Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1296
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: BRISA AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL
AUTO-ESTRADA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA
FACTO NOTÓRIO
Nº do Documento: SJ200305200012966
Data do Acordão: 05/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2585/02
Data: 11/05/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : - Nos termos da Base XXXVI nº 2 do Decreto-Lei nº 294/97 de 24-10 a Brisa será obrigada a assegurar de forma ininterrupta boas condições de segurança e comodidade na circulação nas auto-estradas, quer estas tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem.
- Havendo um lençol de água na auto-estrada devido a deficiente escoamento das águas pluviais e que foi determinante para a entrada em hidroplanagem de um veículo, que acabou por se despistar, a Brisa, por força da sua responsabilidade civil extra-contratual, é responsável pela indemnização a atribuir ao lesado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", residente em Tomar, veio propor a presente acção contra Brisa - Auto Estradas de Portugal, SA, com sede em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização, a importância de 3.200.000$00, acrescida de juros moratórios desde a citação, à taxa legal, alegando, em síntese, que:
No dia 5 de Maio de 1997, cerca das 8 horas, o seu veiculo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula GE, circulava na auto-estrada do Norte, no sentido sul/norte, conduzido por B.
Ao Km 233,270 daquela via, deparou-se-lhe um grande lençol de água que abrangia toda a largura da faixa de rodagem, tendo o veículo entrado em aqua planing (hidroplanagem), sem piso seguro em nenhum dos rodados.
Saiu, por isso, descontrolado do lençol de água, indo embater nos "rails" de protecção do lado esquerdo, capotando e ficando completamente destruído.
O veículo tinha, então, o valor comercial de 3.200.000$00, prejuízo que sofreu e pelo qual a ré é responsável, por não ter praticado os necessários actos de vigilância do local e removido as anomalias ali existentes dotando-o de drenagem bastante.
Devidamente citada, veio a Ré requerer a intervenção "C-Companhia de Seguros", para quem transferira a sua responsabilidade civil por acidentes ocorridos naquela via, e ainda contestar, tendo pugnado pela improcedência da acção, atribuindo o despiste do veículo à imperícia da sua condutora.
Admitida a intervenção e citada a referida seguradora, apresentou a mesma contestação pugnando pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, elaborado o rol dos factos dados como assentes e organizada a base instrutória, sem reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta, findo o que foi proferida douta decisão sobre a matéria de facto controvertida.
Foi proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente.
Inconformadas, vieram a Ré Brisa, assim como a interveniente Seguradora, interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que viria a proferir acórdão, que confirmou a sentença proferida em 1ª instância.
dados como provados os factos seguintes:
1. No dia 5 de Maio de 1997, cerca das 8 horas, na auto-estrada do norte (A1), no sentido sul/norte, circulava o veiculo ligeiro de passageiros, de matrícula GE, propriedade do autor e conduzido, na altura, por B - alínea A) dos factos considerados assentes findos os articulados;
2. O tempo estava chuvoso e chovia - alínea B) dos factos considerados assentes findos os articulados;
3. O veículo era de marca Honda, modelo Civic 1.5 i LS, que o autor adquiriu no dia 24 de Janeiro de 1996, por 3.840.000$00, com o extra ar condicionado, no valor de 260.000$00 - alínea C) dos factos considerados assentes findos os articulados;
4. À data do acidente, o veículo valia comercialmente, pelo menos, 3.200.000$00 - alínea D) dos factos considerados assentes findos os articulados;
5. A ré Brisa é concessionária do Estado para a construção, conservação e exploração de auto-estradas, na qual se inclui a auto-estrada do norte (AI) - alínea E) dos factos considerados assentes findos os articulados;
6. Cabe à Brisa, salvo caso de força maior devidamente verificado, assegurar, permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas - alínea F) dos factos considerados assentes findos os articulados;
7. A Brisa, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 87/30467, transmitiu para a interveniente a sua responsabilidade civil até ao montante de 150 mil contos pelas indemnizações que, em conformidade com a lei, lhe possam ser exigidas como civilmente responsável pelos prejuízos e/ou danos causados a terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção dos vários lanços da auto-estrada do norte - alínea G) dos factos considerados assentes findos os articulados;
8. Tal contrato vigora com uma franquia, a cargo da segurada, de 150.000$00 - alínea H) dos factos considerados assentes findos os articulados;
9. O veículo GE circulava a cerca de 90/100 Km/h - resposta ao artº 1º da base instrutória;
10. Ao Km 233,270 a condutora do GE perdeu o domínio do veiculo que entrou em hidroplanagem - resposta ao artº 5º da base instrutória;
11. Tal facto aconteceu em virtude de um lençol de água abrangendo toda a largura da faixa de rodagem - resposta ao artº 6º da base instrutória;
12. O veículo passou a circular sobre água - resposta ao artº 8º da base instrutória;
13. Não tendo piso seguro em nenhum dos rodados - resposta ao artº 9º da base instrutória;
14. O veículo saiu do lençol de água, descontrolado, indo embater nos "rails" de protecção do lado esquerdo - resposta ao artº 10º da base instrutória;
15. Em local onde existe separação das vias em cimento e onde abrem os "rails" em caso de necessidade de passagem para as outras faixas, e onde os mesmos não são reforçados - resposta ao artº 11º da base instrutória;
16. Com o embate o veículo capotou, ficando completamente destruído - resposta ao artº 12º da base instrutória;
17. Não se justificando a sua reparação - resposta ao artº 13º da base instrutória;
18. A Brisa vigia a via cerca de 12 vezes por dia, velando pela sua conservação - resposta ao artº 17º da base instrutória;
19. A Brisa procede várias vezes por dia ao patrulhamento da auto-estrada na zona referida da concessão - resposta ao artº 18º da base instrutória;
20. Pelo menos desde Dezembro de 1997, a ré Brisa abriu rasgos no asfalto para escorrer as águas - resposta ao artº 22º da base instrutória;
21. Tal facto verificou-se no local onde o veículo do autor se despistou - resposta ao artº 23º da base instrutória.
Perante esta materialidade factual, e depois de feitas algumas considerações acerca da qualificação da responsabilidade civil da Brisa por danos causados resultantes de acidente de viação, nomeadamente se tal responsabilidade deverá ser tida como extracontratual - fundada em acto ilícito e culposo (tal como o defendem os apelantes), se contratual (por onde enfileirou a sentença da 1ª instância), e depois de feito o respectivo enquadramento jurídico, defende-se no acórdão recorrido -e muito bem -que "sempre será de responsabilizar a Brisa pelos danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente.".
E acrescenta-se em tal douto acórdão:
" Com efeito, no quadro da responsabilidade civil extracontratual, a factualidade integrante do direito à indemnização traduz-se, de acordo com o disposto no artº 483º do Cód. Civil, na verificação dos seguintes pressupostos: a) existência de um facto voluntário; b) ilicitude desse facto; c) culpa; d) existência de um dano reparável e de um nexo causal entre o facto e o dano Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 8ª edição, pág. 501, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, pag. 271..
O elemento básico deste tipo de responsabilidade é, assim, o facto do agente lesante, um facto dominável ou controlável pela vontade, ainda que não intencional, que consiste em regra numa acção, embora possa também traduzir-se numa omissão (artº 486º do Código Civil). A ilicitude, que delimita a fronteira entre os comportamentos juridicamente aprovados ou não proibidos daqueles que são merecedores de censura da ordem jurídica, pode consistir na violação de direitos (subjectivos) de outrem ou na infracção de uma norma destinada a proteger interesses alheios.
Por sua vez, a culpa, que se pode traduzir quer no dolo, quer na negligência ou mera culpa e exprime um juízo de reprobabilidade pessoal da conduta do agente, é, na falta de outro critério legal, apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso (artº 487º, nº 1, do Código Civil), sendo certo que é ao lesado que incumbe prová-la, salvo havendo presunção legal de culpa (artº 487º, nº 1, do Código Civil).
Por fim, exige-se ainda a verificação de um dano, ou seja, de um prejuízo, de uma perda in natura, que tenha sido causado pelo facto do agente lesante.
Ora, a Brisa, como concessionária daquele troço da auto-estrada, estava obrigada a assegurar, de modo continuado e permanente, a sua conservação, devendo proceder às adequadas e necessárias intervenções, para que, salvo casos de força maior devidamente verificados, nele se pudesse circular sem perigo. Mais, perante a formação de um lençol de água abrangendo toda a faixa de rodagem da auto-estrada competia-lhe proceder, de imediato, à reparação necessária de modo a permitir o rápido escoamento do piso, devendo ainda, em todo o caso, sinalizar também de imediato o local.
Não procedendo desse modo, a Brisa omitiu deveres de diligência que lhe eram exigíveis e tornou-se responsável pela eclosão do despiste do veículo do autor e danos daí decorrentes.
Contrariamente ao que sustentam as apelantes, a conduta omissiva da Brisa é patente e não é afastada pela circunstância de se ter comprovado que a mesma vigia a via cerca de 12 vezes por dia, velando pela sua conservação (resposta ao artº 17º da base instrutória) e procede várias vezes por dia ao patrulhamento da auto-estrada na zona referida da concessão (resposta ao artº 18º da base instrutória). Se é certo que não se pode exigir patrulhamento e vigilância constantes, em todos os troços da auto-estrada, deve exigir-se que tais operações sejam efectivas e eficazes, de modo a detectar, em tempo oportuno, as potenciais fontes dos riscos de circulação automóvel.
É inaceitável que as diversas operações de vigilância e patrulhamento levadas a cabo pela Brisa, naquele troço da auto-estrada, não tenham detectado que o local em que o despiste veio a ocorrer era propício à formação de lençol de água abrangendo toda a largura da faixa de rodagem e que, só depois do acidente, tenha ali aberto rasgos no asfalto para escorrer as águas, o que até ilustra bem o reconhecimento da sua responsabilidade pelo sucedido. Esta sua última atitude de abrir rasgos no pavimento, para escoar a água, denota que assumiu e reconheceu que o local não era seguro para a circulação automóvel.
A referida conduta omissiva da Brisa, além de ilícita, por violadora do direito à segurança rodoviária dos utentes da auto-estrada, direito esse que lhe cumpre assegurar, é merecedora de juízo de censura, que o mesmo é dizer que se trata de conduta culposa. Pode afirmar-se que não fora tal conduta omissiva da Brisa e o autor não teria sofrido os danos que sofreu, os quais apenas são imputáveis aquela, na medida em que a condutora do automóvel do autor em nada contribuiu para a ocorrência do despiste.
Atendendo a que circulava em auto-estrada, uma via rápida por natureza, a velocidade a que a mesma seguia (90/100 Km) era perfeitamente aceitável e, não obstante a chuva que caía, na altura, afigura-se-nos ajustado não a considerar excessiva.
Em suma e para concluir, encontram-se perfeitamente comprovados os referidos pressupostos da responsabilidade aquiliana, incluindo a culpa e o nexo de causalidade, isto no que toca à conduta omissiva da Brisa, pelo que terá esta de responder pelos prejuízos sofridos pelo autor em consequência dessa conduta.
Improcedem, pois, as conclusões das apelantes, o que implica o naufrágio dos recursos e a confirmação da sentença recorrida.".
Continuando inconformada, veio a Ré Seguradora C interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que concluiu pela forma seguinte:
1ª) Porque o contrato que atribui à Brisa a concessão das auto estradas se limita a regular as relações entre concedente e concessionário, não conferindo aos particulares, que não são parte do contrato, o direito a demandar a Brisa invocando a responsabilidade contratual daquela;
2ª) Porque assim sendo, como é, a eventual responsabilidade da concessionária da auto estrada por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente de viação se traduz numa responsabilidade extra-contratual;
3ª) Porque a existência daquela depende da verificação em concreto dos pressupostos gerais mencionados no artigo 483 do Código Civil, ou seja o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e dano;
4ª) Porque em face da carência de factos invocados pelo recorrido falecem pelo menos dois daqueles pressupostos - a culpa e o nexo de causalidade - e nessa medida não pode o acidente dos autos ser imputável à Brisa a título de culpa;
5ª) Porque nos termos do disposto no artigo 483 nº 2 do Código Civil só existe a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei;
6ª) Porque não existe, seguramente, qualquer disposição legal que imponha a responsabilidade objectiva à Brisa;
7ª) Porque, ainda que se entenda ser de natureza contratual a responsabilidade da concessionária perante os utentes da auto estrada, se provou que a Brisa faz os possíveis para evitar acidentes como o dos autos, procedendo à vigia da via cerca de doze vezes por dia, velando pela sua conservação, e ao patrulhamento várias vezes ao dia da auto estrada na zona em que o acidente se deu, não se verificando à mesma qualquer responsabilidade da Brisa;
8ª) Ao decidir da forma como o fez o, aliás, douto Acórdão em crise fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 342, 483, 487 e 798 e 799 do Código Civil, pelo que, pelas razões expostas, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso por forma a julgar a acção improcedente, como é de JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra-alegações, onde se defendeu a bondade e manutenção do Julgado.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.
Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões -artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
Estamos em perfeita consonância com todo o alegado nas primeiras três conclusões das alegações de recurso, é dizer, que se dá como acertado o juízo de que a eventual responsabilidade da concessionária da auto-estrada, no caso, a Brisa, por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente de viação, se traduz numa responsabilidade extra-contratual.
Efectivamente, nos termos da Base XXXVI nº 2 do Decreto-Lei nº 294/97 de 24-10 "a concessionária (Brisa) será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem".
Ora, este comando assegura um comprometimento da concessionária perante o Estado (e só ele) aqui se definem as suas obrigações contratuais de realização dos actos necessários ao prosseguimento dos objectivos no mesmo estabelecidos.
A verificar-se qualquer incumprimento de tais obrigações por parte da concessionária, tal eventual falta (e correspondente sanção) estão definidas na Base XLIII.
Mas o certo é que os utilizadores das auto-estradas nada têm a ver com isto; eles são terceiros em relação ao contrato de concessão celebrado entre o Estado e a concessionária, conforme resulta da Base XLIX nº 1, que determina "são da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão".
Parece-nos inequívoco que esta norma remete, em relação a terceiros, para o que a lei civil estabelece em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos, é dizer, responsabilidade civil, responsabilidade extra-contratual, pois.
Aliás, neste indicado sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.1996, de que foi relator Cardona Ferreira, publicado no Boletim do Ministério da Justiça nº 461, a pag. 411, onde, de forma assaz explícita, se concluiu que se está no domínio da responsabilidade civil extra-contratual, donde resulta que no estádio actual legislativo português, em princípio só há responsabilidade civil se se verificarem, simultaneamente, estes elementos: facto; ilicitude; dolo ou culpa; dano; nexo de causalidade.
O principal argumento para quem defende a existência de uma simples responsabilidade contratual é o de que o pagamento da portagem estabelece o vínculo contratual constitutivo de recíprocas obrigações.
Afigura-se-nos, porém, que esta argumentação esbarra, desde logo, numa objecção inultrapassável. É que as obrigações da concessionárias mencionadas na Base XXXVI nº 2, mantém-se mesmo em relação às auto-estradas que não estejam sujeitas ao regime de portagem (cfr. esta Base in fine).
Sendo assim, quando não existe tal pagamento de portagem, mantendo-se porém as obrigações da concessionária, como será possível defender a responsabilidade contratual?
Obviamente que tal não é possível.
Concluímos, assim, que a responsabilidade da concessionária (da Brisa) pelos danos sofridos pelos utentes das auto--estradas objecto da concessão, deverá residir na responsabilidade extracontratual e não na contratual, na linha também do defendido no douto acórdão recorrido.
Por assim ser, e tal como se disse (e a recorrente também defende), para que a Brisa possa ser responsabilizada, necessário se torna que o autor prove os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, supra enumerados.
Dissemos do nosso acordo no que concerne às primeiras três conclusões das alegações de recurso.
Porém, o mesmo se não passa relativamente às demais, já que da realidade factual dada como provada - e só essa releva para a decisão a tomar - o autor logrou provar os pressupostos da mencionada responsabilidade civil extra-contratual, tal como o demonstra, de forma clara, o acórdão recorrido, para cujos fundamentos se remete, nos termos do nº 5 do artigo 713º do Código Processo Civil.
Se quanto ao facto e ao dano, tal problemática se não coloca, o mesmo "admite-se "se não passa quanto à culpa, ilicitude e ao nexo de causalidade.
Mas só aparentemente essa dúvida se poderá suscitar.
O Acórdão da Relação de Coimbra de 18.3.1997, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano 1997, Tomo II, pag. 32, cujo sumário se passa a transcrever: " I "A Brisa está obrigada a assegurar permanentemente as boas condições de segurança e comodidade nas auto-estradas. II "Havendo um lençol de água na auto-estrada criando uma força que prendeu as rodas do lado direito do automóvel que aí circulava e o levou a sair da via, rodando para a direita, quando seguia a 90 Km/h, há deficiente escoamento e nexo de causalidade entre a água acumulada e o despiste pelo qual a Brisa é responsável.", encerra em si mesmo toda a verdadeira dimensão da posição jurídica de que somos possuidores a tal respeito.
Subscrevemos, inteiramente, não só a fundamentação do acórdão recorrido, tal como deste acórdão, proferido, de resto, no mesmo Tribunal da Relação de Coimbra.
Na verdade, no que respeita à ilicitude, à culpa e ao nexo de causalidade, temos como certo que tais pressupostos, igualmente se encontram preenchidos.
Efectivamente, tal como supra já se deixou referido estava a Brisa "obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem", o que "os factos o comprovam -não assegurou.
Não podem restar dúvidas de que a Brisa não teve o cuidado de assegurar tais boas condições de utilização, segurança e comodidade na circulação da auto-estrada, o que lhe era absolutamente exigido.
E tal obrigação tem um carácter duradouro e uma natureza continuada Cfr. Antunes Varela , Direito das Obrigações, 1969, pág. 65 e Pessoa Jorge, Lições, pág. 85. , de tal modo que é contínua e ininterrupta a oferta aos utentes desses referidos meios de segurança e comodidade.
E em nada diminui tal obrigatoriedade/exigibilidade, o facto de se haver provado que "A Brisa vigia a via cerca de 12 vezes por dia, velando pela sua conservação - resposta ao artº 17º da base instrutória" e que "A Brisa procede várias vezes por dia ao patrulhamento da auto-estrada na zona referida da concessão - resposta ao artº 18º da base instrutória".
Mal fora que o não fizesse...
E tanto assim, que cerca de meio ano após a verificação do acidente, a Brisa, certamente cônscia de que aquela parte da auto-estrada não estaria construída nas condições ideais, concretamente desde Dezembro de 1997, abriu rasgos no asfalto para escorrer as águas - resposta ao artº 22º da base instrutória, sendo que tal facto se verificou justamente no local onde o veículo do autor se despistou - resposta ao artº 23º da base instrutória.
Acresce que é facto notório que uma auto-estrada é, à partida, um meio de comunicação dotado de características tais que garantem a quem nelas circula uma acrescida segurança, pelo menos no respeitante ao seu lançamento e piso, sendo que este é suposto ser plano e não propriamente estar revestido de uma poça ou lençol de água; se assim não for, é porque o piso não é plano, nem a respectiva concavidade está dotada da drenagem suficiente, mesmo chovendo com alguma abundância.
E, em caso de existência de alguma deficiência, para alguma "coisa" servem os sinais que, com alguma vulgaridade, todos o sabemos, são colocados nas mesmas, avisadores da existência pontual de algum perigo acrescido, e, como tal, impondo especiais deveres de cuidado.
Ora, estando provado que:
- Ao Km 233,270 a condutora do GE perdeu o domínio do veiculo que entrou em hidroplanagem - resposta ao artº 5º da base instrutória;
- Tal facto aconteceu em virtude de um lençol de água abrangendo toda a largura da faixa de rodagem - resposta ao artº 6º da base instrutória;
- O veículo passou a circular sobre água - resposta ao artº 8º da base instrutória;
- Não tendo piso seguro em nenhum dos rodados - resposta ao artº 9º da base instrutória;
- O veículo saiu do lençol de água, descontrolado, indo embater nos "rails" de protecção do lado esquerdo - resposta ao artº 10º da base instrutória, não podem restar dúvidas de que, paralelamente à culpa (por omissão do seu dever de garantir segurança na circulação, desde que esta se faça também em conformidade com as exigências legais impostas aos condutores, o que in casu não está em causa) da Brisa, em não assegurar aos utentes condições de segurança, como se disse, se verifica um inequívoco nexo de causalidade entre o lençol de água, o bloqueio das rodas (que ficaram sem aderência ao asfalto), o despiste e o dano.
Em suma: o acidente deu-se porque o veículo do Autor entrou em hidroplanagem, vendo transformados os seus pneus em placas de esqui, sem qualquer aderência ao solo, ficando ele entregue às leis da física, sem que a sua condutora pudesse fazer o que quer que fosse para dominar a viatura.
E tudo isto, porque, a dado momento, quando nada o faria supor, passou o veículo a circular num lençol de água, que a Brisa deveria ter a obrigação de evitar que se tivesse formado, nomeadamente providenciando por um maior e melhor escoamento das águas pluviais.
Concluímos, assim, pela verificação de todos os pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil, donde deriva a obrigação de indemnizar, nos exactos moldes referenciados no acórdão recorrido.
Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, em consequência, decidem confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 20 de Maio de 2003
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida