Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3301
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: CULPA IN CONTRAHENDO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
Nº do Documento: SJ200901220033012
Data do Acordão: 01/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. A responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo), prevista no n.º 1 do art. 227º do CC, assenta num conceito indeterminado – o conceito de boa fé – e tem lugar quando, na fase preparatória de um contrato, as partes, ou alguma delas, não observam certos deveres de actuação – deveres de protecção, de informação, de lealdade, e outros – que sobre elas impendem.

2. Em termos gerais, o instituto da culpa in contrahendo significa que a autonomia privada é conferida dentro de certos limites e sob as valorações próprias do Direito, sendo ilegítimos os comportamentos que, desviando-se da procura honesta e correcta de um eventual consenso contratual, venham a causar danos a outrem, bem como os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual.

3. Na culpa in contrahendo assumem primordial relevância os deveres de informação e de esclarecimento, respeitantes, antes de mais, ao clausulado contratual pretendido, e, particularmente, quando estamos perante sujeitos com poder contratual desequilibrado, com conhecimentos e experiências negociais e jurídicas desiguais, revestindo tais deveres, neste caso, maior amplitude, intensidade e extensão para a parte que detém a posição negocial mais forte, que lhe permite impor à contraparte, mais inexperiente ou menos esclarecida, cláusulas de que esta, por força dessa sua debilidade contratual, não logra colher o verdadeiro significado ou de que, pela mesma razão, nem sequer toma conhecimento.

4. A responsabilidade in contrahendo exige a verificação cumulativa dos requisitos da responsabilidade civil, pelo que não estando provado, no caso dos autos, que o banco haja posto em causa deveres de conduta, de base legal, na fase negociatória com os autores – designadamente os de informação ou esclarecimento, de protecção ou de cuidado – ou que a sua conduta tenha constituído violação objectiva da boa fé (maxime, por desconformidade entre o pretendido pelos autores no que toca aos seguros ligados aos empréstimos, as informações dos funcionários do banco e os seguros efectivamente contratados), fica arredada a responsabilidade in contrahendo daquele, faltando logo o primeiro de tais requisitos.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.

AA por si e em representação dos seus dois filhos menores, BB e CC intentou, em 18.11.2005, pela 5ª Vara Cível de Lisboa, contra CRÉ..........., S.A., actualmente BAN...................., S.A., acção com processo ordinário, pedindo que o réu seja condenado a amortizar o capital, em dívida à data do falecimento do marido e pai dos autores, referente ao empréstimo contraído para aquisição de casa própria, no valor de € 70.905,92, a reembolsar os autores dos valores por estes pagos desde essa data até à efectiva amortização, a liquidar em execução de sentença, e a pagar à autora a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto, e em síntese, ter o seu marido, pai das menores, DD, contraído dois empréstimos junto do réu, um para aquisição de habitação própria e outro multifunções, subscrevendo, para tanto, por exigência do demandado, um seguro multiriscos e um seguro de vida associado a cada um dos empréstimos. O DD assinou, em 29.10.2001, as propostas de adesão das seguradoras, que lhe foram apresentadas por funcionários do réu, para cobertura dos riscos por morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente, delas não constando as informações relativas aos empréstimos, que foram posteriormente colocadas pelos funcionários do réu sem que do seu teor dessem conhecimento àquele nem à autora, sua mulher. Em 21.01.2002 foram outorgados os contratos de mútuo e, nessa ocasião, o réu informou os fiadores de que os seguros multiriscos e de vida realizados estavam associados a ambos os empréstimos, cobrindo os referidos riscos.
DD faleceu, vítima de acidente de viação, em 05.04.2003, facto que a autora comunicou ao réu para efeitos de ser accionado o seguro de vida associado aos empréstimos. Com surpresa, foi informada pela seguradora que a apólice do seguro de vida apenas estava associada ao empréstimo multifunções, ao contrário do que os funcionários do réu, antes e aquando da outorga dos dois contratos de mútuo, lhe haviam garantido, tal como ao marido e aos fiadores, e cuja informação tomara por certa.
Não tendo associado o seguro de vida ao empréstimo para habitação, não inserindo os dados respectivos na proposta de adesão, sabendo que a autora e seu marido pretendiam a cobertura do risco em caso de morte ou invalidez, os funcionários do réu não observaram os deveres de diligência e competência técnica exigíveis, pelo que o réu deverá suportar os prejuízos decorrentes de tais actos e omissões.
O réu contestou, impugnando os factos alegados pelos autores e sustentando, em síntese, que o empréstimo destinado à aquisição de habitação própria com garantia real foi celebrado sem seguro de vida, por acordo das partes, na sequência de opção que lhe foi transmitida pelo falecido DD e que o réu aceitou, por tal não ser obrigatório à data, diversamente com o que sucedia com o empréstimo multifunções sem garantia real. Aliás, quando, em 30.11.2001, comunicou por escrito ao DD a aprovação dos empréstimos, o réu apenas aludiu à obrigatoriedade de celebração de seguro de vida relativo ao empréstimo multifunções.
Prosseguindo o processo a sua normal tramitação, efectuou-se em devido tempo o julgamento e foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e absolveu o réu dos pedidos formulados pelos autores.

Sob recurso dos autores, a Relação de Lisboa manteve intocada a matéria de facto apurada na 1ª instância, rejeitando a impugnação dos recorrentes, e julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformados, os autores trazem, agora a este Supremo Tribunal, recurso de revista, culminando as respectivas alegações com um alargado leque de conclusões, que vão assim sintetizadas:
1ª - Foi o réu que exigiu fossem constituídos os seguros multiriscos e de vida para garantia de ambos os empréstimos, nos termos do art. 23º/2 do Dec-lei 349/98, de 11 de Novembro;
2ª - Não obstante, verificam-se dois erros que lhe são imputáveis: (i) não associou o seguro multiriscos ao empréstimo multifunções; e (ii) não associou ao empréstimo habitação jovem bonificado o respectivo seguro de vida;
3ª - Não fazia sequer sentido exigir como garantia a constituição de um seguro de vida para o empréstimo multifunções, de apenas € 17.457,93 e não exigir igual seguro para o empréstimo habitação no valor de € 72.325,70;
4ª - O recorrido tinha perfeito conhecimento de que os mutuários pretendiam a realização de um seguro de vida associado ao empréstimo para aquisição da sua habitação própria e permanente, com o fim de obter a cobertura de determinados riscos que pudessem pesar sobre si, nomeadamente numa situação de morte ou invalidez em consequência de acidente ou doença, por forma a garantir a estabilidade do seu agregado familiar;
5ª - O recorrido está, aliás, incluído nos bancos que impõem a obrigatoriedade da realização de seguros de vida a quem recorre ao crédito à habitação, sendo já há vários anos prática corrente, pública e notória;
6ª - É patente a negligência do recorrido, traduzida na desconformidade entre os dados dos empréstimos inseridos nas propostas de adesão dos respectivos seguros, as informações prestadas pelos seus funcionários e as condições por ele impostas;
7ª - O comportamento do recorrido ao negociar sem acautelar minimamente as condições por si exigidas é culposo;
8ª - No exercício da actividade bancária, o recorrido está sujeito a um dever de competência técnica que lhe exige se equipe com meios técnicos e humanos por forma a atingir elevados níveis de qualidade e eficiência;
9ª - E está também sujeito a um dever geral de diligência que impõe que os seus funcionários actuem com a devida cautela nos assuntos que lhes são confiados por ele e pelos seus clientes;
10ª - Ao não ter actuado da forma que lhe era exigível, tanto nos preliminares como na formação e conclusão do contrato de seguro de vida e ao não o ter associado ao respectivo empréstimo para aquisição de habitação própria e permanente dos mutuários, o recorrido é responsável pelos danos que causou aos recorrentes, nos termos do art. 227º do Cód. Civil;
11ª - Foram igualmente violados os deveres contidos nos arts. 73º a 76º do RGIC;
12ª - A informação prestada pelo recorrido de que ambos os empréstimos estariam abrangidos por seguro de vida crédito à habitação, tal como foi por ele exigido, criou nos mutuários e nos fiadores uma confiança que é protegida no quadro da boa fé;
13ª - O recorrido é civilmente responsável, pois que violou os mais elementares deveres de protecção, informação e cuidado a que estava obrigado;
14ª - Com efeito, estava ele legalmente obrigado a dar conselhos, recomendações e informações exactas, principalmente acerca dos seguros que exigiu serem celebrados, por força do disposto nos arts. 485º/2 e 486º do CC;
15ª - Está, por isso, obrigado a indemnizar os recorrentes por todos os danos por estes sofridos em consequência do comportamento negligente dos seus funcionários que praticaram os factos descritos no exercício das suas funções, de acordo com o disposto nos arts. 165º e 500º, n.os 1 e 2, do CC;
16ª - Obrigação que deverá consistir na amortização do capital do empréstimo com hipoteca e fiança contraído pelos mutuários, e que à data do falecimento do mutuário marido ascendia a € 70.905,92 e ainda no reembolso de todas as prestações mensais liquidadas posteriormente;
17ª - Acresce ainda que, relativamente ao boletim de adesão “Seguro de Vida Grupo Crédito à Habitação”, junto a fls. 29, se aplica o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (Dec-lei 446/85, de 25 de Outubro), visto que se está em presença de um contrato de adesão, com cláusulas predispostas;
18ª - Ora, uma interpretação adequada das condições do seguro e o respeito pelo art. 11º do citado diploma, impõe uma leitura favorável à posição dos mutuários;
19ª - O tribunal a quo fez uma diferente leitura do clausulado do seguro, fazendo prevalecer não a posição dos mutuários mas a do recorrido, violando, por isso, o disposto nos n.os 1 e 2 do art.11º do RJCCG;
20ª - Ademais, o art. 10º deste diploma dispõe que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam;
21ª - Valem, pois, neste domínio, as regras gerais de interpretação dos contratos, estabelecidas nos arts. 236º a 239º do CC, segundo as quais deve prevalecer o sentido objectivo correspondente à impressão do destinatário;
22ª - Acresce ainda que o art. 5º do RJCCG estabelece que as cláusulas contratuais gerais (c.c.g.) devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, devendo essa comunicação, nos termos do n.º 2 do citado artigo, ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência, e resultando do n.º 3 que o ónus da prova dessa comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais;
23ª - Ora, como o falecido mutuário assinou em branco o contrato de adesão de seguro de vida de fls. 29, resulta claro que o banco recorrido não procedeu à comunicação adequada e efectiva aos mutuários das c.c.g. subjacentes à referida proposta;
24ª - Sendo certo que, estabelecendo o n.º 3 do art. 5º do RJCCG uma inversão do ónus da prova, caberia ao banco provar que fez uma comunicação adequada e efectiva aos mutuários, o que não logrou fazer;
25ª - Com efeito, resulta inequivocamente demonstrado que o recorrido não cumpriu o seu dever de informação, violando, também por isso, o disposto no art. 6º do RJCCG;
26ª - De acordo com as circunstâncias, tendo o banco recorrido a c.c.g., deveria ter informado os mutuários de todos os elementos nelas compreendidas cuja aclaração importava justificar, designadamente quanto ao seguro de vida, o que, no entanto, não fez, pois que a proposta de fls. 29 foi assinada em branco, conforme resultou provado;
27ª - Resultando inequivocamente demonstrado que o recorrido preencheu posteriormente a proposta de seguro de fls. 29, sem nunca mais os seus funcionários terem dado conhecimento aos mutuários dos elementos nela inseridos e muito menos das condições e do modo como a mesma foi efectivamente concluída;
28ª - O tribunal a quo violou o disposto nos arts. 165º, 227º, 236º a 239º, 485º/2, 486º e 500º/1, todos do CC, o disposto nos arts. 73º a 76º do Dec-lei 298/92, de 31 de Dezembro (RGIC) e ainda o disposto nos arts. 5º, n.os 1 a 3, 6º, n.os 1 e 2, 10º e 11º, n.os 1 a 3, do Dec-lei 446/85, de 10 de Outubro (RJCCG), por falta de comunicação resultante da imperfeição da proposta de fls. 29, assinada em branco pelo mutuário falecido.

O banco recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre agora decidir.
2.

Vêm, das instâncias, provados os factos seguintes:
1. No dia 21.01.2002 o réu celebrou com a autora e com DD, seu marido, um escrito particular, que designaram por “Contrato n.º 000000000000000”, mediante o qual o réu, no exercício da sua actividade bancária, declarou emprestar àqueles, que declararam aceitar, a quantia de € 72.325,70, para aquisição da fracção autónoma designada pela letra A do prédio urbano descrito sob o n.º000000000000 da freguesia de Lagoa, na Conservatória do Registo Predial de Lagoa (Algarve) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6966, destinada a habitação própria permanente dos segundos, obrigando-se estes ao pagamento, durante 30 anos, de prestações mensais, para reembolso do capital, acrescido dos respectivos juros, cuja taxa foi convencionada por ambas as partes.
2. No dia 21.01.2002 o réu celebrou com a autora e com DD, seu marido, um escrito particular, que designaram por “Contrato n.º 0000000000000”, mediante o qual o réu, no exercício da sua actividade bancária, declarou emprestar àqueles, que declararam aceitar, a quantia de € 17.457,93, obrigando-se os segundos ao pagamento, durante 30 anos, de prestações mensais, para reembolso do capital, acrescido dos respectivos juros, cuja taxa foi convencionada por ambas as partes.
3. DD celebrou com a seguradora Totta Seguros um contrato de Seguro de Vida Grupo, titulado pela apólice n.º 000000000000, que ficou associado ao escrito referido em 2., em que figura, como tomador, o réu, como pessoa segura, DD, e como beneficiários do remanescente do capital em dívida à data da ocorrência da morte ou em que aquele tenha ficado afectado de invalidez total e permanente por doença ou acidente, sucessivamente e na falta do(s) anterior(es), o cônjuge, os filhos e os herdeiros legais, sendo certo que, à data da propositura da presente acção, o montante em causa no referido escrito já havia sido liquidado e amortizado ao réu.
4. Relativamente ao escrito referido em 1. não foi celebrado qualquer contrato de seguro de vida.
5. DD faleceu no dia 5 de Abril de 2003, vítima de acidente de viação, na Estrada Nacional 269, Sítio do Escorrega – Alcantarilha Gare, na freguesia de Alcantarilha, concelho de Silves, sucedendo-lhes os autores.
6. Em 29.10.2001 DD assinou “em branco” uma proposta de adesão a um contrato de seguro, que cobria os riscos por morte ou invalidez total ou permanente por doença ou acidente.
7. Em consequência do referido em 4., a autora ficou abalada, tendo sofrido crises de choro.
8. O réu tem conhecimento do referido em 4. e 6.
3.

É pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o âmbito do recurso, o que significa que o tribunal ad quem só tem de conhecer, em princípio, das questões suscitadas em tais conclusões.
Os autores, ora recorrentes, repetem, aqui e agora, as conclusões que já haviam sustentado o seu recurso de apelação.
Só que, nesse recurso de apelação, essas conclusões assentavam no pressuposto da alteração, pela Relação, das respostas aos quesitos, em termos de se terem como integralmente provados os quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da base instrutória. Todavia, tal expectativa dos recorrentes resultou inteiramente gorada, pois que, como já ficou assinalado, a Relação nada alterou à matéria de facto que resultou do julgamento em 1ª instância.
Mesmo assim, este insucesso em sede de fixação da matéria de facto nada significou para os recorrentes, que retomam a argumentação esgrimida perante a Relação, como se esta houvesse dado acolhimento – e acolhimento total – ao invocado erro, da 1ª instância, na decisão da matéria de facto, e tivesse passado para «provado» as respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da base instrutória.
Ora – repete-se – a Relação manteve imaculadas as respostas a estes quesitos (que, adiante-se, constituem a totalidade da base instrutória).
O Supremo não pode, em regra, alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias. Na verdade, apenas nas duas hipóteses contempladas na 2ª parte do n.º 2 do art. 722º do CPC pode este Alto Tribunal conhecer da matéria de facto: (i) quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova legalmente exigida para demonstrar a existência desse facto, ou (ii) quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de qualquer meio de prova admitido no nosso sistema jurídico.
Por isso, o n.º 2 do art. 729º reitera o princípio que dimana daquela aludida norma, estatuindo que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 2 do art. 722º.
É, pois, a matéria de facto que vem acima elencada aquela que este Supremo Tribunal deverá ter em conta na apreciação do mérito do recurso, pois não se verifica (nem os recorrentes o alegam) nenhuma das excepções acobertadas no normativo que vem de ser citado.
E esse acervo fáctico não é suficiente para servir de suporte às pretensões dos recorrentes. As respostas que mereceram os quesitos 1º, 2º, 3º e 5º e a sua manutenção pela Relação constituem rude golpe em tais pretensões.
Atente-se, antes de mais, na matéria de facto por aqueles alegada e que foi levada à base instrutória:
Quesito 1º - Em 29.10.2001 os funcionários do réu apresentaram a DD uma proposta de adesão a um contrato de seguro, que cobria os riscos por morte ou invalidez total e permanente por doença ou acidente, em que figurava este como tomador e, como beneficiário, em 1ª linha o réu e, quanto ao remanescente do capital em dívida, os autores, seguro esse que iria ficar associado ao escrito referido em A)?
Quesito 2º - DD assinou a proposta referida “em branco” a pedido dos funcionários do réu, que apenas colocaram cruzes nos locais em que o mesmo devia assinar, nunca tendo sido dado conhecimento, quer a DD quer à autora, de como a mesma foi posteriormente preenchida pelos funcionários do réu?
Quesito 3º - Na data da celebração dos escritos referidos em A) e B), os funcionários do réu informaram a autora, DD e os pais deste, que eram os fiadores, de que havia sido realizado o “Seguro de Vida Grupo Crédito à Habitação” e que o mesmo se encontrava associado ao escrito referido em A), bem como que tal seguro abrangia os casos de morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente, tanto da autora como de DD, e que o montante do capital mutuado através do mencionado escrito estaria integralmente coberto pelo seguro?
Quesito 5º - O réu tem conhecimento de que o referido em D) e 1º a 3º corresponde à verdade?
A resposta a estes quesitos está traduzida na escassa e ineficaz (considerados os interesses dos recorrentes) matéria vazada nos n.os 6 e 8 do rol dos factos provados.
Na verdade, tendo em conta o acervo conclusivo avançado pelos recorrentes, é manifesto que muitas das conclusões traduzem meras afirmações de facto, sem qualquer suporte na matéria factual efectivamente apurada.
Assim, a afirmação de ter o réu exigido a constituição de seguros multiriscos e de vida para garantia de ambos os empréstimos, para além de não ter a mínima ressonância no apurado complexo fáctico, dificilmente suporta o confronto com o documento, junto pelos próprios autores/recorrentes com a petição inicial (doc. n.º 1), que integra a comunicação, feita, em 30.11.2001, pelo banco réu ao marido da autora, da aprovação da proposta de empréstimo para aquisição de habitação própria, e das condições do empréstimo, dele constando, nomeadamente, o seguinte:
É obrigatória a celebração de Seguro Multiriscos, constando o Crédito Predial como credor hipotecário privilegiado.
Referência ao seguro de vida ... nenhuma!
A menção de obrigatoriedade de ambos os seguros consta apenas de documento idêntico, da mesma data e também junto com a p.i. (doc. n.º 2), mas respeitante à aprovação da proposta de empréstimo n.º 00000000000000 (empréstimo multifunções).
Acresce ainda que os autores, ora recorrentes, juntaram, igualmente com a p.i., dois outros documentos (docs. 3 e 4), que alegam ter recebido dos funcionários do réu cerca de um mês antes da aprovação dos empréstimos, que se acham devidamente preenchidos e se mostram assinados pelo marido da autora, DD, e que constituem as propostas respeitantes aos seguros acima referidos – seguro multiriscos e seguro de vida. Ora, consta da proposta respeitante ao primeiro (multiriscos), que ele se refere ao empréstimo n.º 0000000000000 e da atinente ao segundo (seguro de vida), a sua referência ao empréstimo n.º 0000000000e ao capital seguro, no montante de € 17.457,93.
Por tudo isto, também as conclusões seguintes, sem qualquer apoio na factualidade assente (v.g., as 2ª, 4ª, 5ª, 6ª e 12ª), e/ou traduzindo meros juízos opinativos (v.g., as 3ª e 7ª) não valem aos recorrentes.
Não pode, assim, à míngua de factos bastantes, buscar-se no instituto da culpa in contrahendo (responsabilidade pré-contratual), fundamento para acudir à pretensão dos recorrentes, como é intento destes.
De acordo com o disposto no art. 227º/1 do Cód. Civil,
Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
A responsabilidade pré-negocial assenta, pois, num conceito indeterminado – o de boa fé – exigindo, pois, um processo que a concretize, em cada uma das situações da vida real em que se invoque. Grosso modo, pode dizer-se que a sua verificação ocorre quando, na fase preparatória de um contrato, as partes, ou alguma delas, não observam certos deveres de actuação que sobre elas impendem.
Na lição de MENEZES CORDEIRO (1), esses deveres reconduzem-se a três grupos:
- deveres de protecção: nos preliminares de um contrato, as partes devem abster-se de atitudes que provoquem danos na esfera pessoal ou patrimonial uma da outra, sob pena de responsabilidade;
- deveres de informação: e devem também, mutuamente, prestar-se todos os esclarecimentos e informações necessários à celebração de um contrato idóneo – aqui particularmente visados os elementos directa ou indirectamente relevantes para o conhecimento da temática relevante para o contrato, com particular incidência sobre os deveres de esclarecimento de uma parte forte a uma parte fraca, ficando vedada quer a omissão do esclarecimento, quer a prestação de esclarecimentos falsos, inexactos ou incompletos;
- deveres de lealdade: deveres comportamentais com o sentido de evitar, nos preliminares, actuações que corporizem desvios à busca honesta de um eventual consenso negocial – como na situação típica e clássica da ruptura injustificada das negociações, ou na prática, nos preliminares, ou a latere, de actos de concorrência desleal.
Pode questionar-se se esta formatação dos deveres pré-contratuais – na mesma linha do entendimento de alguns autores estrangeiros, de que podemos citar Francesco Benatti, que, na leitura do art. 1337º do Código Civil italiano (2). , igualmente reduzia tais deveres a três tipos – obrigações de informação, de segredo e de custódia (3) – e o alemão Hildebrandt, que vai ainda mais longe, reduzindo-os a um dever de declaração (subdividido numa obrigação de informar e numa obrigação de verdade) – esgota toda a panóplia das obrigações ligadas ao instituto da culpa in contrahendo. Não, seguramente, para o Prof. MOTA PINTO (4)., para quem «a responsabilidade in contrahendo abrange uma multiplicidade de fenómenos demasiado complexa para se compaginar com o sintetismo dum dever único», existindo, na verdade, «inúmeros deveres bem individualizados, diferentes uns dos outros». Aqueles que a doutrina enuncia, outra coisa não são – segundo outro autor(5) – senão «figuras sintomáticas, expressões do conceito de boa fé pré-contratual», como tais utilizadas pelo julgador para apreciar a conduta das partes à luz da «boa fé como cânone ou critério de valoração».
Outros deveres podem, na verdade, ser indicados.
ANA PRATA referencia deveres de comunicação, de informação e de esclarecimento, deveres de guarda e de restituição, deveres de segredo, deveres de clareza, deveres de lealdade, deveres de protecção e conservação (6).
Seja como for, importante é reter a síntese bem conseguida de MENEZES CORDEIRO:
“Em termos gerais, o instituto da culpa in contrahendo, ancorado no princípio da boa fé, recorda que a autonomia privada é conferida às pessoas dentro de certos limites e sob as valorações próprias do Direito; em consequência, são ilegítimos os comportamentos que, desviando-se duma procura honesta e correcta dum eventual consenso contratual, venham a causar danos a outrem. Da mesma forma, são vedados os comportamentos pré-contratuais que inculquem, na contraparte, uma ideia distorcida sobre a realidade contratual. (7).
Deve salientar-se, sem dúvida, a primordial relevância que, na culpa in contrahendo assumem os deveres de informação e de esclarecimento, que, respeitando a todos os elementos negociais relevantes, não só para a decisão de contratar, como também para a conformação concreta do contrato a celebrar e para a aptidão deste para servir os interesses que a parte com ele visa prosseguir, tornam o instituto cada vez mais «vocacionado para actuar no campo dos serviços e, dentro deste, dos serviços bancários» (8)..
A violação destes deveres pode assumir uma mera omissão, mas pode igualmente traduzir-se na prática de um acto positivo – uma informação falsa, ou uma declaração tão próxima daquela que podia ser esperada, que gera necessariamente no espírito e na mente do outro a confusão pretendida.
Há autores que evidenciam a necessidade de uma maior exigência quanto ao conteúdo das informações e esclarecimentos a prestar reciprocamente pelas partes quando está em causa a preparação de um contrato que repousa «sobre relações de confiança mais ou menos duradouras».
Como evidencia ANA PRATA, «(a) informação e esclarecimento devidos referem-se, desde logo, ao clausulado contratual pretendido, significando isto, para além do elementar dever de comunicação de todas as regras contratuais que se pretende venham a integrar o contrato, também o esclarecimento do exacto significado jurídico-económico de cada uma delas. Isto é, cada uma das partes tem de dar a conhecer à outra, especificadamente, cada uma das cláusulas que pretende ver incluídas no contrato, explicando, se necessário, o sentido que elas comportam, por forma não só a habilitar a contraparte a decidir esclarecidamente sobre a aceitação da cláusula, mas também a evitar que venham sucessivamente a produzir-se equívocos e dúvidas interpretativas do regulamento contratual. Deste último ponto de vista, os comportamentos, mormente os declarativos, das partes no período negociatório assumem grande relevância, pois o «sentido que o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante» (artigo 236º, n.º 1) terá, naturalmente, como elemento informador decisivo a conduta pré-negocial do declarante. Esta conduta, particularmente a informativa – por acção ou omissão – é, pois, decisiva para apurar da existência de consenso das partes relativamente aos elementos do regulamento contratual, já que, relativamente a cláusulas de que uma das partes não tomou conhecimento ou não apreendeu no seu significado jurídico, pode, em alguns casos, haver de concluir-se pela sua supressão do conteúdo do contrato, por sobre elas não ter havido o indispensável acordo» (9). (sublinhados de nossa autoria).
Ora, mesmo tendo por irrecusável que a conformação destes deveres de informação e esclarecimento – designadamente no respeitante ao conteúdo contratual – ganha particular relevância quando (como no caso em apreço), estamos perante sujeitos com poder contratual desequilibrado, com conhecimentos e experiências negociais e jurídicos desiguais, revestindo maior amplitude, maior intensidade e extensão para a parte que detém a posição negocial mais forte, que lhe permite impor à contraparte, mais inexperiente ou menos esclarecida, cláusulas de que esta, por força dessa sua debilidade contratual, não logra colher o seu verdadeiro significado ou de que, pela mesma razão, nem sequer toma conhecimento, mesmo assim – e mesmo face às considerações doutrinais que nos serviram para retratar o instituto da culpa in contrahendo – a matéria de facto provada, conjugada com os documentos a que acima fizemos referência, mostra-se manifestamente insuficiente para servir de suporte à responsabilidade pré-contratual do banco ora recorrido.
Não vem provado, tendo em conta a matéria quesitada e aquela que resultou apurada, que este haja posto em causa deveres específicos de conduta, de base legal, na fase negociatória com os autores (designadamente os de informação ou esclarecimento, de protecção ou de cuidado), ou que a sua conduta tenha consubstanciado violação objectiva da boa fé (maxime, por desconformidade entre o pretendido pelos autores, relativamente aos seguros ligados aos empréstimos, as informações dos funcionários do réu e os seguros efectivamente contratados), pelo que falta logo o primeiro dos requisitos necessários para que possa afirmar-se aquela responsabilidade: a responsabilidade in contrahendo exige a verificação cumulativa dos requisitos da responsabilidade civil – um facto voluntário (que pode traduzir-se em acção ou omissão) do agente, o carácter ilícito desse facto, a culpa do seu autor e a verificação de um dano causalmente ligado ao facto do agente.
E resulta também do que acaba de ser referido que não tem cabimento chamar a terreiro as normas dos arts. 73º a 76º do RGIC, que, no que concerne às regras de conduta do banqueiro, enunciam como deveres gerais a que este deve sujeitar a sua prática profissional, a competência técnica (art. 73º), os deveres quanto às relações com os clientes (art. 74º), o dever de informação (75º), e o critério de diligência (art. 76º). Ademais, estes preceitos são «meras normas programáticas e de enquadramento», que têm, na prática, «de ser completadas por outras regras, de natureza legal ou contratual, de modo a dar azo a verdadeiros direitos subjectivos ou, de todo o modo, a regras precisas de conduta, susceptíveis de, quando violadas, induzirem responsabilidade bancária» (10)..
Da mesma forma, nada aproveita aos recorrentes o apelo às regras dos arts. 485º/2 e 486º do Cód. Civil, cujos pressupostos de facto estão, manifestamente, ausentes no caso em apreço. Deve, aliás, referir-se que, do ponto de vista do direito civil, nem sequer se pode afirmar a existência de um problema específico e autónomo de responsabilidade por informações. Se estas são prestadas (ou omitidas) durante as negociações contratuais, a questão é a já acima versada – a da existência e do âmbito dos deveres pré-contratuais de esclarecimento, assentes no princípio da boa fé, e que podem justificar uma responsabilidade por culpa in contrahendo (11).
No que concerne à matéria das conclusões 17ª e seguintes, não se entende a que vem a sua invocação, sabido que – como já se deixou salientado e resulta claramente das menções manuscritas – o boletim de adesão referido se reporta ao contrato n.º 00000000e ao empréstimo de € 17.457,93, (montante nele exarado, por forma bem clara, não uma, nem duas, mas sim três vezes), sendo esse o referido em 6. da matéria de facto assente, pois só desse (e não também da proposta junta a fls. 28, igualmente assinada por DD) consta a indicação de serem as garantias cobertas a morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente, sendo que tal seguro foi oportunamente accionado e o capital assegurado liquidado e amortizado ao banco (n.º 3 da matéria de facto).
É juridicamente correcta a asserção de que, existindo num contrato celebrado com recurso a cláusulas contratuais gerais, disposições que não tenham sido devidamente comunicadas ou informadas, não pode falar-se de consenso real das partes, pois que ninguém pode dar o seu assentimento a cláusulas que, de facto, não conhece ou não entende.
Mas nada, no caso em análise, permite concluir que nele assim sucedeu: nenhuma prova se produziu nesse sentido. A recorrente, já o dissemos repetidamente, elucubra num cenário irreal, sem qualquer correspondência com o que emergiu do julgamento da matéria de facto.
E, convém repetir, para que dúvidas não fiquem: este invocado boletim de adesão reporta-se a um seguro que foi ligado ao empréstimo de € 17.457,93, seguro que veio a ser celebrado pelo marido da recorrente com a seguradora Totta Seguros, nos moldes referidos no n.º 3 dos «factos provados». Nada tem a ver (pelo menos, nada se prova em sentido contrário) com o outro contrato, o de empréstimo para aquisição de habitação própria.
Não faz, pois, qualquer sentido esgrimir com o ónus da prova da comunicação, a que alude o art. 5º, n.º 3, do RJCCG, ou com quaisquer outras normas deste Regime, quando em causa está um outro contrato, que não o invocado pelos recorrentes, isto é, que não aquele onde se inserem as cláusulas contratuais gerais a que estes fazem apelo.
Relativamente ao contrato de empréstimo para aquisição de habitação própria (o aludido em 1. dos «factos provados») provou-se que não foi celebrado qualquer contrato de seguro de vida, que, ao tempo, não era obrigatório, não estando demonstrado que tivesse sequer estado na intenção ou na vontade das partes a sua celebração.
E assim, não pode senão concluir-se, de tudo quanto se deixou exposto, pela falência da argumentação dos recorrentes.

4.

Nega-se, pois, a revista.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.

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Lisboa, 22 de Janeiro de 2009


Santos Bernardino (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
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(1) Manual de Direito Bancário, 2ª ed., 2001, pág. 437.
(2) Le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono comportarsi secondo buona fede.
(3) A Responsabilidade Pré- Contratual, tradução de A. Vera Jardim e Miguel Caeiro, Liv. Almedina, 1970, pág. 55.
(4) A Responsabilidade pré-negocial pela não conclusão dos contratos, in Boletim da Faculdade de Direito (Supl. XIV), Coimbra, 1966, págs. 157/158.
(5) Citado por ANA PRATA, in Notas sobre Responsabilidade Pré-Contratual, Lisboa, 1991, pág. 49.
(6) Cfr. ob. cit. na nota anterior, págs. 49 e seguintes.
(7) Ob. cit., pág. 437/438.
(8) Prof. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 436
(9) Ob. cit., págs. 50/51
(10) Prof. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 337.
(11) Cfr. neste sentido SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Informações Face a Terceiros, no Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXIII, Coimbra 1997, pág. 37.