Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B852
Nº Convencional: JSTJ00038024
Relator: NORONHA DE NASCIMENTO
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO
DENÚNCIA
RESOLUÇÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
Nº do Documento: SJ199911180008522
Data do Acordão: 11/18/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1076/98
Data: 03/16/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 432 ARTIGO 437.
DL 178/86 DE 1986/07/03 ARTIGO 29 ARTIGO 30 N1 N2 ARTIGO 32 N1.
Sumário : I - Ao contrato de concessão comercial é aplicável o regime legal consagrado para o contrato de agência ou representação comercial.
II - A denúncia é uma declaração de vontade motivada por razões de oportunidade ou interesse do contraente e que não precisa de ser justificada.
III - A resolução é uma declaração de vontade motivada por incumprimento ou alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações.
IV - Esta diferente natureza justifica que a denúncia só produz os efeitos após o decurso de um prazo, a resolução produz efeitos imediatos e retroactivos.
V - Na denúncia a indemnização está conexionada com o não cumprimento dos requisitos do pré-aviso; na resolução a inadequação está conexionada com a falta de motivo justificativo.
VI - A resolução sem justa causa do contrato de concessão comercial é fixada nos termos gerais.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" propôs acção com processo ordinário contra a Ré "B" pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 21245541 escudos e o que se vier a liquidar em execução de sentença, tudo a título indemnizatório.
Alega, em suma, que outorgou com a Ré um contrato de concessão comercial, em regime de exclusividade, que a Ré resolveu ilicitamente e que lhe provocou prejuízos do montante agora peticionado.
Contestou a Ré; e na sequência da tramitação processual normal foi proferida sentença que, julgando o pedido parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à A. a quantia de 14881351 escudos e 50 centavos.
Inconformada, recorreu a Ré, tendo a apelação sido julgada parcialmente procedente, condenando-se a final a Ré a pagar à A. a quantia de 9114370 escudos devendo, contudo, esta restituir àquela o material em stock avaliado em 3120085 escudos.
Recorre, agora, de revista a A. que conclui as suas alegações da forma seguinte:
1.) o fax de fls. 20 dos autos consubstancia uma resolução contratual pela Ré e não uma denúncia contratual como foi decidido pelo Tribunal da Relação;
2.) aliás, isso mesmo se vê do facto de, à data do fax, já ter sido nomeado outro concessionário para a zona de Setúbal, porquanto, estando estipulado o regime da exclusividade, era impensável uma denúncia contratual que pressupusesse a existência de dois concessionários em simultâneo;
3.) daí que a indemnização pela resolução ilícita esteja sujeita às regras dos arts. 798 e 564 do C. Civil;
4.) os danos emergentes sofridos pelo A. ascendem a 9103272 escudos e 50 centavos; os lucros cessantes a 6364351 escudos; e a perda de clientela deve ser fixada em 5000000 escudos.
Pede, assim, o provimento do recurso nos termos referidos.
Contra-alegou a Ré defendendo a bondade da decisão.
Dá-se por reproduzida a matéria de facto constante do acórdão recorrido nos termos dos arts. 713 n. 6 e 726 do C.P.C.
1. Está basicamente em questão saber neste recurso se - face ao contrato outorgado entre as partes - a Ré o resolveu ou o denunciou e, na sequência disso mesmo, qual a indemnização a que o A. tem eventualmente direito.
As partes concordam - e as instâncias chancelaram - que estamos perante um contrato de concessão comercial. Trata-se de contrato não tipificado legalmente mas ao qual é aplicável o regime legal consagrado para o contrato de agência ou representação comercial na versão primitiva consagrada no DL 178/86 de 03-07.
2. A sentença da 1ª instância considerou que a Ré resolveu o contrato ilicitamente (cf. em especial fls. 162 v. e segs) já que o fax de fls. 20 consubstancia uma vontade resolutiva; posteriormente, a Ré nas suas alegações de recurso não questionou minimamente esta qualificação jurídica, limitando-se tão-só a questionar o montante indemnizatório; e, por fim, o acórdão recorrido, aceitando embora estarmos em presença de uma resolução contratual (fls. 190 v.) equipara-a à denúncia efectivada sem pré-aviso quantificando a indemnização em função dos parâmetros desta última.

A resolução e a denúncia contratuais são figuras diferentes.
A denúncia corresponde à vontade negocial de um dos contraentes em fazer cessar o contrato ou para o termo do prazo estipulado quando há renovação automática, ou - se não houver prazo - para a data indicada pelo denunciante.
Trata-se, pois, de uma vontade motivada por razões de oportunidade ou interesse do contraente e que não precisa de ser justificada; a denúncia é, por isso, uma manifestação de vontade unilateral, receptícia, de extinção contratual.
Precisamente, porque este acto está na disponibilidade potestativa do denunciante é que a lei fixa um tempo de espera findo o qual os efeitos se produzem, como meio adequado de protecção da contra-parte pode, assim, preparar-se para o termo do contrato.
O pré-aviso no contrato de agência é disso exemplo; mas mesmo nas denúncias de negócios com prazo há um tempo de espera (por vezes "adicionado" a um prazo de pré-aviso) que possibilita ao outro contraente enfrentar a extinção contratual (cfr. o caso da locação).
A resolução, ao invés, obedece a filosofia diferente.

A resolução ocorre nos contratos bilaterais quando uma das partes o não cumpre, justificando-se, assim, que a contraparte o rompa (art. 432 do C. Civil) ou quando há uma alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações (art. 437 do C. Civil que traz uma nova visão da antiga teoria da imprevisão elaborada na sequência das profundas mutações sócio-económicas ocorridas após a guerra de 1914-1918).
A resolução é, por conseguinte, motivada, com efeitos imediatos e retroactivos e sem dependência ou observância de qualquer prazo contratual.
O diploma que regula a representação comercial (aplicável à concessão comercial como se disse e conforme o sublinham as decisões das instâncias) corporiza esses dois factores de lei geral que legitimam a resolução do contrato: o n. 1 do art. 30 corresponde ao incumprimento culposo, o n. 2 é uma variante da alteração da base negocial que o art. 437 do C. Civil regula.
O caso dos autos enquadra-se numa evidente resolução contratual não motivada.
A Ré resolveu o contrato imputado à Autora um incumprimento culposo que, na sua óptica, justificava a declaração resolutiva; simplesmente provou-se que não houve incumprimento culposo da Autora, facto esse que veio tornar ilícita a resolução contratual operada pela Ré.
É certo que este tinha à sua disposição um outro meio de extinguir o negócio: a denúncia com pré-aviso. Mas não foi esse o caminho por si escolhido: a Ré optou por um instituto jurídico diferente que, afinal, não tinha factos concretos que o legitimassem.
3. A denúncia do contrato de agência não dá em regra direito a indemnização porque, consoante se viu, trata-se de facto lícito. Aliás, neste tipo contratual a denúncia pressupõe a existência de um negócio sem prazo já que, havendo prazo, o decurso deste faz eclodir outro factor de extinção contratual (a caducidade).
Na denúncia, a existência de direito indemnizatório da contraparte está indexada ao não cumprimento dos requisitos do pré-aviso (art. 29). Ou seja, na denúncia não se indemniza porque o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas tão-só porque não pré-avisou a contraparte a tempo.
Daí que os danos indemnizáveis estejam correlacionados com a ilicitude do pré-aviso e não com a denúncia em si.
Na resolução, a fixação do direito indemnizatório faz-se de modo diverso.
Se o contraente resolve o contrato motivadamente porque a outra parte o incumpriu, tem direito à indemnização "nos termos gerais pelos danos resultantes do não cumprimento" (art. 32 n. 1); se a resolução advém da alteração da base negocial, a indemnização computa-se segundo regras de equidade.
Mas o que aconteceu no caso vertente foi algo de diferente.
A Ré resolveu o contrato sem motivo, praticando com isso um ilícito civil que atingiu a posição contratual da outra parte (a Autora).
Daí que a Autora tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma resolução contratual não motivada e, por isso, ilícita.
Esta indemnização terá que ser fixada nos moldes gerais porquanto a ela não se refere, em termos literais, o citado art. 32. Repare-se, na verdade, que esta norma fixa a moldura de direitos do contraente que resolve motivadamente o contrato porque a outra parte o incumpriu e que, nessa medida, tem direito ainda a ser indemnizado; o que temos neste caso, é a situação inversa do contraente contra quem foi dirigida uma resolução contratual sem motivo e que, nessa conformidade, tem direito a ser indemnizado pelos danos advenientes de uma resolução sem justa causa.
Quais são, pois, os danos a ressarcir de entre aqueles que a Autora peticiona?
Desde logo, há que atender à indemnização de clientela.
Consoante se afirma no acórdão recorrido, a norma relativa aos contratos de agência que prevê este género de indemnização é aplicável de igual modo à concessão comercial. O montante fixado naquele acórdão quanto a ela está equitativamente ajustado.
Os danos emergentes devem também ser quantificados nos termos constantes daquele acórdão.
Na verdade, exceptuados os bens em stock que a A. já não pode vender por força da natureza do contrato em causa e da exclusividade aí estipulada, as restantes despesas apuradas e feitas pela A. estão incluídas nos custos de produção ponderados quando se trata de saber qual o lucro anual obtido pela A.
Daí que os danos emergentes ressarcíveis ascendam apenas a 3357085 escudos.
Por último temos os lucros cessantes.
E estes não podem ser contabilizados a partir de uma denúncia sem pré-aviso mas sim a partir de uma resolução ilícita porque feita sem motivação legítima.
O contrato de concessão foi outorgado sem limite temporal e á data da sua resolução vigorava havia três anos. Os lucros anuais auferidos em média pela A. ascendiam, por sua vez, a 909193 escudos.
Nada permite concluir que aquele contrato iria perdurar 10 anos; mas é previsível que perdurasse, em condições normais, o dobro do que perdurou, isto é, 6 anos.
Assim sendo, os danos futuros são ressarcíveis nos termos exactos do art. 564 n. 2 do C. Civil o que equivale a dizer que, neste particular, os prejuízos da Autora ascendem a 2727579 escudos.
Temos por conseguinte que os danos totais a indemnizar à Autora atingem 11084664 escudos devendo, porém, aquela restituiu à Ré o material em stock.

Termos em que se concede parcialmente a revista, alterando-se o acórdão recorrido, e condenando-se a Ré a pagar à A., a título indemnizatório, a quantia de 11084664 escudos, embora a Autora deva restituir à Ré o material em stock avaliado em 3120085 escudos.
Custas pelas partes na proporção em que ficaram vencidas.
Lisboa, 18 de Novembro de 1999.
Noronha Nascimento,
Ferreira de Almeida,
Moura Cruz.