Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
674/02.8TJVNF.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
MORA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1 – A excepção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

2 – É uma verdadeira excepção, uma forma de defesa (indirecta) do devedor-credor, em que este invoca factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do credor-devedor.

3 – Como meio de defesa que é, deve a exceptio ser invocada pela parte a quem aproveita, que com ela visa paralisar temporariamente a pretensão da contraparte.

4 – A empreitada é um contrato bilateral, do qual emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes: a obrigação de realizar uma obra tem como contrapartida a obrigação de pagar o preço.

5 – Num contrato de empreitada, a invocação da exceptio pelo dono da obra a quem é pedido o pagamento do preço, e que invoca o cumprimento defeituoso da obrigação do empreiteiro, é independente do pedido de eliminação dos defeitos por aquele formulado em reconvenção, e o seu conhecimento (da excepção) deve, na economia da sentença, preceder o conhecimento sobre a excepção de caducidade do mencionado pedido reconvencional.

6 – O cumprimento defeituoso constitui um tipo de não cumprimento das obrigações, e são-lhe aplicáveis as regras gerais da responsabilidade contratual; daí que, no contrato de empreitada, o recurso ao instituto da excepção do não cumprimento do contrato seja admissível em caso de prestação imperfeita ou defeituosa (exceptio non rite adimpleti contractus).

7 – A exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono da obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação.

8 – Nos casos em que, por inverificados os seus pressupostos, não é legítimo exercer a exceptio, o retardamento do excipiens no cumprimento da sua prestação fá-lo incorrer em mora, nos termos gerais (art. 804º e ss. do CC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA – Construção, L.da intentou, em 11.09.2002, no 3º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Famalicão, contra BB e mulher CC, a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação dos réus
a) a reconhecerem que não cumpriram o contrato de empreitada e o seu aditamento que com ela firmaram, e
b) a pagarem-lhe a quantia de € 19.206,71, acrescida dos juros que entretanto se vencerem, contados sobre o capital inicial em dívida de € 13.617,18, à taxa legal permitida para as operações comerciais, até integral e efectivo pagamento.
Fundou a sua pretensão no incumprimento, pelos demandados, de um contrato de empreitada que com ela celebraram em 14.06.96, e no respectivo aditamento, formalizado em 09.02.98, respeitantes à construção de uma habitação para aqueles, de que os réus não pagaram a totalidade do preço acordado.
Os réus contestaram e deduziram reconvenção, alegando que alguns meses depois de concluída a obra constataram a existência de vícios na construção, e que a autora prometeu eliminar, não o tendo, porém, feito, pelo que lhes assiste o direito de recusar o pagamento das quantias ainda em dívida até que a autora elimine tais defeitos. E pediram a condenação da autora/reconvinda a
- eliminar, por si e à sua custa, os defeitos que especificaram, no prazo razoável de quatro meses ou noutro que venha a ser fixado pelo Tribunal;
- eliminar, por si e à sua custa, os defeitos que vierem a detectar-se no seguimento da antecedente reparação; e
- indemnizar os reconvintes pelos prejuízos que a eliminação dos defeitos lhes causa, resultantes da retoma pela reconvinda do prédio em causa (habitação e comércio), a liquidar em execução de sentença.
Subsidiariamente, caso não sejam eliminados os defeitos no prazo aludido, pediram a condenação da reconvinda a ver reduzido o preço da empreitada no montante de € 15.000,00.
A autora replicou, defendendo, em síntese, que os réus receberam a obra e não lhe apontaram qualquer defeito, e nem posteriormente, até ao presente, o fizeram, nem ela, autora, alguma vez reconheceu a existência de defeitos na obra por si realizada. De todo o modo, sempre teria caducado o direito dos réus a verem eliminados os defeitos ou a reclamarem indemnização.
Com a tréplica dos réus seguiu o processo a sua legal tramitação, sendo que, no despacho saneador foi relegado para final o conhecimento da arguida excepção de caducidade, operando-se, do mesmo passo, a fixação da matéria de facto (factos assentes e base instrutória) com interesse para a decisão da causa.
Vieram ainda os réus apresentar articulado superveniente, alegando novos defeitos, entretanto detectados, a que ligaram os mesmos efeitos e as mesmas pretensões afirmados na sua contestação-reconvenção – articulado a que a autora respondeu, sustentando a sua inadmissibilidade.
O Ex.mo Juiz proferiu despacho de rejeição do articulado, que houve por intempestivamente apresentado, tendo os réus interposto recurso de agravo desta decisão, o qual foi admitido, com subida diferida.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Da sentença apelou a autora.
A Relação do Porto proferiu acórdão em que concedeu provimento ao agravo dos réus, revogando o despacho que rejeitou o articulado superveniente por estes apresentado, e declarou precludido o conhecimento da apelação.

Retornados os autos à 1ª instância, foram aditados à base instrutória os factos do articulado superveniente, tendo-se efectuado novo julgamento, incidente apenas sobre esses factos, e sido proferida nova sentença, na qual
i) - se entendeu que se mantinha o anteriormente decidido na primeira sentença; e
ii) - se conheceu apenas da matéria do articulado superveniente, condenando a autora a realizar, no prazo de 4 meses, todas as obras e trabalhos com vista à eliminação dos defeitos existentes no prédio dos réus, e descritos de 1) a 7) dos factos provados (segundo a numeração dessa sentença) [ou seja, dos defeitos alegados no dito articulado superveniente], absolvendo-a do restante pedido contra si deduzido (no mesmo articulado superveniente, entenda-se).
Para assim se decidir [ponto ii)], teve-se por inverificada a excepção de caducidade arguida pela autora na resposta ao articulado superveniente, e por assente que “não tendo a autora logrado provar que é alheia aos aludidos defeitos, o pedido reconvencional nesta parte não pode deixar de proceder, com a consequente condenação da autora/empreiteira a reparar os provados defeitos, fixando-se para o efeito um prazo de quatro meses, que equitativamente se entende ser suficiente para a realização das obras em causa”.

Recorreu, de novo, a autora.
E a Relação, na parcial procedência da apelação, condenou os réus a pagarem à recorrente a quantia reclamada de € 19.206,71, acrescida de juros vencidos desde a propositura da acção e vincendos sobre o capital de € 13.617,18, à taxa legal permitida para as operações comerciais, até integral e efectivo pagamento, “revogando-se a sentença apelada, nesta parte.”
Quanto ao mais, disse manter o decidido.

Agora são os réus que, inconformados, reagem contra o acórdão da Relação, dele interpondo o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal.
E, no remate das suas alegações de recurso, formulam as seguintes conclusões:
1ª – A declaração de caducidade (procedente) relativamente à matéria primeiramente julgada, apenas teve efeito e repercussão no que respeita ao pedido reconvencional, e só a este;
2ª – Isso em nada afectou a sentença da 1ª instância, que considerou que os recorrentes podem recusar o pagamento do preço em falta, ao abrigo do art. 428º/1 do Cód. Civil (CC), até que sejam corrigidos ou eliminados os defeitos, e que, enquanto tal situação se mantivesse, a exigibilidade do pagamento do preço ficaria suspensa;
3ª – Dado que o julgador a quo se absteve de analisar e decidir em concreto a defesa por excepção deduzida pelos recorrentes na contestação, ao invocarem a seu favor a excepção de não cumprimento do contrato, tal só pode determinar que se mantenha incólume a sentença da 1ª instância, no que especificamente se refere aos defeitos circunstanciados em primeira mão (antes dos invocados no articulado superveniente);
4ª – Abordando a questão quer no que respeita à matéria primeiramente assente (cfr. n.os 1 a 25 dos factos assentes), quer no que concerne aos defeitos da obra invocados no articulado superveniente (cfr. n.os 26 a 32 dos factos assentes), é consensual que a exceptio non adimpleti contractus (arts. 428º a 431º do CC) se analisa na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar o cumprimento da obrigação a que se acha adstrita enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo,
5ª – Operando nos contratos bilaterais e quando os prazos de cumprimento sejam simultâneos ou, sendo estes diferentes, apenas a parte que beneficie de prazo mais alargado é que pode usar da faculdade em causa, como ocorre no caso em apreço;
6ª – A exceptio opera também no caso de cumprimento defeituoso – como ocorre nos autos – em que o demandado pode recusar a sua prestação enquanto a outra não for completada ou corrigida;
7ª – A obra em causa foi entregue pela recorrida aos recorrentes em 27.02.98, ficando acordado entre as partes que o pagamento (pelos recorrentes) seria efectuado em prestações, tendo estes emitido duas letras de câmbio, do valor total de € 13.617,18 – o capital inicial – sendo uma de € 7.132,81, com vencimento em 30.11.98, e outra no valor de € 6.484,37, com vencimento em 31.01.99;
8ª – Concluída a obra, a recorrida entregou-a aos recorrentes naquela data de 27.02.98, nada tendo estes detectado de anormal; mas em finais de Maio de 1998 começaram a deparar com vícios no edifício construído, concretamente os mencionados nas al. a) a d) do n.º 20) dos factos assentes;
9ª – Aparecerem vícios no edifício tão pouco tempo depois de a recorrida dar como concluídos os trabalhos, só pode significar que a obra foi executada defeituosamente;
10ª – Neste contexto, assiste aos recorrentes o direito de recusar o pagamento, invocando a exceptio non adimpleti contractus no momento em que lhe é judicialmente exigido o pagamento da prestação correspondente aos trabalhos que a determinam, como ocorreu de facto;
11ª – É que a exceptio é concedida como um instrumento destinado a manter um sinalagma funcional até ao momento do cumprimento, o que manifestamente não ocorreu pela recorrida;
12ª – Sendo certo que a obrigação dos recorrentes, de pagar a restante parte do preço, só se venceria (e vence) com a execução, sem defeitos, da obra a que a recorrida (empreiteira) estaria e está compelida a realizar;
13ª – Não é, pois, correcto o entendimento do acórdão recorrido quando decide pela falência da pretensão dos recorrentes, ao invocar a exceptio face aos defeitos primeiramente articulados, atenta a procedência da excepção de caducidade;
14ª – Como não o é relativamente aos defeitos invocados no articulado superveniente, porquanto, ainda que os mesmos tivessem sido conhecidos em data posterior ao do vencimento das duas letras de câmbio referenciadas, como o foram, (uma vencida em 30.11.98 e a outra em 30.01.99) o certo é que, ao invés do afirmado no acórdão recorrido, nessas datas não era já devido o pagamento,
15ª – Não se achando, pois, vencida a sua obrigação de pagar a restante parte do preço, que pressuporia a execução prévia e sem defeitos pela empreiteira;
16ª – Sendo certo que, na parte respeitante aos defeitos invocados supervenientemente, a denúncia ocorreu dentro de um ano após o aparecimento, o pedido de eliminação ocorreu na data da denúncia e um dia antes de decorrerem cinco anos sobre a entrega da obra;
17ª – Pelo que, também por esta via, não tem razão o acórdão recorrido, ao considerar que “… não tendo os réus notificado à autora por qualquer meio aqueles defeitos e reclamado a sua eliminação, esta não se pode considerar parte faltosa no contrato”;
18ª – Tal, manifestamente, não pode ser, por profundamente desrespeitador e contrário à boa fé, que exige, inter alia, o respeito pela ideia, sempre presente nos contratos bilaterais, de preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas;
19ª – Deve, assim, revogar-se o acórdão recorrido, no sentido de que os recorrentes podem recusar o pagamento do preço em falta, até que sejam corrigidos ou eliminados os defeitos existentes;
20ª – Não são devidos juros, vencidos e vincendos, porque a recorrida cumpriu a sua prestação de forma defeituosa: enquanto não reparar os vícios referenciados nos autos tal prestação não se acha totalmente cumprida;
21ª – Motivo por que os recorrentes, tendo deparado com tais vícios em finais de Maio de 1998, licitamente não realizaram a sua prestação de pagamento das duas letras de câmbio com vencimento em 30.11.98 e 31.01.99;
22ª – O acórdão recorrido violou os arts. 428º/1, 763º/1 e 805º/1, todos do CC.

A recorrida apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2.

São os seguintes os factos provados:

1) A autora dedica-se à actividade industrial de construção civil.

2) Os réus e a autora acordaram, em 14.06.96, que esta se comprometia a construir uma habitação e edifício anexo, incorporado no mesmo prédio, para estabelecimento comercial, para aqueles, contra o pagamento dum preço acordado.

3) Em 09.02.98 a autora e os réus celebraram “aditamento final” ao acordo firmado em 14.06.96, comprometendo-se a autora a retomar a obra em causa, procedendo à sua conclusão final, com início nesse mesmo dia e termo até 23.02.1998.

4) A obra de conclusão a efectuar pela autora aos réus, incluía a colocação de antiderrapante em todo o pavimento exterior,

5) A construção de betonilha sobre massame, formando passeio até às botijas de gás, e

6) Fornecimento e aplicação da tijoleira, igual à colocada na cozinha, na zona onde se situa a futura churrasqueira.

7) A autora e réus, reconheceram e aceitaram que o valor em dívida por estes àquela era de € 30.224,41 (Esc. 6.059.450$00), montante esse que englobava todas as obras, materiais, serviços, mão de obra, etc. previstas na obra em causa e em todos os documentos celebrados, incluindo o presente.

8) Tal montante de € 30.224,41 seria pago pelos réus à autora em prestações,

9) Sendo a primeira de € 12.469,95 (esc. 2.500.000$00) com a conclusão da obra, entrega da chave e cópia do pedido de vistoria, nos termos melhor definidos na clausula 1ª, parágrafos 1º e 2º do contrato junto aos autos mediante recibo de quitação da ré;

10) A quantia de € 11.279,09 (esc. 2.259.450$00) através de 3 letras de câmbio, correspondendo a cada uma o valor de € 3.756,70 (esc. 753.150$00), sendo a primeira com vencimento em 31.07.1998, a segunda com vencimento em 31.08.1998 e a terceira com vencimento em 30-09-1998;

11) A restante quantia de € 6.484,37 (esc. 1.300.000$00) seria liquidada a 31 de Janeiro de 1999, conferindo a autora, com este pagamento, a competente e integral quitação.

12) Os réus emitiram duas letras de câmbio, uma no valor de € 7.132,81 (esc. 1.430.000$00), com data de emissão de 25.09.1998 e com data de vencimento de 30.11.1998 e uma outra no valor de € 6.484,37 (esc. 1.300.000$00) com data de vencimento em 31.01.1999.

13) Por seu turno os réus iam procedendo à sua obrigação de pagamento do preço nas condições acordadas.

14) Concluída a obra, a autora entregou-a de facto aos réus em 27 de Fevereiro de 1998, que nada detectaram de anormal.

15) A autora reiniciou o fornecimento dos materiais solicitados e a colocação dos mesmos conforme o aditamento do contrato firmado com os réus.

16) Apresentando em 31.01.1999, as contas entre autora e réus um saldo favorável àquela de € 13.617,18 (esc. 2.730.000$00), titulado por duas letras.

17) Tais letras foram apresentadas a cobrança na agência de Vila Nova de Famalicão no Banco BPI desta cidade.

18) Como os réus na data de respectivo vencimento não procederam ao seu pagamento na mencionada agência, depois de avisados para o efeito,

19) Tais letras foram devolvidas à autora como incobradas e os réus posteriormente nunca procederam ao seu pagamento.

20) Volvidos porém alguns meses, em finais de Maio de 1998, os réus começaram a deparar com vícios no edifício construído, a saber:
a) Descasque das tintas aplicadas nas pinturas das paredes e cornija da casa (interior e exterior), do estabelecimento comercial (exterior), da garagem (exterior), da parede do muro lateral do edifício e do portão de entrada para habitação;
b) Fendas e rachas no tecto do quarto de banho do estabelecimento comercial (Café Aquário), no tecto do “hall” de entrada da habitação, no tecto do quarto de banho de serviço da habitação, no tecto do corredor e nos tectos dos quatro quartos;
c) Humidade no tecto da marquise (exterior) da habitação e da garagem, por infiltração de águas;
d) Queda do gesso do tecto da cozinha, na parte situada junto à respectiva chaminé.

21) Tais defeitos foram aumentando na sua incidência com o decurso do tempo.

22) Até hoje a autora não realizou o que quer que fosse no sobredito prédio, tendo em vista a eliminação dos defeitos aqui descritos.

23) Tal acarreta que a situação actual dos sobreditos vícios, tenha a configuração constante dos documentos (fotografias) juntas aos autos, concretamente:
a) Descasque das tintas aplicadas nas pinturas das paredes e da cornija de casa (interior e exterior) (fotos n.os 1 a 8) - Das paredes e da cornija exteriores do estabelecimento comercial (fotos n.os 9 e 10) - Das paredes e cornija exteriores da garagem (foto n.º 11) - Do muro lateral do edifício e do portão de entrada para a habitação (fotos n.os 12 e 13),
b) Fendas e rachas no tecto do quarto de banho do estabelecimento comercial (Café Aquário) (fotos n.os 14, 15 e 16) - No tecto do hall de entrada da habitação (foto n.º 17 - No tecto do quarto de banho (de serviço) da habitação (fotos n.os 18 e 19) - No tecto do corredor (foto n.º 20) e - Nos tectos dos quatro quartos (fotos n.os 21 e 22),
c) Humidade no tecto da marquise (exterior) da habitação e da garagem (foto n.º 4 e n.º 11), e
d) Queda do gesso do tecto da cozinha, na parte situada junto à respectiva chaminé (fotos n.os 23 e 24).

24) Os defeitos aqui enunciados no n.º 20) (quesito 14º) eram desconhecidos dos réus aquando da entrega do prédio no seu todo.

25) Os réus, posteriormente, até à presente data, nunca reclamaram por escrito perante a autora, qualquer defeito na construção efectuada por esta.

26) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 26.02.03 e posterior a 11.09.02, os réus reconvintes detectaram que nas paredes laterais do corredor principal e em duas paredes laterais do quarto de casal, junto à porta de entrada, começaram a aparecer manchas de humidade,

27) Que com o decorrer dos dias se vêm tornando cada vez mais intensas,

28) Tendo já em alguns pontos de incidência aparecido bolores, começando as paredes a descascar, afectando a respectiva tinta e gesso existentes.

29) Alarmados com o sucedido e com o aumento das humidades, os réus/reconvintes procuraram inteirar-se da origem do que estava a acontecer e, através de técnico competente, foi-lhes dito que tinha existido um rebentamento da canalização da água quente junto ao solo, a qual dada a acumulação de água existente, começou a alastrar pelas paredes.

30) O aumento das águas deveu-se ao rebentamento da canalização da água quente, junto ao solo, a qual, dada a acumulação de água existente, começou a alastrar pelas paredes.

31) A solda da união de dois tubos estava picada, permitindo a saída de água.

32) O sucedido implica que os réus/reconvintes disponham na sua habitação de um caudal de água quente reduzido a mais de metade do normal.
3.

São, como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso, o que vale dizer que o tribunal ad quem, para além das questões de conhecimento oficioso, só conhece das que são suscitadas em tais conclusões.
Convém, porém, antes de se entrar na apreciação das questões de que cumpre conhecer, precisar os termos da decisão da 1ª instância, dada a forma, pouco clara, como vem definida a parte decisória da sentença (1). São estes:
- absolvição dos réus dos pedidos contra eles formulados na p.i.;
- absolvição da autora dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos réus/reconvintes na contestação;
- condenação da autora a realizar, no prazo de 4 meses, todas as obras e trabalhos com vista à eliminação dos defeitos existentes no prédio dos réus, e descritos de 1) a 7) dos factos provados. [Estes factos são os indicados nos n.os 26) a 32) do rol dos factos assentes (ut supra, n.º 2.), alegados no articulado superveniente e oportunamente aditados à base instrutória, em consequência da 1ª decisão da Relação];
- absolvição da autora “do restante pedido contra si deduzido” (no articulado superveniente).
Os fundamentos desta decisão foram, em síntese, os seguintes:
Na sua contestação, os réus invocaram a excepção de não cumprimento do contrato, com base nos defeitos que a obra veio a apresentar.
Esta excepção procede, pelo que os réus podem recusar o pagamento do preço em falta até que sejam corrigidos ou eliminados tais defeitos.
Enquanto tal situação se mantiver, a exigibilidade do pagamento do preço fica suspensa. Daí a improcedência dos pedidos da autora.
Quanto à reconvenção:
A autora, na réplica, invocou a excepção de caducidade.
Provou-se que os réus não reclamaram até hoje, por escrito, qualquer dos defeitos que vieram a aparecer na obra; mas, mesmo que tenham reclamado verbalmente a sua existência, o certo é que apenas reclamaram a sua eliminação em 17.10.2002, data da entrada da contestação/reconvenção, muito mais de um ano após o seu surgimento, em finais de Maio de 1998.
Procede, pois, a invocada excepção de caducidade, pelo que o pedido reconvencional terá de ser julgado improcedente.
Quanto ao articulado superveniente, já acima ficaram indicadas, em apertada síntese, as razões que fundaram a decretada condenação da autora: considerou-se inverificada a excepção de caducidade arguida pela autora na resposta ao dito articulado, e por assente que “não tendo a autora logrado provar que é alheia aos aludidos defeitos, o pedido reconvencional nesta parte não pode deixar de proceder, com a consequente condenação da autora/empreiteira a reparar os provados defeitos, fixando-se para o efeito um prazo de quatro meses, que equitativamente se entende ser suficiente para a realização das obras em causa”.
Por seu turno, o acórdão recorrido, na sua parte decisória, expressou-se pela forma já acima indicada, e que agora aqui se deixa transcrita:
Na procedência parcial da apelação, vão os réus condenados no pagamento à autora AA das quantias reclamadas de € 19.206,71, acrescidas de juros vencidos desde a propositura da acção e vincendos sobre o capital de dívida de € 13.617,18, à taxa legal permitida para as operações comerciais, até integral e efectivo pagamento, revogando-se a sentença apelada nesta parte.
Quanto ao mais, mantém-se o decidido.
Por si só, este segmento decisório da Relação é equívoco: dele não resulta, com clareza, quando analisado em conjugação com a sentença da 1ª instância, o que desta quis manter e o que dela revogou.
É preciso, para se perceber o que ficou de pé, após o acórdão da Relação, mergulhar na análise da sua fundamentação, e procurar extrair as indicações necessárias para eliminar as dúvidas acima referidas.

3.1. Ao conhecer o recurso da autora, disse a Relação, a concluir a apreciação da primeira questão que entendeu suscitada pela apelante – sobre a excepção de caducidade dos direitos de eliminação dos defeitos e de indemnização – que perfilhava o entendimento expresso na sentença apelada, quer quanto ao exercício, pelos réus, do direito de denúncia dos defeitos primeiramente alegados (na contestação), que foi considerado ferido de caducidade, quer quanto ao exercício do mesmo direito relativamente aos defeitos indicados no articulado superveniente, nessa parte não tolhido pela invocada caducidade.
Ou seja: aceitou que o direito de denúncia dos defeitos alegados pelos réus na contestação e o de reclamar a sua eliminação, porque não efectuado, o primeiro, nem actuado no prazo legal, o segundo, caducaram, tal como o pedido de indemnização também impetrado naquele articulado, mas que tal se não verificou quanto aos mesmos direitos (de denúncia dos defeitos e de eliminação destes) nem quanto ao direito de indemnização pelos prejuízos sofridos pelos réus, reportados aos defeitos posteriormente surgidos e invocados no articulado superveniente.
E, de imediato, avançou para o conhecimento de nova questão, a segunda, que caracterizou desta forma:
Isto posto, é tempo de nos ocuparmos com a segunda questão colocada, isto é, a excepção ao não cumprimento do contrato, que obviamente já só se prende com os defeitos invocados no articulado superveniente, dada a falência do que os réus requereram antes em face da declaração de caducidade [sublinhado de nossa autoria].
Entendeu, pois, a Relação que, claudicando o pedido reconvencional dos réus, por via da caducidade, no que tange à pretensão de eliminação dos defeitos primeiramente detectados e da correspectiva indemnização, prejudicada se mostravano tocante a essa matéria abrangida pela caducidadea apreciação da excepção de não cumprimento do contrato, de que os réus se serviram para recusar o pagamento, reclamado pela autora, da parte do preço ainda em dívida da empreitada.
Por outro lado, na análise da verificação da mesma excepção de não cumprimento do contrato, mas reportada aos defeitos invocados no articulado superveniente, veio a Relação a concluir que “nesta parte há que acolher a apelação, procedendo o pedido da autora, porquanto nos termos expostos não lhe é oponível a excepção ao não cumprimento face à inverificação dos requisitos de que depende a sua oponibilidade”.
Disse, a propósito, a Relação que não restam dúvidas de que “se por um lado tais defeitos vieram a ser conhecidos em data posterior à do momento em que era devido o pagamento (Janeiro de 1999) por outro lado não tendo os RR noticiado à autora por qualquer meio aqueles defeitos e reclamado a sua eliminação esta não se pode considerar parte faltosa no contrato.
Donde que nenhuma responsabilidade se lhe pode assacar em termos de não ter ainda cumprido integralmente (no sentido de ser isenta de erros) a sua prestação.
Os RR sim.
Não pagaram quando deviam.
Não reclamaram nada à autora até ao momento em que esta os acciona judicialmente para satisfazerem o crédito.
Afigura-se-nos sem dúvida que a mora é isso sim dos RR.”
Resulta, assim, deste entendimento, que foi por considerar prejudicado o conhecimento da excepção de não cumprimento do contrato, numa parte, e ter rejeitado a sua verificação, noutra parte, que a Relação condenou os réus nos termos supra indicados.
Todavia, não consta da parte decisória do acórdão, a expressa revogação da sentença, no que concerne à condenação da autora a realizar, em quatro meses, as obras e trabalhos necessários à eliminação dos defeitos aludidos no articulado superveniente e provados.
Quando a Relação diz que revoga a sentença apelada “nesta parte” quer referir-se, tão só, à parte em que a dita sentença absolvera os réus dos pedidos contra eles formulados na p.i. (ut supra). E, quando logo acrescenta que, quanto ao mais, mantém-se o decidido, tal asserção só tem uma leitura: a de que se mantêm inalteradas as demais decisões tomadas na sentença, entre elas a da condenação da autora a que se alude no parágrafo anterior. Isto, não obstante a inverificação da exceptio conduzir, em rectas contas, à insubsistência da mencionada condenação.
Deverá, pois, entender-se que se mantém essa decretada condenação (2).
Mas não só aí se constata o desacerto deste não inteiramente feliz acórdão da Relação.
A excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.
O princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas surge, em tais contratos, como consequência directa da sua interdependência funcional.
A empreitada é um contrato sinalagmático, do qual emergem obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes: a obrigação de realizar uma obra tem como contrapartida a obrigação de pagar o preço.
Não se suscitando dúvidas quanto ao funcionamento da exceptio nos casos de cumprimento defeituoso do contrato, não pode questionar-se a aplicabilidade do instituto no caso em apreço.
Como vai implicado na própria designação do instituto, a excepção de não cumprimento é uma verdadeira excepção – é, dizendo à maneira de JOSÉ JOÃO ABRANTES, “uma forma de defesa (indirecta) do devedor-credor, em que este invoca factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do credor-devedor”.
“É uma excepção material (ou de direito material), que se funda em razões de direito substantivo – o princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas – e se traduz na invocação de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do demandante”.
“É uma excepção dilatória, que corresponde a uma forma de defesa meramente temporária, subordinada à execução simultânea da contra-obrigação devedor” (3). .
Como tal, como meio de defesa que é, deverá a exceptio ser invocada pela parte a quem aproveita, que com ela visa paralisar temporariamente a pretensão da contraparte. Se proceder a excepção, a prestação devida pelo excipiens ficará suspensa, ficando o outro contraente impedido legitimamente de haver o seu direito de crédito enquanto não cumprir as suas obrigações para com aquele.
Sendo assim, não tem a decretada declaração de caducidade, à partida, qualquer reflexo sobre a exceptio e os efeitos desta.
A caducidade reporta-se ao pedido reconvencional deduzido pelos ora recorrentes contra a autora: os seus efeitos só em relação a esse pedido se produzem.
A exceptio, meio de defesa dos réus, é independente desse pedido reconvencional: podia ser invocada mesmo que estes não tivessem formulado tal pedido, pelo que não cabe restringir a apreciação da sua eficácia como se em causa apenas estivessem os defeitos invocados pelos mesmos réus no articulado superveniente. Aliás, em termos de estrita lógica processual, a apreciação da exceptio, nos moldes em que foi formulada, situa-se a montante da apreciação da excepção de caducidade, precedendo, pois, esta.
A própria Relação parece reconhecer esta natureza da exceptio, transcrevendo palavras do autor citado: a posição do excipiente é puramente defensiva, a invocação da excepção, só por si, não implica qualquer reclamação do seu crédito ou, pelo menos, qualquer intenção de o exercer.
É evidente que a exceptio pode improceder. Mas tal só poderá acontecer após a análise exaustiva dos seus fundamentos, e não já por força do que se decidiu em sede de caducidade do pedido reconvencional.
A metodologia correcta foi a seguida na sentença da 1ª instância. Em primeiro lugar, abordou-se aí a verificação da exceptio, deduzida pelos réus na contestação, tendo-se concluído pela existência de fundamento para a sua invocação, por isso se entendendo que os pedidos formulados pela autora não podiam proceder; e, de seguida, passou-se ao conhecimento do pedido reconvencional deduzido na contestação (e reportado, como já vimos, apenas aos defeitos referidos nessa peça processual), relativamente ao qual se analisou a excepção de caducidade arguida pela autora na réplica, e se julgou a mesma procedente, razão pela qual foi aquela pretensão reconvencional julgada improcedente.
Razão têm, pois, os ora recorrentes no que referem na conclusão 1ª da sua alegação.
Já, todavia, não procede o que sustentam nas duas seguintes conclusões. É que, como vimos, a Relação, ao partir para a análise da questão da improcedência da exceptio, suscitada no recurso da autora/apelante, considerou-a prejudicada no tocante aos defeitos pelos réus alegados na contestação, “dada a falência do que os réus requereram antes em face da declaração de caducidade”. O que vale dizer que, nessa parte, a Relação houve por improcedente a exceptio, como se tal improcedência resultasse, inelutável, do reconhecimento da ocorrência da caducidade do direito de denúncia daqueles defeitos, primeiramente detectados e alegados na contestação.

3.2. No caso em análise, os réus/recorrentes trazem à apreciação deste Supremo Tribunal, a questão de saber se podem valer-se da exceptio non adimpleti contractus, recusando o pagamento do preço em falta até que sejam corrigidos ou eliminados todos os defeitos da obra, inclusive os indicados nos n.os 20), 21) e 23), primeiramente alegados na contestação, e relativamente aos quais a sentença da 1ª instância considerou triunfar a excepção de caducidade, oposta pela autora ao pedido reconvencional daqueles, de eliminação desses defeitos e indemnização pelos inerentes prejuízos.
Importa, pois, apurar se os recorrentes logram opor triunfantemente à autora a excepção de não cumprimento, valendo-se, para tanto, não só da invocação dos defeitos alegados no articulado superveniente mas ainda dos alegados na sua contestação.
A excepção de não cumprimento do contrato vem retratada no n.º 1 do art. 428º do CC (4).: Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
O cumprimento defeituoso constitui um tipo de não cumprimento das obrigações, e são-lhe aplicáveis as regras gerais da responsabilidade contratual. Daí que, no contrato de empreitada, o recurso ao instituto da excepção do não cumprimento do contrato seja admissível em caso de prestação imperfeita ou defeituosa.
Porque, no caso de cumprimento defeituoso, a questão não se resume a um total incumprimento mas antes a uma prestação executada deficientemente, é usual adoptar-se a expressão «exceptio non rite adimpleti contractus».
No que respeita ao contrato de empreitada, o dono da obra pode, normalmente, excepcionar o pagamento do preço se este se vence depois ou simultaneamente com a entrega da obra. Pode, porém, acordar-se – o que sucede com frequência – num pagamento parcelar, com vencimentos periódicos anteriores à aceitação da obra, casos em que, tendo em conta o disposto nos arts. 429º e 781º, a admissibilidade da exceptio perante uma execução defeituosa é igualmente de sustentar, como peremptoriamente o afirma PEDRO ROMANO MARTINEZ(5)..
Embora a redacção do art. 428º possa suscitar algumas dúvidas, a doutrina e a jurisprudência têm, una voce, afirmado que a existência de prazos diferentes para a execução das obrigações sinalagmáticas não constitui obstáculo ao funcionamento da exceptio: esta, em princípio (6)., só não pode ser invocada pelo contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar, já que este, por isso mesmo, não pode fazer depender a realização da sua prestação do respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo.
Subjacente à tese a que os recorrentes dão voz, nas conclusões que apresentam, parece estar a ideia de que a invocação da exceptio non rite adimpleti contractus e a verificação dos seus efeitos, no caso de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, não depende da verificação de quaisquer requisitos outros, além dos que decorrem do preceituado no art. 428º citado.
Afigura-se-nos, porém, que assim não é.
Com efeito, a lei estabelece um regime especial para a salvaguarda dos direitos do dono da obra, no contrato de empreitada, sendo aplicável, no caso de imóveis destinados a longa duração, o disposto no art. 1225º, «sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes».
E, como decorrência desse regime, a exceptio non rite adimpleti contractus só poderá ser exercida, como bem explica PEDRO ROMANO MARTINEZ(7) “após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem. No caso de ser exigida a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pode não se estar, verdadeiramente, perante a figura da exceptio se o montante retido for igual ao da pretensão exigida; pois, no primeiro caso, a parte do preço que se retém não era devida e, no segundo, o credor, mediante o recurso à compensação (arts. 847º e ss.), extingue a dívida do preço. Porém, se o credor desconhece as repercussões do defeito no valor da coisa ou os danos causados, pode excepcionar o pagamento do preço em montante superior ao que se vier a apurar ser devido, e, desde que a diferença não seja exorbitante, não há responsabilidade. Se o credor resolver o contrato não se justifica o recurso à excepção de não cumprimento, pois as obrigações extinguem-se com eficácia retroactiva. Refira-se, todavia, que a exceptio pode ser usada na devolução das prestações subsequente à resolução do contrato.”
E o referido Professor acrescenta, de imediato:
“Para que o comprador ou o dono da obra se torne credor de qualquer dos direitos referidos (…), não basta que os defeitos tenham sido denunciados; torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio.”(8)
Na mesma linha de orientação, refere o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 11.11.76:
“(…) a lei geral – o artigo 799º do Código Civil – que prevê o cumprimento defeituoso da obrigação (e sê-lo-ia da parte do empreiteiro que não executou a obra em condições) não desobrigava o proprietário da prestação por si devida, nos termos do artigo 428º do citado Código (excepção do não cumprimento do contrato), enquanto os defeitos não fossem por este denunciados (…) ou reconhecidos pelo empreiteiro – artigo 1220º. Quer dizer, só após a denúncia ou o reconhecimento é que surgiria o crédito do proprietário por defeitos na obra, e só nessa altura é que seria justificável por força do artigo 428º, a recusa da prestação referente aos trabalhos efectuados.” (9).
Pode, assim, concluir-se que o dono da obra que for confrontado com o pedido de pagamento do preço da empreitada (ou de parte deste) só poderá valer-se da exceptio non rite adimpleti contractus se tiver já, junto do empreiteiro, pelo menos denunciado os defeitos da obra e pedido a sua eliminação (10).
Ora, no caso em apreço, os réus, ora recorrentes, receberam a obra em 27.02.98, não tendo nela detectado defeitos.
Em Maio de 1998 começaram a dar conta dos defeitos referidos no n.º 20) da matéria de facto assente, que se foram agravando com o decurso do tempo, evoluindo para a configuração descrita no n.º 23).
Todavia, esses defeitos – que eram desconhecidos dos réus aquando da recepção da obra – não foram posteriormente denunciados à autora (n.º 25) dos factos provados), nem, obviamente, a esta foi pedida a sua eliminação, nem tão pouco se mostra que por ela hajam sido reconhecidos.
Tais defeitos só foram invocados pelos réus na sua contestação, como fundamento da exceptio.
Mas, por ser assim, não se mostrando que houvessem sido feitas a denúncia dos defeitos e o pedido da sua eliminação, pelos réus, ou o seu reconhecimento, pela autora, segue-se que os demandados não tinham qualquer razão para recusarem o pagamento da prestação que lhes era exigida pela demandante, isto é, não tinham fundamento para a invocação da exceptio.

3.3. No que tange aos defeitos invocados no articulado superveniente – os descritos nos n.os 26 e seguintes dos factos provados – verifica-se que eles começaram a surgir em data indeterminada, situada entre 11.09.2002 e 26.03.03, e se vêm acentuando com o decurso do tempo. Mas também quanto a estes defeitos se verifica a mesma circunstância já referenciada a propósito dos anteriores: não se mostra provado que os réus/recorrentes tenham feito a sua denúncia e reclamado a sua eliminação. E sobre eles impendia o ónus de alegar e provar, não só a existência dos defeitos, como também o de terem feito a sua denúncia e exigido a sua reclamação (cfr. acórdão da Relação do Porto de 12.06.2003, citado na antecedente nota de rodapé).
Nem se percebe muito bem o alcance das conclusões 14ª e 15ª da alegação dos recorrentes, quando referem que, nas datas de vencimento das duas letras de câmbio, “não era já devido o pagamento” e que não se achava “vencida a sua obrigação de pagar a restante parte do preço, que pressuporia a execução prévia e sem defeitos pela empreiteira”.
Parece claro que o pagamento era devido, mesmo que procedesse a exceptio (e já vimos que não procedia por referência aos defeitos alegados na contestação): o exercício da excepção não extingue o direito da contraparte, apenas o paralisa temporariamente; tem tão só um efeito dilatório, um retardamento da prestação por parte de quem dela beneficia, até cessar o incumprimento da outra parte. Mas para que tal suceda é necessário – como já foi referido ad nauseam – que os pressupostos da excepção tenham sido cumpridos, entre eles a prévia denúncia dos defeitos pelo dono da obra e a exigência da sua eliminação, que não se mostram observados no caso concreto. A exceptio “apenas poderá ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados” (cfr. citado acórdão da Relação do Porto).
E, por tudo isto, vem a despropósito a afirmação do desrespeito do princípio da boa fé, cuja invocação, pelos recorrentes, não se mostra suficientemente justificada nem caracterizada. Sendo inegável que a não contrariedade à boa fé é uma regra que postula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas, não se vê como tal princípio tenha sido postergado no caso em apreço, em que, além do mais, subsiste (porque não foi alterada ou revogada pela Relação) a condenação da autora a eliminar os defeitos alegados no articulado superveniente.
De resto, também a oponibilidade da exceptio supõe, além dos pressupostos enunciados no art. 428º/1 do CC, o mesmo princípio da não contrariedade à boa fé, e, neste campo, a regra da adequação entre a ofensa do direito do contraente que invoca a excepção e o exercício desta.
Assim, e como resulta do que já se deixou suficientemente evidenciado, a exceptio não poderia ser pelos mesmos réus validamente oposta à autora, improcedendo tudo quanto vem, ex adversu, por estes sustentado.

3.4. Quanto aos juros:
É seguro que, quando se verificam os requisitos de admissibilidade da exceptio, quando esta é regular ou licitamente invocada, a recusa do excipiens em cumprir a sua prestação não o faz incorrer em mora, e não acarreta as consequências desta, maxime em matéria de juros.
E isto quer se repute a exceptio como uma causa justificativa do incumprimento de quem a invoca, quer se entenda que nem sequer se está perante uma situação de incumprimento do excipiente (mesmo que justificado), mas antes em face de uma situação de inexigibilidade.
Todavia, nos casos em que não é legítimo exercer a exceptio, por inverificados os seus pressupostos, o retardamento do excipiens no cumprimento da sua prestação fá-lo incorrer em mora, nos termos gerais (art. 804º e ss. do CC).
É o que sucede no caso em apreço.
Daí que aos recorrentes faleça razão, na defesa que fazem de não serem devidos juros (conclusões 20ª e 21ª da sua alegação).
4.

Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se, embora com diferente fundamentação, e nos termos sobreditos, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 26 de Novembro de 2009


Santos Bernardino (Santos Bernardino)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
________________________

(1) A (segunda) sentença incorporou a primeira decisão, mas a parte decisória daquela não refere, como devia, o teor do decidido nesta.
(2) Que não pode ser aqui alterada, sob pena de se agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que seria se ele não tivesse recorrido (proibição da reformatio in pejus).
(3) Anotação ao Ac. Rel. Porto, de 19.09.2006, em Cadernos de Direito Privado, n.º 18 Abril/Junho 2007, pág. 53 e ss. (57).
(4) São deste Código as normas citadas na exposição subsequente sem indicação do diploma a que pertencem
(5) Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Almedina, pág. 327.
(6) Princípio que, porém, comporta excepções – e, desde logo, a prevista no art. 429º do CC. Mas não só essa, como explica José João Abrantes (Cadernos …, anotação citada, pág. 54, nota (3)).
(7) Obra citada, pág. 328.
(8) Obra citada, págs. 328/329.
(9) BMJ 261, pág. 137 e ss.
(10) Neste sentido decidiu também a Relação do Porto, nos seus acórdãos de 12.06.2003 (Proc. n.º 0333051) e de 29.11.2006 (Proc. n.º 0626124), disponíveis em www.dgsi.pt.