) No valor das prestações, além do capital, estão incluídos os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios de seguros a que se refere a cláusula 15 destas Condições Gerais.

- «5 . JUROS» a) O empréstimo vence juros à taxa fixada nas Condições Especificas, não variando essa taxa, e por conseguinte a TAEG, ao longo do prazo do contrato. b) Os juros serão contados dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida.

- «8 . MORA E CLÁUSULA PENAL» a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros. b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes. c) Em caso de mora, e sem prejuízo do número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.”

5º - O Réu subscreveu o instrumento junto a fls. 10, denominado «Autorização de pagamento», que aqui se dá por integralmente reproduzido.

6º - O Réu não pagou a 3ª prestação, bem como a 15ª e seguintes, vencida a 15ª em 10/4/03.

O que está em causa no presente recurso é apenas saber se, não paga uma das prestações que os réus tinham obrigação de satisfazer, o vencimento das restantes, fixado no art.º 781º do Cód. Civil e acordado entre as partes como sendo imediato, abrange não só o capital mas também os juros remuneratórios que nas prestações se integravam.

A sentença da 1ª instância, confirmada pelo acórdão recorrido, entendeu que o disposto naquele art.º 781º, e portanto da cláusula contratual que consagrava o dito vencimento imediato das prestações restantes, tinha a ver apenas com o capital e não com os juros, determinando em consequência o vencimento imediato das prestações apenas na parte em que abrangiam o capital, e não determinando o vencimento antecipado da prestação de juros.

Isto essencialmente porque, em caso de mútuo como é o dos presentes autos, com obrigação acordada de restituição do capital em prestações que englobavam os respectivos juros remuneratórios, colocado o mutuante perante o incumprimento de uma das prestações por parte do mutuário, é livre de exigir ou não a imediata restituição do montante global delas; mas, se exerce esse direito exigindo tal restituição imediata, apenas pode exigir o capital, que é sempre devido e tem de ser restituído, seja em prestações seja de forma imediata, não podendo, porém, ver-se investido naquilo que o tempo lhe não deu, ou seja, no direito aos juros remuneratórios, o qual só pelo próprio decurso do tempo até ao fim do contrato gradualmente nasceria, pois tais juros também só por esse decurso do tempo se venceriam.

Concluiu, assim, a sentença da 1ª instância, que a autora não podia exigir o pagamento de juros remuneratórios nos termos em que o fez, pelo que a obrigação de pagamento de juros remuneratórios pelo capital não restituído não nasceu nem se venceu, não podendo estes, em consequência, por sua vez, vencer juros mesmo que tivesse sido demonstrada a existência de convenção posterior ao vencimento no sentido da capitalização de juros, pois tal periódica capitalização dos juros vencidos pressupõe a génese da obrigação de juros e o seu vencimento. Ora, não tendo decorrido o tempo necessário para o efeito, não nasceram juros remuneratórios, que por isso não existem nem se venceram, não podendo ser objecto de capitalização.

Nessa parte, o acórdão recorrido, embora aditando argumentação própria, remeteu para a decisão da 1ª instância, sufragando, não só os termos da mesma decisão, mas também os respectivos fundamentos, que consequentemente fez seus.

E com razão.

Com efeito, a decisão adoptada mostra-se perfeitamente acertada, baseando-se numa interpretação e aplicação adequada aos factos assentes das normas legais respectivas, pelo que com o acórdão recorrido, e com a sentença da 1ª instância, inteiramente se concorda, quer quanto ao decidido, quer quanto aos respectivos fundamentos, a que se adere e para que se remete ao abrigo do disposto nos art.ºs 726º e 713º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil.

Na verdade, há que distinguir entre juros remuneratórios e juros moratórios: aqueles constituem a contraprestação onerosa pela disponibilidade do capital durante a vigência do contrato nos seus termos acordados, pelo que só com o decurso do tempo em que esse capital foi sendo disponibilizado vão nascendo e se vão vencendo como preço de tal disponibilização, enquanto estes constituem uma reparação pelos prejuízos resultantes do atraso no cumprimento de uma obrigação, ou seja, pela não restituição do capital no momento próprio.

E podem até ser cumulados uns com os outros: se uma prestação que abranja juros remuneratórios for satisfeita pontualmente, apenas deverão ser pagos tais juros remuneratórios, não sendo devidos juros moratórios, mas, se o não for, então vencem-se, por um lado, os juros que compensam a disponibilidade do capital (juros remuneratórios), e, por outro lado, a partir do momento em que o capital devia ter sido devolvido, os juros compensatórios dos prejuízos decorrentes da mora (juros moratórios).

Assim, posto termo ao contrato mediante a manifestação da intenção de recebimento imediato da totalidade do capital em dívida por força do vencimento imediato, não são mais devidos juros remuneratórios futuros correspondentes ao período para o qual a autora, mutuante, deixou de disponibilizar ao mutuário o capital, os quais só têm razão de ser durante a vigência do contrato e não depois de o mesmo ser dado por findo, independentemente do nascimento e vencimento da obrigação de pagamento de juros moratórios.

Termos em que não se pode reconhecer razão à recorrente.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Maio de 2007

Silva Salazar( relator)

Afonso Correia

Ribeiro de Almeida