Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
295/07.9TTPRT.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Apenso:
Data do Acordão: 05/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO III/2010, P.241
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
Doutrina: - Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 157 e segs.
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra, 2002, págs. 35 e 36.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 138.
Legislação Nacional: - CÓDIGO DO TRABALHO APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO, NA SUA PRIMITIVA VERSÃO, OU SEJA, SEM AS ALTERAÇÕES NELE INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 9/2006, DE 20 DE MARÇO : - ARTIGOS 10.º, 12.º, 115.º, N.º 1 E 116.º, N.º 1, 212.º A 214.º, 254.º, 258.º E 259.º E 436.º A 439.º .
- CÓDIGO CIVIL: - ARTIGOS 289.º, N.º 1, 293.º, 342.º, N.º 1, 349.º E 350.º, N.º 1 E 2, 562.º, 1152.º E 1154.º.
- CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL : - ARTIGOS 467.º, ALÍNEA D), E 498.º, Nº3 E N.º 4, 1.ª PARTE, 660.º, N.º 2, 2.ª PARTE , 661.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional: - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 21 DE MARÇO DE 2001 (PROCESSO N.º 3918/00 - 4.ª SECÇÃO), SUMARIADO EM WWW.STJ.PT, JURISPRUDÊNCIA/SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS.
- ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 23 DE FEVEREIRO DE 2005 (DOCUMENTO N.º SJ200502230022684), EM WWW.DGSI.PT.
- ACÓRDÃO DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE 23 DE FEVEREIRO DE 2005 (DOCUMENTO N.º SJ200502230031644), EM WWW.DGSI.PT .
Sumário : I - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de uma actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
II - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
III - Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
IV - Tratando-se – ambos os vínculos – de negócios consensuais, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito da relação jurídica emergente do acordo negocial.
V - A subordinação jurídica, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, deduz-se – na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da actividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais – de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora ou ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade da prestação do trabalho.
VI - De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
VII - Desviando-se, no entanto, desta regra, veio o artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na sua primitiva redacção, a consignar cinco requisitos, correspondentes a indícios a que é usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação tem como efeito o estabelecimento de uma presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).
VIII - Em tal caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).
IX - Resultando provado que o Autor prestou a sua actividade cumprindo um horário de trabalho determinado pelo Réu, nas instalações deste, com instrumentos que por ele eram fornecidos, sendo remunerado em função do tempo despendido, por um período ininterrupto superior a 90 dias, que se encontrava inserido na estrutura organizativa do Réu, reportando, funcional e hierarquicamente, a um administrador dele, e acatando, no exercício das suas funções, as instruções e orientações que do mesmo provinham, mostram-se verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no artigo 12.º do Código do Trabalho.
X - Na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos (artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil), sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal, e normativamente estatuída, em função de uma causa de pedir.
XI - Tomado o pedido neste sentido, é permitido formular-se numa acção contra o mesmo réu, pedidos cumulados, alternativos, secundários ou acessórios, subsidiários, ainda que os fundamentos de um ou de vários sejam diferentes e que um deles se fundamente em diversas causas de pedir, contanto que sejam susceptíveis de basear a respectiva pretensão.
XII - A norma constante do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – cuja interpretação, a contrario sensu, e sem mais, permitiria concluir que o juiz poderia, sempre, independentemente dos fundamentos e natureza própria de cada um dos pedidos formulados na mesma acção, condenar em valor superior ao indicado para cada um deles, desde que o valor da condenação não excedesse o valor da acção – deve ser interpretada em conjugação com os princípios do dispositivo e do contraditório, projectados no artigo 660.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código de Processo Civil, onde se dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe impuser o conhecimento oficioso de outras.
XIII - Ponderando os sobreditos princípios e a noção legal de pedido, é de concluir que o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, e na decisão que proferir sobre essas questões não pode ultrapassar, nem em qualidade nem em quantidade os limites constantes do pedido formulado pelas partes, valendo a ressalva constante da primeira parte do artigo 661.º, n.º 1, no sentido de consentir ao juiz, havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido global, caso em que os limites da condenação se reportam ao pedido global e não a cada uma das parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos.
XIV - Já assim não será se o valor total resultar da soma do valor de pretensões, cumuladas na mesma acção, que traduzam efeitos jurídicos decorrentes de causas de pedir diferentes, pretensões entre si autónomas, na medida em que a procedência de qualquer delas depende da apreciação de fundamentos não coincidentes, traduzindo, pois, pedidos qualitativamente diferentes.
XV - Assim, embora os créditos peticionados pelo Autor a título de trabalho suplementar, férias, subsídios de férias e de Natal, e proporcionais, emirjam todos da execução do contrato, radicam, no entanto e por força da lei, nas vertentes de previsão e estatuição, em fundamentos diversos, sendo, por isso, dotados de inteira autonomia entre si, não podendo dizer-se que os valores que a cada um respeitam integram, como parcelas, um direito de crédito unitário.
XVI - Deste modo, se o Autor pediu, no que concerne cada um dos sobreditos créditos, menos do que aquilo a que tinha direito, não podia o tribunal proferir condenação em montante superior ao que pediu, valendo-se da circunstância de, por improcedência parcial de outro dos pedidos, uma tal condenação não exceder o valor global peticionado com relação aos créditos emergentes da vigência e execução do contrato.
XVII - Mais flagrante é a diferença entre a natureza desses créditos e a dos que emergem de um despedimento ilícito, pois que estes em nada se relacionam com a fonte daqueles (gerados na vigência e execução do contrato), antes se distinguem, claramente, pela sua origem (a cessação ilícita do contrato).
XVIII - Os créditos a que se referem os artigos 437.º e 439.º, do Código do Trabalho – por não pressuporem a alegação e demonstração, pelo trabalhador, dos concretos danos causados pelo despedimento, apenas lhe impondo que alegue e prove a existência de um contrato e dos salários auferidos, bem como o despedimento – apresentam-se, no âmbito da relação jurídica processual, qualitativamente distintos daqueles que podem ser peticionados ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 436.º, com os quais podem ser cumulados, mas que, por radicarem em causas de pedir não totalmente coincidentes e se acharem sujeitos a diferente regime, no âmbito do ónus de alegação e prova, não devem considerar-se os atinentes valores como parcelas de um valor global reportado a um único direito de crédito, mas sim como pedidos autónomos.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho do Porto, em acção com processo comum, intentada em 23 de Fevereiro de 2007, AA demandou Hospital de S. João, E.P.E, pedindo a condenação do Réu: — a) a pagar-lhe a quantia global de € 157.760,13, sendo: (i) € 119.760,13, de trabalho efectivamente realizado, férias/feriados e subsídios legalmente previstos, e (ii) € 38.000,00, de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, em virtude da nulidade do despedimento; — b) pela prática de uma contra-ordenação muito grave, em virtude do trabalho suplementar a que sujeitou o Autor exceder em larga medida os limites previstos para a sua duração [artigos 197.º, n.º 1, 200.º, n.º 1, alínea b), e 663.º, n.º 1, do Código do Trabalho].

Alegou, em síntese, que:

— Foi contratado pelo Réu, em 29 de Novembro de 2004, através de um contrato de trabalho que aquele entendeu chamar “contrato de prestação de serviços”, contrato que foi renovado por acordo nos termos da sua cláusula n.º 1, até ao dia 28 de Fevereiro de 2006.

— Ao longo da duração do contrato trabalhou efectivamente 70 horas por semana, num total de 1390 horas de trabalho suplementar, consecutivamente e sem um único dia de descanso obrigatório, ou compensatório, ou um único dia de férias sequer.

— O Autor não gozou férias, nem lhe foi pago subsídio de férias e de Natal.

— A partir do momento em que foi despedido, passou a ter «frequente perda de sono, de apetite(s) e alterações profundas de humor», situação que causou um desequilíbrio da vida familiar do Autor.

2. Tendo o Réu apresentado contestação depois de expirado o prazo legal, invocando justo impedimento, veio a mesma a ser aceite por despacho do qual agravou o Autor, com sucesso, pois o Tribunal da Relação do Porto, julgando não verificado o justo impedimento, determinou o desentranhamento daquele articulado e ordenou que fosse proferida sentença em conformidade.

Sequentemente, foi lavrada sentença que, qualificando a relação jurídica que vigorou entre as partes como contrato de prestação de serviço, julgou a acção improcedente e absolveu o Réu dos pedidos.

3. No recurso de apelação que interpôs, o Autor arguiu nulidades da sentença, requereu a ampliação do elenco dos factos provados, fixado na sentença, e propugnou a qualificação do contrato em causa como contrato de trabalho.

O Tribunal da Relação do Porto concedeu parcial provimento ao recurso, «revogando a sentença recorrida e condenando o Réu a pagar ao Autor a quantia global de € 33.299,50 (trinta e três mil duzentos e noventa e nove euros e cinquenta cêntimos), absolvendo o Réu do demais peticionado e da instância, no tocante ao último pedido formulado».

Para assim decidir, aquele tribunal superior, após ter indeferido a arguição de nulidades e o pedido de ampliação da matéria de facto, que servira de base à sentença, e ter alterado a narração dos factos provados, dela eliminando repetições e expressões que considerou de cariz conclusivo, qualificou a relação estabelecida e executada pelas partes como contrato de trabalho a termo, entendeu que tal contrato cessou por caducidade na data em que se completou o prazo consignado no escrito que o corporizou e que, tendo, posteriormente, na sequência de deliberação do Conselho de Administração do Réu, o Autor continuado em funções, se gerou uma situação que configura, de facto, uma relação jurídico-laboral por tempo indeterminado, ferida de nulidade.

Tendo oficiosamente declarado nulo tal contrato, o acórdão revidendo, considerando que à sua cessação por iniciativa do Réu, após três meses de execução, se aplica o regime do despedimento ilícito, condenou o Réu a pagar ao Autor a indemnização e as retribuições intercalares, nos montantes reclamados na petição inicial, absolveu-o do pedido de indemnização por danos não patrimoniais, e condenou-o no pagamento dos créditos salariais emergentes da execução do contrato, também, em função dos valores indicados no articulado inicial.

4. Do acórdão da Relação vieram ambas as partes pedir revista: o Réu para ver repristinada a decisão da 1.ª instância; o Autor a pugnar pela condenação do Réu no pagamento da importância global de € 91.799,49.

Oportunamente, apresentaram as respectivas alegações, com as conclusões que, a seguir, se reproduzem:

Da revista do Réu:

«1. A decisão do Tribunal da Relação do Porto deve ser revogada, porquanto ao qualificar o contrato celebrado entre Autor e Ré como contrato de trabalho interpretou e aplicou erradamente os artigos 10.º e 12.º do Código do Trabalho e os artigos 342.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil.

2. Decorre do artigo 236.º do Código Civil que a parte que invoca a existência de um contrato de trabalho tem a seu cargo o ónus de provar os elementos constitutivos do mesmo.

3. Como melhor se demonstrou na fundamentação que se dá aqui por reproduzida, atenta a natureza das instruções e os indícios que foram alegados e resultaram provados nos autos, deve o contrato celebrado entre Autor e Ré ser qualificado como contrato de prestação de serviços, à semelhança do que fez o Tribunal do Trabalho do Porto.

4. Em consequência, os pedidos deduzidos pelo Autor contra a Ré devem ser julgados improcedentes, porquanto assentam no pressuposto de que o mencionado contrato é um contrato de trabalho, quando verdadeiramente é um contrato de prestação de serviços.»

Da revista do Autor:

«I. Concorda-se com o douto Acórdão da Relação do Porto no que tange à qualificação jurídica do contrato como um verdadeiro contrato de trabalho subordinado, bem como a quantificação dos direitos que assistem ao Recorrente e constante do corpo do acórdão,

II. Já não se poderá, de todo, concordar com a Relação no que concerne à conclusão extraída por esse Tribunal relativa ao montante indemnizatório devido ao recorrente, porquanto:

III. Entende o douto Acórdão ora recorrido que, a partir do dia 1 de Dezembro de 2005, embora o recorrente tivesse sido admitido como contratado por tempo indeterminado, esse contrato é nulo.

IV. Concluindo, bem, que a deliberação do recorrido Hospital de São João respeitante à cessação de funções do recorrente, em 28 de Fevereiro de 2006, constitui um despedimento ilícito, desde logo por não ter sido precedido, conforme é de lei, de procedimento disciplinar.

V. Nesta conformidade e atenta a conclusão retirada pelo Tribunal da Relação, terá o recorrente direito a uma indemnização por antiguidade no valor de € 10.000,00 (cfr. pág. 35 do douto Acórdão), acrescido da quantia de € 56.000,00 relativa a retribuições que deixou de auferir, ainda de € 19.299,52 em virtude de créditos salariais emergentes de contrato de trabalho e ainda de € 6.499,97 relativos a demais créditos salariais.

VI. Embora o Tribunal de quem se recorre admita tais quantias, entende que, no que respeita à antiguidade, o recorrente se limitou a pedir a quantia de € 6.000,00, pelo que o tribunal ad quem não poderia condenar em quantia superior, considerando o princípio do dispositivo e o vertido no art. 661.º n.º 1 do CPC.

VII. Utilizando a mesma argumentação jurídico-factual relativamente às demais quantias a que o recorrente terá (teria) direito.

VIII. Revogando assim a douta sentença do Tribunal de primeira instância e condenando o recorrido Hospital de São João ao pagamento, ao recorrente, da quantia de € 33.299,50.

IX. Sempre salvo o devido respeito, aqui residirá o busílis da questão, dada a errada interpretação pelo Tribunal da Relação do Porto no que tange ao princípio do dispositivo e ao disposto no art. 661.º n.º 1 do CPC.

X. Embora se concorde que não estamos em face de uma situação em que possamos recorrer ao instituto da condenação extra vel ultra petitum, dada a extinção da relação laboral e consequente cessação da natureza indisponível dos créditos laborais.

XI. Só que, paralelamente a esse princípio, encontramos no nosso ordenamento jurídico o princípio da substanciação que, em síntese, nos refere que não bastará a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, mas sim a necessidade imperiosa da indicação especificada do facto constitutivo desse direito (assim, cfr. Prof. A. Reis - Código do Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição, página 356; Prof. Manuel de Andrade - Noções Elementares de Processo Civil, página 297; Prof. Castro Mendes - Manual do Processo Civil, 1963, página 299).

XII. Mas isto não poderá significar que o resultado da acção, em que a causa de pedir assenta no pressuposto da celebração de um contrato de trabalho válido, fique sem suporte quanto ao alicerce em que se baseou (justamente a validade do negócio).

XIII. Isto é, se a pretensão do Autor se basear em contrato não válido, tiraremos a conclusão imediata da insuficiência da causa de pedir, com as consequências jurídicas daí advenientes?

XIV. Ou, ao invés, atentando na possível reconversão dessa causa de pedir - e que passaria a assentar na nulidade do negócio jurídico - tornar-se-ia perfeitamente viável solucionar o pleito, desde logo pelo entendimento de que “o regime dos efeitos do despedimento ilícito é aplicável, com as devidas adaptações, se estiver em causa um despedimento também ilícito, emergente de contrato inválido, ocorrido antes da declaração de nulidade”?

XV. Pensamos, s.m.o., que não deverá haver outro entendimento senão este último.

XVI. Alicerçamos este pensamento seguindo o ensinamento do Professor Doutor Vaz Serra, exposto na RLJ n.º 109, pág.308: a conversão da causa de pedir (inicialmente na pressuposição de contrato válido) bem pode fazer-se ao abrigo do artigo 293.º do Código Civil, pelo menos, em causa assente na nulidade do negócio (como foi decretada jurisdicionalmente), já que razoável é pensar que esta última seria invocada pelo peticionaste se houvesse previsto a nulidade do contrato em cuja pretensa validade se escudara para demandar.

XVII. Com este, vemos que não existe qualquer agravamento na posição do demandado, uma vez que sempre ele seria obrigado a prestar o que lhe é pedido, independentemente de ser considerado válido ou nulo o negócio jurídico subjacente.

XVIII. E mais. Evitava-se assim o ónus do peticionante em distribuir nova acção judicial - destarte com fundamento na invalidade (nulidade) do negócio - cujos efeitos seriam os mesmos.

XIX. Cumprindo-se assim com o princípio da economia processual.

XX. Ainda segundo o Professor Doutor Vaz Serra (ob. cit) “o contrato nulo [ao contrário do expendido no acórdão fundamento], não é um nada jurídico, mas algo de existente [embora de errada perfeição, diremos nós] já que tal realidade existencial é revelada pelo instituto da conversão a que respeita o artigo 293.º do Código Civil”.

XXI. Como refere o Professor Doutor Eduardo Correia – Separata da Revista da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXIX, “requisito de conversão é antes que a vontade hipotética se conclua da finalidade jurídico-económica, ou de outra espécie efectivamente tida em vista pelas partes”.

XXII. Ora, tal (tais) entendimentos não contrariam o vertido no art.º 661.º n.º 1 do CPC, já que o que verdadeiramente se pretende é o mesmo, ou seja, direitos indemnizatórios, independentemente da validade do negócio (aliás, o próprio STJ já se referiu à questão, no seu douto Ac. de 28 de Março de 1995, in www.dgsi.pt).

XXIII. Em síntese, nada obstaculiza a que o Tribunal retire as ilações da nulidade declarada e da mesma extraia as inevitáveis consequências jurídicas que se repercutirão na esfera jurídica de Autor e Réu.

XXIV. Mas os limites condenatórios insertos no art. 661.º n.º 1 do CPC referem-se ao pedido global e não às parcelas explicativas desse pedido, isto é, àquelas parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo.

XXV. Daí que só estaremos face a uma violação deste princípio quando o pedido global exceda o pedido total formulado e não também quando alguma das parcelas exceda o pedido parcial deduzido (a este propósito, cfr. Acórdão STJ de 01.07.00, Sumários de Acórdãos Danos Futuros 2002, Out 2006, que refere expressamente que “a fixação dos danos parcelares em quantia superior à valorada pelos autores na petição inicial não infringe o disposto no art.º 661.º do C. P. Civil, quando a sentença não condena em valor superior ao do pedido global de indemnização”).

XXVI. Assim, o que é fundamental e relevante para que se identifique a questão jurídica submetida aos tribunais é o pedido indemnizatório global, sendo que os pedidos parcelares serão apenas e tão-só simples fundamentos daquela pretensão.

XXVII. Quando, então, se coloca a questão relativa à validade do negócio, o Tribunal ad quem, que não está sujeito aos argumentos apresentados pelas partes, pode perfeitamente atender a mesma pretensão, eventualmente apresentando outra motivação que não aquela apresentada pelo recorrente.

XXVIII. Então, levando em consideração o peticionado pelo Autor, ora recorrente, na eventualidade de a acção ser considerada procedente, de que o Autor fosse condenado “a) a pagar ao Autor a quantia global de 157.760,13 Euros (cento e cinquenta e sete mil, setecentos e sessenta euros e treze cêntimos)”, muito embora discriminasse que era “resultante de trabalho efectivamente realizado, férias/feriados e subsídios legalmente previstos, num total de € 119.760,13; danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da obrigação de indemnizar em virtude da nulidade do despedimento que deve também ser declarada pelo tribunal, num total de € 38.000,00, sendo-lhe reconhecido pelo douto acórdão, ainda que por via da nulidade do contrato, o direito a uma indemnização global no valor de: indemnização por antiguidade € 10.000,00 [€ 2.000 x 5] (pág. 35 do douto Acórdão da Relação), acrescido das retribuições que deixou de auferir [28 meses e não 58, como por lapso se escreveu x € 2.000] ou seja € 56.000 (pág. 36 do mesmo Acórdão), ainda de créditos salariais emergentes do contrato € 19.299,52 (pág. 39 do Acórdão) e demais créditos salariais no valor de € 6.499,97 [1.333,33 + 166,65 + 4.000,00 + 999,99], tudo num total de 91.799,49 Euros.

XXIX. Nunca por nunca poderia haver qualquer violação do princípio do dispositivo e do vertido no art. 661.º n.º 1 do CPC, se o Tribunal da Relação condenasse o Hospital de São João no pagamento, ao ora recorrente, daquela quantia de € 91.799,49, porque justamente o seu valor é inferior ao valor do pedido global.

XXX. É pacificamente aceite que os limites da condenação são referidos ao pedido global e não às parcelas em que se compõe esse pedido (em que se desdobra esse cálculo) - assim, cfr., a título meramente exemplificativo, Acórdãos STJ de 15-6-1993, BMJ 428-530 e de 6-4-1995, rev. 86.649.

XXXI. E ainda o Ac. STJ de 18 de Novembro de 1975 (BMJ, 251.º, 107), em que se expressa que os limites da condenação contidos no art. 661.º do CPC se referem ao pedido global e não às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo.

XXXII. Mas existe ainda mais jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o afirma peremptoriamente, isto é, que afirma que para avaliar se a condenação ultrapassa ou não o montante pedido deve atender-se ao montante global que a parte pediu e não apenas aos valores ou montantes parcelares pedidos relacionados com cada dano (cfr., por todos, Ac. do STJ de 28/2/1980, in “BMJ 294-283”; Ac. do STJ de 11/6/1980 in “BMJ 298 - 238”; Ac. do STJ de 15/6/89, in “AJ, 0/89, pág. 13” e Ac. do STJ de 15/6/93 in “BMJ 428 - 530”, Ac. STJ de 28-03-2006, in www.dgsi.pt, referência SJ2006032800040 76.

XXXIII. Daqui se conclui que só existirá uma violação deste princípio quando o pedido global exceda o pedido total formulado e não também quando alguma das parcelas exceda o pedido parcial deduzido.

XXXIV. Devendo assim ser revogado o douto Acórdão da Relação do Porto e fixada a quantia de € 91.799,49 como quantia a ser paga pelo Hospital de São João, E.P.E. a título indemnizatório ao aqui recorrente.»

Só o Réu apresentou contra-alegação, propugnando a improcedência do recurso do Autor.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer — a que as partes não responderam — no sentido de serem negadas ambas as revistas.

5. Atentas as conclusões das respectivas alegações, são as seguintes as questões que se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal:

— Saber se a relação jurídica que vigorou entre as partes configura, ou não, um contrato de trabalho (revista do Réu);

— Saber, em caso de resposta afirmativa à anterior questão, se o acórdão recorrido violou, por errada interpretação, o disposto no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao limitar a condenação relativa à indemnização por despedimento ilícito, aos salários intercalares e aos créditos emergentes da execução do contrato aos montantes discriminados na petição inicial, desse modo, desconsiderando o valor total peticionado (revista do Autor).

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. O Tribunal da Relação fixou os factos materiais da causa nos seguintes termos:

«a) - O A. foi contratado pelo R., em 29 de Novembro de 2004, através do contrato designado “contrato de prestação de serviços”, junto 35 a 38, o qual tem o seguinte teor:

«CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Regime de Avença

Aos 29 dias do mês de Novembro do ano de 2004, celebram o presente contrato de prestação de serviços, em regime de avença nos termos do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho, no valor estimado de 24.000 (vinte e quatro mil) euros,

Como Primeiro Outorgante, HOSPITAL de SÃO JOÃO, representado pelo seu Administrador Executivo, Dr. BB, na sequência de deliberação tomada pelo Conselho de Administração em 17 de Novembro de 2004.

Como Segundo Outorgante Major AA, portador do Bilhete de Identidade n.º ..., emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, Major de Infantaria da GNR., residente na Rua de O..., n.º ..., 4465-222 S. Mamede Infesta.

CLÁUSULA PRIMEIRA
(OBJECTO do CONTRATO)

1- O presente contrato tem por objecto prestações sucessivas de serviços especializados na auditoria, proposta de organização, implementação e supervisão de todos os recursos técnicos e humanos adstritos à segurança activa e passiva do Hospital de São João, de acordo com cronograma a negociar e fixar entre as partes.

2- A prestação de serviços ocorrerá em regime de horário livre, de acordo com as exigências do Primeiro Outorgante, por forma a assegurar todas as necessidades do Hospital de São João naquela área de actividade.

CLÁUSULA SEGUNDA
(VÍNCULO HIERÁRQUICO)

O Segundo Outorgante presta funções sem subordinação hierárquica, embora de acordo com as directivas gerais que receber da Administração do Hospital de São João, através da Direcção de Serviço de Administração Geral.

CLÁUSULA TERCEIRA
(REMUNERAÇÃO MENSAL)

O Segundo Outorgante tem direito a auferir uma remuneração mensal fixa de 2 000 (dois mil) euros.

CLÁUSULA QUARTA
(VALIDADE e DENÚNCIA)

1- O presente contrato é válido pelo período de 12 (doze) meses, a contar de 01 Dezembro de 2004, com possibilidade de renovação por igual período, por acordo entre as partes.

2 - O presente contrato pode ser denunciado por qualquer uma das partes mediante comunicação prévia, com um mínimo de 60 (sessenta) dias de antecedência.

CLÁUSULA QUINTA
(LOCAL de TRABALHO)

Os serviços objecto deste contrato serão prestados pelo Segundo Outorgante, nas instalações do Primeiro Outorgante ou em qualquer outro local por este indicado, sempre que para tal for solicitado.

CLÁUSULA SEXTA
(SIGILO PROFISSIONAL)

O Segundo Outorgante obriga-se a manter absoluto sigilo de toda a informação e documentação a que tiver acesso na prestação dos serviços que realizar para o Primeiro Outorgante.

CLÁUSULA SÉTIMA
(MEIOS TÉCNICOS)

O Primeiro Outorgante disponibilizará ao Segundo Outorgante os meios técnicos necessários para a adequada execução dos serviços contratados.

CLÁUSULA NONA
(RESCISÃO)

O incumprimento, por uma das partes, dos deveres resultantes do presente contrato confere, nos termos gerais do direito, à outra parte o direito de rescindir o contrato, sem prejuízo das correspondentes indemnizações legais.

Não é devido Imposto de Selo, por não ser aplicável o artigo 61.º da Tabela Geral do Imposto do Selo.

O presente contrato é feito em duplicado, destinando-se um exemplar a cada Outorgante, sendo constituído por 4 folhas todas rubricadas pelos referidos Outorgantes, com excepção da última que por todos vai assinada.

O PRIMEIRO OUTORGANTE
O SEGUNDO OUTORGANTE»

b) - Contrato este que seria renovado por acordo das partes, nos termos da sua cláusula quarta, n.º 1.

c) - O R., através do Exmo. Administrador do Serviço de Administração Geral, Dr. CC, emitiu em 2 de Setembro de 2005 o Parecer, junto aos autos a fls. 39 e 40, [o] qual aqui se dá por reproduzido e o qual termina referindo ser de parecer «que é absolutamente imprescindível a renovação do contrato de avença com o Major AA».

d) - Embora, pela letra do contrato, o A. tivesse sido contratado para exercer as funções correspondentes a serviços especializados de auditoria, proposta de organização, implementação e supervisão de todos os recursos técnicos e humanos adstritos à segurança activa e passiva do Hospital de São João (…) - cf. cláusula primeira do contrato -,

e) - As funções que efectivamente o A. desenvolvia eram as seguintes:

organizava e controlava os chaveiros à responsabilidade do Serviço; elaborava propostas, pareceres e informações; controlava todo o expediente referente aos Parques, de acordo com as directrizes recebidas pelo (s) seu(s) superior(es) hierárquico(s); emitia cartões de identificação, quando autorizado pela hierarquia; controlava a emissão de cartões de visitantes e elaborava a respectiva contabilidade; pronunciava-se sobre as reclamações dos utentes; elaborava escalas de serviço; mantinha actualizados os mapas de assiduidade, permutas de trabalhadores, faltas, aferição de horas, feriados e tolerâncias de ponto; elaborava o plano de férias; representava em Juízo a sua entidade empregadora, quando para isso solicitado pela hierarquia; fiscalizava a actividade da empresa de segurança contratada pelo R.; conferia facturas da actividade desenvolvida pela Polícia de Segurança Pública e pela empresa de segurança contratada pelo R.; estabelecia a ligação com os órgãos de polícia criminal; acorria aos locais onde ocorresse qualquer ilícito civil, penal ou contra-ordenacional e finalmente comandava e chefiava o Serviço de Controlo (composto por sessenta trabalhadores).

f) - Não obstante o n.º 2 da cláusula 1.ª do contrato, o horário de trabalho do A. era o seguinte: entrada às 9 h e saída às 19 h, 7 dias por semana [redacção do Tribunal da Relação].

g) - Para além deste horário de serviço efectivo, o R. exigia que o A. estivesse disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, para o que lhe forneceu um telemóvel como instrumento de trabalho que nunca poderia desligar.

h) - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

i) - O A. recebeu, em 7 de Dezembro de 2005, uma comunicação do R., datada de 30.11.2005, com o seguinte teor: “Não autorizada a renovação do contrato de avença, tendo em conta as restrições legais [redacção do Tribunal da Relação].

j) - Em 2 de Setembro de 2005, o Administrador do Serviço de Administração Geral, Dr. CC, em carta dirigida à Direcção do Serviço de Recursos Humanos da R. e que se junta sob o doc. n.º 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, referiu expressamente que o A. constituía uma peça imprescindível à manutenção do actual esquema de controlo e segurança existente no Hospital de S. João, e sem o qual a direcção desta área [Sector de Controlo] ficará seriamente comprometida, com consequências imprevisíveis de antever [redacção do Tribunal da Relação].

k) - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

l) - Por decisão de 25 de Janeiro de 2006, o Conselho de Administração do R. autorizou a manutenção em funções do Autor até 28.02.2006, na sequência de uma proposta do Administrador do Serviço de Administração Geral, CC, datada de 23.01.2006, onde era referido que o êxito da implementação de um novo esquema de controlo de acesso de delegados de informação médica dependeria do A., dada a sua imprescindibilidade na coordenação e apoio entre os elementos da segurança e o controlo, tendo o A. exercido normalmente as suas funções, de forma continuada, até àquela data [redacção do Tribunal da Relação].

m) - A Ré, em 02.03.2006, emitiu uma declaração em que se refere expressamente que o A. exerceu (...) as funções de coordenação e chefia do Sector de Controlo e Segurança do Hospital de S. João com notório sentido de responsabilidade e proficiência e elevada discrição e lealdade – cf. doc. n.º 3, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos [redacção do Tribunal da Relação].

n) - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

o) - O A. requereu à Exma. Administração da R. que revogasse a decisão unilateral de não renovação do contrato, conforme se alcança pelo doc. n.º 6, que se dá por integralmente reproduzido.

p) - Até hoje espera o A. resposta a esse requerimento.

q) - Dá-se por reproduzido o conteúdo do documento junto aos autos a fls. 47, o qual é constituído por uma comunicação do Director do Serviço de Psiquiatria ao Administrador dos Serviços da Administração Geral, Dr. CC, o qual contém manuscrito no canto superior direito um despacho, datado de 24 de Janeiro de 2006, com o seguinte teor:

«Ao major AA:
1. para analisar e informar-se
2. Apontar 1 solução que possa ir ao encontro do serviço»

e contém na parte inferior a informação datada de 26 de Janeiro de 2006, que se dá igualmente por reproduzida.

r) - Dá-se por reproduzido o conteúdo do documento junto aos autos a fls. 48, dirigido ao mesmo Dr. CC, o qual contém manuscrito um despacho, datado de 24 de Janeiro de 2006, dirigido ao major AA, com o seguinte teor: «Solicito a intervenção de VE na resolução desta situação, e informação das medidas adoptadas» e contém informação manuscrita datada de 26 de Janeiro de 2006.

s) - Dá-se por reproduzido o conteúdo dos documentos juntos os autos por fotocópias a fls. 49 a 182, a maioria dos quais se encontram elaborados em papel timbrado e com o logótipo do Hospital de S. João e se mostram assinados na parte final pelo Autor como “O SUPERVISOR DE SEGURANÇA”, versam os mais diversos assuntos e apresentam a parte lateral direita um rectângulo com o título “DESPACHO” e contém um despacho manuscrito com um carimbo e assinatura do Dr. CC.

t) - Alguns dos documentos referidos na alínea anterior referem conter em anexo: “mapas” ou “relatórios” e ainda informações do Autor solicitadas nos despachos referidos do Dr. CC.

u) - Dá-se por reproduzido o conteúdo do documento junto aos autos por fotocópia a fls. 228, o qual contém o logótipo do Hospital de S. João e tem o seguinte teor:

«Comunicação interna n.º 203/05
Exmo(a)
Funcionário do Controlo
DD
Assunto: Mobilidade de Pessoal
Serve a presente para informar V. Ex.ª que por deliberação do Conselho de Administração, n.º 3/05, o Chefe de Secção EE, a partir de 29 de Março de 2005, deixa de exercer, neste serviço, as funções de Chefe de Serviço de Controlo.
Deste modo as referidas funções passarão a ser assumidas pelo Major AA, que actuará sob a orientação do Administrador do Serviço de Administração Geral e a quem reporta funcional e hierarquicamente.
Hospital de S. João, Porto, 29 de Março de 2005
Com os melhores cumprimentos
O Administrador do Serviço de Administração Geral
CC»

v) - Dá-se por reproduzido o conteúdo do documento junto aos autos por fotocópia a fls. 229, documento esse intitulado «Organograma do Serviço de Controlo e Segurança» e que ostenta o nome do Autor a seguir à designação de «Supervisor do Serviço de Segurança e Controlo» e contém na parte inferior esquerda um quadrado com os dizeres: «Este organograma será alterado sempre que ocorram mudanças de pessoal ou organizativas. Data: 6 de Abril de 2005» e no canto inferior direito um outro rectângulo com os dizeres «Aprovado em 9/5/2005» uma assinatura ilegível e um carimbo de «CC».

x - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

z) - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

aa) - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

bb) - Durante todo o período de vigência do contrato o Autor trabalhou 70 horas por semana.

cc) - Sem um único dia de descanso obrigatório, um único dia de descanso compensatório ou um único dia de férias.

dd) - De 1 de Dezembro de 2004 a 1 de Dezembro de 2005, o A. trabalhou um total de 3650 horas (365 x 10 horas) - [redacção do Tribunal da Relação].

ee) - [Eliminado pelo Tribunal da Relação].

ff) - O contrato referido não cessou no dia 1 de Dezembro de 2005, tendo-se mantido a sua execução até ao dia 28 de Fevereiro de 2006, com o mesmo horário.

gg) - Desde o dia 1 de Dezembro de 2005 (feriado obrigatório em que o A. exerceu funções) até ao dia 28 de Fevereiro de 2006, o A. trabalhou 90 dias efectivos e consecutivos.

hh) - Nesses 90 dias o A. trabalhou mais uma vez 10 horas diárias.

ii) - A partir do momento em que cessou o contrato, embora o Autor mantivesse sempre viva a esperança da sua reintegração no Hospital de S. João, o A. tem tido frequente perda de sono, de apetite(s) e alterações profundas de humor.

jj) - Tudo em razão da actuação da Ré que não lhe permitiu, durante 15 meses que tivesse tido qualquer dia de férias, fins de semana ou feriado que pudesse gozar.

kk) - A situação referida causou também um desequilíbrio na vida familiar do A.»

As partes não impugnam o acórdão revidendo, na parte em que fixou os factos materiais da causa e não ocorre qualquer das situações que, nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, autorizam o Supremo Tribunal a exercer censura sobre o que foi decidido quanto a esse aspecto, pelo que as questões acima enunciadas serão apreciadas com base na factualidade firmada pelo Tribunal da Relação.

2. A qualificação do contrato:

2. 1. Dado que o vínculo estabelecido pelas partes teve início em 1 de Dezembro de 2004 e cessou em 28 de Fevereiro de 2006, a disciplina legal aplicável é, tal como consideraram as instâncias — sem discordância das partes —, a do regime consignado no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, na sua primitiva versão, ou seja, sem as alterações nele introduzidas pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.

O artigo 10.º do referido Código define contrato de trabalho como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas», noção que não diverge, substancialmente, daquela que, por reprodução do texto do artigo 1152.º do Código Civil, foi plasmada no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.

«Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a prestar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» — reza o artigo 1154.º do Código Civil.

A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, nos termos que se indicaram, assenta, como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Fevereiro de 2005 (Documento n.º SJ200502230022684, em www.dgsi.pt), em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

Nem sempre, através do critério do objecto do contrato, surge, com nitidez, a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho (artigo 1152.º do Código Civil), ou se a obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do Código Civil), pois que todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.

Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia — que permite atingir aquela distinção.

Tratando-se, em qualquer caso, de um negócio consensual, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade — ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa — e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito da relação jurídica emergente do acordo negocial.

A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.

A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica, única via a percorrer, na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da actividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais.

A subordinação “traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade” e “pode comportar diversos graus, não sendo incompatível com a verificação de alguma margem de autonomia do trabalhador, quer no que se refere à forma de produção do trabalho, quer à sua orientação, desde que não colida com os fins últimos prosseguidos pelo empregador” – Acórdão deste Supremo Tribunal, de 21 de Março de 2001 (Processo n.º 3918/00 - 4.ª Secção), sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos.

A subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

As dificuldades na formulação do juízo qualificativo, através do critério do relacionamento entre as partes, acentuam-se perante situações que contêm elementos enquadráveis em diferentes figuras contratuais por se situarem em zonas de fronteira entre o contrato de trabalho e outras espécies de contratos, para cuja execução é necessária a prestação da actividade intelectual ou manual de alguém, sobretudo nos casos de maior autonomia técnica, em que é mais difícil clarificar os espaços de auto e heterodeterminação e, assim, descortinar qual o tipo de relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).

Torna-se, assim, necessário, para alcançar a identificação da relação laboral, proceder à análise da conduta dos contraentes na execução do contrato, recolhendo do circunstancialismo que o envolveu indícios que reproduzem elementos do modelo típico do trabalho subordinado ou de outro (v. g. da prestação de serviço), por modo a poder-se concluir, ou não, pela coexistência no caso concreto dos elementos definidores do contrato de trabalho.

De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Desviando-se desta regra, dispõe o artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na sua primitiva redacção, aqui aplicável:

«Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

a) O prestador do trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;

b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;

c) O prestador do trabalho seja retribuído em função do tempo despedindo na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;

d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;

e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a noventa dias».

Consigna este preceito cinco requisitos, correspondentes a indícios a que é usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação cumulativa tem como efeito o estabelecimento de um presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil).

Em tal caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).

Postas estas considerações de carácter genérico, coincidentes, no essencial, com as que foram explanadas tanto na sentença da 1.ª instância como no acórdão recorrido, representando, em substância, o fruto do labor doutrinário e jurisprudencial sobre o problema, regressemos ao caso que nos ocupa.

2. 2. As instâncias divergiram quanto à qualificação do contrato.

A sentença considerou que o Autor não logrou fazer prova de indícios bastantes de subordinação jurídica no desenvolvimento do vínculo contratual e, relevando os termos em que as partes expressaram a vontade no escrito em que o contrato se formalizou, concluiu tratar-se de um contrato de prestação de serviço.

O acórdão, por sua vez, considerando que da factualidade apurada «resulta, com clareza, que o recorrente exercia as suas funções de responsável pelo sector de controlo e segurança do Hospital de S. João, cumprindo um horário, que lhe exigia a sua integral disponibilidade, prestando a sua actividade nas instalações do Hospital, com instrumentos fornecidos por este, não só integrado na organização e estrutura da instituição, como sob as sua ordens e direcção, já que observava e acatava as instruções e recomendações do director da Administração Geral da Ré, e pela prestação do seu trabalho, o autor auferia uma retribuição mensal fixa», concluiu que «a apreciação global dos indícios que emergem da relação contratual em apreço conduz à conclusão de que a mesma se caracteriza como contrato de trabalho subordinado».

O Réu sustenta a sua discordância relativamente ao decidido pelo Tribunal da Relação, essencialmente, na avaliação que dos indícios apurados foi feita pela sentença da 1.ª instância, cujos passos reproduziu na alegação da revista.

2. 3. Os factos que importa ponderar são os seguintes:

O Autor foi contratado pelo Réu, em 29 de Novembro de 2004, através do contrato designado “contrato de prestação de serviços”, auferindo a retribuição mensal fixa de € 2.000;

As funções que efectivamente o Autor desenvolvia eram as seguintes:

organizava e controlava os chaveiros à responsabilidade do Serviço; elaborava propostas, pareceres e informações; controlava todo o expediente referente aos Parques, de acordo com as directrizes recebidas pelo(s) seu(s) superior(es) hierárquico(s); emitia cartões de identificação, quando autorizado pela hierarquia; controlava a emissão de cartões de visitantes e elaborava a respectiva contabilidade; pronunciava-se sobre as reclamações dos utentes; elaborava escalas de serviço; mantinha actualizados os mapas de assiduidade, permutas de trabalhadores, faltas, aferição de horas, feriados e tolerâncias de ponto; elaborava o plano de férias; representava em Juízo a sua entidade empregadora, quando para isso solicitado pela hierarquia; fiscalizava a actividade da empresa de segurança contratada pelo Réu; conferia facturas da actividade desenvolvida pela Polícia de Segurança Pública e pela empresa de segurança contratada pelo Réu; estabelecia a ligação com os órgãos de polícia criminal; acorria aos locais onde ocorresse qualquer ilícito civil, penal ou contra-ordenacional e finalmente comandava e chefiava o Serviço de Controlo (composto por sessenta trabalhadores);

— O horário de trabalho do A. era o seguinte: entrada às 9 h e saída às 19 h, 7 dias por semana, e, para além deste horário, o Réu exigia que o Autor estivesse disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, para o que lhe forneceu um telemóvel como instrumento de trabalho que nunca poderia desligar;

— O Autor actuava sob a orientação do Administrador do Serviço de Administração Geral do Réu, a quem reportava funcional e hierarquicamente;

— O local de trabalho do Autor era nas instalações do Réu ou noutros locais por este determinados;

— Durante todo o período de vigência do contrato o Autor trabalhou 70 horas por semana, sem um único dia de descanso obrigatório, um único dia de descanso compensatório ou um único dia de férias;

— De 1 de Dezembro de 2004 a 1 de Dezembro de 2005, o A. trabalhou um total de 3650 horas (365 x 10 horas);

— Em 2 de Setembro de 2005, o Administrador do Serviço de Administração Geral, Dr. CC, em carta dirigida à Direcção do Serviço de Recursos Humanos da Réu referiu expressamente que o Autor constituía uma peça imprescindível à manutenção do esquema de controlo e segurança existente no Hospital de S. João, e sem o qual a direcção desta área [Sector de Controlo] ficaria seriamente comprometida, com consequências imprevisíveis de antever;

— O Autor recebeu, em 7 de Dezembro de 2005, uma comunicação do Réu, datada de 30 de Novembro de 2005, com o seguinte teor: «Não autorizada a renovação do contrato de avença, tendo em conta as restrições legais»;

— O contrato referido não cessou no dia 1 de Dezembro de 2005, tendo-se mantido a sua execução até ao dia 28 de Fevereiro de 2006, com o mesmo horário;

— Desde o dia 1 de Dezembro de 2005 (feriado obrigatório em que o Autor exerceu funções) até ao dia 28 de Fevereiro de 2006, o Autor trabalhou 90 dias efectivos e consecutivos;

— Nesses 90 dias o A. trabalhou mais uma vez 10 horas diárias;

— Por decisão de 25 de Janeiro de 2006, o Conselho de Administração do Réu autorizou a manutenção em funções do Autor até 28 de Fevereiro de 2006, na sequência de uma proposta do Administrador do Serviço de Administração Geral, CC, datada de 23 de Janeiro de 2006, onde era referido que o êxito da implementação de um novo esquema de controlo de acesso de delegados de informação médica dependeria do Autor, dada a sua imprescindibilidade na coordenação e apoio entre os elementos da segurança e o controlo, tendo o Autor exercido normalmente as suas funções, de forma continuada, até àquela data.

Perante este acervo factual, não pode deixar de considerar-se, como bem refere a Exma. Magistrada do Ministério Público no seu proficiente parecer, que o Autor prestou a sua actividade, cumprindo um horário determinado pelo Réu, nas instalações deste, com instrumentos fornecidos pelo Réu, sendo remunerado em função do tempo despendido, durante mais de 90 dias, ininterruptamente.

Tem, outrossim, de concluir-se que o Autor se encontrava inserido na estrutura organizativa do Réu e realizava a sua prestação sob as orientações deste, pois demonstrou-se que reportava funcional e hierarquicamente ao Administrador do Serviço de Administração Geral do Réu, integrando o Organograma do Serviço de Segurança e Controlo, como Supervisor do Serviço de Segurança e Controlo, e, no exercício das suas funções, observava e acatava as instruções e orientações do referido Administrador.

Mostram-se, por conseguinte, verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003.

O Réu não demonstrou qualquer facto com virtualidade para, de algum modo, ilidir a presunção legal de subordinação jurídica inerente à verificação cumulativa daqueles requisitos, sendo, para o efeito, irrelevantes o nome que as partes deram ao contrato (“prestação de serviços”/“avença”) e as referências feitas no escrito que o formalizou ao “horário livre”, à prestação de funções “sem subordinação hierárquica”, que, na execução do mesmo, vieram a ser contrariadas.

Também não pode atribuir-se ao facto de o Autor nunca ter gozado férias, não ter auferido o respectivo subsídio, nem o subsídio de Natal, o efeito de destruir a referida presunção, no apurado contexto de execução do contrato, que durou pouco mais de um ano, pois, ainda que o Autor se tivesse conformado, com a preterição daqueles efeitos típicos da relação de trabalho subordinado, de produção imperativa e prefixada por lei, essa preterição não tem virtualidade para conferir à relação jurídica desejada, e efectivamente actuada, natureza diferente da do contrato de trabalho (cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 138).

Nesta conformidade, é de concluir, como concluiu o Tribunal da Relação que o contrato celebrado entre o Autor e o Réu tem de ser qualificado como contrato de trabalho subordinado.

Improcede, por isso, a revista do Réu, cujo inconformismo se reporta, exclusivamente, à caracterização do contrato, sem pôr em causa os efeitos que da qualificação conferida pelo tribunal recorrido foram extraídos, no plano dos direitos reconhecidos ao Autor.

3. Dos limites da condenação:

3. 1. O Autor concluiu a petição inicial, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia global de € 157.760,13, «resultante de: - trabalho efectivamente realizado, férias/feriados e subsídios legalmente previstos, num total de € 119.70,13; - danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da obrigação de indemnizar em virtude da nulidade do despedimento [...], num total de € 38.000,00».

Tais valores apresentam-se discriminados no corpo do referido articulado, como segue:

— Trabalho suplementar prestado «no primeiro ano de vigência do contrato» - € 96.504,98;

— Subsídio de férias vencido no dia 1 de Janeiro de 2005 - € 2.000,00;

— Proporcional de subsídio de Natal «vencido nessa data» - € 166,65;

— Subsídios de férias e de Natal, «vencidos no dia 1 de Janeiro de 2006» - € 4.000,00;

— Proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal «relativos ao ano de 2006» - € 500,00;

— Trabalho prestado em dois feriados obrigatórios e em 18 dias de descanso obrigatório, no período de 1 de Dezembro de 2005 a 28 de Fevereiro de 2006 - € 11.540,00;

— Trabalho suplementar prestado no mesmo período - € 5.049,10;

— Indemnização de antiguidade «correspondente a um valor entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano, [...] que não poderá ser inferior a três meses», nos termos do artigo 439.º, n.os 1 e 3, do Código do Trabalho - € 6.000,00;

— Indemnização por danos não patrimoniais - € 30.000,00;

— Compensação prevista no artigo 437.º, n.os 1 e 4 do Código do Trabalho - € 2.000,00.

O acórdão recorrido apreciou os efeitos da cessação unilateral do contrato por parte do Réu, à luz do disposto nos artigos 429.º, 436.º, n.º 1, alínea a), 437.º e 439.º, n.os 1, 2 e 3, do Código do Trabalho, e 496.º do Código Civil.

Considerou, relativamente à indemnização de antiguidade que o Autor teria direito, nos termos do artigo 439.º, n.os 1, 2, do Código do Trabalho, a uma indemnização computada, até à data do acórdão, em € 10.000,00, calculada em função do valor de 30 dias de retribuição base (€ 2.000,00) e de 5 anos de antiguidade, que tanto era o tempo decorrido desde a sua admissão até àquela data. Todavia, observou que, na petição, o Autor limitou o seu pedido ao valor mínimo previsto no n.º 3 do artigo 439.º — € 6.000,00, correspondendo a 3 meses de retribuição base —, pelo que, considerando o princípio do dispositivo e o preceituado no n.º 1 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, o tribunal não podia condenar em valor superior.

No que concerne à compensação prevista no artigo 437.º do mesmo Código, o acórdão considerou que o Autor teria direito a receber a importância de € 56.000,00, correspondente a 58 meses que haviam decorrido, desde os 30 dias anteriores à data da propositura da acção até ao momento da decisão do recurso, mas, porque apenas peticionou, a esse título, o pagamento de € 2.000,00, face ao aludido princípio do dispositivo e ao antedito artigo do Código de Processo Civil, não podia o tribunal condenar em valor superior.

Os mesmos princípio e disposição legal foram invocados pelo Tribunal da Relação para, tendo embora considerado que o Autor teria direito a receber a importância de € 999,99, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, limitar a condenação ao valor de € 500,00, por ter sido o valor, a esse título, pedido pelo demandante.

No que diz respeito às remunerações correspondentes a trabalho suplementar (prestado em fins-de-semana, feriados, férias, e fora do horário normal de trabalho) o acórdão impugnado condenou o Réu no pagamento da importância de € 19.299,52, sendo que o Autor havia, a esse título, pedido a quantia global de € 113.094,08.

Importa, ainda, referir que o acórdão em exame julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

3. 2. Na revista, o Autor discorda da decisão recorrida no ponto que esta considerou que, no respeito pelo princípio do dispositivo e pela regra do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a condenação atinente à indemnização de antiguidade, aos salários de tramitação e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, correspondentes ao trabalho prestado no ano de 2006, não podia exceder os valores reclamados pelo Autor na petição inicial, respectivamente, € 6.000,00, € 2.000,00 e € 500,00.

Sustenta, em síntese, que os limites condenatórios inscritos no referido preceito do Código de Processo Civil referem-se ao pedido global e não às parcelas explicativas desse pedido que, como pedidos parcelares, são apenas simples fundamentos daquele, e que quando se coloca a questão da nulidade do negócio, o tribunal não está sujeito aos argumentos apresentados pelas partes, podendo atender a pretensão, eventualmente com base noutra motivação diferente da apresentada.

E conclui que só existirá violação do princípio consignado no citado artigo 661.º, n.º 1, quando a condenação exceda o pedido global formulado, e não quando a condenação relativa a alguma das parcelas exceda o pedido parcial deduzido, devendo, em tal perspectiva, no caso presente, ser fixada em € 91.799,49 a quantia a ser paga pelo Réu, a título indemnizatório.

3. 3. Importa, antes de mais, observar que o tribunal recorrido não deixou, pelo facto de, oficiosamente, ter declarado a nulidade do contrato, de apreciar todas as pretensões do Autor formuladas no pressuposto da validade do contrato, encarando as questões suscitadas na acção na perspectiva de que, embora «declarado nulo ou anulado, o contrato produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução como se o contrato fosse válido» (artigo 115.º, n.º 1, do Código do Trabalho) e, bem assim, de que «aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas de cessação do contrato» (artigo 116.º, n.º 1, do Código do Trabalho).

Em tal perspectiva, o acórdão revidendo conheceu dos direitos invocados pelo Autor, quer os derivados da execução do contrato quer os emergentes da cessação do mesmo, não atribuindo à declaração de nulidade o efeito de tornar insuficiente a causa de pedir e desse modo obstar ao deferimento das pretensões deduzidas ou de tornar insuficiente a causa de pedir.

Assim, não se compreendem, enquanto crítica dirigida ao acórdão da Relação, as considerações vertidas nas conclusões IX a XXIII, nas quais se invoca o artigo 293.º do Código Civil — segundo o qual «o negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade» —, para se defender que «nada obstaculiza a que o Tribunal retire as ilações da nulidade declarada e da mesma extraia as inevitáveis consequências jurídicas que se repercutirão na esfera jurídica de Autor e Réu».

É que, sublinha-se, o acórdão não teve a declaração de nulidade do contrato como obstáculo à produção de efeitos, nas vertentes que apreciou, como se de um contrato válido se tratasse, e não tinha que extrair daquela declaração outras consequências que não fossem as previstas nos artigos 115.º, n.º 1 e 116.º, n.º 1, do Código do Trabalho, preceitos que, afastando a aplicação ao contrato de trabalho da regra consignada no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil — segundo a qual «a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível em espécie, o valor correspondente» —, dispensam, em caso de declaração de nulidade ou anulação, a conversão da causa de pedir, o que se compreende pela impossibilidade de, dada a sua natureza, converter o contrato de trabalho em contrato de outro tipo ou conteúdo diferente, nos termos prevenidos no artigo 293.º do Código Civil.

3. 4. De acordo com o disposto no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir»; se o fizer, incorre na nulidade cominada no artigo 668.º, n.º 1, alínea e), do mesmo diploma.

Na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal, e normativamente estatuída, em função de uma causa de pedir.

Tomado o pedido neste sentido, é permitido formular-se numa acção, contra o mesmo réu, pedidos cumulados, alternativos, secundários ou acessórios, subsidiários, ainda que os fundamentos de um ou de vários sejam diferentes, e que um deles se fundamente em diversas causas de pedir, contanto que sejam susceptíveis de basear a respectiva pretensão — cfr. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 157 e segs..

O texto da norma do artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, interpretado a contrario sensu, e sem mais, permitiria concluir que o juiz poderia, sempre, independentemente dos fundamentos e natureza própria de cada um dos pedidos formulados na mesma acção, condenar em valor superior ao indicado para cada um deles, desde que o valor da condenação não excedesse o valor da acção.

Todavia, como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Fevereiro de 2005 (Documento n.º SJ200502230031644, em www.dgsi.pt), aquela norma deve ser interpretada em conjugação com os princípios do dispositivo e do contraditório, projectados no artigo 660.º, n.º 2, 2.ª parte, do mesmo Código, onde se dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe impuser o conhecimento oficioso de outras.

O princípio do dispositivo impede o juiz de se pronunciar sobre objecto processual distinto do proposto pelos litigantes, por só a eles competir defini-lo, enquanto que o princípio do contraditório impede o conhecimento de tudo aquilo que não tenha sido matéria de debate entre as partes (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra, 2002, pág. 35).

Ora, tendo presentes esses princípios e a noção legal de pedido a que acima se aludiu, é de concluir que o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, e na decisão que proferir sobre essas questões não pode ultrapassar, nem em qualidade, nem em quantidade os limites constantes do pedido formulado pelas partes, valendo a ressalva constante da primeira parte do artigo 661.º, n.º 1, no sentido de consentir ao juiz, havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido global, caso em que os limites de condenação se reportam ao pedido global e não a cada uma das várias parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos (Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, pág. 36).

Nesta linha de orientação se insere a jurisprudência deste Supremo Tribunal (a que o Autor alude na sua alegação), que, pacifica e reiteradamente, vem afirmando, em casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, sendo a causa de pedir um único facto ilícito, o limite quantitativo da condenação deve reportar-se ao valor total da indemnização pedida, e não ao valor pedido relativamente a cada uma das parcelas componentes da indemnização, as quais correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.

Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.

Já assim não será se o valor total resultar da soma do valor de pretensões, cumuladas na mesma acção, que traduzam efeitos jurídicos decorrentes de causas de pedir diferentes, pretensões entre si autónomas, na medida em que a procedência de qualquer delas depende da apreciação de fundamentos não coincidentes, traduzindo, pois, pedidos qualitativamente diferentes.

Importa salientar que a proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada no artigo 661.º, n.º 1, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor.

E não é despiciendo acrescentar que, traduzindo o pedido, no âmbito processual, a vontade real de quem pede, como seu factor de definição e limitação, a expressão dessa vontade condiciona o exercício do contraditório, induzindo a parte contra quem é deduzido a defender-se no campo definido pelo autor.

3. 5. No caso que nos ocupa, os montantes dos créditos peticionados a título de trabalho suplementar, férias, subsídios de férias e de Natal, e proporcionais, emergindo embora todos da execução do contrato, radicam, por força da lei, nas vertentes de previsão e estatuição, em fundamentos diferentes: a remuneração por trabalho suplementar radica na prestação de trabalho fora do período normal de trabalho (artigos 258.º e 259.º do Código do Trabalho); a retribuição de férias e o respectivo subsídio têm como fundamento a aquisição do direito a férias, por força da celebração do contrato, a concretizar quantitativamente em função do período de duração do contrato (artigos 212.º a 214.º, do Código do Trabalho); o valor do subsídio de Natal, sendo uma prestação cujo direito se adquire com a celebração do contrato, tem a sua definição quantitativa, também, dependente da duração do contrato (artigo 254.º do Código do Trabalho).

Estes créditos são dotados de inteira autonomia, entre si, não podendo dizer-se que os valores que a cada um respeitam integram, como parcelas, um direito de crédito unitário.

Deste modo, se o Autor pediu, no que concerne aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal reportados ao trabalho prestado no ano de 2006, menos do que aquilo a que tinha direito, não podia o tribunal proferir condenação em montante superior ao que pediu, valendo-se da circunstância de, por improcedência parcial de outro dos pedidos, uma tal condenação não exceder o valor global peticionado com relação aos créditos emergentes da vigência e execução do contrato.

Mais flagrante é a diferença entre a natureza desses créditos e a dos que emergem de um despedimento ilícito, pois que estes em nada se relacionam com a fonte daqueles (gerados na vigência e execução do contrato), antes se distinguem, claramente, pela sua origem (a cessação ilícita do contrato).

Os direitos que assistem ao trabalhador, em caso de despedimento ilícito, estão consignados nos artigos 436.º e segs. do Código do Trabalho, em cujo regime se acham distintamente regulados, quer quanto à sua natureza, quer quanto ao modo da sua concretização quantitativa.

Assim, a alínea a) do n.º 1 do artigo 436.º estabelece, genericamente, o direito do trabalhador a ser indemnizado por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelo despedimento declarado ilícito, e a subsequente alínea b) consigna, especificamente, o direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho.

Trata-se de normas inspiradas pelo princípio da reconstituição natural, segundo o qual quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562.º do Código Civil).

O direito à reintegração pode, por opção do trabalhador, ser substituído por uma indemnização que, devendo ser fixada pelo tribunal, em função da antiguidade, contando-se o tempo decorrido desde o início do contrato até ao trânsito da decisão judicial, e de um montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, não podendo, em caso algum, a indemnização ser inferior a três meses das referidas atribuições patrimoniais.

Por outro lado, independentemente, ou para além da indemnização prevista, genericamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 436.º — recorde-se, por todos os danos patrimoniais ou não patrimoniais —, o trabalhador tem direito, nos termos do artigo 437.º, como compensação, a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal (n.º 1), deduzindo-se as que tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato (n.º 2) e o montante das retribuições respeitantes ao período desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento (n.º 4).

Este regime específico, versando sobre a quantificação concreta dos créditos emergentes do despedimento ilícito, difere do regime geral da responsabilidade civil, na medida em que não pressupõe, fora dos casos contemplados na referida alínea a), a alegação e demonstração, pelo trabalhador, dos concretos danos causados pelo despedimento, apenas lhe impondo que alegue e prove a existência de um contrato e dos salários auferidos, bem como o despedimento, cabendo ao empregador alegar factos de que se conclua a licitude do despedimento e, bem assim, que o trabalhador obteve proventos com a cessação do contrato.

Pode, assim, afirmar-se que os créditos a que se referem os artigos 437.º e 439.º do Código do Trabalho se apresentam, no âmbito da relação jurídica processual, qualitativamente distintos daqueles que podem ser peticionados, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 436.º — quer reportados a danos patrimoniais, quer referidos a danos não patrimoniais — com os quais podem ser cumulados, mas que, por radicarem em causas de pedir não totalmente coincidentes e se acharem sujeitos a diferente regime, no âmbito da repartição do ónus de alegação e prova, não devem considerar-se os atinentes valores como parcelas de um valor global reportado a único direito de crédito, mas sim como pedidos autónomos.

No caso, o Autor pediu, no concernente à indemnização por antiguidade, invocando o artigo 439.º, n.os 1 e 3, o valor equivalente a três meses de retribuição base (€ 6.000,00), ou seja, o mínimo estipulado na lei.

E relativamente à compensação prevista no artigo 437.º — retribuições intercalares — pediu apenas a importância de € 2.000,00.

Em qualquer dos casos, colocou a parte contrária na situação de contradizer o direito às referidas importâncias, e não o direito a mais, podendo, até, no pressuposto de que o Autor exprimiu, nesses pedidos, a sua vontade real, gerar a convicção de que poderia ter auferido rendimentos após o despedimento, ou, pura e simplesmente, de que renunciara ao mais que lhe era, por lei, consentido pedir.

Considerando que tais pedidos são autónomos em relação a todos os outros deduzidos, ou seja, em relação aos créditos constituídos na vigência e execução do contrato e, também, em relação ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, não pode qualquer dos pedidos ter-se como componente ou parcela integrante de um pedido unitário.

A deficiência quantitativa do petitório, não pode, em tais circunstâncias, ser suprida pelo tribunal, ao abrigo do n.º 1 do artigo 661.º do Código de Processo Civil.

Deste modo, o Tribunal da Relação, na parte em que limitou a condenação do Réu, atinente à indemnização de antiguidade, aos salários de tramitação e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, aos montantes pedidos no articulado inicial, interpretou correctamente a referida norma da lei adjectiva.

Improcede, assim, a pretensão a tal respeito formulada na revista pelo Autor, havendo, por conseguinte, de confirmar-se, também, nessa parte, o acórdão impugnado.

III

Em face do exposto, negam-se as revistas.

Cada um dos recorrentes pagará as custas da respectiva revista.

Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 19 de Maio de 2010.

Vasques Dinis (Relator)

Mário Pereira

Sousa Peixoto