Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S581
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: FUNCIONÁRIO BANCÁRIO
SEGURANÇA SOCIAL
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
CÁLCULO DA PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
MONTANTE DA PENSÃO DE APOSENTAÇÃO
Nº do Documento: SJ200505110005814
Data do Acordão: 05/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 3740/04
Data: 09/29/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Os trabalhadores bancários têm um regime de segurança social especial.

2. Tal regime previdencial não viola o disposto no n.º 4 do art. 63.º da CRP e também não viola o disposto no regime geral da segurança social e nas alíneas a), b) e c) do art. 6.º do DL n.º 519-C1/79, de 29/12.

3. Segundo tal regime (cláusula 137.ª), a retribuição de referência para o cálculo da pensão de reforma não é a retribuição auferida pelo trabalhador à data da sua passagem à situação de reforma, mas sim a retribuição referida no anexo VI do ACTV, correspondente ao seu nível salarial.

5. Deste modo, o subsídio que o trabalhador auferia a título de isenção de horário de trabalho não releva para o cálculo da respectiva pensão.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Na presente acção emergente de contrato individual de trabalho proposta por A contra o "B", S. A., o autor pretendia que o réu fosse condenado a reconhecer que a retribuição por ele auferida a título de isenção de horário de trabalho deve ser levada em conta no cálculo da sua pensão de reforma e que o réu fosse condenado a pagar-lhe a importância de 26.195,52 euros de diferenças já vencidas desde 1.1.2000 até 31.1.2003 (503,76 euros x 42 meses) e as demais que se vencerem até integral pagamento.

Na 1.ª instância, a acção foi julgada improcedente e tal decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o que motivou o presente recurso de revista interposto pelo autor, cujas alegações resumiu nas seguintes conclusões:
«1) O Douto Acórdão recorrido ao julgar improcedente a apelação e ao confirmar a decisão proferida em primeira instância partiu da interpretação de que os conceitos de retribuição e pensão de reforma são dissociáveis.
2) O ACTV aplicável ao sector bancário, na parte relativa ao modo como devem ser calculadas as pensões de reforma, não deixa de evidenciar (através da análise comparativa dos Anexos II e VI) que existe uma relação de dependência entre os mesmos conceitos.
3) A remuneração a título de isenção de horário de trabalho pagos ao A., ora Recorrente, mensalmente e durante 7 anos integra o conceito de retribuição, tal como dispõe o art. 82 da LCT.
4) O regime de segurança social do sector bancário, como subsistema previsto na Lei de Bases da Segurança Social não pode estar em oposição aos princípios gerais deste.
5) A Lei de Bases da Segurança Social manda atender, para efeitos de reforma, ao nível de rendimentos realmente auferidos pelo trabalhador.
6) O ACTV em discussão ao não atender ao princípio atrás consignado, viola lei imperativa (art. 6, n.º 1, alíneas a), b) e c) do D. L. n.º 519-C1/79, d 29 de Dezembro), para além de ser contrário ao que dispõe o art.º 63, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.»

O réu contra-alegou defendendo a confirmação do julgado e, neste tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
A matéria de facto que vem dada como provada é a seguinte:
1 - O A. trabalhou sob as ordens, direcção e autoridade da demandada até ao dia 29/12/99, detendo nessa data, a categoria profissional de Sub-Gerente, com o nível 10 previsto no ACTV do Sector Bancário.
2 - Em 13/12/99, A. e Ré puseram fim à relação laboral nos termos do acordo constantes de fls. 8/9, reportando o início dos seus efeitos à data de 30/12/99, tendo a Ré reconhecido ao A. uma situação de invalidez total e permanente para o serviço e acordado a sua passagem à situação de reforma.
3 - No âmbito do acordo atrás mencionado, passou o A. a usufruir de uma pensão de reforma no montante global ilíquido de 1.144,05 euros, assim discriminado:
a) - 940,23 euros de mensalidades de reforma;
b) - 203,82 euros de diuturnidades/reforma/antiguidade;
4 - O A. prestou trabalho em regime de isenção de horário, desde 11/5/92 até à data da cessação do contrato.
5 - Desde o início de 1992 até à data da reforma, o autor auferia mensalmente, para além da retribuição base, diuturnidades e subsídio de almoço, uma prestação a título de isenção de horário de trabalho, cujo montante no último mês em que esteve no activo era de 53,58% do seu vencimento base, incidindo sobre tal remuneração complementar os respectivos descontos legais.
6 - Sendo o pagamento de tal prestação incluído nos subsídios de férias e de Natal.
7 - O pagamento de tal remuneração complementar (isenção de horário de trabalho) passou a integrar mensalmente o orçamento normal do autor, desde 11.5.92.
8 - Em Administrações anteriores houve, pelo menos, um caso em que a Ré havia incluído a mencionada prestação de isenção de horário de trabalho na reforma desse trabalhador.
9 - Para cálculo da pensão de reforma, foi reconhecida a integração do A. no nível remuneratório 10.
10 - Na data da celebração do mesmo acordo referido em 2, a Ré reconheceu ao A. 30 anos de antiguidade.
11 - Para efeitos de cálculo da pensão de reforma devida ao A., a Ré reconheceu- lhe ainda mais 4 anos de antiguidade, correspondentes ao tempo de serviço militar prestado pelo A..
12 - Para efeitos de antiguidade, ficou estipulado que durante os primeiros 34 meses de reforma, as respectivas mensalidades seriam calculadas pela aplicação da percentagem de 100% aos valores fixados pelo Anexo VI do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário.
13 - Por efeito da antiguidade reconhecida pela Ré, o A. recebe 6 diuturnidades, que acrescem à sua pensão de reforma.
14 - Durante o ano de 2000, o A. auferiu pensão de reforma no montante global ilíquido de 1.102,94 euros.
15 - Durante o ano de 2001, o A. auferiu pensão de reformas no montante global ilíquido de 1.146,48 euros.
16 - Durante o ano de 2002, o A. auferiu pensão de reforma no montante global ilíquido de 1.144,05 euros.

3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se a retribuição que ele vinha auferindo, à data da sua passagem à situação de reforma, a título de isenção de horário de trabalho releva para efeitos do cálculo da sua pensão de reforma.

As instâncias entenderam que não, com o fundamento de que os trabalhadores bancários estão sujeitos a um regime de reforma especial que consta do respectivo ACTV, segundo o qual a pensão de reforma é calculada em função dos valores fixados no Anexo VI e não em função da retribuição auferida pelo trabalhador à data da reforma.

Tal decisão não merece censura, pois essa tem sido também a jurisprudência reiterada deste tribunal (1) e que, ainda recentemente, foi reafirmada no acórdão de 12.1.2005.(2)

Na verdade, como se disse no acórdão da Relação, os trabalhadores bancários estão sujeitos a um regime especial de segurança social que as sucessivas leis de bases da segurança social foram salvaguardando até à sua integração no regime geral (3). Deste modo, estando os trabalhadores bancários fora do regime geral da segurança social, os seus direitos de natureza previdencial serão apenas os que resultam do respectivo ACTV (4).

Ora, no que diz respeito à pensão de reforma, a cláusula 137.ª (5) é absolutamente inequívoca no que toca à formula de cálculo da pensão, ao estabelecer, no seu n.º 1, alínea a), que, no caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade (invalidez presumível), os trabalhadores em tempo completo têm direito às mensalidades que lhe competirem, de harmonia com a aplicação das percentagens do anexo V às retribuições fixadas no anexo VI. E, como resulta daquela cláusula, em conjugação com o disposto nos anexos V e VI, a pensão do trabalhador corresponderá a uma percentagem (6) não da retribuição que por ele era auferida à data da passagem à situação de reforma, mas da retribuição fixada no anexo VI (7) que corresponder ao nível salarial em que ele se encontrava, aquando da passagem à reforma.

Perante a univocidade do texto da cláusula, temos de entender que as partes outorgantes do ACTV quiseram adoptar como valor de referência para o cálculo da pensão de reforma, não o valor da retribuição auferida pelo trabalhador, mas o valor fixado no anexo VI correspondente ao nível salarial em que o mesmo se encontrava à data da passagem à situação de reforma. O disposto no art. 9.º do C. C., especialmente o disposto no seu n.º 2, não permite que o n.º 1, al. a) da cláusula 137.ª e o anexo VI sejam interpretados de modo a que no cálculo da pensão seja levado em conta o valor da retribuição efectivamente auferida pelo trabalhador, em vez do valor da retribuição fixada no anexo VI. Uma tal interpretação seria manifestamente insustentável, por não ter um mínimo de correspondência verbal na letra daquela cláusula e daquele anexo.

Apesar de reconhecer que os conceitos de retribuição e de pensão de reforma são diferentes, o recorrente defende que aqueles conceitos são indissociáveis, sob pena de desvirtuamento do próprio sistema. Nesse sentido, alega que a Lei de Bases da Segurança Social estabelece como valor/padrão, para efeitos de reforma, o valor das remunerações registadas (8) e que, constituindo o regime de segurança social do sector bancário um subsistema de previdência, não pode o mesmo estar em contradição e em oposição com o regime geral da segurança social. A entender-se de outro modo, diz o recorrente, o regime do ACTV e a prática do recorrido ofendem o disposto no art. 6.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) do D.L. n.º 519-C1/79, de 29/12, na Lei de Bases da Segurança Social e no n.º 5 (9) .
Todavia, salvo o devido respeito, tal argumentação não merece acolhimento, dado que o regime de segurança social dos trabalhadores bancários é um regime especial, que tem sido salvaguardado pelas sucessivas leis de bases da Segurança Social, como atrás já foi referido.


E o mesmo acontece relativamente ao disposto no n.º 4 do art. 63.º da CRP, dado que este preceito constitucional é totalmente omisso acerca da retribuição que deve servir de referência ao cálculo das pensões de reforma, limitando-se a estatuir que "todo o tempo de trabalho contribuiu, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado."
E sendo assim, a alegada violação do disposto nas alíneas a), b) e c) do art. 6.º do DL n.º 519-C1/79 (10) também deixa de ter razão de ser, uma vez que, segundo o recorrente, a violação daqueles dispositivos legais resultava da violação do regime geral da segurança social e da violação do disposto no n.º 4 do art. 63.º da CRP, violação essa que não ocorreu, como já foi referido.

3. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 11 de Maio de 2005
Sousa Peixoto,
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha.
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(1) - Vide acórdãos, todos da 4.ª secção, de 10.4.2002 (proc. n.º 4427/01), de 29.5.02 (proc. n.º 3719/01), de 19.6.02 (proc. n.º 3718/01), de 16.10.02 (proc. 3897/01) e de 13.11.02 (proc. 4274/01, in CJ - Acórdãos do STJ - 2002, tomo III, pag. 273).
(2) - Proc. n.º 361/04, da 4.ª secção, de que foi relator o Ex.mo Juiz Conselheiro Paiva Gonçalves.
(3) - Vide art. 69.º da Lei 28/84, de 14/9, art. 109.º da Lei n.º 17/2000, de 8/8 e art. 123.º da Lei n.º 32/2002, de 20/12.
(4) - Publicado no BTE n.º 42, de 15/11/94.
(5) - A cláusula 137.ª que tem por epígrafe "Doença ou invalidez, insere-se no Capitulo XI (Benefícios sociais) e tem o seguinte teor, na parte que ao caso sub judice interessa:
"1 - No caso de doença ou invalidez, ou quando tenham atingido 65 anos de idade (invalidez presumível) os trabalhadores em tempo completo têm direito:
a) Às mensalidades que lhe competirem de harmonia com a aplicação das percentagens do anexo V às retribuições fixadas no anexo VI;"
(6) - Tal percentagem será a que, segundo o anexo V, corresponder à antiguidade do trabalhador.
(7) - As retribuições fixadas no anexo VI correspondem, grosso modo, às retribuições de base líquidas dos respectivos níveis salariais.
(8) - A esse propósito, o autor invoca o disposto no art. 55.º da Lei n.º 17/2000 e no art. 26.º da Lei 28/84, nos termos dos quais o critério fundamental para determinação do montante das prestações pecuniárias substitutivas dos rendimentos do trabalho é o nível desses mesmos rendimentos.
(9) - Como resulta do teor do último parágrafo de fls. 4 das suas alegações (fls. 146 dos autos), o recorrente quis referir-se ao n.º 4, e não ao n.º 5 do art. 63 da CRP.
(10) - As alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 6.º do DL n.º 519-C1/79 têm o seguinte teor:
"1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:
a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;
b) Contrariar normas legais imperativas;
c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido na lei;"