Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S3430
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
TRANSFORMAÇÃO
PERÍODO EXPERIMENTAL
RESCISÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: SJ200502020034304
Data do Acordão: 02/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 606/04
Data: 05/12/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. Um contrato inicialmente celebrado pelo prazo de um ano pode ser livremente alterado, por acordo das partes e, por essa via, pode ser convertido em contrato sem termo e o período experimental de 30 dias inicialmente nele previsto pode ser alargado para 180 dias, se o cargo exercido pelo trabalhador forem de complexidade técnica ou de elevado grau de responsabilidade ou se as funções por ele exercidas forem funções de confiança.
2. As funções exercidas por maquinista da CP-Caminhos de Ferro são de elevado grau de responsabilidade.
3. O abuso de direito tem de basear-se em factos e não em meras conjecturas.
4. A circunstância de o período experimental inicialmente estipulado já ter decorrido e de o contrato já estar em vigor há cinco meses aquando daquela alteração e o facto de a CP ter rescindido o contrato 26 dias após aquela alteração, mas ainda dentro daquele período de 180 dias, não constituem factualidade suficiente para concluir que a CP agiu em abuso de direito por violação da boa fé, mormente se estiver provado que a alteração foi proposta pelo facto de a empresa ter sido pressionada, com ameaças de greve, pelo Sindicato dos Maquinistas.
5. Perante aquelas alterações, livremente aceites pelo trabalhador, este não podia razoável e muito menos legitimamente convencer-se de que a CP não utilizaria o direito de rescindir o contrato no decurso do período experimental.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" propôs no tribunal do trabalho de Lisboa a presente acção contra CP, Caminhos de Ferro Portugueses, EP, pedindo:

a) que o período experimental aposto no contrato de trabalho celebrado com a ré em 11 de Setembro de 2000 fosse considerado nulo;

b) que o seu despedimento fosse declarado ilícito;

c) que a ré fosse condenada a pagar-lhe todas as prestações devidas até à sua efectiva reintegração, acrescidas de juros de mora, perfazendo as já vencidas o montante de 1.960.000$00, d) que a ré fosse condenada a indemnizá-lo por todos os danos "morais" que lhe causou, a apurar em execução de sentença.

Alegou, em resumo, que, após a realização de um curso de formação que decorreu de 11 de Outubro de 1999 a 24 de Março de 2000, foi admitido ao serviço da ré, para exercer as funções de maquinista, mediante contrato de trabalho com início em 13 de Abril de 2000 e termo em 12 de Abril de 2001, no qual se previa um período experimental de 30 dias, contrato esse que veio a ser alterado em 11 de Setembro de 2000, por iniciativa da ré, passando desde então a ser por tempo indeterminado, mas sujeito um período experimental de 180 dias. Que no dia 6 do mês seguinte a ré fez cessar o contrato alegando que o fazia no decurso do período experimental, devendo tal rescisão ser considerada ilícita, por ter sido nulo o alargamento do período experimental, por não haver razão justificativa para tal, uma vez que a ré já tivera ocasião de o avaliar durante o curso de formação que lhe tinha ministrado e durante os cinco meses de vigência do contrato. O autor alegou ainda que a ré agiu de má fé dado que ao propor-lhe a alteração da natureza do contrato, criou nele uma legítima expectativa de estabilidade da relação laboral, sendo certo que ele nunca teria concordado com a alteração, caso soubesse que ela viria a rescindir o contrato no decurso do período experimental.

Após a gorada audiência de partes, a ré contestou alegando, em resumo, que estamos perante um único contrato, que a alargamento do período experimental foi consensual e plenamente justificado já que o mesmo teria sido de 180 dias, se o contrato tivesse sido celebrado ab initio sem termo; que a alteração do contrato foi motivada pela ameaça de greve por parte do Sindicato dos Maquinistas (SMAQ) que, entre outras exigências, reclamava a "não aplicação aos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia de contratos de trabalho precários" e que para evitar o conflito com aquele Sindicato, aceitou alterar para contrato sem termo todos os contratos a termo celebrados com maquinistas, onde se incluía o contrato celebrado com o autor.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, tendo a ré sido condenada a reintegrar o autor e a pagar-lhe as retribuições que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até à sentença, a liquidar, se necessário, em execução de sentença.

Inconformada com tal decisão, a ré interpôs recurso, sustentando a licitude da cessação do contrato, por tal ter sido levada a cabo no decurso do período experimental, mas o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.
De novo inconformada, a ré interpôs recurso de revista, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões:

«I. No presente caso não estamos perante a sucessão de dois contratos com dois períodos experimentais. Na verdade estamos perante um só contrato e um único período experimental.

II. A transformação do contrato a termo em contrato sem termo, sem que se verificasse o correspondente alargamento do respectivo período experimental, significaria na prática, que a Recorrente apenas teria tido um mês para proceder à avaliação do ora Recorrido, pese embora o contrato em questão ter, claramente, uma vocação de permanência.

III. Não foram provados factos que permitissem inferir que a alteração do contrato visava o alargamento do período experimental, com vista a possibilitar a rescisão desse contrato.

IV. Antes pelo contrário, ficou provado que as alterações dos contratos a termo para contratos sem termo foi motivada por pressões do Sindicato dos Maquinistas (SMAQ).

V. A transformação do contrato a termo num contrato sem termo justificou assim a estipulação de um período experimental e de pré-aviso de rescisão por parte do trabalhador compatível com essa nova realidade.

VI. O Recorrido estava perfeitamente ciente que a alteração em causa não só visava transformar o contrato a temo num contrato sem termo, como igualmente associava a esse contrato um período experimental de 180 dias (contados desde o inicio da execução do contrato) e um período de aviso-prévio de rescisão compatíveis com um contrato sem termo, e optou de livre vontade por aceitar a alteração em causa.
VII. O acórdão recorrido, para além de fazer uma interpretação do direito que resulta numa violação do princípio da liberdade contratual, violou ainda por erro de interpretação e aplicação, o art. 334.º do Código Civil.

VIII. O período experimental de 180 dias justifica-se porque o contrato de trabalho refere-se à categoria profissional de maquinista que, como é público e notório, implica o desempenho de funções profissionais de complexidade técnica e elevado grau de responsabilidade, factos que de resto não foram postos em causa pelo ora Recorrido, integrando-se assim na previsão da alínea b) do n.º 2 do art. 55.º do Decreto Lei 64-A/89, com as alterações introduzidas pelo Decreto lei n.º 403/91.

IX. O acórdão recorrido violou assim, por erro de interpretação e aplicação, a alínea b) do n.º 2 do art. 55.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo Decreto Lei 64-A/89 de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 403/91.

Termos em que face ao exposto e com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs, deve ser considerado procedente o presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida substituindo-se a mesma por outra que absolva a Recorrente, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.»

O autor contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida e, neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos, que temos de acatar por não ocorrer in casu nenhuma das situações referidas nos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 3, do CPC:

1. Entre o Autor e a Ré foi celebrado, em 13/04/00, o contrato de trabalho a termo certo que consta de fls. 10 a 13 dos autos.

2. Nos termos desse contrato, o autor foi admitido ao serviço da Ré, pelo prazo de um ano, com a categoria profissional de maquinista, auferindo a remuneração mensal de 140.106$00.

3. A contratação do autor foi precedida de um curso de formação com início em 11/10/99 e termo em 24/03/2000, tendo o Autor obtido aproveitamento com a classificação de 14,00 valores.

4. O A. é sócio do SMAQ, Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses.

5. No âmbito do contrato referido em 1, o autor desempenhou as suas funções sob as ordens e direcção da Ré na Tracção de Azambuja-Campolide.

6. O contrato referido em 1. previa um período experimental de 30 (trinta) dias.

7. Pressionada pelo SMAQ, que ameaçou com a realização de greves, caso a Ré não pusesse fim aos contratos de trabalho precários, esta propôs ao autor uma alteração ao contrato celebrado em 13/04/00.

8. Em 11 de Setembro de 2000, a Ré propôs a alteração do contrato de 13/04/00, que se concretizou mediante a assinatura de um contrato de trabalho por tempo indeterminado que consta dos autos a fls. 18 e 19.

9. Nesse contrato por tempo indeterminado, o autor mantinha a mesma categoria, continuava a desempenhar as mesmas funções e a auferir a mesma retribuição.

10. Da cláusula 4.ª desse contrato passou a constar um novo período experimental de 180 dias, com início em 13/4/00, data da admissão do autor ao serviço da Ré.

11. O autor recebeu, em 6/10/00, carta da Ré, dando conta de que o contrato se deveria considerar "revogado no período experimental conforme previsto na redacção dada à cláusula 4.ª pela referida alteração, a partir do dia 6/10/00, sendo esta a data do seu último dia de prestação de trabalho."

12. A Ré teve oportunidade de avaliar o autor em dois momentos distintos, o primeiro quando este frequentou o curso de formação e o segundo já na vigência do contrato a termo.

13. A decisão da Ré referida em 11 causou no Autor desgosto e desânimo.

14. No período posterior a 13/04/00, o A. teve algumas faltas de assiduidade e de manuseamento do material circulante.

3. O direito
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a rescisão do contrato de trabalho por parte da recorrente, alegadamente levada a cabo no decurso do período experimental, foi lícita ou não.
Na decisão recorrida entendeu-se que não, com o fundamento de que o período experimental de 30 dias inicialmente fixado no contrato não podia ter sido alargado para 180 dias, pelo facto de a recorrente já ter tido duas ocasiões para avaliar da aptidão do recorrido (aquando do curso de formação e durante o decurso do contrato de trabalho até à data em que foi feita a alteração) e com o fundamento de que houve abuso de direito por parte da recorrente, por esta ter traído as expectativas que tinha criado ao recorrido, ao converter o contrato a termo em contrato sem termo, dando-lhe assim a entender que estava satisfeita com as suas qualidades e que não iria servir-se do período experimental para fazer cessar a relação laboral.

A recorrente discorda de tal decisão, por entender, em resumo, que o contrato é só um, tudo se tendo passado como se, desde o início, tivesse sido um contrato sem termo e que a sua alteração, livremente assinada pelo recorrido, não visou apenas a eliminação do termo, mas também a alteração do período experimental, não podendo, por isso, falar-se em traição das expectativas; que a alteração não foi proposta com a intenção de conseguir uma mais rápida rescisão do contrato, tendo resultado antes da pressão exercida pelo Sindicato dos Maquinistas; que a eliminação do termo aumentou os riscos da contratação, impondo-se, por isso, uma maior cautela na avaliação das capacidades do recorrido e, naturalmente, um período mais alargado do que aquele que tinha sido inicialmente estabelecido; que o período experimental de 30 dias inicialmente fixado não podia ser maior, por ser esse o período máximo consentido por lei para os contratos a termo, não podendo, por isso, concluir-se que ela reputou aquele período como sendo o suficiente para proceder à avaliação do recorrido; que a avaliação feita no decorrer do curso de formação não é relevante para efeitos do período experimental.

Vejamos de que lado está a razão. E adiantando, desde já a resposta, diremos que ela está do lado da recorrente. Expliquemos porquê.

Está provado que o recorrido foi admitido ao serviço da recorrente, para exercer as funções de maquinista, em 13.4.2000, mediante a celebração de um contrato de trabalho, com início em 13.4.2000 e termo em 12.4.2001, no qual se previa um período experimental com a duração de 30 dias. Pressionada pelo Sindicato dos Maquinistas, que ameaçou com a realização de greves, caso a recorrente não pusesse fim aos contratos de trabalho precários, a recorrente propôs ao recorrido, em 11.9.2000, uma alteração àquele contrato, alteração que veio a ser concretizada na mesma data e que, no essencial, se traduziu na eliminação do termo e no alargamento do período experimental de 30 para 180 dias. Em 6.10.2000, a recorrente rescindiu o contrato alegando que o fazia no decurso do período experimental.

Perante os factos referidos, a primeira nota a salientar é a de que estamos efectivamente perante um único contrato de trabalho que é o contrato de trabalho a termo celebrado e com início em 13.4.2000. Em 11.9.2000, as partes não celebraram novo contrato. Limitaram-se a alterar o que já anteriormente tinham celebrado.

Tal alteração é perfeitamente legal, dado o princípio geral de liberdade contratual expressamente reconhecido no art. 405.º do C. C., nos termos do qual as partes têm a faculdade, dentro dos limites da lei, de fixar o conteúdo dos contratos ou de incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.

Aquela liberdade contratual abrange não só a celebração de contratos novos, mas também a alteração dos contratos já existentes. Por isso, no caso sub judice, a recorrente e o recorrido eram livres de alterar, de modificar o contrato de trabalho a termo que entre si tinham celebrado em 13.4.2000. Podiam, pois, com base naquele princípio, eliminar o termo que nele tinham aposto e podiam alterar o período experimental que tinham convencionado, desde que respeitassem os limites fixados na lei.

E foi isso o que fizeram em 11.9.2000: eliminaram o termo, passando o contrato a ser por tempo indeterminado e alargaram o período experimental de 30 para 180 dias.

Tal alteração mostra-se perfeitamente legal, uma vez que não contraria qualquer disposição de natureza imperativa e por não estar provado que as declarações negociais que lhe estão subjacentes estejam inquinadas por vício de vontade que afecte a validade das mesmas.

Com efeito, relativamente à eliminação do termo inicialmente aposto no contrato, nenhuma dúvida se suscita acerca da legalidade dessa alteração, sendo certo que também nenhuma dúvida foi suscitada a tal respeito, uma vez que dessa alteração resultaram mais garantias para o trabalhador recorrido, no que toca à estabilidade e segurança no emprego. E, relativamente ao alargamento do período experimental, também não há razões para duvidar da sua legalidade, dado que, nos contratos de trabalho sem termo, o período experimental para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica ou de elevado grau de responsabilidade ou que desempenhem funções de confiança pode ir até 180 dias (vide art. 55.º, n.º 2, b), da LCCT (regime jurídico aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27/2) e dado que as funções exercidas pelo recorrido (maquinista) não podem deixar de ser consideradas de elevado grau de responsabilidade (o que nos autos nem sequer é questionado), devido ao elevado valor do material circulante e dos bens (mercadorias e vidas humanas) que lhe são confiados.

E nem se diga que o prazo não podia ser alargado, pelo facto de a recorrente já ter tido duas ocasiões para avaliar devidamente da aptidão do recorrido: a primeira, no decurso do curso de formação que lhe ministrou de 11.10.99 a 24.3.2000 e a segunda desde o início do contrato em 13.4.2000 até à data em que o mesmo foi alterado em 11.9.2000.

Na verdade e no que toca ao curso de formação importa referir que tal período não conta para efeitos do período experimental, uma vez que este "corresponde ao período inicial de execução do contrato de trabalho" (vide n.º 2 do já referido art. 55.º da LCCT, sublinhado nosso), contrato de trabalho esse que não existe durante o curso de formação.

Por sua vez, no que toca ao período decorrido desde o início do contrato a termo até à data em que o mesmo foi alterado, é evidente que esse período de tempo já conta para efeitos do período experimental (e na alteração contratual o mesmo foi considerado como tal), mas o facto de o período de 30 dias inicialmente estabelecido já ter decorrido aquando da alteração do contrato não impedia que o seu alargamento pelas partes nos termos em que o vieram a fazer. Com efeito, o facto de aquele período inicial já ter decorrido sem que, durante ele, a recorrente tivesse rescindido o contrato, não vale como reconhecimento de que o recorrido estava apto a exercer as funções de maquinista por tempo indeterminado. Apenas significa que o tinha considerado apto para exercer aquelas funções durante o prazo de um ano, que era a duração inicial do contrato, pois como facilmente se compreende, o processo, os métodos e o tempo de avaliação do trabalhador são diferentes consoante a natureza do contrato.

Na verdade, é perfeitamente compreensível que o nível de ponderação e o grau de exigência colocados pela entidade empregadora na avaliação do trabalhador sejam diferentes consoante se trate de um contrato de trabalho a termo ou de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, uma vez que nos contratos de trabalho a termo um eventual erro de avaliação poderá ser facilmente corrigido através do mecanismo da não renovação do contrato. E compreende-se, assim, que a duração do período experimental seja maior nos contratos por tempo indeterminado do que nos contratos a termo. A própria lei reconhece isso mesmo (vide artigos 43.º e 55.º, n.º 2, da LCCT).

Deste modo, o alargamento do período experimental mostra-se legal, por ser uma consequência da eliminação do termo que havia sido aposto no contrato. Como diz a recorrente, ao eliminar o termo os riscos da contratação aumentaram, impondo-se, por isso, uma maior cautela na avaliação e, naturalmente, um período mais alargado do que aquele que tinha sido inicialmente determinado.

Por sua vez, relativamente a eventuais vícios na declaração negocial nada ficou provado, sendo certo que a tal respeito o recorrido apenas alegou, sem ter provado, que nunca teria assinado o documento da alteração se soubesse que a ré viria a rescindir o contrato no decurso do período experimental.

Resta averiguar se a conduta da recorrente consubstancia um caso de abuso de direito, como foi decidido no acórdão recorrido. E pelo que já deixamos dito, depreende-se que a nossa resposta terá de ser negativa.

Na verdade, tendo o recorrido acordado livremente na alteração do contrato e tendo sido o período experimental precisamente um dos pontos sobre que incidiu essa alteração, passando de 30 para 180 dias, ele não podia criar expectativas acerca do não uso por parte da recorrente do direito que a lei lhe conferia de, durante o período experimental, rescindir o contrato de trabalho sem aviso prévio nem invocação de justa causa (vide art. 55.º, n.º 1 da LCCT). Se disso se convenceu, fê-lo sem qualquer fundamento e fê-lo, sobretudo, sem que a recorrente lhe tivesse dado qualquer indicação nesse sentido, pois, como facilmente de constata, a matéria de facto é absolutamente omissa a esse respeito, sendo certo que também nada foi alegado nesse sentido.
Não podemos, por isso, sufragar o entendimento perfilhado no acórdão recorrido de que a recorrente não estava de boa fé quando propôs ao recorrido a alteração do contrato. A tal respeito, no douto acórdão recorrido escreveu-se o seguinte:
«Ora, uma empresa que num curso de formação de maquinista atribui ao trabalhador uma classificação de 14 valores e que não rescinde o contrato de trabalho a termo que os vinculava no decurso do período experimental e que, no final do quinto mês de vigência desse contrato, lhe propõe a alteração desse contrato num contrato de trabalho por tempo indeterminado, para continuar a desempenhar as mesmas funções de maquinista, o que veio a concretizar-se em 11/9/2000, é porque está satisfeita com a aptidão, com a competência e com as qualidades reveladas por esse trabalhador. Este comportamento da empresa, objectivamente considerado, só pode ter esta leitura. Se assim não fosse e se a empresa estivesse de boa fé, a mesma nunca proporia ao A., naquela altura, a alteração da relação para contrato sem termo. Em vez de proceder como procedeu, aguardaria o decurso do prazo do contrato e, nessa altura, proporia (ou não) ao A. a conversão do contrato a termo em contrato sem termo.

Com o seu procedimento a empresa convenceu o A. de que estava satisfeita com a sua aptidão e com as suas qualidades e criou-lhe a expectativa legítima de estabilidade da sua relação contratual. Qualquer (normal) trabalhador, na sua situação, se convenceria disso (...) ao rescindir o contrato de trabalho por tempo indeterminado que tinha celebrado com o A., há 20 e poucos dias atrás, invocando o período experimental de 180 dias que tinha estabelecido nesse último contrato, entrou em contradição com a sua conduta anterior, traiu as expectativas (a confiança) que essa conduta tinha criado na parte contrária e caiu no âmbito do abuso de direito, mostrando que celebrou aquele contrato sem termo não para tornar efectiva a relação de trabalho que os vinculava, mas para a tornar mais precária e para mais fácil e mais rapidamente dele se desvincular, servindo-se, para o efeito, do período experimental que nele estabeleceu, o que já não podia fazer no domínio do contrato anterior. No domínio do contrato anterior, a Ré só daí a 6 meses podia fazer cessar a relação que a vinculava ao A. e mesmo assim só lhe poderia pôr termo se tivesse cessado o motivo que determinou a sua contratação; mas através deste artifício a Ré conseguiu "desvincular-se" ao fim de 6 meses de contrato.»

Como já dissemos, não podemos sufragar tal entendimento, não só pelas razões que já deixamos expostas, mas também porque o mesmo não tem o menor apoio na factualidade dada como provada. A intenção da recorrente até pode ter sido a que lhe foi atribuída no acórdão, mas o tribunal não pode decidir com base em conjecturas. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido esquece que a alteração do contrato foi feita por pressão do Sindicato dos Maquinistas (vide facto n.º 7) e que a recorrente nada prometeu ao recorrido e esquece, sobretudo, que as alteração do contrato foi feita com o seu acordo.

É verdade que a recorrente rescindiu o contrato 26 dias após a alteração, mas tal facto também não permite concluir pela violação do princípio da boa fé, desde logo porque, tratando-se de um período ainda relativamente longo, muita coisa pode ter acontecido que levasse a recorrente a rever a sua posição relativamente às qualidades do recorrido.

Concluindo, diremos que a matéria de facto provada não permite concluir que a recorrente tenha actuado de má fé, quer ao propor a alteração do contrato, quer ao rescindi-lo no decurso do novo período experimental. Não vemos que a recorrente na sua actuação tenha excedido, manifesta e muito menos clamorosamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito que lhe assistia de propor a alteração do contrato e o direito que lhe assistia de livremente o rescindir no decurso do período experimental.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso de revista, e consequentemente revoga-se o acórdão recorrido e absolve-se a Ré do pedido.
Custas pelo recorrido, na 1.ª e 2.ª instância e no Supremo.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2005
Sousa Peixoto
Vítor Mesquita
Fernandes Cadilha