Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2372
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUCAS COELHO
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
PRAZO DE CADUCIDADE
DENÚNCIA
PRAZO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200505310023722
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2353/02
Data: 01/16/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - Conforme o acórdão de uniformização do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/97, de 4 de Dezembro de 1997, na compra e venda de imóvel defeituoso os prazos de denúncia dos defeitos e de caducidade de uma acção como a presente, destinada a exigir a sua reparação ou indemnização, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro - com início de vigência a 1 de Janeiro de 1995 - são os dos artigos 916.º, n. 2 (de 30 dias a contar do conhecimento dos defeitos, dentro de 6 meses após a entrega da coisa) e 917.º do Código Civil, e não os prazos mais longos do n.º 3 (de 1 ano e 5 anos, respectivamente), aditado ao primeiro artigo pelo referido diploma;
II - Nos termos da norma transitória do n.º 2 do artigo 297 do Código Civil, a lei que fixa um prazo mais longo (o citado n.º 3 do artigo 916) do que o fixado na lei anterior (o n.º 2 do mesmo artigo) torna-se aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial;
III - Impende sobre a ré vendedora o ónus probatório de que a denúncia não foi feita antes da entrada em vigor da lei nova, quer no prazo de 30 dias a contar do conhecimento dos defeitos, quer ao menos dentro de 6 meses a contar da entrega da coisa, factos integradores da excepção de caducidade, e, por conseguinte, impeditivos ou extintivos do direito da demandante compradora à reparação ou indemnização dos defeitos (artigos 342, n.º 2, e 343, n.º 2);
IV - Resultando, todavia, provado que a autora não denunciou os defeitos pelo menos no prazo de 6 meses a contar da entrega, tendo esta por sua vez ocorrido mais de 6 meses antes de 1 de Janeiro de 1995, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, nesta data já se encontrava esgotado o prazo, previsto na lei antiga (o n.º 2 do artigo 916), que a lei nova (o n.º 3 do mesmo artigo, introduzido, repete-se, por esse diploma) veio regular em termos mais amplos, com a consequente inaplicabilidade desta lei por força da norma transitória do n.º 2 do artigo 297.º;
V - Consumou-se do mesmo passo a caducidade da presente acção pelo decurso do prazo de 6 meses previsto na lei antiga sem que a denúncia tenha sido efectuada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
A Administração do condomínio do imóvel sito na Rua ...., ... em Oeiras, instaurou no tribunal dessa comarca, em 8 de Outubro de 1999, contra a sociedade "A", Lda., com sede no Barreiro, construtora e vendedora do edifício, acção ordinária tendente à condenação da ré a reparar os defeitos que enuncia na petição, ou, em alternativa, a pagar-lhe o custo estimado da reparação, no valor de 5.000.000$00, acrescido dos juros legais vincendos.

Contestou a demandada, arguindo, entre outras excepções julgadas no saneador, a caducidade da acção, cujo conhecimento foi diferido para a sentença final por falta de elementos decisórios, impugnando ainda a existência dos alegados defeitos.

Prosseguindo o processo a normal tramitação, veio a ser proferida sentença final, em 13 de Junho de 2001, que julgou a caducidade procedente, absolvendo a ré do pedido, e considerando prejudicado o conhecimento das demais questões.

Apelou a autora com sucesso, tendo a Relação de Lisboa, em provimento do recurso, julgado improcedente a excepção de caducidade, e, conhecendo do fundo, considerado a acção parcialmente procedente, condenando a ré a reparar determinados defeitos, e, não querendo ou podendo repará-los, a pagar à demandante a quantia de 3.000.000$00 a título de indemnização pela substituição do telhado, e a importância a liquidar em execução no tocante às demais reparações, acrescidas de juros legais a contar da data da decisão.

Do acórdão neste sentido proferido, em 16 de Janeiro de 2003, recorre agora a ré mediante a presente revista, cujo objecto, considerando a alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, consiste no reexame da questão da caducidade da acção, à luz da sucessão no tempo dos regimes jurídicos consubstanciados nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil, na versão original e na redacção do primeiro resultante do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro.
II
A Relação considerou assente a matéria de facto dada como provada na 1.ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se remete, nos termos do n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo de alusões pertinentes.

1. A partir dessa factualidade, considerando o direito que teve por aplicável, julgou a sentença como sabemos procedente a excepção da caducidade, com a fundamentação que seguidamente se resume.

Desde logo, conforme nomeadamente o acórdão uniformizador deste Supremo, n.º 2/97 (1) , na compra e venda de coisa defeituosa os prazos de denúncia dos defeitos e de caducidade da acção destinada a exigir a sua reparação ou indemnização, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, são os dos artigos 916.º, n.os 1 e 2, e 917.º do Código Civil, e não os do n.º 3 aditado ao primeiro artigo pelo referido diploma (2) ..

Assim acontece igualmente na presente acção, uma vez que as aquisições das fracções do imóvel dos autos tiveram lugar antes da entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 1995, do aludido Decreto-Lei (artigo 5) (3) .

Por outro lado, o prazo da denúncia dos eventuais defeitos nas partes comuns, a que respeita a acção - de 30 dias a contar do conhecimento do defeito, e dentro de 6 meses a partir da entrega da coisa - começaria a contar da data da primeira aquisição, a da fracção H, em 2 de Setembro de 1993, pois cada condómino é proprietário exclusivo da sua fracção, mas comproprietário das partes comuns (artigo 1420, n.º 1, do mesmo Código).

Todavia, tal como resulta da prova, a primeira carta enviada pela autora à ré nesse sentido foi em 14 de Fevereiro de 1995, e a presente acção deu entrada em juízo a 8 de Outubro de 1999.

Daí que a demandante tenha deixado passar os prazos de que dispunha para denunciar os defeitos invocados, com a consequente caducidade da acção nos termos do artigo 917, tanto mais que é de afastar a existência de dolo da ré, o qual, em conformidade com o n.º 1 do artigo 916, isentaria a autora da denúncia.

2. No entendimento divergente da Relação de Lisboa não se verifica, porém, a caducidade.

Neste sentido pondera em suma o acórdão recorrido que antes do Decreto-Lei n.º 267/94 alguma doutrina e jurisprudência entendiam efectivamente aplicáveis, mesmo no caso de venda de imóveis, os prazos de 30 dias e de 6 meses previstos no n.º 2 do artigo 916.º

Cedo surgiu, todavia, outra orientação, radicando na diferença estrutural entre a compra de um imóvel e a de qualquer outro bem móvel, propugnando por isso em relação ao primeiro caso, em vez dos aludidos prazos, a aplicabilidade do regime da empreitada, solução que veio a ser consagrada por via legislativa exactamente mediante o Decreto-Lei n.º 267/94.

Eis assim que a Relação propendeu a acolher aquele regime quando a coisa vendida é um imóvel e o vendedor é o respectivo construtor, aplicando consequentemente ao caso decidendo o prazo máximo de denúncia de 5 anos estabelecido no artigo 1225, n.º 1.

E atendendo inclusivamente «a que algumas das fracções foram adquiridas após 1994», não viu «razão para que ao caso sub judice se não aplique o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 267/94 - chegando por esta via ao mesmo prazo de 5 anos».

Em conclusão. Considerando a Relação de Lisboa que desde 1995 o condomínio vem denunciando à ré os defeitos indicados nos pontos 18 a 33 da matéria de facto provada, os quais subsistem - pelo menos alguns -, apesar de a ré ter feito certas obras, revogou a sentença condenando aquela a realizar a obra no telhado a que alude o ponto 34 e todas as obras necessárias à reparação dos defeitos indicados nos aludidos pontos 18 a 33.

Para o caso de a demandada não querer ou não poder realizá-las, ficou a mesma desde logo condenada, em alternativa, a pagar 3.000.000$00 à autora a título de indemnização pela substituição do telhado, e uma quantia a liquidar em execução relativa às restantes reparações, acrescendo a ambas as somas os juros moratórios legais vencidos desde a data do acórdão.

3. Do julgado dissente a ré mediante a presente revista, sintetizando a alegação nas conclusões que se reproduzem:

3.1. «Nos presentes autos está em causa o regime consagrado nos artigos 913.° e segs. do Código Civil, referente à compra e venda de coisa defeituosa no que respeita às partes comuns do edifício, de acordo aliás com o douto enquadramento exposto pelo tribunal de 1.ª instância (fls. 214, verso);

3.2. «O doutíssimo acórdão uniformizador de jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal de Justiça n.° 2/97, publicado no D. R., 1.ª-A, n.° 25, de 30/1/1997, págs. 503 e segs., fixou a seguinte interpretação: ‘a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.° 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.° do Código Civil’;

3.3. «Está perfeitamente demonstrado nos autos que a entrega do imóvel ocorreu ao abrigo do regime anterior ao Decreto-Lei n.° 267/94, de 25 de Outubro, quer se entenda, como tem sido pacífico nos presentes autos, que o momento relevante é a data da primeira venda de uma fracção naquele imóvel, 2/9/1993, dado que no artigo 1420 do Código Civil se afirma que a posição de condómino engloba o conjunto incindível do direito de proprietário exclusivo da fracção e de comproprietário das partes comuns, surgindo nesse momento a possibilidade de exercício do direito de denúncia de eventuais defeitos das partes comuns, quer se entenda que a data relevante era a data de constituição da primeira assembleia de condóminos, pois é a própria recorrida que afirma no documento de fls. 14, referido no n.° 6 da matéria de facto provada no acórdão recorrido, que a assembleia de condóminos já havia reunido, pelo menos, em 22/1/1994;

3.4. «Pelo que a denúncia de eventuais defeitos das partes comuns, efectuada através da carta da recorrida datada de 14/2/1995 (doc. de fls. 14), só pode ser considerada extemporânea, pois é evidente que não cumpriu o prazo máximo legal de seis meses após a entrega do imóvel para o fazer;

3.5. «Tal como foi extemporâneo o exercício do direito de acção, pois nos termos do artigo 317.° caducava em seis meses depois dessa denúncia, tendo a petição inicial sido apresentada a juízo em 8/10/1999, ou seja, mais de cinquenta e cinco meses depois da suposta denúncia;

3.6. «Uma vez que estão em causa pretensos defeitos das partes comuns e não das fracções autónomas, seria indiferente o facto de nem todas as fracções terem sido vendidas até 1/1/1995 - data de entrada em vigor do Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro -, mas curiosamente todas as fracções autónomas foram vendidas quando o citado Decreto-Lei ainda nem sequer existia, com excepção da fracção ‘B’, cuja venda estava prometida, tendo havido tradição, mas cuja venda só foi efectivada em 23/4/1997. No entanto, seria absurdo e totalmente contrário à lógica da caducidade e da norma do artigo 328.° do Código Civil, que essa venda viesse fazer renascer um direito que já não existia por ter caducado;

3.7. «Logo, verificamos que o pretenso direito da recorrida caducou e que o acórdão recorrido violou os artigos 916.° e 917.° do Código Civil, bem como o citado acórdão uniformizador de jurisprudência n.° 2/97 que interpretou de forma uniformizada e obrigatória para os tribunais aquele preceito;

3.8. «Não existiu qualquer atitude dolosa por parte da recorrida [recte, recorrente] que obste ao reconhecimento da caducidade acima referida;

3.9. «Não existiu qualquer reconhecimento de um pretenso direito da recorrente [recte, recorrida], pois não se encontram cumpridos os requisitos fixados no artigo 331 do Código Civil., uma vez que o facto a que a recorrida atribui esse efeito deu-se muito tempo depois do fim do prazo de caducidade, não podendo logicamente ser reconhecido um direito que já não existia;

3.10. «Sendo certo que o facto a que é atribuída pela recorrida essa virtualidade - a instalação de ventiladores nos roupeiros em 1995 - se refere apenas às fracções autónomas e não às partes comuns do imóvel, pelo que não seria idóneo para os efeitos do artigo 331.° do Código Civil;

3.11. «Ainda que o direito da recorrida não estivesse caducado, todos os pontos da matéria de facto que se referem a partes das fracções autónomas (ns. 28, 29, 30, 32), ou seja os roupeiros, as varandas e as portas de patim, teriam sempre de ser desconsiderados, uma vez que a presente acção, por ter sido instaurada pela administração do condomínio, só pode versar as partes comuns;

3.12. «Quanto a estas situações a recorrida nunca foi parte legítima, pelo que sempre teriam de improceder, tendo sido violado o disposto no artigo 26.° do Código de Processo Civil, pelo que estaríamos, nos termos da alínea e) do artigo 494, articulado com o n.° 2 do artigo 493, ambos do Código de Processo Civil, perante uma excepção dilatória que conduziria à absolvição da instância nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 288 do mesmo Código;

3.13. «Mesmo que o direito da recorrida não tivesse caducado, o acórdão recorrido teria repetidamente violado o artigo 913 do Código Civil, pois um defeito é um modo de ser anormal da coisa, algo intrinsecamente negativo quanto ao seu valor, ou à sua idoneidade para o uso a que se destina, sendo certo que apenas são susceptíveis de reclamação os defeitos que provenham de vícios de construção ou erros na execução dos trabalhos, ficando excluídas as reclamações que resultem da incorrecta utilização do imóvel, as que provenham do normal desgaste do mesmo, ou ainda as que incidem sobre opções técnicas em construções licenciadas;

3.14. «Quanto aos factos n.os 17 e 39 - referentes aos esgotos - estaríamos perante uma situação de confessada incorrecta utilização do imóvel por parte dos condóminos, sendo esse facto expressamente referido na acta da assembleia do condomínio junta a fls. 39 (n.° 17), onde se afirma o ‘mau uso do sistema de esgotos pelos condóminos dos andares superiores’ e o pagamento de trabalhos de desentupimento, sendo certo que apenas está provado que ‘já houve problemas com os esgotos nalgumas fracções’ (n.° 33), o que não implica a existência de qualquer defeito;

3.15. «Não tendo sido identificados quais os problemas e a sua origem é evidente que a recorrente não poderia ser responsabilizada por eles, pelo que foi violado o artigo 913.° do Código Civil;

3.16. «Quanto aos factos provados ns. 25, 26, 27 e 31, estes decorrem do normal desgaste do imóvel, agravado pela manifesta falta de manutenção e conservação nas partes comuns, designadamente pela falta de pintura periódica do imóvel e das guardas metálicas da escada, pelo que a recorrente também não poderia ser responsabilizada por actos que só cabem à recorrida, que por inércia ou inépcia, não os pratica atempadamente. Pelo que estamos também perante nova violação do artigo 913 do Código Civil;

3.17. «Quanto aos factos provados n.os 2, 3, 4, 18, 19, 20, 21 e 22, ou seja, tudo o que respeita ao telhado, designadamente o acesso, as telhas, as telhas de vidro e as madeiras, é evidente que não estamos perante defeitos de construção susceptíveis de integrar o conceito disposto no artigo 913.° do Código Civil - veja-se o caso paradigmático das telhas em que a sua solidez e qualidade está provada por laboratório oficial (fls. 61 e 62), não tendo sido apontados factos susceptíveis de prejudicar ou impedir a realização do fim a que as coisas se destinam. Estamos é perante caprichos da recorrida que gostava que o imóvel que a recorrente vendeu e os condóminos compraram de forma consciente, tivesse características técnicas diversas daquelas que foram objecto de licenciamento;

3.18. «Não seria legítimo, nem justo, que a recorrente fosse obrigada a realizar obras que se destinassem a conferir ao imóvel características técnicas diversas daquelas que viu serem originalmente aprovadas, pois se o licenciamento pela Câmara Municipal de Oeiras (facto n.° 16) não certifica que a construção está isenta de defeitos, certifica inequivocamente - com toda a força probatória que um documento autêntico tem nos termos do artigo 371 do Código Civil - que o imóvel cumpria todas as leis em vigor e que foi considerado apto para habitação, o que determina a conformidade e aprovação de todos os projectos, de todas as opções técnicas e de todos os materiais aplicados na construção, constituindo matéria que não pode sequer estar sob escrutínio do Tribunal;

3.19. «Além disso, quanto às obras peticionadas, estaríamos perante claras inovações que implicariam um novo licenciamento, desta feita ao abrigo do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, nomeadamente no que respeita ao telhado e à cobertura, tendo custos exponenciais com novos projectos, novos responsáveis técnicos, novas licenças e novos materiais;

3.20. «Se estivéssemos perante verdadeiros defeitos contemplados no artigo 913 do Código Civil., a sua existência obrigaria, quando muito, à reparação do que já existe, mas nunca a efectuar obras novas. Muito menos em sentido diverso daquelas que foram sancionadas pela entidade competente. Tal situação não teria a mais ínfima cobertura legal, nem na letra nem no espírito do artigo 913 do Código Civil;

3.21. «Quanto aos factos n.s 23 e 24, referentes às caleiras. Não basta a invocação de uma qualquer anomalia para considerar que estamos perante um vício que desvalorize a coisa, tem de ser suficientemente grave para impedir a realização do fim a que a coisa se destina. Nestes dois casos, embora se registem algumas anomalias, não existem factos que sustentem a existência de vícios subsumíveis ao conceito de defeito. Pelo que também aqui foi violado o disposto no artigo 913 do Código Civil.»

4. Contra-alega a autora, pronunciando-se pela confirmação do acórdão em revista.
III
Coligidos em conformidade com o exposto os necessários elementos de apreciação, cumpre decidir.

1. O problema que constitui objecto da revista, como se adiantou no início, tem na sua base a questão de saber qual a lei aplicável à caducidade da presente acção.

1.1. Flui na verdade elucidativamente da exposição antecedente que se verifica uma sucessão de leis no tempo quanto ao cômputo do prazo de caducidade: a lei vigente antes do Decreto-Lei n.º 267/94 - em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1995 -, isto é, os n.os 1 e 2 do artigo 916.º; e a lei nova do n.º 3 deste artigo, introduzida pelo mesmo diploma legal.

Neste conspecto, o método de abordagem da problemática em apreciação deve centrar-se na dilucidação da prevalência de uma das leis em sucessão temporal sobre a outra.

Constata-se, aliás, que a lei nova amplia o prazo de caducidade previsto na lei antiga, quando a coisa vendida seja um imóvel, configurando assim uma situação subsumível à norma tansitória do n.º 2 do artigo 297 do Código Civil, do seguinte teor:

«A lei que fixar um prazo mais longo [do que o fixado na lei anterior], é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial».

Importa por isso que o julgador, colocado perante esta norma transitória, se interrogue preliminarmente acerca de um pressuposto fundamental do Tatbestand: o prazo sucessivamente regulado pelas leis em confronto estava ou não em curso no momento da entrada em vigor da lei nova?

É apodíctico. Se este prazo já se tinha esgotado quando do início de vigência da nova lei, resta sem objecto a vocação de aplicabilidade desta.

Sendo ao invés afirmativa a resposta à interrogação formulada, então, não exaurido ainda o mesmo prazo, segue-se, pela estatuição da norma transitória, que o prazo elegível é o prazo mais longo da lei nova, aplicando-se como tal desde o início do prazo em curso.

E esta hipótese ficará logicamente prejudicada pela verificação da primeira.

1.2. Posto isto, interessa por outro lado observar, em breve parêntesis, que antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, não podia dizer-se unívoca a aplicação dos artigos 916 e 917 ao caso da venda defeituosa de imóveis, existindo decisões favoráveis ao regime da empreitada plasmado nos artigos 1224 e 1225 e do prazo de caducidade mais longo de 5 anos aí previsto.

O acórdão aqui em revista dá notícia, como há pouco vimos, dessas divergências.

Sustentou-se inclusive a inaplicabilidade, quer de um, quer do outro sistema, apelando-se alternativamente para os «princípios gerais», conducentes ultima ratio à convocação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos.

E o Decreto-Lei n.º 267/94 veio entretanto transpor grosso modo a aludida disciplina do contrato de empreitada para o domínio da compra e venda de imóveis defeituosos, a partir do início da sua vigência em 1 de Janeiro de 1995.

Persistiam, no entanto, situações de pretérito, e proporcionou-se ao Supremo Tribunal de Justiça, numa dessas situações anteriores a esta data, o ensejo de uniformizar jurisprudência no recurso ainda para o tribunal pleno em que veio a ser proferido o acórdão uniformizador n.º 2/97, de 4 de Dezembro de 1996, citado na sentença e na alegação da recorrente (supra, nota 1).

Ponderando criticamente as três teses aludidas - artigos 916., n.os 1 e 2, e 917.º; regime da empreitada; prazo da prescrição ordinária -, o aresto elegeu a primeira solução, no caso por interpretação extensiva, rejeitando as demais alternativas, e uniformizando a jurisprudência nos termos já aqui aludidos:

«A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil.»

Não se vêem razões de tomo para divergir do acórdão uniformizador, perfilhando--se a motivação que lhe presidiu, para a qual com a devida vénia se remete.

1.3. Importa apenas, antes de regressar ao n.º 2 do artigo 297.º, há momentos deixado em suspenso, recordar em grandes rasgos o regime perfilhado pelo Supremo, consubstanciado na versão originária dos artigos 916.º e 917.º

Conforme o artigo 916.º, o comprador deve denunciar o defeito ao vendedor, excepto se este houver usado de dolo (n.º 1), até 30 dias depois de conhecido, e dentro do prazo de 6 meses após a entrega (n.º 2).

E segundo o artigo 917.º, a acção de anulação por simples erro - mas, na esteira da interpretação extensiva do acórdão uniformizador, também a acção de reparação/indemnização dos defeitos - caduca findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta 6 meses, sem prejuízo, neste segundo caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º

Ou seja, traduzindo por outras palavras o libelado do artigo 917.º, a acção caduca, desde logo, se a denúncia não for feita nos termos e prazos fixados no artigo 916.º, com o máximo de 6 meses a contar da entrega.

Feita, todavia, a denúncia em observância dessas condições, então, mercê da ressalva do princípio da perpetuidade plasmado no n.º 2 do artigo 287.º, deve ainda distinguir-se: se o contrato está cumprido, a acção caduca no prazo de 6 meses a contar da denúncia; se não está cumprido, pode a acção ser intentada sem dependência de prazo (4) .

2. Os esclarecimentos que fluem do excurso antecedente permitem agora reverter à norma transitória do n.º 2 do artigo 297.º, para apurar se o prazo ou prazos sucessivamente regulados pelos n.os 1 e 2 do artigo 916.º e pelo artigo 917.º, de um lado, e pelo n.º 3 do artigo 916.º, por outro, estavam ou não em curso no momento da entrada em vigor deste último.

2.1. Como se referiu, sendo a resposta negativa, esgotado, pois, antes de 1 de Janeiro de 1995 o prazo previsto na lei antiga, deixa de poder aplicar-se a lei nova.

E a resposta nesse sentido depende, por consequência, da prova de que a denúncia não foi feita antes dessa data, quer no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do defeito, quer ao menos dentro de 6 meses a contar da entrega da coisa.

Ademais, o ónus probatório destes factos, como integradores da excepção de caducidade, ou seja, enquanto factos impeditivos ou extintivos do direito da autora à reparação/indemnização dos alegados defeitos nas partes comuns do edifício - aos quais se resume o objecto da acção - competia à ré, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º, solução com apoio também no n.º 2 do artigo 343.º do Código Civil.

2.2. Ora, resulta da matéria de facto provada que a autora não denunciou os defeitos, pelo menos no prazo de 6 meses a contar da entrega, referenciada esta na 1.ª instância, às datas de aquisição das fracções autónomas, que todas ocorreram, vimo-lo também há pouco por nossa parte, mais de 6 meses antes de 1 de Janeiro de 1995 (cfr. supra, nota 3) - com a única excepção da fracção B, a qual, adquirida em 23 de Abril de 1997, permaneceu, todavia, até então na titularidade da própria ré (cfr. neste sentido o doc. de fls. 96/99, «Compra e venda com mútuo e hipoteca», da referida data, relativo à mesma fracção).

A assembleia de condóminos já reunira, inclusive, pelo menos em 22 de Janeiro de 1994 - como a autora afirma na carta de 14 de Fevereiro de 1995, junta a fls. 14, cujo teor foi especificado [cfr. alínea F)] -, muito mais também de 6 meses antes da mesma data.

Factos que apontam, aliás, no sentido de que o condomínio estava efectivamente constituído e provido dos seus órgãos de administração, e da maioria, pelo menos, dos condóminos como sujeitos individuais vocacionados para exprimirem uma vontade imputável àquele, nas formas de actuação do comércio jurídico que a lei lhe reconhece, tudo igualmente mais de 6 meses antes de 1 de Janeiro de 1995.

Conclui-se das considerações precedentes que na data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, já no nosso caso se encontrava esgotado o prazo, previsto na lei antiga (o n.º 2 do artigo 916.º), que a lei nova (o n.º 3 deste artigo, introduzido por aquele diploma, repete-se) veio regular em termos mais amplos, com a consequente inaplicabilidade desta lei por força da norma transitória do n.º 2 do artigo 297.º

Consumou-se, do mesmo passo, salvo o devido respeito, a caducidade da presente acção pelo decurso do prazo de 6 meses previsto na lei antiga sem que a denúncia tenha sido efectuada.

Tanto mais que esta apenas teve lugar, como sabemos, mediante a carta da autora, de 14 de Fevereiro de 1995, várias vezes aludida [alínea F) da especificação], e a acção apenas foi instaurada a 8 de Outubro de 1999.

3. Nos termos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, julgando procedente a excepção de caducidade da acção com a absolvição da ré dos pedidos, e revogando o acórdão recorrido.
Custas pela autora recorrida (artigo 446 do Código de Processo Civil).

Lisboa, 31 de Maio de 2005
Lucas Coelho,
Bettencourt de Faria,
Moitinho de Almeida.
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(1) De 4 de Dezembro de 1997, «Diário da República», n.º 25/97, I Série-A, de 30 de Janeiro de 1997, págs. 503 e segs., e «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 462, págs. 94 e seguintes
(2) O novo número veio efectivamente ampliar os prazos de 30 dias e de 6 meses previstos no n.º 2, para 1 ano e 5 anos, respectivamente, caso a coisa vendida seja um imóvel
(3) Isto com excepção da fracção B, adquirida em 23 de Abril de 1997, relativamente à qual, refere a sentença, houve um pleito judicial. E não virá a despropósito referir, efectivamente, que as datas das compras e vendas das 8 fracções do condomínio, ordenadas alfabeticamente pelas letras A a H, como tais alegadas no artigo 4.º da contestação (fls. 49), vieram, a convite do Ex.mo Juiz na fase do saneador (fls. 88), a ser documentadas pela ré de fls. 91/123, como sendo, respectivamente, as seguintes: 25/3/94, 23/4/97, 14/9/93, 14/9/93, 7/9/93, 24/9/93, 29/3/94 e 2/8/93.
(4) Acerca do sentido que deve atribuir-se ao cumprimento e não cumprimento do contrato, para os efeitos do n.º 2 do artigo 287.º, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Dezembro de 2003, na revista n.º 1475/03, 2.ª Secção. Por outro lado, poderia pôr-se a questão de saber se a ressalva do princípio só vale, no contexto do artigo 917.º, para a acção de anulação nele prevista directamente, ou também para a acção de reparação/indemnização dos defeitos a que o artigo se aplica extensivamente na interpretação do acórdão de uniformização. Não se torna, porém, necessário assumir neste momento posição compromissória a esse respeito, uma vez que o tema apenas se coloca na hipótese de a denúncia ter sido feita tempestivamente, o que não é o caso sub iudicio, como veremos dentro de momentos.