Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B1745
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DUARTE SOARES
Nº do Documento: SJ200207090017452
Data do Acordão: 07/09/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1125/01
Data: 12/10/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A, com sede em Nova Iorque, instaurou acção ordinária contra B. com sede no Porto, C com sede na Suíça, D com sede em Bermuda, e E, representado por F pedindo a condenação solidária das RR a pagar-lhe 67199,44 dólares com juros de mora desde a data da última citação alegando, no essencial, que adquiriu em Portugal, para revender a G, determinada quantidade de flanela de algodão e, para o efeito, contratou com as duas primeiras RR o transporte dessa mercadoria, embarcada no Porto de Leixões, para Hong Kong, a efectuar pelo 4º R, um navio, mas, por atraso na viagem e entrega, sofreu prejuízos no valor do montante reclamado. O 4º R, navio russo mercante transportador de carga geral, pertencia à USSR-"H" e foi quem transportou o contentor com aquela carga. A 3ª R, foi demandada como seguradora do contrato de transporte.
Citadas as RR, veio a representante do R E chamar à autoria H, com sede em Odessa e Amimnster - Agência Marítima Internacional, a primeira como proprietária do navio e a segunda como armadora. Opôs-se a A após o que foi indeferido o chamamento
Todas as RR contestaram excepcionando a caducidade do direito da A, e as RR D e E a sua ilegitimidade.
Foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e caducidade.
Recorreram as RR D e E tendo os recursos sido admitidos como agravo a subir diferidamente.
Foi, a final, proferida sentença, que conhecendo da excepção de ilegitimidade da Ré D
julgou-a procedente absolvendo-a da instância; julgou improcedente a acção quanto às RR B e C e, julgando-a procedente apenas quanto ao Réu E condenou-o a pagar à A a quantia de 67199,44 dólares EUA com juros desde a última citação.
Conhecendo dos agravos das RR D e E respeitantes à excepção de caducidade, a Relação do Porto negou-lhes provimento; concedeu provimento ao agravo de E no que concerne à "actio in rem" revogando a decisão no que respeita à legitimidade de accionar "in rem" o Navio absolvendo-o da instância e, consequentemente, não conheceu da apelação que este interpôs da condenação de que foi alvo não subsistindo, por isso, a sentença na parte em que o condenou; negou provimento ao recurso da A, mantendo a absolvição da R B. ainda que por diverso fundamento.
Pede agora revista a Autora A que, alegando, conclui assim:
1 - A R B actuou como transitária a pedido da A e, nessa qualidade, competia-lhe efectuar, por conta da A, a planificação, controle, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação das mercadorias da A.
2 - Da prova resulta que ela não controlou nem coordenou as operações exigidas a uma correcta expedição e circulação da mercadoria quer porque emitiu documentos (conhecimentos de embarque) com informações falsas quer porque não manteve qualquer contacto com o transportador, a ponto de desconhecer a rota utilizada pelo navio e ter levado mais de um mês a apurar o seu paradeiro.
3 - A falta de acompanhamento da viagem contribuiu para o atraso verificado pois o transitário não se inteirou da rota (não habitual) que o navio tomou, o que podia e devia ter previsto pois uma das suas obrigações é planificar e coordenar a circulação das mercadorias.
4 - Violou, assim, a B, grosseiramente, os deveres de zelo e diligência que a lei - DL 43/83 de 25/1 - lhe impunha na sua qualidade de transitário.
5 - Ainda que assim se não entenda, poderá igualmente responsabilizar-se a B nos termos do art. 483º do CC pois estão presentes todos os requisitos da responsabilidade civil, já que houve conduta negligente por não ter actuado de acordo com as obrigações a que está adstrita enquanto transitária. Bastando-se aquela disposição com a mera culpa, facilmente se conclui que os interesses da A resultantes do contrato de transporte foram ilicitamente lesados na medida em que aquele diploma foi grosseiramente violado; existe dano e é evidente a existência de nexo de causalidade entre a conduta e os danos.
6 - Na verdade, um atraso de dois meses menos uma semana é causa adequada para a perda de interesse no negócio por parte de G e, consequentemente, dificuldade de revenda das mercadorias pois, sem o atraso, o comprador teria a mercadoria em seu poder a tempo e horas.
7 - Existe, pois, a obrigação de indemnização na medida em que esta surge em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - art. 563º do CC - .
8 - Foram violadas as normas dos arts. 1º e 9º do DL 43/83, 483º, 798º, 799º e 562º do CC.
Respondeu a recorrida B batendo-se pela confirmação do julgado.
Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.
É uma acção para efectivação de responsabilidade civil por atraso de entrega de mercadorias respeitante a um contrato de transporte marítimo.
Das diversas questões suscitadas - caducidade da acção, ilegitimidade dos RR D e E, - as instâncias pronunciaram-se decidindo pela improcedência da excepção de caducidade, pela legitimidade das RR D, E sendo a deste decidida pela Relação por considerar que não estavam presentes os requisitos para ser accionado "In rem".
Quanto ao mais, o acórdão ora sob recurso, absolveu todas os RR do pedido, sendo que quanto ao R, a revogação da decisão na parte em que o condenou, resultou da sua absolvição da instância.
A presente revista tem por objecto a decisão apenas na parte em que absolveu do pedido as RR B e A, A.G que intervieram no contrato como afretadoras sendo aquela como agente desta.
A decisão concorde das instâncias no sentido da absolvição louvou-se na consideração de que o especial regime de transporte de mercadorias por mar, de acordo com a Convenção de Bruxelas e do DL 352/86 de 21/10 não contempla senão a responsabilidade indemnizatória do armador ou transportador relativas a perdas e danos sofridos na própria mercadoria. Dela está excluída a que respeita aos chamados danos indirectos, ou seja, os que decorrem, nomeadamente, de atrasos na entrega.
Ora, como se vê dos articuladas, nenhumas avarias são assinaladas à mercadoria transportada e, consequentemente, nenhuma responsabilidade é possível assacar às afretadores relativamente ao transporte efectuado.
A decisão das instância não merece qualquer reparo neste ponto pois é inequívoco, como doutamente se demonstra no acórdão recorrido, a inaplicabilidade da dita Convenção quanto a danos decorrentes do atraso na entrega.
De facto, a definição da responsabilidade por atraso apenas foi introduzida pela Convenção Internacional Sobre Transporte de Mercadorias por Mar, assinada em Hamburgo em 31/3/78, que visou substituir a Convenção de Bruxelas, mas a qual ainda não foi introduzida na ordem jurídica portuguesa.
No que respeita à sua pretensa responsabilidade nos termos dos arts. 483º e sgts. do CC - responsabilidade civil extra contratual - as instâncias, analisando matéria de facto provada, para cuja descrição tal como foi efectuada na Relação aqui nos remetemos, concluíram não ser possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a actuação dessas RR e os prejuízos reclamados.
Ora, como tem sido jurisprudência praticamente uniforme deste Supremo Tribunal, quer a verificação da culpa quer o estabelecimento de m nexo causal fundados em inobservância de deveres gerais de diligência, constituem matéria de facto e, por isso, insindicáveis no âmbito do recurso de revista.
E porque nenhuma circunstância se invoca nem se justifica, nos termos do nº 2 do art. 722º do CPC, que o Supremo intervenha na fixação dos factos materiais da causa, terá de concluir-se pela inevitabilidade de ter de aceitar-se as conclusões a que, a propósito, chegaram as instâncias.
Conclui-se, assim, pela improcedência das conclusões do recurso.
Nestes, termos, negam a revista e confirmam o douto acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Julho de 2002.
Duarte Soares,
Abel Freire,
Ferreira Girão.