Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A3320
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
LEGITIMIDADE
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: SJ200311200033206
Data do Acordão: 11/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - Se tiver sido ordenada a sustação da execução, nos ternos do art.o 871, n.º 1, do CPC, face à comprovada existência de penhora anteriormente registada sobre os mesmos bens, não pode o exequente reclamar o seu crédito por apenso à execução onde foi feita a penhora registada em primeiro lugar caso o executado nesta última não tenha sido demandado naquela primeira execução.
II - Se na execução sustada a dívida era provida de garantia real (hipoteca) sobre bens de terceiro (face à obrigação exequenda), mas esse terceiro não foi aí demandado, isso significa que o exequente não quis fazer valer contra ele a garantia, e que, portanto, só deviam ter sido objecto de penhora nesse processo bens da executada: é o que resulta das disposições combinadas dos art. 818º do CC e 821º, n.º 2, do C PC.
III - O princípio de que não podem penhorar-se bens ou direitos de alguém que não seja demandado na execução não comporta nenhuma excepção.
IV - A invocabilidade do regime previsto no art. 871º do C PC depende do facto da penhora ter incidido sobre bens de alguém que seja parte na execução.
V - Quanto à execução que prossegue exige-se, correlativamente, que o devedor do crédito reclamado seja parte nesse processo.
VI - Após a penhora, abre-se a execução a alguns, não a todos, os credores do executado: aos titulares de um direito real de garantia sobre os bens penhorados e ao exequente que tenha obtido uma penhora do mesmo bem noutra execução (art. 865º, n.º 1, e 871º, n.º 1, ambos do C PC). Terá de ser sempre, porém, um credor do executado, sob pena de violação do princípio referido no ponto III.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No processo executivo nº 4511/91 do 1º juízo de Cascais, movido por A, contra "B, Limitada", foi ordenada a sustação da execução, nos termos do art. 871º, nº 1, do CPC, face à comprovada existência de penhora anteriormente registada sobre os mesmos bens.
Em face disto, aquele Banco apresentou-se a reclamar o crédito exequendo na execução da penhora mais antiga, movida sob o nº 284/95 na 11ª vara cível de Lisboa pelo Banco C, SA, contra D.
A reclamação, contudo, foi indeferida na sentença de graduação proferida em 28.11.01.
O fundamento desta decisão foi o seguinte: o Banco reclamante não pode reclamar aqui o seu crédito porque a execução de que este apenso depende foi instaurada, não contra B, Ldª, mas tão somente contra D.
O "A" apelou; e teve êxito, pois a Relação de Lisboa, provendo o recurso, julgou verificado o seu crédito e determinou a respectiva graduação no local próprio.
É deste acórdão que D traz a presente revista, pedindo a reposição do decidido pela 1ª instância.
O Banco recorrido apresentou contra alegações em defesa do acórdão impugnado.

2. Quanto à matéria de facto, remete-se para a decisão da Relação (art.ºs 713º, nº 6, e 726º do CPC).
A questão a resolver no presente recurso coloca-se nos seguintes termos:
Para garantia de um empréstimo concedido pelo A à sociedade B, de que era sócio gerente, D deu de hipoteca os seus prédios identificados na escritura que titulou o empréstimo; não foi chamado, no entanto, à execução que o Banco moveu contra a sociedade para reaver a quantia emprestada, execução essa em que, apesar disso, um dos imóveis hipotecados foi objecto de penhora; sobre esse imóvel incide uma penhora anteriormente registada, obtida em execução movida contra D (a execução de que a presente reclamação de créditos é apenso).
Pergunta-se: O crédito da execução sustada (sobre B), pode ser graduado na execução que prossegue (dirigida contra D, por dívida deste)?
Segundo o recorrido, nada obsta a tal, pois decisivo é o facto de o bem já estar penhorado noutra execução: se há duas penhoras sobre o mesmo imóvel, prevalece a que primeiro for registada, devendo reclamar-se nesse processo o crédito que originou a penhora subsequente. Nesta visão das coisas, é pressuposto da aplicação do regime do artº 871º do CPC a identidade do bem duplamente penhorado, não a do executado, que não tem de ser o mesmo nas duas execuções.
A Relação preconiza um entendimento semelhante: por ser titular da hipoteca sobre o imóvel penhorado em ambas as execuções, reúne o A as condições legais exigidas para reclamar o crédito da execução sustada naquela que prossegue, nos termos dos artigos 56º, nº 2, e 865º do CPC.
Será assim:
Na execução sustada, a dívida era sobre a sociedade B, mas provida de garantia real (hipoteca sobre bens de D, terceiro face à obrigação exequenda).
D, porém, não foi demandado nessa execução, o que só pode significar que o exequente não quis fazer valer contra ele a garantia.
Logo, só deviam ter sido objecto de penhora nesse processo bens da executada: é o que resulta das disposições combinadas dos artigos 818º do CC e 821º, nº 2, do CPC, a primeira dizendo, na parte que interessa, que o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito e a segunda que nos casos especialmente previstos na lei podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.
A penhora, por outras palavras, não pode incidir sobre bens ou direitos de alguém que não é demandado na acção executiva.
Como refere o Prof. Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, p. 222, Editora Lex, 1998) a responsabilidade patrimonial não pode ser efectiva sem a demanda do titular do património responsável na acção executiva. A admissibilidade da penhora de bens de terceiros, acrescenta este autor, não se refere à penhora de bens de alguém que não é parte na acção executiva; ela respeita tão somente às hipóteses em que o responsável é alguém que não é o devedor. E este princípio - o de que não podem penhorar-se bens de sujeitos que não são demandados na execução - não comporta nenhuma excepção (neste sentido, além do autor citado, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, p. 277, e Miguel Mesquita, A Apreensão de Bens em Processo Executivo e a Oposição de Terceiro, p.20 e seguintes).
As regras sobre a legitimidade das partes na acção executiva contidas no artº 56º, nº 2, 3 e 4, do CPC, confirmam indirectamente o referido princípio, que não era contrariado, de resto, na versão desta norma adjectiva anterior à reforma do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12 (cfr. o acórdão de 27.3.84 deste Tribunal, publicado no BMJ 335, p. 259).
É certo que D não deduziu na altura própria embargos de terceiro.
Contudo, não se dispõe de nenhum elemento que comprove ter ele aceite, na execução sustada, a penhora dos bens dados de hipoteca. Pelo contrário, verifica-se que nesse processo, após a penhora, foi citado por determinação do juiz nos termos do artº 119º, nº 1, do Código do Registo predial, e posteriormente remetido para os meios comuns, nos termos do nº 4 do mesmo preceito legal, justamente por ter declarado que os bens lhe pertenciam.
De qualquer modo, no que toca à execução do sustada, a invocabilidade do regime previsto no artigo 871º do CPC depende do facto da penhora ter incidido sobre bens de alguém que seja parte nessa execução.
Quanto à execução que prossegue, exige-se, correlativamente, que o devedor do crédito reclamado seja parte no processo executivo. Com efeito, após a penhora, entre nós, abre-se a execução, não a todos, mas só a alguns dos credores do executado: justamente, aos titulares de um direito real de garantia sobre os bens penhorados e ao exequente que tenha obtido uma penhora do mesmo bem noutra execução (artºs 865º, nº 1 e 871º, n.º 1). Terá de ser sempre, contudo, um credor do executado. Se assim não fosse permitir-se-ia por via indirecta, em contravenção da regra imperativa atrás indicada, a execução do património de quem o exequente não chamou à execução, o que a lei, como se viu, não admite em caso algum.
Na situação em análise o agravante não é parte na execução sustada nem devedor do crédito reclamado na execução que prossegue ( o devedor é, justamente, a sociedade B, única demandada no processo executivo que foi sustado).
Em face do exposto, procede o recurso: a solução ditada na 1ª instância é a que está certa e deve ser mantida, se bem que por fundamentos não coincidentes.

3. Nestes termos, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, para ficar a prevalecer a decisão da 1ª instância.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de Novembro de 2003
Nuno Cameira
Afonso de Melo
Sousa Leite