Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B3342
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: ACÇÃO CÍVEL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
CABEÇA DE CASAL
MORTE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200511290033427
Data do Acordão: 11/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9595/04
Data: 04/07/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO.
Sumário : 1. Sendo intransmissível o cargo de cabeça de casal, por morte deste extinguem-se também as relações jurídicas atinentes à administração da herança.
2. Por isso, a acção contra ele intentada, para prestação de contas como cabeça de casal, extingue-se com a sua morte, por impossibilidade de continuação da lide.
3. E, se nessa acção, intentada por um dos dois filhos e únicos herdeiros, foi chamado à acção o outro irmão, por ter um interesse igual ao do A., nunca ele pode ser habilitado como R., em substituição da falecida mãe, por o mesmo não suceder a esta nas relações jurídicas de administrador da herança, nem por já figurar na acção ao lado do A..
4. Tendo a acção sido declarada suspensa, em face da junção da certidão de óbito da R., nada impede que o respectivo despacho seja substituído por outro a determinar a extinção da instância, após ter sido dado conhecimento ao tribunal de que os dois irmãos eram os únicos e universais herdeiros da falecida.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

RELATÓRIO

A,

Intentou contra B,

Acção especial de prestação de contas,

Alegando que a R., sua mãe, foi cabeça de casal no inventário apenso, por óbito de C, falecido em 13.10.84, que terminou com sentença homologatória da partilha, transitada em 13.2.97, sendo certo que a R. não prestou contas da herança nos anos de 1984, 1993, 1994 a 1997 e que as que prestou relativamente aos anos de 1985 a 1992 o A. não as aprovou.

E porque a cabeça de casal se deve eximir dessa responsabilidade em relação a todos os herdeiros, requereu a intervenção principal do seu único irmão, D, também interessado no inventário, nos termos do art. 320 do CPC.

Pede, por isso, que a R. preste contas da sua administração desde a data em que foi investida no cabeçalato até ao trânsito da sentença de partilhas.

Por despacho de fls. 28, transitado, foi admitida a intervenção principal do chamado por ter um "interesse igual ao do A. relativamente ao objecto da causa", tendo a acção prosseguido seus termos com estes sujeitos processuais (A. e chamado, como partes activas, e a R., como parte passiva).

A fls. 53, foi junta, pela Sr.ª Advogada da R., a certidão de óbito desta e, por despacho de fls. 58, de 20.2.04, foi proferido despacho a ordenar a suspensão da instância, nos termos do art. 276.º, 1, a) e 277 do CPC.

Notificado da suspensão da instância, o chamado, em 27.2.04, veio requerer que se declarasse extinta a instância por impossibilidade da lide, nos termos do art. 287.º do CPC, porque os únicos herdeiros da R., eram o chamado e o A., irmãos, conforme habilitação notarial que juntou a fls. 65, sendo ambos partes activas, nenhum deles podendo ser ao mesmo tempo A. e R.

Perante esta nova factualidade, ora demonstrada nos autos, foi proferido o despacho de fls. 74, que emitiu a seguinte decisão: "corrige-se o decidido a fls. 58 e, em consequência, por força do preceituado nos arts. 276, 3 e 287, e) do CPC, declaro extinta a presente instância".

O A. interpôs recuso de agravo, com o fundamento de que este despacho não podia ser proferido por estar suspensa a instância o que contraria o disposto no art. 283, 1 do CPC, acrescentando que o chamado sempre o impossibilitou de ter acesso à documentação da sociedade "E, L.da" de que ambos são os únicos sócios, não se tornando, por isso, impossível a lide.

A Relação negou provimento ao agravo, defendendo que a norma aplicável ao caso era, não o art. 283.º do CPC, mas, antes, o art. 276.º, especialmente o n.º 3: "a morte ou extinção de alguma das partes não dá lugar à suspensão da instância, quando torne impossível ou inútil a continuação da lide".

Refere também o Ac. sob recurso, depois de considerar que, embora em tese se pudesse admitir que a acção pudesse continuar contra o chamado, tal só seria possível se o chamado tivesse sucedido à R. como cabeça de casal da herança aberta por óbito do pai de ambos, sendo certo que, no caso, a R. foi cabeça de casal desde a abertura da herança até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.

Novamente inconformado, o A. interpôs recurso de agravo, terminando as suas alegações com as seguintes

Conclusões

1. O douto acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia.

2. A fls 58, foi proferido despacho que declarou suspensa a instância.

3. Com esta decisão ficou esgotado o poder jurisdicional do Meritíssimo Juiz da 1.ª instância que, obviamente, não podia corrigi-la.

4. A questão suscitada pelo chamado-agravado D - extinção da instância por impossibilidade da lide - foi resolvida enquanto a instância estava suspensa, ao arrepio do preceituado no art. 283°, n.º 1 do C PC.

5. No caso em apreço tem todo o sentido, é imprescindível a dedução do incidente de habilitação, ou seja, o prosseguimento dos presentes autos.

6. Para que o pedido de habilitação proceda não basta que o habilitando seja herdeiro da parte falecida; é indispensável demonstrar que segundo o direito substantivo lhe suceda na relação jurídica em litígio.

7. Não há uma impossibilidade objectiva que toma inútil o prosseguimento dos autos.

8. Só com o incidente de habilitação, com o prosseguimento dos autos, se poderá demonstrar que o agravado sucede a sua mãe como cabeça de casal.

9. À cautela, argúi-se a inconstitucionalidade das normas dos arts. 269° e 28° do CPC, na interpretação feita pela Relação e que corresponde, na prática, a vedar ao recorrente a tutela dos seus direitos, ao arrepio do n.º 1 do art. 20° da Constituição da República Portuguesa.

10. Decidindo de forma diversa, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 276°, alínea a) e nº3, 283°, nº1, 287°, alínea e), 371°, nº1, 666°, nos 1 e 3 e 668°, nº1, alínea d), primeira parte, todos do CPC e 2080° e 2093°, ambos do Código Civil.

Termina pedindo se dê provimento ao agravo, continuando a instância suspensa até ser julgado o necessário incidente de habilitação que, aliás, ainda não foi deduzido.

Foram oferecidas contra alegações, onde se defende a manutenção da decisão recorrida.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

A matéria de facto a considerar é a que acima se descreve no relatório.

O direito

Nas suas conclusões, o agravante suscita, no essencial, duas questões em via principal e uma outra subsidiária:

. o acórdão recorrido é nulo porque não apreciou a questão de saber se, suspensa a instância, se podia ter proferido o despacho de fls. 73 que declarou extinta a instância por impossibilidade da lide.

. não se verifica impossibilidade objectiva que torne inútil o prosseguimento dos autos.

. se assim não for entendido, há inconstitucionalidade dos arts. 269.º e 28.º do CPC.

Analisaremos conjuntamente as duas primeiras questões por se entrecruzarem uma com a outra, para, finalmente, se for caso disso, nos debruçarmos sobre a invocada inconstitucionalidade.

Como acima se disse, a presente acção visava a prestação de contas da falecida R., mãe do A. e do chamado seu irmão, como cabeça de casal da herança, aberta por óbito do pai destes e marido da R., entre 1984 a 1997, tendo a partilha sido homologada por sentença de 13.2.97.

A R. faleceu em 27.2.04 e a sua advogada deu disso conhecimento ao tribunal que, em face da certidão de óbito e no comando do art. 276.º, 1, a) do CPC, por despacho de 20.2.04, determinou a suspensão da instância, dando conhecimento disso ao A e ao chamado, cuja intervenção principal foi fundamentada por o mesmo ter um "interesse igual ao do A. relativamente ao objecto da causa".

O chamado, logo que foi notificado desse despacho e antes de o mesmo ter transitado em julgado, veio, em 27.2.04, informar ao processo que ele e o A. eram os únicos herdeiros da R., juntando a respectiva habilitação notarial, pelo que, sendo ambos AA. não podiam ao mesmo tempo ser RR. habilitados como sucessores de sua mãe.

O A. respondeu e manifestou o entendimento de que, estando a instância suspensa, não podiam ser suscitadas questões que se não enquadrassem no disposto no art. 283.º, 1 do CPC.

O Ex.mo Juiz, ponderando os novos elementos trazidos ao processo, julgou extinta a instância, no contexto do art. 276.º, 3 do CPC.

A Relação no recurso interposto, defendeu que ao caso não era aplicável o disposto no art. 283.º, 1 referido mas, antes, o art. 276.º, 3 do CPC.

Portanto, a Relação pronunciou-se sobre a questão suscitada e, por isso, não há omissão de pronúncia, como defende o recorrente.

O primeiro despacho a ordenar a suspensão da instância foi proferido apenas em face da certidão de óbito da R. sem conhecimento dos pressupostos do disposto no art. 276.º, 3 do CPC.

Logo que foi dado conhecimento ao processo de que a situação de facto não era apenas a do art. 276.º, 1, a), mas também a daquele número n.º 3, o tribunal, verificando o erro involuntário em que lavrara por omissão de todos os pressupostos de facto atinentes ao caso, corrigiu aquele despacho e decidiu que, em tal caso, a instância se tinha que extinguir.

Ora, convém, então, verificar se, no caso dos autos, o tribunal poderia ou não emitir este despacho: o mesmo é saber se a instância poderia prosseguir, considerando que os únicos herdeiros da falecida R. são parte activa na causa e que a acção respeita à prestação de contas da falecida R., enquanto cabeça de casal entre 1984 e 1997.

Para que haja habilitação, (1) "não basta que o habilitando seja herdeiro da parte falecida para que proceda o pedido de habilitação, certo ser indispensável a demonstração de que, segundo o direito substantivo, lhe sucedeu na relação jurídica em litígio".

Isto porque "através do incidente de habilitação determina-se quem assume a qualidade jurídica ou a legitimidade substantiva, e não, em rigor, a sua legitimidade ad causam para ingressar na lide na posição da parte falecida ou extinta".(2)

Por isso, nem sempre a morte "implica a habilitação de sucessores "", (3) conforme dispõe o art. 276.º, 3 do CPC.

Diz a lei (4) que o cabeça de casal "deve prestar contas anualmente" mas "o cargo de cabeça de casal não é transmissível em vida nem por morte". (5)

Morrendo o cabeça de casal, tem de voltar a recorre-se às regras do art. 2080.º do CC para se designar o cabeça de casal.

E tendo sido pedida a prestação de contas à R. por ter administrado a herança, não pode essa obrigação de prestar contas transmitir-se a quem não foi cabeça de casal da referida herança.

Finalmente, e parafraseando o Ac. deste STJ de 2.7.64, (6). falecida a R. na acção de prestação e contas contra si intentada por um dos seus dois filhos, únicos e universais herdeiros, e tendo o outro irmão sido chamado à acção por ter um interesse igual ao do autor relativamente ao objecto da acção, não pode este ser incluído na habilitação incidental, para ocupar a posição da R nessa acção.

É que nessa habilitação há apenas que chamar à sucessão da R. "as pessoas que na causa devam ocupar a mesma posição jurídica" que esta ocupava. (7)

Não tendo o chamado sucedido à R. na posição de cabeça de casal nem na administração da herança, não pode o mesmo ser chamado a ocupar o lugar da falecida, ainda para mais, nesta acção em que ele próprio tinha um interesse oposto ao dela, pois, conforme despacho de admissão da intervenção principal, o mesmo tem "interesse igual ao do A. relativamente ao objecto da causa".

Resta acrescentar, como diz o agravado que, contrariamente ao que se refere no Ac. recorrido, o art. 269.º do CPC não é aplicável ao caso porque no mesmo se versa a questão da "modificação subjectiva pela intervenção de novas partes", sendo certo que o chamado já era parte à data da morte da R., não podendo agora ser, ao mesmo tempo, A. e R. (8)

Quanto à inconstitucionalidade suscitada dos arts. 28.º e 269.º do CPC deve dizer-se que não tendo os mesmos sido aplicados ao caso sub júdice, não há que falar da sua inconstitucionalidade, como é óbvio.

De qualquer forma sempre se dirá que a tutela ao seu direito à prestação de contas pedidas à sua falecida mãe não pode ser exercida conta seu irmão que nunca foi cabeça de casal da herança aberta por óbito do pai de ambos.

Decisão

Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, com fundamentos algo diversos, confirma-se a decisão do recurso.

Custas pelo agravante.

Lisboa, 29 de Novembro de 2005
Custódio Montes,
Neves Ribeiro,
Araújo Barros.
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(1) Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância 2.º ed., pág. 209, citando o Ac. da RC de 21.5.85, CJ Ano X, Tomo 3, pág. 79.
(2) A. Ob. e Loc. cts.
(3) Idem., pág. 210.
(4) Art. 2093.º, 1 do CC.
(5) Art. 2095.º do mesmo Diploma Legal.
(6) BMJ 138, pág. 298: "falecida a autora de acção intentada contra dois dos seus filhos, não podem ser incluídos na habilitação incidental, para ocuparem a posição de autores nessa acção, os filhos que nela figuram como réus".
(7) Ac. e BMJ citados, pág. 299; ver também A. Reis, CPC Anot., vol. I, pág. 574 e 575: "a habilitação incidental visa, ", a colocar o sucessor no lugar que o falecido "ocupava em processo pendente". A a habilitação não é erga omnes mas apenas "perante o litigante com o qual pleiteava o falecido""; ver também Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância, 1965, pág. 292.
(8) Se o A. tem qualquer razão de queixa do seu irmão terá que a resolver doutra forma que não por via desta acção de prestação de contas pedida contra sua falecida mãe; se o seu irmão sempre o impossibilitou e ter acesso à documentação da sociedade "E, L.da, de que ambos são sócios, a tutela do seu direito nada tem a ver com as funções de cabeça de casal da sua falecida mãe, cuja prestação de contas o A. pediu.