Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S1701
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA LAURA LEONARDO
Descritores: COMPENSAÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
PRESCRIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ200602210017014
Data do Acordão: 02/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - As razões (de certeza do direito e de dificuldade de prova) que ditam o estabelecimento do curto prazo de prescrição previsto no art. 38.º da LCT, desaparecem quando a situação jurídica fica definitivamente decidida através de sentença ou determinada através doutro título executivo, como é o caso do contrato de revogação por acordo da relação laboral, em que as partes fixaram uma compensação pecuniária de natureza global, que inclui e liquida todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação.
II - Este (novo) crédito autonomiza-se da relação laboral pois tem como fundamento (imediato) um contrato (revogatório) que põe justamente fim ao contrato de trabalho e através do qual as partes extinguiram todos os créditos emergentes do contrato de trabalho, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles (artº 857º do CC).
III - Estabelecendo-se no contrato de revogação o pagamento em prestações da compensação global, aquelas não constituem prestações periodicamente renováveis mas fracções de uma dívida (a compensação global), pelo que o não pagamento da primeira prestação determina nos termos do art. 781.º do CC, o vencimento de todas as que estavam em dívida.
IV - Os pagamentos parcelares efectuados pela executada ao exequente, por conta daquela dívida, traduzem inequivocamente o reconhecimento da dívida por parte da devedora/executada, com o inerente efeito interruptivo da prescrição (art.º 325º do CC).
V - O regime de prescrição da convencionada compensação pecuniária de natureza global é o estabelecido nos artºs 309° e segs. do CC, sendo o prazo ordinário da prescrição o de vinte anos.
VI - Não basta para caracterizar a litigância de má fé a insistência, em recurso, de uma defesa rejeitada nas duas instâncias, quando a recorrente, num domínio em que não há unanimidade de opiniões, discorda sobretudo a nível da interpretação da lei e da sua aplicação aos factos.
VII - De qualquer modo, tratando-se duma sociedade nunca a mesma, face ao disposto no artº 458º do CPC, poderia ser condenada como litigante de má fé, mas apenas, e se fosse caso disso, o seu representante.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - "AA" deduziu oposição à execução que lhe moveu BB pedindo a sua absolvição do pedido, com fundamento em que os créditos dados à execução, resultantes da rescisão do contrato de trabalho desportivo por mútuo acordo, se encontram prescritos, atento o disposto no art° 38°-1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n° 49408, de 24.11.1969 (LCT).
O exequente respondeu, sustentando que o crédito não estava prescrito. Invoca, além do mais, actos de reconhecimento da dívida por parte da opoente/executada e termina pedindo o indeferimento da oposição e a condenação da opoente, como litigante de má fé, em indemnização a seu favor que inclua os honorários devidos ao seu mandatário.
Proferida sentença, foi julgada improcedente a oposição e bem assim o pedido de condenação da opoente/SAD como litigante de má fé.

Inconformada, esta apelou da sentença, mas sem sucesso.
De novo irresignada vem pedir revista, formulando na sua alegação as conclusões que, de forma mais sintética, se indicam:
1ª) - Entre a recorrente e recorrido vigorava um contrato de trabalho desportivo, legalmente celebrado e devidamente registado na Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de acordo com o Contrato Colectivo de Trabalho aplicável (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n° 5, 1ª série, de 08.02.1991), contrato esse válido até ao termo da época desportiva 2003/2004, ou seja, até 30 de Junho de 2004;
2ª) - Todavia, recorrente e recorrido acordaram e celebraram, a 7 de Junho de 2002, um acordo de rescisão total do contrato de trabalho acabado de identificar nos termos do disposto no artº 40° do referido Contrato Colectivo de Trabalho e nos artºs 7° e 8° da LCCT (regime jurídico aprovado pela DL nº 64-A/89, de 27.02), então aplicável;
3ª) - No identificado acordo de rescisão, recorrente e recorrido (cfr. doc. nº 1 junto com o requerimento inicial) aceitaram, de comum acordo, revogar o contrato de trabalho desportivo, então em vigor, e fixaram a título de compensação pecuniária global a quantia de € 359.128,00, a ser paga pela recorrente, em prestações;
4ª) - Na data de vencimento da primeira prestação (em 5 de Agosto de 2002), no valor de € 4.572,00, a recorrente nada pagou, vencendo-se de imediato as demais prestações (artº 781º do CC), tudo no valor de € 359.128,00, pelo que, a partir dessa data, estava o recorrido em condições de exigir a totalidade da compensação, não gerando a tese da recorrente, contrariamente ao que se defende no acórdão recorrido, qualquer consequência insuportável para o direito;
5ª) - A relação donde emerge o conflito que divide as partes na acção executiva sub judice é uma relação jurídico-laboral - emergente do contrato de trabalho identificado no citado documento n° 1 -, que as partes extinguiram através do referido acordo de revogação, sendo este o título que serve de base à execução;
6ª) - Esta compensação pecuniária global visou liquidar e nela incluir todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação;
7ª) - Dizer-se que a indemnização é inerente à cessação do contrato de trabalho, não é mais do que concluir que o presente pleito é intrínseco ao contrato de trabalho que vigorou entre recorrente e recorrido;
8ª) - No caso "sub judice" estamos perante uma execução emergente de uma relação de trabalho, da competência do tribunal do trabalho;
9ª) - O eventual crédito do recorrido está, deste modo, sujeito a prazo de prescrição fixado no n° 1 do artigo 38° da LCT, que consagra um desvio ao regime geral constante do Código Civil;
10ª) - O elemento literal deste normativo legal não deixa dúvidas acerca do âmbito da sua aplicação - o prazo de prescrição nele estabelecido não se aplica apenas aos créditos de natureza salarial, mas a todos os créditos, sem excepção, resultantes do contrato de trabalho, da sua violação e cessação (neste sentido, Mário Pinto, in Comentário às Leis do Trabalho, Vol. 1, Ed. Lex, pag. 185 e segs., ac. do Tribunal da Relação do Porto de 3.05.1999, in CJ, 1999, Tomo III, pag. 245 e segs e ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.06.1999 (Proc. n° 49/99);
11ª) - A interpretação restritiva perfilhada no acórdão recorrido contraria o pensamento e o propósito do legislador e não encontra na letra do preceito um mínimo de correspondência verbal, sendo mesmo repelida pelas expressões "todos os créditos" e "resultantes da cessação";
12ª) - A interpretação que o acórdão recorrido faz no sentido da autonomização do referido crédito que, assim, ficaria sujeito ao regime da prescrição estabelecido nos artigos 309° e seguintes do Código Civil não pode ser considerada pelo intérprete por violar de forma concomitante os artigos 38°-1 da LCT e 9°-2 do Código Civil.
13ª) - O mesmo se diga quanto à interpretação restritiva que o acórdão recorrido faz ao limitar a aplicação do artº 38° da LCT à acção declarativa e não à executiva;
14ª) Ademais, é jurisprudência deste Supremo que o prazo de prescrição referido no nº 1 daquele artigo 38.° é aplicável a todos os créditos resultantes do contrato de trabalho, independentemente do facto que deu origem à cessação do contrato, seja tal facto lícito, ilícito, válido ou inválido (entre outros, acórdãos de 23 de Outubro de 1981, in BMJ 310/196; de 14 de Fevereiro de 1991, in Actualidade Jurídica, n°s 15-16, pg. 15; de 29 de Maio de 1991, in A. J., nº 19, pag. 24);
15ª) - O citado dispositivo legal é também expresso quanto às partes que têm o direito de accionar a prescrição a seu favor, aplicando-se quer à entidade patronal, quer ao trabalhador (entre outros, ac. STJ, de 8.05.91, A.J., 19°-18);
16ª) O prazo prescricional previsto no citado artº 38º é de um ano e interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito (artº 323° do CC), devendo o prazo de prescrição contar-se de acordo com as regras constantes do artigo 279°, aplicável ex vi do artº 296°, ambos do Código Civil.
17ª) - Uma vez que a recorrente foi citada para os termos da execução, em 22 de Outubro de 2003, isto é, depois de decorrido mais de um ano sobre a data da celebração do acordo de revogação ou, se assim se preferir, da data em que se considerou como integralmente vencidas todas as prestações (5 de Agosto de 2002), daqui resulta que o crédito reclamado pelo recorrido encontra-se extinto por prescrição (artºs 781º, 804°, 805°, nº 1, alínea a) e 806°, todos do Código Civil e o já citado artigo 38°-1 da LCT, aplicável ex vi do disposto no artº 3° da Lei n° 28/98);
18ª - Deve, assim, ser revogado o acórdão recorrido.

Não houve contra-alegações.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido de ser negada a revista e de a recorrente ser condenada como litigante de má fé.

II - Questões
Fundamentalmente, esta: se o crédito objecto da execução está prescrito.

III -Factos
1. O exequente é parte legítima do acordo para pagamento de dívida assinado pela executada a 7 de Junho de 2002.
2. Tal acordo destinou-se a formalizar um plano para pagamento de indemnização inerente à cessação de contrato de trabalho que entre exequente e executada vigorou.
3. Pelo acordo referido a executada obrigou-se a pagar ao executado uma quantia global de € 359.128, 00, que deveria ser paga da seguinte forma:
1. Vinte e quatro prestações mensais e iguais no valor de € 4.572,00 cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2002 e as restantes em iguais dias dos meses subsequentes;
2. A quantia de € 124.700,00 no dia 31 de Agosto de 2002;
3. A quantia de € 124.700,00 no dia 31 de Julho de 2003.
4) - Logo na data em que deveria ter pago a primeira prestação no valor de € 4.572,00, a executada nada pagou, vencendo-se as demais prestações acordadas, tudo no valor de € 359.128,00.
5) A executada já fez os seguintes abatimentos à quantia em dívida nos valores e nas datas seguintes:
1 - € 4.572,00 a 03 de Outubro de 2002;
2 - € 4.572,00 a 06 de Dezembro de 2002;
3 - € 9.144,00 a 17 de Fevereiro de 2003:
4. € 2.286,00 a 24 de Março de 2003;
5- € 6.858,00 a 24 de Abril de 2003;
6- € 4.572,00 a 05 de Junho de 2003;
7- € 9.144,00 a 13 de Junho de 2003, num total de € 41.148,00.
6. A executada/oponente foi citada para os termos da execução em 22 de Outubro de 2003.

IV - Apreciando
4.1 Ambas as instâncias entenderam que o crédito do exequente não estava prescrito.
Diz a 1ª instância:
- não estão em discussão nos presentes autos quaisquer créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, mas sim os créditos resultantes do acordo designado pelas partes como rescisão total do contrato no qual se estabeleceu, na cláusula terceira, o pagamento duma compensação global, no montante de € 359.128,00, a pagar em prestações;
- os créditos emergentes da cessação do contrato a favor do exequente autonomizaram-se com a fixação por acordo da referida compensação global e calendarização do pagamento da mesma, passando o regime de prescrição dos mesmos a ser o estabelecido nos artºs 309° e segs. do Código Civil;
- o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos - artº 309° do Cód. Civil -, sendo o das prestações periodicamente renováveis de cinco - art° 310°, al. g) do mesmo diploma;
- o acordo celebrado previa o pagamento em prestações - 24 mensais e duas suplementares -, sendo a última paga em 5 de Julho de 2004;
- neste contexto, a prescrição só se verificaria depois de decorridos cinco anos sobre a data do vencimento de cada uma das prestações;
- uma vez, porém, que a executada não pagou a primeira prestação e daí resultou, por força do disposto no artº 781º do Cód. Civil, o vencimento de todas as que estavam em dívida, o prazo da prescrição passou ser o de vinte anos (prazo ordinário).
Logo, o crédito exequendo não estava prescrito.

O Tribunal da Relação concorda, genericamente, com a fundamentação da 1ª instância. Todavia faz questão de precisar que:
«O prazo de prescrição previsto no art° 38°-1 do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n° 49408, de 24 de Novembro de 1969 é apenas aplicável aos créditos laborais que ainda não estão - e enquanto não estiverem - definidos, pois importa introduzir segurança e certeza na relação jurídica laboral. Com esta prescrição de curto prazo, trata-se de evitar que a indefinição permaneça por longos períodos de tempo. Porém, definido o direito por sentença transitada em julgado ou por acordo das partes, findou a incerteza, havendo apenas que cumprir o decidido ou acordado, não sendo por isso aplicável aquele art° 38º-1 da LCT, mas os art°s 309º e 311º, ambos do Cód. Civil, sendo reconduzidos deste modo ao prazo ordinário da prescrição, que é de vinte anos. Isto no plano substantivo.
No plano processual decorre que o prazo de prescrição de um ano previsto no art° 38°-1 (....) se aplica apenas à acção declarativa, onde se vai determinar - qualitativa e quantitativamente - o direito e, consequentemente, não se aplica à execução, onde apenas se cura de fazer actuar o direito já anteriormente definido, quer na sentença proferida na acção declarativa, quer no acordo celebrado pelas partes (cfr. Artur Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª edição, 1977, pgs 280 e 281, José Lebre de Freitas, in A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª edição, 1997, pág. 149, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume 1, 3ª edição, 1982, pgs 278 e 279 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1997-02-26, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 464, págs. 315 a 325 ou in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V-1997, Tomo 1, pgs. 282 a 286.»
Acrescenta ainda que:
«A tese da embargante, pretendendo que os créditos em causa estão sujeitos ao prazo de prescrição de um ano, levariam a consequências não suportáveis pelo direito. Veja-se o caso (...) dos acordos rescisórios do contrato de trabalho em que se acordassem - como ocorre diariamente nos Tribunais do Trabalho - prestações por mais de um ano (...) É completamente impensável que as prestações correspondentes aos meses posteriores ao primeiro ano, nos casos de acordos com mais de 12 prestações mensais, estivessem prescritas ab initio (....) a invocação da prescrição em tais circunstâncias sempre configuraria abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium.»
Quanto à litigância de má fé da ré que o recorrido insiste em pedir nas suas contra-alegações, o tribunal recorrido, tal como o tribunal da 1ª instância, considera que não se mostram verificados os respectivos pressupostos.

4.2 A opoente/executada insurge-se contra o entendimento das instâncias, sustentando que, tratando-se de crédito decorrente dum acordo de rescisão dum contrato de trabalho, logo, resultante da cessação desse contrato, o prazo de prescrição é o que resulta do citado artº 38º - prazo de um ano, a contar de 7 de Junho de 2002, data do acordo de rescisão, ou de 5 de Agosto do mesmo ano, data do vencimento da 1ª prestação, que o opoente não pagou, facto determinante do vencimento automático das restantes (artº 781º do CC).

Vejamos se tem razão.
Antes de mais dir-se-á que, no caso dos autos, não estamos perante prestações periodicamente renováveis, como acontece com as rendas, pensões... mas face a prestações que representam fracções duma dívida (compensação global). Aliás, só no caso de dívida fraccionada em parcelas, que se vão sucessivamente vencendo, tem aplicação o disposto no artº 781º do CC. Tratando-se de prestações periodicamente renováveis, a falta de pagamento de uma não autoriza o credor a exigir todas as que se vão sucessivamente renovando durante o prazo do contrato (por exemplo, na locação) ou no período de duração do crédito (por ex: no pagamento de pensões alimentares). E porque assim é, justifica-se que, quanto a estas, o Código Civil preveja um prazo especial de prescrição de 5 anos (artº 310º). Já assim não será quando, como é o caso, se trate duma dívida unitária, ainda que a pagar por fracções (a prestações).
Temos assim que a questão em apreço se restringe a saber se o prazo de prescrição é o de um ano que decorre do citado artº 38º da LCT ou de 20 anos, previsto no artº 309º do CC.
Adianta-se desde já que, optando, por uma ou outra posição, a solução será sempre a mesma - o crédito não está prescrito.
Na verdade, mesmo admitindo que o prazo de prescrição fosse o estabelecido na LCT (artº 38º), não se pode ignorar o efeito interruptivo dos pagamentos parcelares efectuados pela executada ao exequente, por conta daquela dívida, durante o anos de 2002 e 2003, o primeiro em 3 de Outubro de 2002 e os últimos em 24 de abril, 5 e 13 de Junho de 2003, pagamentos que traduzem inequivocamente o reconhecimento da dívida por parte da devedora/executada (artº 325º do CC) e cujo efeito interruptivo o exequente/credor invocou nos nºs 29 e 30 da resposta à oposição à execução.
Uma vez que a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo já decorrido, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (artº 326º do mesmo diploma), isto significa que, remontando o acordo de rescisão do contrato de trabalho a 7 de Junho de 2002 e o incumprimento da opoente a 5 de Agosto de 2002 (não pagamento da 1ª prestação, vencida nessa data, e que implicou o vencimento automático das restantes, como a recorrente reconhece e defende) e sendo a prescrição sucessivamente interrompida em 3.10.2002, 6.12.2002, 17.02.2003, 24.03.2003, 24.04.2003, 5.06.2003 e 13.06.2003, sempre teríamos que concluir que quando a executada foi citada para a execução em 22 de Outubro de 2003, ainda não tinha decorrido o prazo de um ano previsto no citado artº 38º.
De todo o modo sempre se dirá que entendemos, tal como as instâncias, que ao caso presente se aplica o prazo ordinário de prescrição. Na verdade, como estabelece o artº 311º do CC - norma que não vemos razão para afastar - "o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo".
Todos conhecemos a razão do regime especial consagrado no artº 38º-1 da LCT: o prazo de prescrição só começa a correr no dia seguinte à cessação do contrato de trabalho, porque a situação de subordinação jurídica e económica do trabalhador à entidade patronal pode gerar naquele o temor de represálias que o inibam de, durante a sua vigência, exercer judicialmente os seus direitos"; o prazo é curto (além do mais), por razões de certeza jurídica e porque a passagem do tempo dificulta a prova do crédito.
Ora, estas razões (de certeza do direito e de dificuldade de prova) desaparecem quando a situação jurídica fica definitivamente decidida através de sentença ou determinada através doutro título executivo.
No caso concreto, temos um título executivo, um contrato de revogação por acordo do contrato de trabalho celebrado entre exequente/trabalhador e executada/entidade empregadora, em que as partes fixaram o montante total da dívida a pagar por esta àquele, ou seja, uma compensação pecuniária de natureza global, que inclui e liquida todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação.
Têm assim razão as instâncias quando referem que este (novo) crédito se autonomiza da relação laboral. Com efeito, o seu fundamento (imediato) deixa de ser o contrato de trabalho para passar a ser outro contrato, um contrato (revogatório) que põe justamente fim àquela relação. O crédito surge como consequência da revogação. O exequente, ao exigir o pagamento daquela concreta compensação, fundamenta-se não no contrato de trabalho mas no acordo que o revogou.
Em bom rigor, ao convencionarem aquela compensação global em substituição de todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação, as partes mais não fazem do que extinguir todos estes créditos, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles (artº 857º do CC).
Por tudo isto, têm que improceder todas as conclusões da revista.

4.3 O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido de a recorrente ser condenada como litigante de má fé.
Importa ter presente que as instâncias já se pronunciaram sobre esta matéria.
A questão foi, primeiro, suscitada pelo exequente, que, na resposta à oposição, pediu que a executada/opoente fosse condenada como litigante de má fé, no pagamento das despesas a que deu causa, incluindo os honorários do mandatário.
Posteriormente, embora não tenha interposto recurso da decisão que indeferiu tal pedido, o exequente voltou a suscitar a mesma questão, nas contra-alegações do recurso de apelação.
Tanto o Tribunal de Trabalho como o Tribunal da Relação entenderam que não se verificavam os pressupostos da litigância da má fé e essas decisões transitaram em julgado.
A questão colocada pelo Ministério Público fica assim confinada ao âmbito da revista. E face ao teor das alegações da recorrente, neste tribunal, a situação só seria susceptível de ser enquadrada na alínea d) do nº 2 do artº 456º do CPC.
Preceitua-se aí:
«2 - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
......................
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»

Só o dolo ou a culpa grave podem fundamentar a litigância de má fé. No 1ª caso, a parte merece censura porque sabia que não tinha razão e apesar disso litigou. No 2º caso, porque incorreu em erro grosseiro - estava convicto de que tinha razão, mas só porque não empregou a diligência que devia empregar, para desfazer o erro.
A má fé tanto pode ser substancial (diz respeito ao fundo) como instrumental (diz respeito à relação jurídica processual). Naquele caso, "o litigante espera obter uma decisão de mérito que não corresponde à realidade"; neste caso, "procura sobretudo cansar e moer o seu adversário, ou somente pelo espírito de fazer mal, ou na expectativa condenável de o desmoralizar, de o enfraquecer, de o levar a uma transacção injusta" (2) .
A litigância de má fé constitui o "reverso do dever de probidade" a que ambas as partes estão sujeitas.
Analisando as alegações da recorrente verifica-se, claramente, que interpõe recurso porque a posição das instâncias quanto ao prazo de prescrição não a convenceu. Sublinha-se que estas sempre perspectivaram a situação à luz das normas que decorrem do Código Civil, designadamente, do artº 309º. Ora, a insistência, em recurso, duma defesa rejeitada, não basta para caracterizar a litigância de má fé. Nem se exige, para a afastar, que a posição defendida tenha um elevado grau de solidez. No caso dos autos, a recorrente discorda sobretudo, a nível da interpretação da lei e da sua aplicação aos factos e num domínio em que não há unanimidade de opiniões.
A despeito de a recorrente ter decaído nas duas instâncias, não se evidencia que ao interpor o presente recurso de revista os seus representantes tenham actuado com dolo ou culpa grave.
De qualquer modo, face ao disposto no artº 458º do CPC, sempre se dirá que, tratando-se duma Sociedade nunca a SAD poderia ser condenada como litigante de má fé, mas apenas, e se fosse caso disso, o seu representante.

V - Decidindo
Nestes termos, acordam em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela opoente/executada.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) Nº 79-05; Relª: Mª Laura C.S. Maia T. Leonardo; Adjºs Conselheiros Sousa Peixoto e Sousa Grandão.

(2) Professor J. A. dos Reis, CPC anotado, anot. ao artº 465º.