Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1134
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Descritores: MARCAS
MARCA DE GRANDE PRESTÍGIO
CADUCIDADE
REGISTO DE MARCA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
NOVIDADE
CONFUSÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
RECUSA DE ACTO DE REGISTO
Nº do Documento: SJ200305130011341
Data do Acordão: 05/13/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2876/99
Data: 11/07/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - O direito de marca constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal que as legislações interna, internacional e comunitária pretendem criar.
II - A marca permite ao público interessado distinguir o produto ou serviço que designa daqueles que têm outra origem comercial e concluir que todos os serviços que ela identifica foram fabricados, comercializados ou fornecidos sob controle do titular da marca, ao qual pode ser atribuída responsabilidade da sua qualidade.
III - A função essencial da marca é garantir ao consumidor e/ou ao utilizador final a identidade de origem do produto que exibe a marca, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa.
IV - A marca desempenha uma função jurídica e económica, individualizando produtos ou serviços e permitindo a sua diferenciação de outros da mesma espécie, o que permite uma associação na mente do consumidor entre a marca que assinala um produto ou serviço e as diversas características que lhe venha a atribuir.
V - Quando, cumulativamente, o grau de semelhança das marcas em causa e o grau de semelhança dos produtos ou serviços designados por essas marcas são suficientemente elevados, existe risco de confusão.
VI - Havendo uma marca anterior que goze de grande prestígio em Portugal, o pedido de registo de marca, gráfica ou foneticamente idêntica ou semelhante, será recusada ainda que para produtos ou serviços não semelhantes, sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.
VII - A circunstância de uma marca ter um carácter distintivo elevado devido ao seu prestígio e, por isso, gozar de uma protecção mais ampla do que aquela cujo carácter distintivo é mais reduzido, não habilita o titular da marca, pelo facto de existir o risco de associação (este não é uma alternativa ao risco de confusão mas serve para precisar o seu alcance), a proibir, sem mais, que o terceiro possa ver registada a sua marca, já que este pode provar que o carácter distintivo da marca exclui que a referida associação não pode suscitar uma confusão.
VIII - Se a marca for de grande prestígio, a protecção jurídica de que deva gozar impõe ao terceiro que pretenda registar posteriormente um cuidado especial de modo a afastar um aproveitamento, ainda que não directa nem intencionalmente procurado, à sombra aquela.
IX - Daí uma maior atenção e relevância, nesses casos, a conferir à articulação da parte final da alínea c), do n.º 1, do art.º 25 com o último requisito exigido pelo art.º 191, ambos do CPI e à definição dos campos de cada uma dessas normas; a formulação positiva do requisito indicado no final da última salienta o ónus de afirmação e o ónus da prova que sobre esse terceiro impendem.
X - A marca NIKE é uma marca de grande prestígio.
XI - Para que a marca possa desempenhar o seu papel essencial do sistema de concorrência leal, ela deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados ou prestados sob o controle de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles.
XII - Admitindo-se o uso por outro fabricante ou prestador de serviços da marca NIKE registanda, iria o mesmo beneficiar também de toda uma política de marketing, promoção e distribuição não só da já desenvolvida pela titular da marca anterior como da que esta venha a desenvolver, o que é indevido e fere os valores que através da organização da propriedade industrial se pretende tutelar e garantir.
XIII - Cumpria à titular da marca registanda posterior alegar e demonstrar que do uso da marca não iria ou não poderia decorrer essas consequências ou que, embora aceitando que decorreriam, havia um justo motivo para tanto.
XIV - O art.º 191, do CPI, não viola o disposto nos art.ºs 62, n.º 1, 61, 81, alínea e) e 99, alínea a) da CRP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A", recorreu, sem êxito, do despacho, de 97.09.26, do Chefe de Divisão das Marcas Internacionais do B - Instituto Nacional da Propriedade Industrial que, nos termos dos arts. 191 e 25-1 d) CPI, recusou o registo da marca internacional nº 652.471 C para produtos da classe 3 (produtos de limpeza, cosméticos e perfumes) da Classificação Internacional (Acordo de Nice).
A Relação, com um voto de vencido, confirmou a sentença.
Novamente inconformada, recorreu para o STJ e, nas alegações da revista, arguiu de nulo o acórdão.
Conhecendo, ao abrigo dos arts. 713-5 e 6, 716 e 668-1 b) CPC, a Relação procedeu à reforma do acórdão lavrando, em substituição, um a suspender a instância até se mostrar definitivamente resolvido o recurso contencioso de anulação, interposto pela ora recorrente, do despacho a declarar a caducidade, por falta da declaração da intenção de uso, do registo da sua marca C nº 485.964.
Decidido com trânsito esse recurso, proferiu a Relação acórdão a julgar procedente a apelação, revogando a sentença e concedendo protecção jurídica à marca nº 652.471.
Inconformada, NIKE International, Ltd. recorreu para o STJ, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações.
- em causa o pedido de protecção da marca do registo internacional nº 652.471, o qual configura um comportamento de concorrência desleal;
- são situações de confusão por parte do consumidor médio desprevenido que a lei pretende evitar e o registo agora pretendido pela recorrida pode favorecer actos de concorrência desleal ao criar confusão com os produtos da recorrente e os daquela;
- cada vez mais, as empresas tendem a estender a sua actividade aos sectores económicos mais diversos;
- é titular de registos de marcas nacionais anteriores NIKE, a qual é considerada como marca de grande prestígio nacional, facto confirmado pelas instâncias;
- um consumidor médio que adquira um produto com a marca NIKE associa-o à bem conhecida e prestigiada marca NIKE, patrocinadora de eventos desportivos, da recorrente;
- o consumidor será atraído para essa marca por força do prestígio que os produtos vendidos sob esta marca alcançaram;
- se o produto da recorrida for de qualidade inferior ou prejudicial, o descrédito recairá não sobre ela mas sobre a recorrente, com prejuízo para o crédito dos produtos que a NIKE vende e fabrica e reduzindo a clientela desta;
- ao pretender alargar o âmbito de protecção da sua marca procura tirar indevido partido do carácter distintivo ou prestígio da marca da recorrente e pode mesmo prejudicá-los;
- apesar da recorrida ser titular da marca NIKE anteriormente registada em Espanha, foi entendido, a nível comunitário, com fundamento no prestígio em Espanha da marca da recorrente, que o uso da marca posterior da recorrida se traduziria numa utilização injustificada e indevida e beneficiaria do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior da recorrente ou poderia prejudicá-los;
- olhando para o tipo de produtos cuja protecção é solicitada, o uso da marca NIKE neles poderá levar à erosão ou diluição da marca de grande prestígio NIKE, enfraquecendo a sua força distintiva;
- na diluição de marca, a recorrente não tem de provar a possibilidade de confusão com outra marca mas tão somente que esta segunda marca enfraquece a força ou eficácia distintiva da primeira;
- a marca da recorrente goza de uma força impressiva e de uma eficácia distintiva substancialmente maior do que uma marca ‘norma’;
- violado o disposto nos arts. 25-1 d) e 191 CPI, norma esta última que adoptou o art. 9 do Regulamento sobre a marca Comunitária (Regulamento CE nº 40/94 do Conselho, de 93.12.20).
Contraalegando, a recorrida defendeu a confirmação do acórdão.
Colhidos os vistos.

Matéria de facto considerada provada:
a)- a recorrida exerce a sua actividade no sector da produção e comercialização dos produtos de perfumaria e cosmética e
b)- ao abrigo do Acordo de Madrid Relativo ao Registo Internacional de Marcas, em 96.04.16 solicitou a protecção em vários países, incluindo Portugal, do registo internacional da marca NIKE com o n° 652.471;
c)- com essa marca pretende assinalar produtos da classe 3 da Classificação Internacional, a saber, preparações para branquear e outras substâncias para lixívia, preparações para limpar, polir, desengordurar e desgastar, sabões, perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, loções para os cabelos e dentífricos;
d)- foi publicado aviso, nos termos do art. 200 do CPI, em 96.10.31, tendo sido apresentada reclamação por NIKE International, Ltd, a qual não foi atendida, por ter sido fora de prazo;
e)- por despacho de 97.05.02, o B recusou provisoriamente a protecção ao aludido registo, dizendo em síntese, que a marca pode favorecer actos de concorrência desleal com as marcas nacionais nº. 201.995 C, protegida desde 22 de Outubro de 1985 para calçado desportivo, 203.119 C, protegida desde 16/12/86 para malas desportivas, malas de viagem, malas de mão e malas a tiracolo, 232.430 C registada desde 9/5/91 para artigos de vestuário incluindo camisetas e 248.685, registada desde 814/92 para artigos de vestuário e calçado, pertencentes a NIKE INTERNATIONAL, LTD, sendo estas marcas consideradas de renome;
f)- sobre o pedido de registo recaiu o despacho de recusa definitivo, que considera ser de manter as objecções suscitadas;
g)- o teor do despacho definitivo é de ‘concordo e indefiro’ e fundamenta-se numa informação escrita dos serviços;
h)- o despacho invoca uma estatística sobre 100 marcas mais conhecidas e o artigo Top Ten publicado na revista Exame/Marketing de Abril/Maio de 1997;
i)- a recorrida é titular do registo internacional n° 485.964 relativo à marca NIKE para produtos similares da classe 3 (perfumes e essências de todas as espécies),
j)- a qual foi registada internacionalmente em 84.06.01 e mereceu despacho favorável do B em 85.07.08;
l)- em Espanha, país de origem do registo internacional n° 485.964, a recorrida tem registos sobre a marca NIKE, na classe 3, protegidos desde 1943;
m)- a marca internacional NIKE n° 485.964, na classe 3, está protegida em outros países membros do Acordo de Madrid, incluindo países europeus comunitários, como a Itália, a Alemanha, a Áustria, o Benelux e a França;
n)- em Portugal a referida marca internacional n° 485.964 foi objecto de um despacho de ‘caducidade por falta de declaração de intenção de uso’, ao abrigo do art. 195 do CPI, publicado no BPI n° 1/97, de 97.04.30;
o)- a recorrida interpôs recurso contencioso de anulação do aludido despacho;
p)- por sentença proferida em 02.03.13, pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e já transitada em julgado, foi anulado o despacho do Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de Marcas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial de 97.01.08, que declarou a caducidade do registo da marca internacional n° 485.964, C, para assinalar produtos da classe 3 da classificação internacional, pertencente à recorrida;
q)- a recorrida requereu em 84.06.01a protecção em Portugal do registo n° 485.964, C, assinalando produtos da classe 3 da classificação internacional, a qual lhe veio a ser concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 85.07.08.

Decidindo: -

1.- Com o CPI95, o aplicável, não só se reviu e actualizou o CPI40 como se transpôs para o direito interno legislação comunitária (a Directiva nº 89/104/CEE, de 89.12.21).
Se uma das normas aqui invocadas (o art. 25) pouca alteração trouxe ao anterior art. 187, significativa é, todavia, a novidade que a outra norma invocada (o art. 191) encerra.
É essencialmente esta que perpassa por todas as decisões não tendo sido para o B a causa determinante da recusa a circunstância, se bem que aí referida, da caducidade do registo da marca internacional nº 485.964 da ora recorrida.
2.- A análise e decisão da questão devia e deve ser feita desligada da de caducidade daquele registo.
Nisto não existe qualquer desrespeito pela decisão do T.A.C. de Lisboa, transitada, e junta a fls. 292-301.
Esta anulou o acto constituído pelo despacho, de 97.01.08, do B a declarou caduco o registo da marca nº 485.964.
Porque proferido em contencioso de anulação não se pronunciou sobre a substância, firmou-se em vício formal - falta de audiência prévia (CPA- 100,1). Acrescentou, como obter dicta, que a apresentação tardia da declaração de intenção de uso (CPI- 195,3) pode relevar se o titular, na sequência do cumprimento do princípio do contraditório, provar que efectivamente vem usando a marca.
Daí que não seja possível retirar qualquer argumento favorável à recorrida.
A questão deve ser recolocada onde inicialmente o foi - dever ou não a marca NIKE da recorrente ser considerada como marca de grande prestígio e, sendo-o, gozar da protecção jurídica que o direito comunitário e o direito interno a estas conferem.
Situada a discussão a este nível é claro que irreleva a vigência ou não da outra marca da recorrida.
A protecção foi pedida para uma marca nova, não é a anterior que irá ser apreciada.

3.- Juntou a ora recorrente, às suas contraalegações na apelação, decisão proferida pela Divisão de Oposições do ‘Office for Harmonisation in the Internal Market’, de 99.03.24, em processo em que a ora recorrente se opôs ao pedido da ora recorrida a solicitar o registo da marca NIKE para assinalar uma gama de produtos da classe 3, oposição que procedeu sendo recusado o pedido de registo da marca.
Fundamento - desfrutando as marcas da ora recorrente protecção especial em virtude do art. 8-5 do Regulamento 40/94, a concessão da marca significaria uma utilização indevida do carácter distintivo ou prejudicaria o prestígio adquirido pelas referidas marcas internacionais registadas (para produtos das classes 18, 25 e 28), no caso de estas serem utilizadas injustificadamente (fls. 260-267; tradução a fls. 273-277).
O tratamento da questão foi também para esta decisão perspectivado por norma que o direito interno português acolheu no art. 191 CPI95.

4.- Porque esta norma contem um desvio ao princípio da especialidade ou da novidade é oportuno relembrar, para depois se poder retirar quais as exigências e a que nível permanecem, certas afirmações constantes quer se analise o direito privativo no plano interno quer no internacional quer no comunitário.
O direito de marca constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal que uma e outras legislações pretendem criar.
A marca permite ao público interessado distinguir o produto ou serviço que designa daqueles que têm outra origem comercial e concluir que todos os produtos ou serviços que ela identifica foram fabricados, comercializados ou fornecidos sob controle do titular desta marca, ao qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade.
A função essencial da marca é garantir ao consumidor e/ou ao utilizador final a identidade de origem do produto que exibe a marca, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa.
A marca desempenha uma função jurídica e económica, individualizando produtos ou serviços e permitindo a sua diferenciação de outros da mesma espécie; isto permite uma associação na mente do consumidor entre a marca que assinala um produto ou serviço e as diversas características que lhe venha a atribuir.
Por isso, o carácter distintivo de uma marca só pode ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido e, por outro, em relação à percepção que dele tem o público consumidor ou utilizador final.
Quando, cumulativamente, o grau de semelhança das marcas em causa e o grau de semelhança dos produtos ou serviços designados por essas marcas são suficientemente elevados existe risco de confusão.
Porém, havendo uma marca anterior que goze de grande prestígio em Portugal (o que para aqui interessa), o pedido de registo de marca, grafica ou foneticamente idêntica ou semelhante, será recusado ainda que para produtos ou serviços não semelhantes, sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los (CPI- 191).
A garantia da lealdade da concorrência (CPI- 1) se houver marca de grande prestígio não requer identidade nem semelhança entre os produtos ou serviços designados pelas marcas (já se de apenas marcas notórias se tratar, essa identidade ou semelhança é requerida - art. 190 CPI).
Havendo-a, o consumidor associa o produto ou serviço por ela que se lhe apresente designado com marca, grafica ou foneticamente idêntica ou semelhante, a produto ou serviço designado pela marca de grande prestígio e atribui-lhe a qualidade e as características que a esta reconhece.
A identificação da origem comercial do produto ou serviço e do responsável pela sua qualidade é atribuída pelo público consumidor ao titular da marca de grande prestígio muito embora, se o registo não tiver sido recusado, possa não o ser se fabricado, comercializado ou fornecido por titular de marca posterior.
Havendo-a, o risco de confusão já não requer que haja, cumulativamente, um duplo grau de semelhança - apenas um, o da identidade ou semelhança entre as marcas em causa.
O prestígio de uma marca, quando estiver demonstrado, é elemento importante na apreciação do risco de confusão. A circunstância de uma marca ter um carácter distintivo elevado devido ao seu prestígio e, por isso, gozar de uma protecção mais ampla do que aquela cujo carácter distintivo é mais reduzido, não habilita o titular da marca, pelo facto de existir o risco de associação (este não é uma alternativa ao risco de confusão mas serve para precisar o seu alcance), a proibir, sem mais, que o terceiro possa ver registada a sua marca - este pode provar que o carácter distintivo da marca exclui que a referida associação não pode suscitar uma confusão.
Prestígio aqui como sinónimo de notoriedade da marca - o seu grau é um facto a ter em consideração na apreciação do risco de confusão com um sinal idêntico ou semelhante, que será tanto mais elevado quanto maior for o grau de notoriedade.
Justifica-se que se mais do que simples notoriedade da marca, se esta for de grande prestígio, a protecção jurídica de que deva gozar imponha ao terceiro que pretenda registar posteriormente um cuidado especial de modo a afastar um aproveitamento, ainda que não directa nem intencionalmente procurado, à sombra daquela (daí, uma maior atenção e relevância a nesses casos a conferir à articulação da parte final da al. c) do nº 1 do art. 25 com o último requisito exigido pelo art. 191, ambos do CPI e à definição dos campos de cada uma dessas normas; uma formulação pela positiva do requisito indicado no final da última salienta o ónus de afirmação e o ónus da prova que sobre esse terceiro impendem).

5.- A recorrente opôs à recorrida a sua marca anterior como marca gozando de grande prestígio em Portugal.
Esta, a recorrida, requereu o registo de marca grafica e foneticamente igual - NIKE.
Trata-se de marca posterior e nova, não a mesma que anteriormente fizera registar em seu nome.
Importa discutir, por um lado, se a marca da recorrente deve ser considerada de grande prestígio e, a sê-lo, se ocorre o fundamento específico que habilita à recusa de registo da marca posterior ou se pode ocorrer o fenómeno da diluição nalguma das suas modalidades (no ac. RL de 01.02.08 in CJ XXVI/I/113 são fornecidos elementos para o estudo deste fenómeno).
Qualquer das decisões judiciais anteriores - e foram 4 -, quer de um modo explícito e directo quer indirectamente, consideraram a marca NIKE de que a recorrente é titular como uma marca de grande prestígio. Na realidade, ou expressamente o discutiram e afirmaram ou tiveram como única norma a aplicar a constante do art. 191 CPI.
Como se afirma no ac. STJ de 02.04.09 in rec. 301/02, estas marcas adquiriram um tal renome que se tornaram geralmente conhecidas por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto e, como tal, reconhecidas. Nestas tal como nas marcas notórias, a marca é mais que um sinal distintivo da mercadorias ou produtos, funciona também como um sinal identificador da empresa fabricante ou comercializadora (Ferrer Correia in Dir. Com. I/ /331-332)
Temos por correcta esta qualificação da marca NIKE de que a recorrente é titular, pelo que desnecessário se torna qualquer discussão sobre a mesma embora necessária uma precisão - todas as 4 assim devem ser qualificadas através do sinal - único - comum a todas elas.
Além da doutrina e jurisprudência citadas ao longo deste acórdão, podem consultar-se os acs. do STJ de 99.10.12 e 01.01.30, respectivamente, em CJSTJ IX/I/87 e BMJ 490/283.
Nenhuma decisão, nem mesmo a recorrida se abalançou a tanto, afirmou como marca de grande prestígio a (anterior) marca NIKE de que esta é titular.

6.- Em confronto as marcas da recorrente (a opositora) e a registanda da recorrida, não a sua anterior pelo que o argumento de o registo desta última ser anterior ao daquelas em nada interessa, nem do facto da sua existência não é possível colher qualquer argumento favorável ou desfavorável. Na realidade, além de não ser lícito conhecer da bondade da decisão que deferiu o pedido de registo da marca nº 485.964 nem se saber se, ao tempo, a marca da ora recorrente podia assim ser qualificada (isto já sem se questionar se pelo CPI40 poderia ou não gozar de idêntica protecção), a circunstância de poder haver erro no deferimento - se é que o houve - não autorizaria nem justificaria a prática de um outro, agora em relação ao pedido para a marca registanda.
A protecção daquelas, porque marcas de grande prestígio, dispensa quer a identidade quer a semelhança de produtos ou serviços a que a registanda se destina.
O risco de confusão não requer in casu, como se disse, o duplo grau de semelhança que, como regra, é exigido cumulativamente - apenas a identidade ou semelhança entre as marcas em causa.
Não se pode, portanto, acompanhar a argumentação expendida no acórdão recorrido.

7.- Constitui um dos fundamentos da recusa de registo a possibilidade de o requerente fazer concorrência desleal independentemente da sua intenção (CPI- 25,1 d)).
Constitui fundamento específico da recusa de registo, se em confronto com marca de grande prestígio, o uso da marca posterior procurar, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los (CPI- 191).
Como se lê no ac. proferido no rec. 301/02, esta norma está teleologicamente dirigida a prevenir um risco de associação que levaria a que se tirasse partido do carácter distintivo da marca assim protegida. Tal risco de associação existe nos casos em que, sabendo embora que está perante produtos diferentes, o consumidor é levado a pensar que alguma coisa eles têm a ver um com o outro, retirando de tal convicção uma ideia positiva quanto à proveniência e às qualidades ou características do produto que assim beneficia da reputação do outro.
O uso da marca registanda, com igual sinal - único - ao da marca de grande prestígio não permite duvidar que aquela iria tirar partido do seu carácter distintivo e ou do seu prestígio (o público consumidor, além de ser confundido em relação à origem, qualidade e garantia dos produtos, iria adquirir em função do prestígio granjeado pela marca e na convicção de dela serem) ou, pelo menos, prejudicá-los (basta atentar na possibilidade de um uso imprudente, de ser inferior a qualidade do produto, etc.; basta inclusive ter presente que ‘a marca concretiza a boa ou má reputação comercial do empresário, uma vez que é uma forma de indicação da proveniência do produto ou serviço’ - Carlos Olavo in Propriedade Industrial, p. 17-18 - sendo de notar, como se referiu, que a marca de grande prestígio, além de identificar o produto ou serviço como nas marcas comuns, funciona ainda como um sinal identificador da empresa fabricante ou comercializadora).
Aliás, no CPI, observa-se que, independentemente de poder ser infracção criminal, as falsas (aqui, seria não de falsa mas indução em errónea convicção e confusão) indicações de proveniência, ..., de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento constitui prática de concorrência desleal, estaria o recorrido, invocando (na mente do público consumidor assim se configuraria) como próprias qualidade e garantia que pertencem à recorrente (art. 260 f)).
Parafraseando, Carlos Olavo, nos actos de confusão há sempre a intenção de confundir o público em relação a duas actividades que tem de ser concorrentes - concorrência de actividades que quanto a marcas de grande prestígio não constitui requisito, enquanto que nos actos de apropriação há sempre um determinado comerciante que se apossa de aspectos particulares da actividade de outrem que pode não ser um concorrente (op. cit., p. 166). «Apropriação indevida de uma realidade a que se não tem direito e, como tal, acto de concorrência desleal» (mutatis mutandis, p. 167).
Para que a marca possa desempenhar o seu papel essencial do sistema de concorrência leal, ela deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados ou prestados sob o controlo de uma única empresa à qual pode ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (cfr. ac. do TJ das Comunidades, Tribunal Peno, de 02.11.12 in proc. C-206/01 - em questão prejudicial relativa à interpretação do art. 5-1 a) da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 88.12.21 - Arsenal Football Club versus M. Reed).
O uso do sinal NIKE pela recorrida seria susceptível de fazer crer na existência de uma conexão comercial entre os seus produtos e o titular da marca, a recorrente, seria susceptível de pôr em perigo a garantia de proveniência que constitui a função essencial da marca.
E como referiu o advogado-geral Dr. ......., nas conclusões que apresentou naquele processo na audiência do Trib. Pleno, de 02.06.13 - são irrelevantes as razões pelas quais o consumidor procede à escolha dos produtos ou serviços. O dado decisivo é o de o destinatário os adquirir ou consumir porque contêm o sinal distintivo.
Pelo uso de uma tal marca registanda, iria a recorrida beneficiar também de toda uma política de publicidade, marketing, promoção e distribuição não só da já desenvolvida a recorrente como da que esta venha a desenvolver (esta última mais relevante, para efeito de apreciação do requisito, que a anterior).
E esse tirar partido ou o prejudicar o carácter distintivo e ou o prestígio da outra marca (a anterior de grande prestígio) são indevidos, ferindo valores que através da organização da propriedade industrial se pretende tutelar e garantir.
Se bem que a vontade de tirar partido de uma tal marca seja matéria de facto, esta foi alegada e provou-se-a quer recorrendo à normalidade da vida conjugada com o risco de associação e com a protecção contra os actos de concorrência desleal quer através do que conduz ao fenómeno da diluição da marca. A prova não tem de ser necessariamente directa e o facto deve-se ter como adquirido, desde a organização do processo administrativo, para os autos.
Cumpria à recorrida alegar e demonstrar que do uso da marca não iria ou não poderia decorrer essa(s) consequência(s) ou que, embora aceitando que decorreriam, havia um justo motivo para tanto (o STJ emitiu juízo em sentido contrário no ac. de 03.03.25, rec. 713/06, se bem que não tenha sido esse o fundamento da improcedência da revista - como se vê de fls. 297 do mesmo, foi a inexistência de identidade ou semelhança entre as marcas ‘Kodak’ e ‘Kadoc’; por isso, aquele juízo represente um obter dicta e do qual, como decorre do exposto, se diverge).
Curioso observar que no caso do acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades, a existência de expressa indicação («a palavra ou o(s) logotipo(s) nos produtos expostos para venda são unicamente utilizados para decorar o produto e não significam nem indicam qualquer filiação ou relação com os produtores ou distribuidores de qualquer outro produto. Apenas os produtos com etiquetas que atestem tratar-se de artigos oficiais do Arsenal são produtos oficiais do Arsenal») por M. Reed não obstou a que a decisão fosse favorável ao Arsenal Football Club.
E não constitui justo motivo, em contrário do que consta do acórdão (fls. 319), a não susceptibilidade de risco de confusão entre actividades económicas idênticas ou afins. É a própria a lei a recusar tal - ao afirmar ‘ainda que destinada a produtos ou serviços não semelhantes’ cobre a previsão da Relação.
E o confronto entre os produtos para que se pede protecção através da marca anterior (nº. 485.964) e a registanda é elucidativo ao revelar que não foi uma melhor definição dos produtos a que aquela se destina (perfumes e essências de todas as espécies) mas uma «extensão» (embora referindo-se a ‘perfumaria’ mas não se circunscrevendo a esta nem a ‘essências’) a produtos que ali se não contêm - os indicados na al. c) dos ‘factos’.
Aliás, e numa outra perspectiva, a recorrida teria tirado (rectius, poderia ter tirado) vantagem se, neste concreto processo, tivesse alegado, para poder vir a provar, que efectivamente usava a marca nº 485.964 (isto é, não se escudando apenas em que, por vício formal, obtivera ganho de causa na questão da sua caducidade) - certo que tal circunstância poderia não ser suficiente mas, pelo menos, iria fazer questionar da sua suficiência ou não para o efeito de se ter como satisfeito os ónus que sobre si impendiam mas que, in casu, foram totalmente insatisfeitos.
Verificado o fundamento especifico da recusa de registo (CPI95- 191) o que, de per si, justificou e permitiu ao B não o conceder.
Também por ocorrer o fenómeno da diluição da marca seria legítima e lícita a recusa.

8.- Sustenta a recorrida que uma interpretação do art. 191 CPI de que resulte legitimar a recusa do registo da sua marca nº 652.471 corresponde à afirmação de o empresário, pela marca, poder adquirir um monopólio absoluto em todos os sectores, fazendo prevalecer injustificadamente o direito à propriedade privada sobre a liberdade de iniciativa económica e sobre o princípio constitucional da concorrência (Const.- 62-1, 61-1, 81 e) e 99 a)).
Argumento de inconstitucionalidade no qual, além de nem se mencionar o art. 9 c) do Regulamento CE nº 40/94, de 93.12.29 nem o art. 30 do Tratado de Roma, tornados direito interno, nem se os analisar, esquece que de monopólio absoluto se não pode falar (curioso ver que, em caso de marca comunitária, o art. 43.2 daquele Regulamento contem norma que, desde logo, não autoriza tal linguagem - exige a prova da utilização, por si, da marca, ou seja, a concessão não permanece se o próprio não ‘merecer’, não se permite o abuso) e que a igualdade de tratamento pressupõe a igualdade de situações.
Não se retira a liberdade de iniciativa económica, regula-se, o seu exercício, tal como noutros aspectos e em diferentes diplomas legislativos também se o regula. Pretender que seja desprovido de qualquer limitação isso sim violar vários princípios entre eles o da concorrência, nomeadamente o de uma concorrência leal.
Situação diferente da simples marca é a da marca notória como também as são as das marcas de grande prestígio e de direito comunitário (cfr., a propósito, acs. STJ de 00.04.11, rec. 56/00 e de 02.04.09, rec. 301/02 - ambos da 1ª sec).
A argumentação utilizada pela recorrida serviria ainda para se ab-rogar a propriedade industrial onde confere ao titular de simples marca registada o direito ao seu uso exclusivo em relação aos produtos ou serviços a que se destina ou a semelhantes ou afins (CPI- 207; cfr. ainda art. 5-1 a) da citada Directiva de 88.12.21) e autorizaria a afirmar que ocorre aí um monopólio. O que a legislação - nacional e ou comunitária - pretende é assegurar que a marca possa cumprir as suas funções próprias.
O que ao longo do acórdão se foi desenvolvendo justifica que não se demore mais em rebater o argumento da inconstitucionalidade.


Termos em que se concede a revista, revogando-se o acórdão recorrido, e se recusa o registo da marca nº 652.471 C da recorrida.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 13 de Maio de 2003
Lopes Pinto (Relator)
Pinto Monteiro
Reis Figueira