Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B3907
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
LUCRO CESSANTE
Nº do Documento: SJ200412160039072
Data do Acordão: 12/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 257/04
Data: 03/17/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou.
II - Correspondendo os lucros cessantes aos prejuízos que advieram ao lesado por ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património, tais prejuízos, em termos de direito, não correspondem aos custos fixos (despesas com pessoal, rendas, fornecimentos e serviços externos, etc.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" - Empresa Produtora de Papeis Industriais, S.A., propôs acção de condenação contra "B", L.da, e Companhia de Seguros C, S.A., pedindo que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar à autora a quantia de 67.911.530$00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alega para tanto que, em duas ocasiões diferentes, empregados da 1ª ré, manobrando máquinas da sua propriedade e executando tarefas por si ordenadas, causaram a rotura da conduta de efluentes da autora, obrigando à paragem da máquina e a obras de reparação, causando-lhe prejuízos.

Contestaram as rés, impugnando os factos alegados pela autora, designadamente que tenha sido por intervenção das referidas máquinas que a rotura se verificou, concluindo pela improcedência da acção.
Saneado e condensado, o processo seguiu seus termos, realizando-se a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença onde se condenou a 2ª ré no pagamento à autora da quantia de 9.190.550$00, a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência da rotura de efluentes verificada no dia 22/7/97, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-se do pedido a 1ª ré.

A autora apelou, tendo a Relação do Porto, mantendo a quantia fixada na 1ª instância, condenado ambas as rés, solidariamente, no pagamento de tal quantia.
A autora interpôs recurso de revista para este Tribunal, o qual mandou ampliar a matéria de facto para resposta aos quesitos 29º e 30º.

Na 1ª Instância repetiu-se o julgamento e foi proferida sentença onde se condenaram solidariamente as rés a pagar à autora a quantia de 2.190.550$00 a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência da rotura da conduta de efluentes verificada no dia 22 de Julho de 1997, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-se no mais as rés.

A autora apelou, tendo a Relação de Guimarães, por acórdão de 17 de Março de 2004, dado provimento ao recurso, revogando a decisão proferida, condenando a ré a pagar, a título de lucros cessantes, a quantia de 31.427.000$00 onde se inclui, obrigatoriamente, o que a autora despendeu e deixou de ganhar, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos entre a citação até integral pagamento.

As rés interpuseram recursos de revista para este Tribunal, concluindo, assim, as suas alegações do recurso:
Conclusões da 1ª ré:
1ª O objecto do presente recurso de revista cinge-se à questão dos lucros cessantes peticionados, decidida que está a questão sobre os danos emergentes.

2ª Embora a determinação do valor dos danos relativos aos lucros cessantes seja matéria de facto da competência das instâncias, é questão de direito da competência do S.T.J. a determinação dos elementos e critérios legais a respeitar para estabelecer conclusões relativamente sobre a matéria de facto provada.

3ª O conceito de lucros cessantes tem sido, ao longo dos anos, de tal modo analisado, dissecado e elaborado, que a Jurisprudência e a Doutrina, construíram opinião pacífica no sentido de corresponderem à frustração de ganhos e benefícios, ou ao não aumento do património que, segundo o curso normal e provável da actividade, teriam sido obtidos, se não fosse o acto lesivo.

4ª No caso de comerciante ou industrial, a perda de ganhos corresponderia a receitas ou vendas que deixou de obter e à perda do "lucro líquido" que lhe proporcionaria tais receitas.

5ª O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães em recurso, abstrai da essência e natureza eminentemente de Direito, do conceito de lucros cessantes, construindo uma tese de natureza "contabilística" e "economicista", ao ponto de ter feito corresponder os lucros cessantes aos "custos fixos" (despesas com pessoal, rendas, etc) da recorrida, e ter calculado a indemnização a arbitrar pelo valor desses "custos fixos".

6ª Decisão que, salvo o devido respeito, é errada e viola os critérios legais, nomeadamente os contidos nos arts. 562º, 563º e 564º do Cód. Civil. Com efeito,

7ª Segundo o curso normal e provável da actividade da recorrida, esta obteria anualmente em termos de "ganhos líquidos", ou seja, em termos de "resultados líquidos antes dos impostos" que decorrem das contas de 1996 e 1997 (documento nº 6 junto aos autos pela autora/recorrida) não mais de 0,5 milhões de contos; por sua vez a indemnização arbitrada pelo acórdão recorrido, pressuporia que a recorrida teria ganhos líquidos anuais da ordem de cerca de 11 milhões de contos.

8ª Por outro lado, os referidos "custos fixos", nomeadamente os relativos aos dias 22 e 23 de Julho de 1997 que o acórdão fez corresponder aos lucros cessantes (31.427.000$00), estão incluídos e relevados contabilisticamente pela recorrida nas suas contas de exercício de 1997, conforme resulta da "Demonstração de Resultados" do referido doc. nº 6, o que significa que a recorrida considera ter recebido dos seus clientes, através das vendas efectuadas, o valor correspondente a esses "custos fixos" (no preço da venda está incluído esse valor), pelo que, a aceitar-se a tese do acórdão, a recorrida receberia duas vezes o mesmo valor.

9ª A recorrida não alegou factos essenciais para, em conformidade com os critérios legais, ser determinada a quantificação dos lucros cessantes. E tais factos teriam de respeitar a eventuais incumprimentos da produção planeada no ano de 1997 com impossibilidade de recuperação nesse ano, que tivessem conduzido a supostos incumprimentos de encomendas e, portanto, a perda ou diminuição de vendas e de receitas. E, se a recorrida tivesse logrado provar os factos anteriores, teria então de ter alegado e provado todos os correspondentes custos, fixos e variáveis, a fim de obter finalmente os respectivos lucros líquidos, ou seja, os ganhos que deixou de obter, ou seja, os lucros cessantes.

10ª Pelo contrário, resulta do Relatório relativo ao exercício de 1997 (cfr. o referido doc. nº 6) que não existiu diminuição de vendas e receitas, não foram incumpridas encomendas, a produção planeada foi cumprida, o valor dos "custos fixos" foi já recebido através do preço das vendas efectuadas, e o "sinistro" em causa nos autos nem sequer foi considerado.

11ª Em consequência, não só não se pode determinar o valor correspondente aos ganhos líquidos supostamente frustrados com o acto lesivo, como também não se pode julgar equitativamente.

12ª O acórdão recorrido viola, pois, as disposições contidas nos arts. 562º, 564º e 566º do Cód. Civil.
Conclusões da 2ª ré:

1ª A decisão em apreço ofende o disposto nos arts. 562º e 563º do Cód. Civil pois condenou as rés a pagarem uma quantia que não é um prejuízo.

2ª A recorrente foi condenada a pagar custos, também fixos, que se diluem no processo produtivo e que até já foram pagos pelos clientes da recorrida.

3ª A recorrida alegou conclusivamente e conclusivamente se provaram factos que estão esvaziados de conteúdo perante a disciplina dos arts. 562º e seg. do Cód. Civil.

4ª Na ausência de prova concludente dos prejuízos, só a verdadeira equidade pode dar uma solução justa para o presente litígio.

5ª Verifica a recorrente a violação do disposto nos arts. 562º e seg. do Cód. Civil, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
,Contra-alegou a recorrida, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
No que respeita à matéria de facto, remete-se para a decisão das instâncias, que não foi impugnada.
É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.

Analisemos os recursos, começando pelo da 1ª ré.
As questões suscitadas neste recurso consistem em saber se: a) os lucros cessantes não correspondem a custos fixos; b) a recorrida não alegou factos essenciais para, em conformidade com os critérios legais, ser determinada a quantificação dos lucros cessantes.
Analisemos tais questões:

a) Dispõe o art. 564º, nº 1 do Cód. Civil que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
Portanto o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes, e os ganhos que se frustaram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes - cfr. anotação ao art. 564º do Código Civil anotado dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ed. de 1968, pág. 401.

Conforme ensina o Prof. Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 6ª ed., pág. 373, « Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o activo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o activo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.»

« Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho.» - cfr. acórdão do S.T.J de 23/5/78., B.M.J. nº 277; pág. 258.

« O art. 564º, nº 1, abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho.» - cfr. acórdão do S.T.J. de 21/11/79, B.M.J. nº 291, pág. 480.
patrimoniais compreendem duas modalidades: os danos emergentes, que correspondem aos prejuízos sofridos, respeitando à diminuição do património (já existente) do lesado; e os lucros cessantes, que correspondem aos ganhos que deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património (art. 564º, nº 1, do Cód. Civil).» - cfr. acórdão do S.T.J. de 4/3/80, R.L.J. 114º- 317.

Por aqui se verifica que é pacífico na doutrina e a jurisprudência, o entendimento sobre aquilo em que consistem os danos emergentes e os lucros cessantes.

Correspondendo os lucros cessantes aos prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património, tais prejuízos, em termos de direito, não correspondem aos custos fixos (despesas com pessoal, rendas, fornecimentos e serviços externos, etc).

A autora não produziu 1000 toneladas de papel durante o período da paralisação por facto causado pela 1ª ré.

Porém, o aumento do seu património, o ganho, corresponde àquilo que tal produção vale, deduzida dos custos (variáveis e fixos pois estes também, como é evidente, têm de ser pagos) que a autora, ora recorrida, teve que despender.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - cfr. art. 563º do Cód. Civil.
Tendo a indemnização, quando fixada em dinheiro como é o caso, como medida a diferença entre a situação do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos - cfr. art. 566º, nº 2 do mesmo Código.

A autora «perdeu» com a paralisação da produção por facto causado pela 1ª ré, 1000 toneladas de papel que não foram produzidas nesse período.

A frustração do aumento do seu património equivale àquilo que tal produção vale - 77.173$00 (preço médio de venda do papel por tonelada) x 1000 (toneladas), deduzida dos custos - 45.746$00 (custos variáveis de produção e comerciais por tonelada) x 1000 (toneladas) + 31.427$00 (custos fixos por tonelada - cfr. gráfico de fls. 751) x 1000 (toneladas).

Donde resulta, pelo que se provou, que a autora, ora recorrida, não teve prejuízo, na modalidade de lucros cessantes, com a paralisação da produção pois o valor que produziria e os custos dessa produção se equivalem.

Com efeito, quanto aos lucros cessantes, não há diferença entre a situação (real) em que se encontra e aquela (hipotética) em que se encontraria, se não tivesse acontecido o facto lesivo.

b) Está provado que:
- Devido à rotura da conduta, o período de paragem fabril implicou uma perda de produção de cerca de 1.000 toneladas.
- Nessa data, o preço médio de venda de papel era de 77.173$00 por tonelada, sendo os custos variáveis de produção e comerciais, respectivamente, de 37.837$00 e de 7.837$00 por tonelada.
- A margem bruta por tonelada era de 31.427$00 e a margem bruta correspondente às 1.000 toneladas de produção perdida foi de 31.427.000$00.

Para haver prejuízo decorrente de lucros cessantes (frustração de ganhos), havia que ter sido provado que a paralisação da produção do papel fez diminuir as vendas ou que encomendas do produto não foram cumpridas, daí resultando perda de receitas com a consequente perda de lucros.

Não estando também provado que os custos fixos dos dias 22 e 23 de Julho de 1997, data da paralisação da autora por facto da 1ª ré, não tenham sido repercutidos na mercadoria vendida.

Efectivamente, só com tais factos se poderia concluir que a autora, ora recorrida teve prejuízos, decorrentes da paralisação.

Aliás, como se refere na alegação da recorrente, « nas Contas do exercício de 1997, nomeadamente na "Demonstração de Resultados", a A releva como custos fixos também os dias 22 e 23 de Julho, o que equivale a dizer que "alguém" (os seus clientes) já lhos pagou através do preço das mercadorias vendidas (que é composto por estes custos).»

O ónus da alegação e prova de tais factos competia à autora, ora recorrida, nos termos do art. 342º, nº 1 do Cód. Civil, como facto constitutivo do seu direito.
Ora, a recorrida não o fez.
Como se refere na alegação do recurso da 1ª ré, « ... a recorrida deveria ter alegado factos que pudessem conduzir à conclusão de frustração de ganhos. E tais factos teriam de respeitar a eventuais incumprimentos da produção planeada com impossibilidade de recuperação, que tivesse conduzido a supostos incumprimentos de encomendas e, portanto, a perda ou diminuição de vendas e das consequentes diminuições e perdas de receitas. E, se a Recorrida tivesse logrado provar os factos anteriores, teria então de ter alegado e provado todos os correspondentes custos, fixos e variáveis, a fim de obter finalmente os respectivos lucros líquidos, ou seja, os ganhos que deixou de obter, ou seja, os lucros cessantes.»

Assim, não estando provado os prejuízos, na modalidade de lucros cessantes, não estão obrigadas as rés, ora recorrentes, a indemnizar a autora, ora recorrida, a este título.
Procede, pois, o recurso.
Recurso da 2ª ré:
Pelo que acima se demonstrou, também o seu recurso procede.

Assim, a autora, ora recorrida, apenas tem direito a ser indemnizada pelos danos emergentes, constituídos pela despesa, no montante de 2.190.550$00, que fez com a reparação da conduta de efluentes, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Pelo exposto, concedendo-se as revistas, revoga-se o acórdão recorrido, condenando-se solidariamente as rés, ora recorrentes, a pagarem à autora a quantia de 2.190.550$00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-as do mais pedido.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2004
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino