Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B1218ver acórdão T REL
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NEVES RIBEIRO
Descritores: GERENTE
SOCIEDADE COMERCIAL
DESTITUIÇÃO
JUSTA CAUSA
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: SJ200405200012187
Data do Acordão: 05/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 4476/03
Data: 11/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. A destituição sem justa causa obriga a reparar os danos decorrentes da destituição, conforme dispõe o artigo 257º-7, do Código das Sociedades Comerciais.
2. Compete ao autor/destituído a prova dos danos que são consequência adequada da destituição, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no artigo 342º-1,do Código Civil.
3. A disposição do artigo 508º, n.º2 do Código de Processo Civil (o juiz convidará as partes...) determina que o juiz convide as partes a suprir as irregularidades dos articulados, designadamente quando careçam de requisitos legais, ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa;
4. E o n.º 3, da mesma disposição, permite ao juiz convidar qualquer das partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, tratando-se de uma faculdade, a gerir conforme a conveniência de economia de meios e custos, celeridade processual, a eficácia ou a prontidão na realização da justiça, no caso, concretamente.
5. Mas em qualquer das situações anteriormente contempladas, o convite só tem sentido se as deficiências forem estritamente formais, ou de natureza secundária, não reabrindo a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos fundamentos em que assentam, com vista a obter, por exemplo, novo prazo, nova formulação do pedido, neutralizando a eficácia do principio processual da preclusão da prática de actos processuais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
Razão da revista

1. "A", residente no Lugar do Castelo, freguesia de César, concelho de Oliveira de Azeméis, intentou contra B, com sede no mesmo lugar do Castelo, acção de condenação com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 55.865,36, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação.

Alega, em síntese, que, tendo sido sócio-gerente da Ré, foi deliberada em assembleia geral da mesma, a sua destituição do cargo, deliberação que, judicialmente impugnada, foi entendido pelo S.T.J. ter havido destituição sem justa causa.
O A. tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados pela Ré com a destituição, indemnização correspondente ao rendimento que receberia da Ré pelo período de 4 anos, ou seja, 11.200.000$00 (200.000$00 x 14 meses x 4 anos), nos termos do artigo 257°, n° 7, do Código das Sociedades Comerciais.
2. A Ré, contestou, impugnando os fundamentos da acção que a sentença julgou improcedente, por não provada.
Inconformado, o autor apelou.
E a Relação do Porto confirmou a sentença (fls. 423).
II

Objecto da revista
O recorrente nas suas conclusões de 1ª a 10ª, defende que devia ter sido convidado a aperfeiçoar a petição, na altura própria, desde que se mantenha a tese do acórdão recorrido, que se louva na sentença.
E nas restantes conclusões (10ª a 19ª) defende, contra essas teses, que fez a prova dos pressupostos do direito de indemnização e do dano que invocou, concluindo pela violação do disposto nos artigos 508°, 2 e 3; 265° e 266° do C.P.C.; 257°-7 do Código das Sociedades Comerciais, e 562° do Código Civil.
III
Factos
É a seguinte matéria de facto considerada provada na 1ª instância:
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 53.871,00, dividido em três quotas de € 17.957,00;
2- O A. é sócio da R, e, nesta, possui uma das quotas, pertencendo as outras duas, a C e D;
3- No dia 30/9/1994, em assembleia geral da R, foi deliberada a destituição de gerente do A., com os votos favoráveis de C e D;
4- Correu termos no Tribunal de Círculo de Oliveira de Azeméis, acção ordinária instaurada pelo A. contra a R, para impugnação da deliberação de destituição, a qual foi julgada improcedente, tendo o Supremo Tribunal de Justiça confirmado que a destituição do A., constituía uma deliberação válida da assembleia geral da R, o foi sem prova de justa causa;
5- No pacto social da R não há expressa qualquer cláusula garantindo uma indemnização certa, em caso de destituição de gerente sem justa causa;
6- O A. recebia, à data da destituição, o rendimento mensal de Esc.200.000$00, durante 14 meses no ano;
7- O A. exerceu as funções de gerente na R, ininterruptamente, desde 1972/73, até ao fim do mês de Junho de 1995;
8- O A. fazia face às suas despesas pessoais e familiares, nomeadamente com o rendimento que mensalmente auferia da R, nas funções de gerente;
9- O qual deixou de auferir, desde Julho de 1995, na sequência da sua destituição em 30/9/1994;
10- O A., desde a data referida em 9 (Julho de 1995), deixou igualmente de prestar trabalho na R.
IV
Direito aplicável
1. O recorrente volta a colocar na revista as duas questões que já apresentou em apelação.
A questão da correcção oficiosa e do convite ao aperfeiçoamento da sua petição; e a questão da alegação de prejuízos que sofreu em virtude da destituição de gerente da ré, sem justa causa, em conformidade com o artigo 257º-7, do Código das Sociedades Comerciais, que consagra o direito a uma indemnização, em certos termos.
Como facilmente se percebe, um problema arrasta o outro.
2. Para a proficiência da análise, melhor método será, começar pela segunda questão.
O artigo 257º-7, do Código das Sociedades Comerciais, estabelece que o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado.
Mais exactamente, no aspecto que releva, preceitua: «Não havendo indemnização contratual convencionada, o gerente destituído sem justa causa, tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por de mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado».
Trata-se da afirmação do principio geral da responsabilidade civil, cuja modelação se faz, principalmente, no artigo 562º e seguintes, do Código Civil, ao estabelecer algumas regras próprias da obrigação de indemnizar.
Ora, neste enquadramento da análise, o acórdão recorrido, revendo-se no acórdão deste Tribunal, de 27 de Outubro de 1994 (Col. Jurisp. 1994, tomo III, páginas 112), refere que «o gerente destituído perdeu o vencimento, mas também deixou de prestar trabalho, pelo que pode entender-se que esta consequência representa um facto natural, sem haver verdadeiro prejuízo. Deixou de prestar trabalho e consequentemente, perde o direito à retribuição. O dano não é necessário. Da simples invocação da perda da remuneração pelo exercício da gerência não se pode concluir que o autor tenha sofrido necessariamente prejuízos: Estes só se terão verificado se ele não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada a idêntico nível económico, social e profissional, o que, in casu, se ignora».
Tudo isto para dizer que a obrigação de indemnizar requer a existência de danos, de prejuízos efectivos - danos emergentes ou lucros cessantes, como são palavras da lei - que resultem da conduta que obriga a reparar (licita, ilícita ou pelo risco, conforme os casos) e que seja causalmente adequada à produção dos mesmos prejuízos.
3. Sucede que os factos que ficaram descritos (Parte III), são extremamente deficitários para deles se poder retirar a conclusão de que a destituição da gerência foi causa adequada dos danos alegadamente apontados, em consequência da destituição (Ponto 1, Parte I).
A simples invocação da perda da remuneração correspondente ao desempenho que o recorrente vinha exercendo como gerente da ré, e com que ocorria às despesas pessoais e familiares, pode não representar o suporte factual referenciado ao prejuízo falado na lei, como pressuposto da obrigação de indemnizar.
Não se pode concluir - nem o recorrente assim apresentou a acção, insista-se - que as importâncias que deixou de receber, em conformidade com as operações de multiplicar e de somar que faz (ponto 1, Parte I), são consequência adequada da destituição, ou seu resultado necessário e, como tal, levados à conta do prejuízo, real e efectivo, que a destituição lhe causou.
Os danos (lucros cessantes) só se terão verificado se ele não teve oportunidade de exercer outra actividade remunerada, de idêntico nível económico, social e profissional, ao deixar de trabalhar para a ré.
A invocação isolada da perda da remuneração do desempenho da gerência, não representa inevitavelmente um prejuízo ou dano indemnizável, segundo a "diferença" contemplado pelo n.º2 do artigo 566º do Código Civil.
Falta alguma coisa ao suporte que, com inteireza, pressuporia o direito à indemnização.
Pois falta, como facilmente se percebe pela simples leitura da petição, aliás extensíssima, e dos factos que, a partir dela e da contestação, obtiveram a projecção probatória que já ficou descrita ( Parte III).
Só que tanto, como acaba de dizer-se, não foi articulado pelo autor, enquanto ónus de apresentação da acção e do correspondente efeito jurídico que, através dela, se pretende fazer valer e lhe cabia fazer.
Por palavras outras, já o mesmo lhe observaram a sentença (fls.362) e o acórdão recorrido (fls.422).
Nem a simples presunção judicial (artigos 349º e 351º do Código Civil) permite preencher o vazio originário sobre a existência do dano indemnizável, nos termos em que a acção vem proposta.
Dificuldade que também cabe para impedir qualquer forma de suprimento através de possíveis ilacções permitidas pelo artigo 264º-3, do Código de Processo Civil, necessariamente circunscritas também, pela contenção do princípio dispositivo a que obedece a concreta acção proposta pelo recorrente/autor.
Como, finalmente, está fora de questão a condenação por quantia ilíquida a apurar em execução de sentença ( artigo 661º-2, do Código de Processo Civil), já que a verdadeira questão é essa mesma, a de saber se se verificou prejuízo, não tanto qual a sua extensão.
4. Julgamos, por isso, acertada a conclusão da decisão recorrida, quando sublinha que « não tendo o autor alegado os factos indispensáveis à fixação do quantum indemnizatório, não pode a ré ser condenada no pagamento da indemnização peticionada. No caso sujeito, não tendo o autor alegado, nem provado os factos indispensáveis à fixação do quantum indemnizatório em causa, não poderia a ré ser condenada, como não foi, no pagamento da indemnização peticionada, pelo que bem foi absolvida do pedido».
5. Com o que se chega, e bem se compreende, ao segundo aspecto questionado pela revista.
Se o Tribunal não deveria ter convidado o recorrente a aperfeiçoar o que estava mal.
Consequentemente - pergunta-se (?) - haveria o tribunal de o convidar a "aperfeiçoar" o articulado da petição, conforme ao artigo 508º, em especial o n.º 2, do Código de Processo Civil?
A disposição estabelece o que segue: «O juiz convidará as partes a suprirem as irregularidades dos articulados... designadamente quando careçam de requisitos legais, ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa».
O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, em situações que exemplifica, e outra análogas.
E o n.º 3, da mesma disposição, («Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes... ») permite ao juiz convidar qualquer das partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Tratando-se, nesta última hipótese, de uma faculdade, ela será gerida, concretamente no caso, segundo o critério prudencial do juiz, considerando a conveniência de economia de meios e custos, a celeridade processual, a eficácia ou a prontidão na realização da justiça.
Mas em qualquer das situações, quer o dever do n.º2, quer a faculdade do n.º3, o convite só tem sentido se as deficiências forem estritamente formais, ou de natureza secundária.
Tem que haver limite ao exercício do dever ou da faculdade, por forma que não se reabra a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos fundamentos em que assentam, com vista a obter, por exemplo, novo prazo, nova formulação do pedido, e por aí, neutralizando a eficácia do principio processual da preclusão da prática de actos processuais.
6. Como nesta linha de pensar, disse por vezes várias, o Tribunal Constitucional, « o convite só tem justificação, como concretização do direito de acesso à justiça e do princípio da proporcionalidade quando as deficiências notadas forem estritamente formais, ou de natureza secundária, ligadas à apresentação ou formulação, mas não ao conteúdo, concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida, não podendo o mecanismo do convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais do acto da parte, transmudar-se num modo de esta obter novo prazo para, reformulando substancialmente a sua própria pretensão ou impugnação, obter novo e adicional prazo processual para substancialmente cumprir o ónus que sobre ela recaía». (1) (2)
É indiscutível que um dos princípio estruturantes do processo civil é o da cooperação entre todos os operadores judiciários, e, como tal, também entre o tribunal e as partes (em especial, artigo 266º- B). (3)
É a tese, no fundo, em que se suporta o recorrente, pugnando pela necessidade do convite, a seu tempo, para melhorar a petição inicial.
Mas o convite à melhoria da qualidade da peça - desta ou doutra- não pode volver-se numa autêntica subversão do processo, definido como uma continuidade de actos processuais, tornando o juiz um pedagogo e o tribunal uma escola de ensino, para "vigiarem" a perfeição ou completude de cada acto, por forma que sendo "imperfeito" ou "incompleto" se convide a parte que o produziu a suprir a falta. E por aí a diante!
Indica o mais elementar bom senso, que não pode ser assim!
Bem o compreenderá também o recorrente, sob pena de se cair numa indisciplina de procedimento e arrastamento, tão impunes, quanto aleatórios, do exercício do direito de acção (do incidente, do recurso...) que nunca mais chega ao fim, com grave prejuízo para os interesses gerais da administração da Justiça e, em particular, para a contraparte.
Em desfavor desta, vulneraliza-se o princípio, igualmente respeitável, da preclusão processual civil, agravando o factor da incerteza do tempo da definição do direito; e introduz-se uma pedagogia processual negativa, a benefício do arbítrio ao convite, do uso e do abuso, sem critério, que em nada abona a confiança, a celeridade e a prontidão da justiça (4), acabando por conferir a esta, a imagem perigosa geradora do "deixar andar" ou do "erra que o Juiz corrige!"
Corrige, sim - e voltamos sempre ao mesmo - mas apenas quando se tratar de irregularidades formais, secundárias, situadas num plano de lateralidade que não afecta a principalidade do que estiver em causa.
Que não signifique a renovação do direito, a ofensa da preclusão, a estabilidade da instância e os efeitos que ela determinam, etc.etc !
O que, bem vistas as coisas, significa, trazido o exercício para o nosso caso, que o autor, tendo embora alegado matéria relativa a danos (supra ponto 3), não foi a indispensável, muito menos obteve prova, para consubstanciar completamente os pressupostos do direito à indemnização a que destinava a acção que instaurou.
Os prejuízos ficaram por provar, na forma e pela causa que alegadamente servia de suporte à obrigação de indemnizar accionada.
Isto mesmo reconheceram as instâncias.
Não pode vir agora, fora de tempo, dizer que o Tribunal o devia ter convidado a suprir sua própria deficiência, ao pedir.
Ao fim e ao cabo, queixando-se sobre si mesmo, ao acusar (conclusões: 1ª a 10ª) «que devia ter sido convidado a aperfeiçoar a petição, na altura própria».
7. Termos em que, sem necessidade de maiores explanações, se nega provimento à revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de Maio de 2004.
Neves Ribeiro
Araújo Barros
Oliveira Barros
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(1) Palavras extraídas dos Acórdãos do Tribunal Constitucional , n.ºs: 40/00 e 374/00, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º, volume, pág.307; e 47º, volume, páginas 713.
(2) Estes e outros arestos do TC sobre esta mesma matéria do convite ao aperfeiçoamento em processo penal versus processo civil, foram apreciados, no sentido do texto, nos "Estudos em Homenagem ao Conselheiro Cardoso da Costa", pelo Dr. Lopes do Rego, especialmente a páginas 845 (Coimbra Editora, 2003).
(3) Pereira Baptista, Princípios Fundamentais da Reforma do Processo Civil, páginas 70/77.
(4) Trata-se de causas de morosidade funcional provocadas ( Os tribunais nas sociedades contemporâneas - o caso português, do Professor Boaventura de Sousa Santos e outros, páginas 432, em especial, nota 83, fazendo apelo a uma Comunicação do saudoso Juiz Carlos Matias).