Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2999
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
DOCUMENTO ESCRITO
DOCUMENTO PARTICULAR
RECURSO DE REVISTA
Nº do Documento: SJ200610310029996
Data do Acordão: 10/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1 - Por força do disposto nos art.ºs 722º, nº 2, e 729º, nº 1, do CPC, o STJ está impedido de censurar a decisão das instâncias que tiver dado como provada a existência de um contrato de mútuo bancário com base na "análise e ponderação" de dois documentos juntos ao processo - um deles denominado "escrito particular para empréstimo" e o outro "proposta de crédito".
2 - Independentemente do seu valor, o mútuo bancário deve ser titulado por escrito particular, que não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Síntese dos termos da causa e do recurso
Com base no incumprimento por parte dos réus de um contrato de empréstimo no valor de 1.600.000$00 que consta do documento junto com a petição inicial, assinado por ambos, e cujo vencimento ocorreu em 25.9.92, a Empresa-A, propôs uma acção ordinária contra AA e BB, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 5.166.000$00, acrescida dos juros vincendos calculados sobre o capital à taxa de 23%, bem como o valor dos honorários devidos a advogado que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
Contestando, os réus invocaram, por excepção, a nulidade do contrato por falta de forma, a prescrição dos juros e a existência de juros usurários, afirmando, por impugnação, nunca terem celebrado com a autora o contrato de empréstimo descrito na petição inicial.
A autora replicou, defendendo a improcedência das excepções da nulidade do contrato e da prescrição invocadas pelos réus; e nesse mesmo articulado, alegando que do capital mutuado os réus pagaram 100.000$00 em 13.11.92 e liquidaram os juros devidos até 21.5.93, reduziu o pedido à quantia 22.445,90 €, correspondendo 7.481,97 € (1.500.000$00) ao capital em dívida e 14.963,93 € (3.000.000$00) aos juros vencidos desde 21.5.93 até à data da propositura da acção.
No despacho saneador decidiu-se, além do mais, julgar improcedente a excepção da nulidade do contrato e relegar para a sentença final o conhecimento da excepção da prescrição dos juros e da existência de juros usurários.
Discutida a causa foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus da seguinte forma:
a) No pagamento à autora de 7.481,97 € e juros de mora à taxa de 23% desde 15.6.96 até integral pagamento;
b) No pagamento de honorários a advogado pelos serviços prestados com vista à cobrança do crédito ajuizado, relegando-se a sua liquidação para o competente incidente;
c) Como litigantes de má fé, na multa de 8 (oito) UC e em indemnização a favor da autora, cuja fixação se relegou para momento ulterior, ao abrigo do artigo 457º, nº 2, do CPC.
Os réus apelaram, mas a Relação confirmou a sentença, especificando, todavia, que os juros são devidos a partir de 21.6.96.
Daí o presente recurso de revista no qual se conclui, em suma, que deve ser declarada a inexistência do contrato de mútuo ajuizado, assim se revogando o acórdão recorrido por ter violado os art.ºs 373º e 376º do CC e o art.º único do DL nº 32765.
A recorrida sustentou a confirmação do julgado.

II. Fundamentação
a) Matéria de facto:
De entre os factos que as instâncias deram como assentes interessa destacar os seguintes, visto o objecto do recurso:
1) A autora é uma instituição bancária com estabelecimento no lugar da sua sede - Avenida Dr. ..., freguesia de Margaride, Felgueiras.
2) No exercício da sua actividade creditícia, a autora celebrou com os réus, em 20/11/1991, o contrato escrito a que se refere o documento que se encontra junto a fls. 5 a 6 dos autos, pelo qual a autora se obrigou a entregar aos réus a quantia de 1.600.000$00, obrigando-se estes a reembolsarem tal quantia à autora em 25/09/1992, acrescida de juros nos termos constantes dos pontos 6, 10.3 e 10.9 do documento que se encontra junto a fls. 7 a 8 dos autos, que faz parte integrante do referido contrato.
3) A autora e os réus acordaram ainda que estes pagariam todos os encargos e despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo as de advogados e outros mandatários da autora, ocasionadas pela cobrança de quaisquer quantias em dívida, de capital ou juros.
4) Em 20/11/1991 a autora creditou na conta de D.O. n.º ..., indicada pelos réus, a quantia referida em 1) deduzida da quantia de 16.000$00 relativa a despesas.
5) Do capital mutuado os réus procederam ao pagamento da quantia de 100.000$00 em 13/11/1992 e liquidaram os juros até 21/05/1993.
b) Matéria de Direito
A única questão posta, como acima se referiu, é a de saber se a Relação julgou mal ao não declarar a inexistência do contrato de mútuo por falta da declaração negocial da mutuante (a recorrida), contrariamente ao que resulta das normas substantivas mencionadas - art.ºs 373º e 376º do CC e art.º único do DL nº 32.765, de 29.4.43.
Só que, adiantamo-lo desde já, assim estruturado o recurso é manifestamente improcedente.
Vejamos porquê.
1º) A disposição legal referida em último lugar estabelece que "os contratos de mútuo ou de usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se por escrito particular, ainda mesmo que a outra parte contratante não seja comerciante".
Ora, sucedeu que, analisando criticamente as provas, e especificando, como era seu dever, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - art.º 653º, nº 2, do CPC - a magistrada que na 1ª instância decidiu a matéria de facto deu como demonstrada a existência do contrato de mútuo ajuizado a partir da "análise e ponderação", além do mais, dos documentos juntos de fls 5 a 8 dos autos, - o primeiro deles intitulado "escrito particular para empréstimo" e o segundo constituindo uma proposta de crédito - pondo em relevo, entre outros aspectos (fls 228, verso), que os réus reconheceram como suas as assinaturas neles apostas, e concluindo, nessa base, que um e outro fazem prova plena da materialidade das declarações e factos neles compreendidos, visto o preceituado no art.º 376º, nºs 1 e 2, do CC (quantia mutuada, data da sua utilização, taxa de juros fixada, data da amortização, identificação da conta a creditar, etc). E chamada na apelação a reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão de facto, a Relação manteve nos seus precisos termos o julgamento ditado pela 1ª instância, designadamente no que respeita à suficiência dos dois escritos a que se aludiu para comprovar a existência do empréstimo ajuizado (art.ºs 690º-A, nº 1 e 712º, nº 2, do CPC). Este julgamento é definitivo, impondo-se ao STJ porque, no que toca especificamente ao facto em apreço, não houve, como sem qualquer dúvida resulta do exposto, violação de nenhum meio de prova legalmente exigido, nos termos previstos no art.º 722º, nº 2, 2ª parte, do CPC; é um julgamento, por outras palavras, que não pode ser objecto de recurso de revista, conforme está dito na 1ª parte desta norma, pois a Relação, insiste-se, não deu como provado nenhum facto sem a produção da prova legalmente exigida para a demonstração da sua existência nem violou qualquer norma reguladora da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico, designadamente, e em especial, a do art.º 376º do CC.
2º) Por outro lado, não cabe recurso da decisão da Relação que, sem ofensa do citado art.º 722º, nº 2, - e foi esse o caso, como acima se evidenciou - tenha mantido inalterada a matéria de facto coligida na 1ª instância; tal o que está expressamente previsto no art.º 712º, nº 6.
3º) Os réus invocaram na contestação a excepção peremptória da nulidade do mútuo, que, com trânsito em julgado, logo no despacho saneador foi afastada. É possível, assim, sustentar consistentemente que o conhecimento da questão objecto da presente revista está precludido por aquela decisão, nos termos do art.º 673º do CPC, norma que define o alcance do caso julgado material; e isto porque, se é certo que o fundamento da nulidade arguida consistiu na falta de escritura pública supostamente exigida pelo DL 190/85, de 24 de Junho, também é exacto que o fundamento da sua improcedência residiu no art.º único do DL 32.765, de 29.4.43, preceito este que, segundo o julgador, por ser uma norma especial derroga a norma geral apontada pelos réus, e admite a prova do mútuo por escrito particular, como é o caso da "proposta" junta ao processo a fls. 5 e sgs (fls. 138).
4º) Independentemente do que se expôs, por si só decisivo, deve ainda acrescentar-se que é pacífica a doutrina e dominante a jurisprudência (acatada pelas instâncias) no sentido de que o contrato de mútuo bancário tem de ser titulado por escrito particular, não podendo este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (cfr., a título de exemplo, o acórdão deste STJ de 6.12.78, anotado favoravelmente pelo Prof. Vaz Serra na RLJ 112º, pág. 151 e sgs). Já se decidiu, concretamente, em situações muito semelhantes à aqui tratada, que "solicitado a uma Empresa-A, por um seu associado, um empréstimo nas condições da proposta que formulou, e deferindo-a aquela, o mútuo ficou perfeito quando ela depositou a quantia em nome do beneficiário" (Ac. do STJ de 11.12.98 - Pº 97A849 ); e ainda que "o documento junto com a petição - "escrito particular para empréstimo concedido por fiança" - integrado pela proposta para crédito, ambos subscritos pelos mutuários (e o 1º também pelos fiadores) e pelos representantes legais do estabelecimento bancário autorizado, é suficiente para servir de base à execução, estando as assinaturas daqueles subscritas por notário (artigos 46º, alínea d) e 51º do CPC67)" (Ac. do STJ de 17.2.98 - Pº 98B738).
Consequentemente, improcedem na totalidade as conclusões do recurso.
III. Decisão
Nos termos expostos, nega-se a revista.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário.
Lisboa, 31 de Outubro de 2006
Nuno Cameira
Sousa Leite
Salreta Pereira