Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2924
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: CONTENCIOSO DA NACIONALIDADE
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ20061031029241
Data do Acordão: 10/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - Tendo a requerida, cidadã brasileira, casada há mais de 3 anos com cidadão nacional português, solicitado a aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 37/81, de 3-10, na redacção da Lei n.º 25/94, de 19-08, deve proceder a oposição deduzida a essa pretensão se não provou, como lhe incumbia, a existência de ligação efectiva à comunidade nacional.
II - Para o efeito não basta provar o domínio da língua, pois a requerida vive regular e permanentemente na Suíça com o marido, onde trabalham e têm a sua vida profissional e familiar organizada, só em férias vindo a Portugal, onde se relaciona com familiares do marido e vizinhos, desconhecendo-se quanto tempo residiu em Portugal antes de emigrar para a Suíça e se tem projectos concretos de regresso, com vista a fixar-se em Portugal, e de efectiva inserção na comunidade nacional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
O Ministério Público instaurou acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, contra AA, por falta de prova de ligação efectiva da requerida à comunidade portuguesa, pedindo se ordene o arquivamento do processo conducente a esse registo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Citada para deduzir oposição, a requerida nada veio dizer.
A Relação de Lisboa julgou improcedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade.
Inconformado, apelou o Ministério Público para o STJ, pedindo a revogação do acordão recorrido, concluindo que não se mostra comprovada a inserção efectiva da requerida na comunidade nacional portuguesa.
Com os vistos, cabe decidir.
Estão provados os seguintes factos :
A requerida é natural do Brasil, onde nasceu em 28 de Junho de 1978;
É filha de pais brasileiros;
Em 10 de Maio de 2001, casou com o cidadão nacional BB, na Conservatória do Registo Civil de Braga;
Aquando do casamento, o casal residia no lugar do ..., da freguesia de ..., em Braga;
O casal está emigrado na Suiça, onde ambos trabalham e residem;
Visitam todos os anos a família, onde a requerida está socialmente integrada, quer pelas relações com os familiares do marido, quer pelas relações com os vizinhos.
Consistindo a questão a decidir em saber se os factos apurados são bastantes para se ter como provada a ligação efectiva da requerida à comunidade nacional, terá a resposta de ser negativa.
Vejamos porquê.
O estrangeiro, casado há mais de 3 anos com nacional português, pode adquirir a nacionalidade portuguesa, mediante declaração feita na constância do matrimónio (artº 3º, nº 1, da Lei 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei 25/94, de 19 de Agosto).
Todavia, constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional (artº 9º , al. a), da mesma Lei da Nacionalidade).
Para que a oposição à aquisição da nacionalidade venha a proceder não se exige a prova de que não há ligação efectiva à comunidade nacional, bastando a dúvida ou a falta de certeza sobre essa verificação, incumbindo o ónus da prova da ligação efectiva à comunidade nacional ao requerente da aquisição da nacionalidade.
A ligação efectiva à comunidade nacional deve assentar num conjunto de circunstâncias, a valorar casuisticamente, mas tendo por base a língua, a residência e os aspectos culturais, sociais, familiares, profissionais e outros, que traduzam um sentimento do interessado de pertença e integração na dita comunidade e de comunhão da mesma consciência nacional.
A ligação efectiva, como pressuposto da aquisição da nacionalidade, deve traduzir-se numa comunhão de valores e participação na realização dos objectivos fundamentais (económicos, sociais e culturais) da comunidade portuguesa, em termos de um efectivo e sério exercício da cidadania, não só nas relações entre os cidadãos, mas também no relacionamento com a sociedade e com o Estado.
Ora, a requerida solicitou a aquisição da nacionalidade portuguesa, valendo-se do facto de ser casada há mais de 3 anos (concretamente desde 10 de Maio de 2001) com um cidadão nacional.
Só que os factos provados são insuficientes para exprimirem uma ligação efectiva da interessada à comunidade nacional, por não traduzirem um sentimento de pertença e de integração da requerida na comunidade portuguesa nem de comunhão da mesma consciência nacional, nem qualquer projecto sério de inserção na sociedade portuguesa e na sua vida económica.
Com efeito, não basta provar o domínio da língua, pois a requerida vive regular e permanentemente na Suíça, com o marido, onde trabalham e têm a sua vida profissional e familiar organizada.
Só em férias vem a Portugal, onde se relaciona com familiares do marido e vizinhos, desconhecendo-se quanto tempo residiu em Portugal antes de emigrar para a Suiça e se tem projectos concretos de regresso, com vista a fixar-­se em Portugal, e de efectiva inserção na comunidade nacional.
Nada se sabe quanto ao seu conhecimento do território português, quanto à sua percepção histórica e cultural de Portugal, nem quanto à realidade social do nosso país.
Nem tão pouco se conhece qualquer relacionamento dela com a comunidade portuguesa residente na Suiça.
Daí que não estejam verificados os requisitos mínimos previstos na lei como condição para atribuição da nacionalidade.
Termos em que acordam em conceder provimento à apelação, revogando o acordão recorrido, julgando procedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade requerida por AA, e ordenando o arquivamento do respectivo processo, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, condenando a recorrida nas custas.


Lisboa , 31-10-2006

Faria Antunes (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves