Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S2059
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FORMA ESCRITA
FALTA DE FORMA LEGAL
NULIDADE DE ESTIPULAÇÃO DE PRAZO
CONVALIDAÇÃO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: SJ200605180020594
Data do Acordão: 05/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. O contrato de trabalho a termo é um negócio formal, achando-se sujeito a forma escrita, cuja inobservância tem como consequência a nulidade da aposição da cláusula acessória do termo.
2. Tendo as partes celebrado por escrito, em 20 de Dezembro de 2001, com efeitos reportados a partir de 15 de Novembro de 2001, um contrato de trabalho a termo certo, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, a celebração desse contrato não tem a virtualidade de sanar a nulidade do ajuste verbal de um contrato de trabalho a termo, alegadamente firmado em 15 de Novembro de 2001, data do início da prestação do trabalho.
3. Embora o Código Civil acolha a convalidação de negócios jurídicos nulos (artigos 895.º e 2251.º), todavia, não a admite pela inobservância de forma legal, conforme resulta dos seus artigos 220.º e 364.º, n.º 1.
4. Na verdade, é difícil de admitir a validação retroactiva de um negócio nulo por falta de forma, celebrando-o, depois, com a forma exigida, já que os actos nulos não produzem efeitos, logo as hipóteses de convalidação não podem deixar de ser típicas, pois, só a lei pode permitir ou impor este efeito.
5. Aliás, no domínio laboral, seria inaceitável, que as partes pudessem celebrar um contrato de trabalho a termo, fazendo reportar a eficácia deste a data anterior à da respectiva celebração, o que permitiria invalidar, a todo o tempo, qualquer anterior contrato de trabalho sem termo ajustado verbalmente, bem como contornar a estatuição contida no n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT.
6. Logo, quando o trabalhador subscreveu, em 20 de Dezembro de 2001, um contrato de trabalho a termo certo, já tinha adquirido a qualidade de trabalhador permanente, desde 15 de Novembro de 2001, pelo que aquele contrato de trabalho, nos termos do n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT, é nulo.
7. É de qualificar como contrato de trabalho, e não de prestação de serviço, o celebrado, na sequência de anterior contrato de trabalho, em que o trabalhador continuou a exercer as mesmas funções por conta, ordem e direcção da antiga empregadora, nas instalações e com equipamento desta última, e mediante o cumprimento de um horário de trabalho, configurando-se antes um único contrato de trabalho sem termo, vigente desde 15 de Novembro de 2001.
8. Embora a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da LCCT, ao estatuir que a entidade empregadora será condenada a pagar o valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, desde a data do despedimento até à data da sentença, não refira se o valor da retribuição a considerar é a retribuição ilíquida ou líquida, resulta da própria letra da lei que a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir como contrapartida da actividade prestada, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I
1. Em 6 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL (ex-ICERR), pedindo: (a) se declare ilícito e nulo o seu despedimento; (b) se declare que é trabalhador da ré, ao abrigo de contrato sem termo, desde 15 de Novembro de 2001; (c) a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (d) a condenação da ré a pagar-lhe os salários e subsídios que se vencerem desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde o vencimento de cada uma dessas importâncias até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que foi admitido ao serviço do ex-ICERR [Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária], no dia 15 de Novembro de 2001, para exercer funções de apoio na área de planeamento, designadamente, de apoio na execução de trabalhos na área da cartografia, com participação na gestão do arquivo numérico de cartografia, participação e gestão das bases cartográficas das estradas do país e execução de trabalho específico na área dos sistemas de informação geográfica, por conta, ordem e direcção do réu.

Em 20 de Dezembro de 2001, o réu apresentou-lhe um contrato de trabalho escrito, a termo certo, pelo período de seis meses, no qual se indicava como motivo justificativo da sua celebração o constante na alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, adiante designado por LCCT, em concreto, «o acréscimo excepcional de recolha e tratamento de dados, no âmbito do Programa de Temporais», motivo esse que não era verdadeiro, já que não houve qualquer acréscimo temporário ou excepcional da actividade do réu, no entanto, para não perder o seu posto de trabalho, assinou, por imposição do réu, o referido contrato.

Em finais do mês de Outubro de 2002, o réu comunicou-lhe a não renovação do contrato de trabalho a termo certo, o qual cessou em 14 de Novembro de 2002.

A partir de 18 de Novembro de 2002, passou a exercer as mesmas funções para o réu, mediante contrato de prestação de serviços de apoio no âmbito do desenho assistido por computador, pelo período de seis meses, mantendo-se, porém, sujeito às ordens, direcção e remuneração do réu, cumprindo o mesmo horário de trabalho, tendo terminado o exercício das funções por conta do réu, no dia 18 de Maio de 2003, data da cessação do contrato de prestação de serviços.

Mais aduziu: que foi admitido, em 15 de Novembro de 2001, por contrato sem qualquer termo, tendo exercido, ininterruptamente, as suas funções em favor do réu até ao dia 18 de Maio de 2003; que a celebração do contrato de trabalho a termo, seguido da celebração do contrato de prestação de serviços, configura a celebração sucessiva de contratos para a satisfação das mesmas necessidades do réu, o que determina a conversão automática da relação jurídica em contrato de trabalho sem termo, nos termos do n.º 1 do artigo 41.º-A da LCCT; e, ainda, que essa celebração sucessiva de contratos pretendeu iludir as disposições que regulam os contratos sem termo.

A ré contestou, sustentando, no que aqui interessa referir, que a contratação a termo fundou-se no acréscimo excepcional de recolha e tratamentos de dados no âmbito do programa de temporais e que, por razões organizativas, apenas foi possível a assinatura do contrato a termo, em 20 de Dezembro de 2001, todavia, o contrato reportou os seus efeitos à data do início daquelas funções, 15 de Novembro de 2001.

Após a caducidade do contrato de trabalho a termo, consultou o autor com vista à apresentação de proposta, nos termos do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, para fornecimento de serviço de apoio no âmbito do desenho assistido por computador, nomeadamente na cartografia, no projecto rodoviário e na área gráfica geral, tendo o autor apresentado, livremente, a sua proposta.

Com o início da relação titulada pelo contrato de prestação de serviços e durante toda a sua execução manteve-se o objecto da contratação, não estando em causa o fornecimento do trabalho pelo autor, mas antes o resultado desse trabalho, a alcançar com os métodos que entendesse, sem que nesse desempenho se tenham manifestado ordens, autoridade e direcção por parte do réu.

Requereu, ainda, a condenação do autor como litigante de má fé.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção totalmente procedente, declarando ilícito o despedimento efectuado pelo réu e, em consequência, condenou o réu: (a) a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 15 de Novembro de 2001; (b) a pagar ao autor, a título de salários intercalares, a quantia de 6.135,11 €, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma dessas importâncias, até integral e efectivo pagamento; (c) a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, reportada a 15 de Novembro de 2001.

2. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que o réu agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:

1) Tendo-se provado que, por ajuste verbal entre autor e réu, foi acordado um contrato a termo, autorizado em 24.10.2001, que teve o seu início em 15 de Novembro de 2001 e apenas foi formalizado em 20 de Dezembro de 2001 - porque a tramitação do processo de assinatura do contrato, com aprovação prévia pelo Conselho de Administração e assinatura presencial por ambas as partes não se coadunou com a urgência do início das funções -, com efeitos reportados a partir de 15 de Novembro de 2001, tem de se concluir, nos termos do n.º 3 do artigo 42.º da LCCT, que não é nula a estipulação do termo;
2) Face à matéria de facto apurada, tem de se considerar, até por presunção, que o autor foi contratado, e exerceu funções na área da cartografia, no âmbito (e com relação directa) do programa de temporais, manifestador do acréscimo de actividade do réu;
3) Independentemente da conclusão anterior, e competindo ao autor o ónus da prova - que não a fez - do carácter não transitório do trabalho para o qual foi contratado a prazo, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não pode o Tribunal decidir como se o ónus da prova fosse do réu, no sentido de obrigar o réu a provar a excepcionalidade e transitoriedade do trabalho, invertendo, assim, o ónus da prova, com ofensa do artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil;
4) Nos termos das conclusões anteriores, tendo sido validamente celebrado o contrato de trabalho com termo certo, este caducou com a comunicação do réu da vontade de não o renovar, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LCCT, daí que a relação iniciada depois, qualquer que ela seja, tem o seu início nessa data, e nunca com efeitos retrotraídos à data da celebração do contrato a termo;
5) Após a caducidade do contrato de trabalho a termo, o autor para além de apresentar livremente proposta para uma prestação de serviços, recebeu, sem reserva, as quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação pela caducidade, o que prefigura um contrato de remissão como renúncia à tutela de direitos decorrentes do contrato de trabalho;
6) Réu e autor, até porque não era possível renovar o contrato a termo ou celebrar um outro contrato de trabalho - o que era do conhecimento do autor -, negociaram, com base em proposta apresentada pelo autor e quiseram celebrar um contrato titulado como de prestação de serviços;
7) Por outro lado, e apesar das funções serem exercidas «por conta, ordem e direcção do réu» em local predeterminado, com materiais fornecidos pelo réu e dentro de um horário preestabelecido: (i) a admissão do autor foi efectuada através de convite, com a correspondente proposta, para apresentação de proposta para prestação de serviços; (ii) o pagamento, pela prestação de serviços acordada, foi efectuado contra emissão pelo autor de «nota de honorários» e não através de «recibo» ou «boletim de remunerações»; (iii) o pagamento foi efectuado com adiantamento de 10% do valor global dos honorários e o restante em seis prestações mensais, sem retenção da TSU [taxa social única] e sem pagamentos à segurança social; (iv) ao pagamento dos honorários acresceu o IVA à taxa legal; (v) não pagamento de férias, subsídio de férias ou Natal; (vi) o autor é desenhador e a actividade contratada, dentro do âmbito do desenho informático, base cartográfica das estradas e pontes, é por natureza também exercida com autonomia e dirigida a um resultado; (vii) nada ficou provado quanto ao modo e forma como as funções/serviços foram exercidos;
8) Assim, não ficou demonstrado, e tal prova cabia ao autor, que o autor ficou, na pendência do titulado contrato de prestação de serviços, numa situação de subordinação jurídica, podendo, antes, concluir-se que na relação contratual foram enxertadas regras do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, sem prevalência de qualquer uma delas;
9) Mas mesmo que se entendesse, que se estava perante um contrato de trabalho, seria sempre um contrato de trabalho a termo pelo período de 6 meses, e não um contrato por tempo indeterminado: (i) porque o titulado contrato de prestação de serviços contêm todas as menções essenciais referidas no artigo 42.º da LCCT; (ii) porque as partes quiseram vincular--se por um período limitado de 6 meses; (iii) porque nada, legalmente, obstava à renovação do anterior contrato de trabalho a termo; (iv) porque não se pode impor, contra a vontade das partes, um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
10) Ainda que formalmente o pessoal do réu esteja sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, deve atender-se, principalmente na constituição da relação de trabalho, a especificidades inerentes à natureza jurídica do réu, e que levam a que a constituição da relação de trabalho no réu siga as regras do emprego público, como a igualdade de acesso ao emprego e o concurso como base de selecção do pessoal, bem como a proibição da conversão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89 e da Lei n.º 23/2004;
11) A quantia a que o réu foi condenado a pagar ao autor foi baseada na remuneração ilíquida (692 €) e não a líquida, como é de direito, o que sempre implica a sua rectificação;
12) Além de que a referida quantia inclui o montante de 430,37 € relativo ao diferencial do subsídio de Natal de 2003, mas como a acção deu entrada em 6 de Novembro de 2003, apenas se contam as retribuições desde 6/10/2003, o que implica que o autor, no caso da procedência da acção, apenas teria direito a 3/12 de 692,00 €;
13) Ainda, não se deduziu à referida quantia a compensação a que alude o artigo 46.º da LCCT, paga na altura da cessação do contrato a termo, como é obrigatória, sendo, por isso, de presumir que tal pagamento foi efectuado;
14) Alegando o autor factos pessoais, muito relevantes para a decisão da causa (alegou que após um mês e meio de trabalho o réu lhe impôs a assinatura do contrato a termo, que ele assinou para não perder o emprego e que após a cessação do contrato a termo o réu lhe impôs a prestação de serviços e que ele aceitou para não perder o posto de trabalho), sabendo perfeitamente que estava a alterar a verdade dos mesmos, fazendo-o consciente e voluntariamente, pleiteou de má fé, por isso, deve ser condenado em multa e indemnização, nos termos dos artigos 456.º, n.º 1, e 457.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta do recorrente para discordar daquela posição.

3. Corridos os vistos, o processo foi, entretanto, redistribuído, por jubilação do então relator.

No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas são as seguintes:

A) Valor jurídico da estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado entre o autor e o réu, em 20 de Dezembro de 2001, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, com efeitos reportados a partir de 15 de Novembro de 2001;
B) Se o alegado recebimento pelo autor das quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo, configura um contrato de remissão com renúncia à tutela de direitos decorrentes do contrato de trabalho;
C) Qual a natureza do vínculo jurídico estabelecido entre o autor e o réu, na sequência da aprovação, em 18 de Novembro de 2002, da proposta do autor para o fornecimento de serviços ao réu, por um período de seis meses, no âmbito do desenho assistido por computador;
D) Se deve atender-se a especificidades inerentes à natureza jurídica do réu, que levam a que a constituição da relação de trabalho siga as regras do emprego público, como a igualdade de acesso ao emprego e o concurso como base de selecção do pessoal, bem como a proibição da conversão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho;
E) Se no cálculo da quantia correspondente ao valor dos salários intercalares deve ter-se em conta a remuneração líquida ou ilíquida;
F) Se há que deduzir à importância atribuída a título de salários intercalares, o montante de 430,37 € relativo ao diferencial do subsídio de Natal no ano de 2003, a compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo e invocados rendimentos de trabalho auferidos pelo autor em data posterior ao despedimento;
G) Se há lugar à condenação do autor como litigante de má fé.

Tudo visto, cumpre decidir.

II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) O R. integrou por fusão o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), com a consequente extinção deste;
2) O A. foi admitido ao serviço do extinto Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), no passado dia 15 de Novembro de 2001, para desempenhar funções de apoio na área de planeamento, designadamente, de apoio na execução de trabalhos na área de cartografia, com participação na gestão do arquivo numérico de cartografia, participação e gestão das bases cartográficas das estradas do país e execução de trabalho específico na área dos sistemas de informação geográfica;
3) Exercendo tais funções por conta, ordem e direcção do extinto ICERR, nas suas instalações;
4) Mediante a remuneração base mensal ilíquida de 692 €, abonada de seis mensalidades, subsídio de Natal e de férias, à qual acrescia o subsídio de refeição no valor de 5,08 €, por cada dia de trabalho efectivamente prestado;
5) Em 20 de Dezembro de 2001, A. e R. subscreveram um contrato de trabalho a termo certo, com a duração de seis meses, referindo-se nesse contrato que as funções e tarefas eram desempenhadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, tendo em conta o acréscimo excepcional de recolha e tratamento de dados, no âmbito do programa de temporais (vide, cláusula 1.ª do contrato escrito de fls. 9);
6) Referindo-se na cláusula 7.ª do aludido contrato que o mesmo produzia os seus efeitos a partir do dia 15 de Novembro de 2001;
7) Em finais do mês de Outubro de 2002, o A. recebeu do R. uma carta registada com aviso de recepção, em que este lhe comunicou a não renovação do contrato de trabalho a termo certo, fazendo cessar o mesmo em 14 de Novembro de 2002, tendo em conta o disposto no n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002 [por lapso, no acórdão recorrido, escreveu-se 77/2002], de 18 de Maio;
8) O ICERR, com data de 28 de Outubro de 2002, enviou ao A. um convite para apresentação de proposta para o fornecimento de serviço de apoio no âmbito do desenho assistido por computador, nomeadamente, na cartografia, no projecto rodoviário e na área gráfica geral, com o fundamento de que se tornava necessário garantir esse apoio ao Departamento de Engenharia Rodoviária, face à sua nova instalação no edifício da sede, por um prazo de 6 meses;
9) Com data de 29 de Outubro de 2002, na sequência de tal convite, o A. enviou a sua proposta para o fornecimento de serviços no âmbito de desenho assistido por computador, por um período de seis meses, no valor global de 7.140 € (com IVA);
10) Tal proposta foi aceite e, a partir do dia 18 de Novembro de 2002, o A. passou a exercer as mesmas funções que anteriormente exercia para o R., mediante «contrato de prestação de serviços», na sequência do convite referido em 8) e da proposta do A. referida em 9) [por lapso, no acórdão recorrido, escreveu-se 7)]
11) Mediante o pagamento da quantia de 6.000,00 €, acrescido do respectivo IVA à taxa legal, no total de 7.140,00 €, sendo pago 10% desse valor no acto da adjudicação e o restante em seis prestações mensais;
12) Apesar da celebração deste contrato de prestação de serviços, o ora A. continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente (desde 15 de Novembro de 2001), nos mesmos termos e condições, continuando sujeito às ordens e direcção do R.;
13) Diariamente se apresentando no mesmo local de trabalho e, cumprindo o mesmo horário de trabalho (de segunda a sexta-feira das 9h às 12h30 e das 14h às 18h);
14) Tais funções sempre foram realizadas através de equipamento fornecido pelo R.;
15) Após o dia 18 de Maio de 2003, findo o prazo de 6 (seis) meses, referido em 8), o A. deixou de exercer quaisquer funções por conta do R.;
16) O programa dos temporais foi instituído pelo R. por causa das intempéries ocorridas no Inverno de 2000/2001, que causaram a danificação de grande parte da rede estradal da região centro do país;
17) Em 16.10.2001, pelo técnico superior (do ICERR) - BB -, foi elaborado um parecer, no sentido de ser necessária a contratação de mais uma pessoa para a execução de trabalhos na área de desenho, referindo existir um aumento de trabalho na sede do ICERR em Coimbra, indo essa pessoa dar apoio às solicitações que surgem dos vários departamentos e funcionários em todo o tipo de trabalho gráfico, nomeadamente: execução de trabalhos na área da cartografia, com participação na gestão do arquivo numérico de cartografia; participação na gestão das bases cartográficas das estradas do país; execução de trabalhos por exemplo capas para processos, cartazes, cartões, etc., para congressos; execução de trabalho específico na área dos sistemas de informação geográfica, quando este se encontrar em funcionamento nos institutos, propondo a contratação do A. através de contrato a termo por um ano;
18) Tal proposta obteve a autorização do vice-presidente - CC -, no dia 19.10.2001, que deu o seu aval à contratação nos termos propostos por a considerar oportuna e a mesma se inserir na reorganização em curso nos serviços da sede;
19) Na sequência o Presidente - DD - do Conselho de Administração do ICERR (Coimbra), em 24.10.2001, autoriza a contratação do A. nos termos da proposta apresentada.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. Em primeira linha, o recorrente defende que, tendo-se provado que, por ajuste verbal entre autor e réu, foi acordado um contrato a termo, autorizado em 24 de Outubro de 2001 e apenas formalizado em 20 de Dezembro de 2001 - porque a tramitação do processo de assinatura do contrato, com aprovação prévia pelo Conselho de Administração do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR) e assinatura presencial por ambas as partes não se coadunou com a urgência do início das funções -, com efeitos reportados a partir de 15 de Novembro de 2001, tem de se concluir, nos termos do n.º 3 do artigo 42.º da LCCT, que não é nula a estipulação do termo.

Para decidir esta problemática, importa começar por introduzir algumas considerações básicas acerca da natureza e regime do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR) e das pessoas colectivas de direito público que lhe sucederam.

Seguidamente, interessa enunciar o regime jurídico pertinente à celebração do contrato de trabalho a termo em causa.

2.1. A administração rodoviária em Portugal surgiu em 1927, com a criação da Junta Autónoma de Estradas, pelo Decreto n.º 13.969 de 20 de Julho de 1927.

No seguimento da reestruturação da Junta Autónoma de Estradas, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, a administração rodoviária evoluiu para um modelo de organização e gestão assente na existência de três institutos, o Instituto das Estradas de Portugal (IEP), o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR).

Segundo o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 237/99, o Instituto das Estradas de Portugal (IEP), o Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e o Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR) eram «institutos públicos dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio» (n.º 1) e regiam-se «pelo presente decreto-lei, pelos respectivos estatutos anexos ao presente diploma e, subsidiariamente, pelo regime jurídico das empresas públicas» (n.º 2).

O ICERR, de harmonia com o n.º 2 do artigo 5.º do mesmo Decreto-Lei, representava «o Estado como autoridade nacional de estradas em relação às infra--estruturas rodoviárias nacionais não concessionadas, competindo-lhe zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do Estatuto da Estrada, que permitam a livre e segura circulação», e constituía, nos termos dos respectivos estatutos anexos ao Decreto-Lei n.º 237/99, «uma pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio» (n.º 1 do artigo 1.º), estando o seu pessoal «sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova» (n.º 1 do artigo 13.º).

Transcorridos três anos sobre a descrita reestruturação, constatando-se que as atribuições daqueles institutos se entrecruzavam de forma muito directa, pelo que só uma acção concertada permitiria potenciar e dinamizar toda a sua actividade, o Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro, procedeu à integração no Instituto das Estradas de Portugal (IEP), por fusão, do Instituto para a Construção Rodoviária (ICOR) e do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), sendo que o IEP assumiu automaticamente todos os direitos e obrigações dos extintos ICOR e do ICERR, «legal ou contratualmente estabelecidos, em todas as situações jurídicas e procedimentos em curso» (n.º 1 do artigo 3.º), mantendo-se em vigor os contratos individuais de trabalho do pessoal do IEP, do ICOR e do ICERR, «transferindo-se para o IEP a posição jurídica correspondente aos institutos extintos» (artigo 14.º).

Saliente-se que, nos termos dos respectivos estatutos anexos ao Decreto-Lei n.º 227/2002, o IEP «é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio» (n.º 1 do artigo 1.º), estando o seu pessoal «sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos e no diploma que o aprova» (n.º 1 do artigo 13.º).

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, pretendendo conferir uma nova operacionalidade à administração rodoviária em Portugal, transformou o Instituto das Estradas de Portugal (IEP) em entidade pública empresarial, com a denominação EP - Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, «pessoa colectiva de direito público, dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio» (n.º 1 do artigo 3.º), que «sucede ao Instituto das Estradas de Portugal (IEP), conservando a universalidade dos direitos e obrigações, legais e contratuais, que integram a sua esfera jurídica no momento da transformação» (n.º 1 do artigo 2.º), estando o respectivo pessoal sujeito «ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas no presente diploma e nos seus Estatutos» (artigo 11.º).

2.2. O contrato de trabalho a termo certo em apreço foi celebrado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, «tendo em conta o acréscimo excepcional de recolha e tratamento de dados, no âmbito do programa de temporais».

Estando em causa as condições de validade e os efeitos da celebração e cessação de um contrato de trabalho a termo, ocorridas em datas anteriores à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 - n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica-se o disposto no anterior regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), na redacção conferida pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, em conformidade com o estipulado no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003.

De acordo com o artigo 41.º da LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, a celebração de contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes: (a) substituição temporária de um trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço ou em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento; (b) acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa; (c) actividades sazonais; (d) execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado, definido e não duradouro; (e) lançamento de uma nova actividade de duração incerta ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento; (f) execução, direcção e fiscalização de trabalhos na indústria de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os respectivos projectos e outras actividades complementares de controlo e acompanhamento, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade, tanto em regime de empreitada como de administração directa; (g) desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação, direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora; (h) contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.

Nos termos do mesmo artigo 41.º, «[a] celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo, adquirindo o trabalhador o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa» (n.º 2), sendo a estipulação do termo igualmente nula, «com as consequências previstas no número anterior, sempre que tiver por fim iludir as disposições que regulam os contratos sem termo» (n.º 3), cabendo «ao empregador o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto» (n.º 4).

Por seu turno, o artigo 41.º-A, aditado pela Lei n.º 18/2001, estabelecia:
«Artigo 41.º-A
(Contratos sucessivos)
1 - A celebração sucessiva e ou intervalada de contratos de trabalho a termo, entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para a satisfação das mesmas necessidades do empregador determina a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo.
2 - Exceptua-se do número anterior a contratação a termo com fundamento nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 41.º
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente.»

Refira-se, para melhor explicitação, que as alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT prevêem, respectivamente, a contratação para «actividades sazonais» e a «execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro», e que o artigo 5.º respeita à permanência do trabalhador ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento da sua reforma por velhice.

Já o artigo 42.º regula a forma do contrato de trabalho a termo, certo ou incerto, estabelecendo que esse contrato está sujeito a forma escrita (n.º 1) e acha-se na dependência de várias formalidades cuja indicação consta das alíneas do seu n.º 1; resta acrescentar que, faltando a referência à data do início do trabalho, «considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração» (n.º 2), e, também, que se considera contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, a assinatura e identificação das partes, bem como, no caso de contratos a termo certo, quando se omita a referência ao prazo estipulado, a indicação do motivo justificativo, ou, simultaneamente, a data de início do trabalho e a data da celebração (n.º 3).

Assim, ao contrário do contrato de trabalho sem termo, em que vigora o princípio da liberdade de forma, conforme prevê o artigo 6.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, o contrato de trabalho a termo é um negócio formal, achando-se sujeito a forma escrita, cuja inobservância tem como consequência a nulidade da aposição da cláusula acessória do termo, mantendo-se, portanto, o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada.

2.3. Resulta da matéria de facto assente que, em 16 de Outubro de 2001, um técnico superior do ICERR propôs a contratação do autor, mediante contrato a termo por um ano, para a execução de trabalhos na área de desenho, na sede do ICERR em Coimbra, proposta essa que obteve a concordância do vice-presidente do conselho de administração daquele instituto e foi aprovada, em 24 de Outubro de 2001.

Embora a contratação do autor tenha sido aprovada a termo, por um ano, o certo é que o autor foi admitido ao serviço do extinto Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, em 15 de Novembro de 2001, sem a assinatura de qualquer instrumento contratual a termo, «para desempenhar funções de apoio na área de planeamento, designadamente, de apoio na execução de trabalhos na área de cartografia, com participação na gestão do arquivo numérico de cartografia, participação e gestão das bases cartográficas das estradas do país e execução de trabalho específico na área dos sistemas de informação geográfica».

Apenas, em 20 de Dezembro de 2001, as partes subscreveram um contrato de trabalho a termo certo, com a duração de seis meses, referindo-se nesse contrato que as funções e tarefas eram desempenhadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, atento o acréscimo excepcional de recolha e tratamento de dados, no âmbito do programa de temporais (cláusula 1.ª), e que o mesmo contrato produzia os seus efeitos a partir do dia 15 de Novembro de 2001 (cláusula 7.ª).

No seguimento desse ajuste contratual, o autor recebeu do réu uma carta registada com aviso de recepção, em finais do mês de Outubro de 2002, em que este lhe comunicava a não renovação do contrato de trabalho a termo, fazendo-o cessar em 14 de Novembro de 2002, com a invocação do disposto no n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002, de 18 de Maio, segundo o qual os contratos de trabalho a termo certo vigentes nos serviços e organismos da administração central e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados «caducam no final dos respectivos prazos, sem possibilidade de renovação».

Nesta conformidade, provou-se que o autor foi admitido ao serviço do réu, em 15 de Novembro de 2001, e que as partes celebraram por escrito, em 20 de Dezembro de 2001, um contrato de trabalho a termo, com a duração de seis meses, aí se referindo que produzia os seus efeitos a partir do dia 15 de Novembro de 2001.

2.3.1. O recorrente defende que «[t]endo-se provado que, por ajuste verbal entre autor e réu, foi acordado um contrato a termo, autorizado em 24.10.2001, que teve o seu início em 15 de Novembro de 2001 e apenas foi formalizado em 20 de Dezembro de 2001 [...], com efeitos reportados a partir de 15 de Novembro de 2001, tem de se concluir, nos termos do n.º 3 do artigo 42.º da LCCT, que não é nula a estipulação do termo.»

Todavia, não ficou provado que as partes tenham acordado entre si, por ajuste verbal, em 15 de Novembro de 2001, qualquer contrato de trabalho a termo certo e, por outro lado, mesmo que tal ajuste tivesse ocorrido, conforme já se assinalou supra, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 42.º da LCCT, o contrato de trabalho a termo é um negócio formal, achando-se sujeito a forma escrita, cuja inobservância tem como consequência a nulidade da aposição da cláusula acessória do termo, mantendo-se, o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada.

A forma escrita do contrato de trabalho a termo é, pois, uma exigência de forma ad substantiam no tocante à cláusula de duração, por isso, se as partes queriam ajustar um contrato de trabalho a termo, mas não o fizeram por escrito antes do início da prestação do trabalho, considera-se o contrato celebrado sem termo.

No entender de FILIPE FRAÚSTO DA SILVA («30 Anos de Contrato de Trabalho a Termo», em A Reforma do Código do Trabalho, edição conjunta do Centro de Estudos Judiciários e da Inspecção-Geral do Trabalho, Coimbra Editora, 2004, pp. 215-275), em impressivo comentário à alteração legislativa decorrente da entrada em vigor do n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT, aditado pela Lei n.º 18/2001, «a nova lei implica pois um retrocesso (em termos de rigidez) superior a 10 anos» (ob. cit., p. 235, nota 24, in fine), concluindo a este propósito, que «[p]assaram assim os empregadores a ter de usar da maior cautela [...] na admissão de pessoal a termo: os respectivos contratos devem ser assinados sempre antes do início da prestação de trabalho» (ob. cit., pp. 235-236).

2.3.2. É certo que as partes, em 20 de Dezembro de 2001, subscreveram um contrato de trabalho a termo, com efeitos reportados a 15 de Novembro de 2001.

Porém, a celebração por escrito desse contrato de trabalho a termo não teria a virtualidade de sanar a nulidade do contrato a termo que, na versão do recorrente, as partes teriam acordado por ajuste verbal, em 15 de Novembro de 2001.

Tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Março de 1973 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 225, p. 239), «[o] Código Civil actual consagra, expressamente, a convalidação de negócios jurídicos nulos (v.g., artigos 895.º e 2251.º). Todavia, não a admite - como não a admitia o Código Civil de 1867 - pela inobservância de forma legal, conforme resulta, designadamente, dos artigos 220.º e 364.º, n.º 1.»

Na verdade, é difícil de admitir a validação retroactiva de um negócio nulo por falta de forma, celebrando-o, depois, com a forma exigida, já que os actos nulos não produzem efeitos, logo as hipóteses de convalidação não podem deixar de ser típicas, pois, só a lei pode permitir ou impor este efeito (neste sentido, ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 475, nota 2; também, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil - Teoria Geral, volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 343-346).

Aliás, no domínio laboral, seria inaceitável, que as partes pudessem celebrar um contrato de trabalho a termo, fazendo reportar a eficácia deste a data anterior à da respectiva celebração, o que permitiria invalidar, a todo o tempo, qualquer anterior contrato de trabalho sem termo ajustado verbalmente, bem como contornar ou mesmo obstaculizar a estatuição contida no n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT.

É verdade que o contrato de trabalho, como negócio obrigacional, funda-se na autonomia privada, a qual abrange, para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação.

«Como em qualquer negócio jurídico, as partes têm liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador» (cf. ROMANO MARTINEZ, obra citada, p. 615).
2.3.3. Noutro plano de consideração, há que reconhecer que não resulta da matéria de facto assente que o autor tenha contribuído, de qualquer modo, para que a prestação de trabalho se iniciasse sem prévia assinatura de um instrumento contratual a termo ou que tivesse provocado intencionalmente a falta de forma escrita da sua admissão, em 15 de Novembro de 2001, para vir depois aproveitar-se dela invocando que passara a trabalhador permanente.

Isto é, não se provou qualquer actuação eticamente reprovável ou juridicamente ilícita por parte do autor que legitime o accionar da figura do abuso do direito prevista no artigo 334.º do Código Civil.

Em suma, o réu admitiu o autor ao seu serviço, em 15 de Novembro de 2001, mas as partes só celebraram por escrito um contrato de trabalho a termo, no dia 20 de Dezembro de 2001, embora com efeitos reportados a 15 de Novembro de 2001.

Nos termos do artigo 6.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, «[o] contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade, salvo quando a lei expressamente determinar o contrário», pelo que, por mero ajuste verbal e sem qualquer redução a escrito, surge um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Logo, quando o autor subscreveu, em 20 de Dezembro de 2001, um contrato de trabalho a termo certo, já tinha adquirido a qualidade de trabalhador permanente do extinto Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, desde 15 de Novembro de 2001, pelo que é nulo e de nenhum efeito esse contrato de trabalho a termo, conforme decorre do estipulado no n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT, aditado pela Lei n.º 18/2001, a qual entrou em vigor em 2 de Agosto de 2001 (artigo 4.º).

Improcede, assim, a conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista.

3. Nas conclusões 2.ª a 4.ª, o recorrente afirma que, face à matéria de facto apurada, tem de considerar-se, até por presunção, que o autor foi contratado, e exerceu funções na área da cartografia, no âmbito (e com relação directa) do programa de temporais, manifestador do acréscimo de actividade do réu, e que, cabendo ao autor o ónus da prova (que não a fez) do carácter não transitório do trabalho para o qual foi contratado a prazo, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, não pode o tribunal decidir como se o ónus da prova fosse do réu, obrigando-o a provar a excepcionalidade e transitoriedade do trabalho, invertendo, assim, o ónus da prova, com ofensa do artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil.

E prossegue o recorrente, «tendo sido validamente celebrado o contrato de trabalho com termo certo, este caducou com a comunicação do réu da vontade de não o renovar, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, da LCCT, daí que a relação iniciada depois, qualquer que ela seja, tem o seu início nessa data, e nunca com efeitos retrotraídos à data da celebração do contrato a termo».

O n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Ora, tendo-se concluído pela nulidade do contrato de trabalho a termo certo firmado em 20 de Dezembro de 2001, por ter sido celebrado posteriormente à aquisição pelo autor da qualidade de trabalhador permanente do extinto Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, fica prejudicada a apreciação das questões enunciadas nas conclusões 2.ª a 4.ª da alegação do recurso de revista, na medida em que aí se propugna, embora aduzindo diferente argumentação, a validade daquele contrato de trabalho a termo certo.

4. O recorrente considera que o alegado recebimento pelo autor das quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo, configura um contrato de remissão com renúncia à tutela de direitos decorrentes do contrato de trabalho.

Como é sabido, a remissão é uma das causas da extinção das obrigações e traduz-se na renúncia do credor ao direito de exigir a prestação que lhe é devida, feita com a aquiescência da contraparte, revestindo, por isso, a forma de contrato, como bem flui do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil ao prescrever que «[o] credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor».

Deste modo, o que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor.

Ora, não resulta da matéria de facto dada como provada que o autor tenha declarado que renunciava a qualquer dos direitos emergentes da celebração do contrato de trabalho com o réu.

E, por outro lado, não ficou provado que o autor tenha recebido qualquer compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo, nos termos do n.º 3 do artigo 46.º da LCCT, nem tal recebimento se pode presumir, como pretende o recorrente, uma vez que a lei não estabelece semelhante presunção, e ainda porque não foi produzida prova, que possibilitasse às instâncias inferir esse suposto pagamento (artigos 349.º a 351.º do Código Civil).

Aliás, a apresentação pelo autor de uma proposta de prestação de serviços ao réu também nada tem de remissivo, como entenderam as instâncias, em uníssono, ao afirmarem que «não houve qualquer modificação quanto aos termos e condições em que o trabalho era executado para o R., bem como no atinente à natureza das funções desempenhadas durante a vigência, quer do contrato de trabalho a termo certo, quer do contrato de prestação de serviços», pelo que se está perante «um único e mesmo contrato de trabalho sem termo, com efeitos reportados a 15.11.2001».

Tal como se concluiu no acórdão recorrido, essa pretensa renúncia carece de suporte legal e «não tem como base o quadro jurídico-factual que o R. lhe assinala».

Improcede, portanto, a conclusão 5.ª da alegação do recurso de revista.

5. Doutro passo, o recorrente alega que está provado que entre o autor e o réu foi celebrado um contrato titulado como de prestação de serviços, no âmbito do desenho assistido por computador, e que apesar das funções serem exercidas «por conta, ordem e direcção do réu» em local predeterminado, com materiais fornecidos pelo réu e dentro de um horário preestabelecido, «não ficou demonstrado, e tal prova cabia ao autor, que o autor ficou, na pendência do titulado contrato de prestação de serviços, numa situação de subordinação jurídica, podendo, antes, concluir-se que na relação contratual foram enxertadas regras do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, sem prevalência de qualquer uma delas».

5.1. Resulta da matéria de facto assente, que o ICERR, com data de 28 de Outubro de 2002, enviou ao autor um convite para apresentação de proposta para o fornecimento de serviço de apoio no âmbito do desenho assistido por computador, nomeadamente, na cartografia, no projecto rodoviário e na área gráfica geral, com o fundamento de que se tornava necessário garantir esse apoio ao Departamento de Engenharia Rodoviária, face à sua nova instalação no edifício da sede, por um prazo de 6 meses.

Com data de 29 de Outubro de 2002, e na sequência de tal convite, o autor enviou a sua proposta para o fornecimento de serviços no âmbito de desenho assistido por computador, por um período de seis meses, no valor global de 7.140 € (com IVA), sendo que tal proposta foi aceite e, a partir do dia 18 de Novembro de 2002, o autor passou a exercer as mesmas funções que anteriormente exercia para o réu, mediante «contrato de prestação de serviços».

Mais se provou que, após 18 de Maio de 2003, findo o prazo de 6 meses do referido contrato, o autor deixou de exercer quaisquer funções por conta do réu.

5.2. A questão está, pois, em saber se a relação jurídica assim estruturada como contrato de prestação de serviço se desenvolveu nesses precisos termos, ou se, pelo contrário, o circunstancialismo em que ela se processou impõe que lhe seja atribuída uma outra qualificação jurídica, nomeadamente, que deva ser qualificada como contrato de trabalho, na medida em que é irrelevante o nomen juris dado pelas partes aos contratos celebrados.

Os contratos referidos têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 1152.º do Código Civil, cuja expressão literal viria a ser reproduzida no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, «contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta».

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, «contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».

A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez, porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.
Pode, portanto, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza fundamentalmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade patronal, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto que na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (n.º 1 do artigo 39.º da LCT) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT].

Porém, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

É o que acontece nos casos em que o trabalho é prestado com grande autonomia técnica e científica do trabalhador, nomeadamente quando se trate de actividades que tradicionalmente são prestadas em regime de profissão liberal.

A este propósito, afirmou-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Novembro de 1994, proferido no Processo n.º 4090 (Acórdãos Doutrinais, n.º 399, p. 363), «[a] dependência técnica e científica não é necessária à subordinação jurídica, podendo esta restringir-se a domínios de carácter administrativo e de organização. Nessas situações, o trabalhador somente fica sujeito à observância das directrizes do empregador em matéria de organização do trabalho - local, horário, número de clientes, etc. A subordinação jurídica pode, assim, respeitar apenas à organização da actividade laboral, não obstante englobar também o poder de determinar a função do trabalhador, já que cabe ao empregador a distribuição do posto de trabalho segundo o organigrama da empresa e as necessidades desta. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a possibilidade de ordens e direcção, bem como quando a entidade patronal possa de algum modo orientar a actividade laboral em si mesma, ainda que só no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação.»

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Sublinhe-se que incumbe ao trabalhador, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário da actividade, demonstrando que se integrou na estrutura empresarial do empregador.

5.3. No caso vertente, está provado que o autor, apesar da celebração de um contrato de prestação de serviço com o réu, continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente, desde 15 de Novembro de 2001, nos mesmos termos e condições, continuando sujeito às ordens e direcção do réu, apresentando-se, diariamente, no mesmo local de trabalho e, cumprindo o mesmo horário de trabalho (de segunda a sexta-feira das 9h às 12h30 e das 14h às 18h), sendo que tais funções sempre foram realizadas através de equipamento fornecido pelo réu (n.os 12, 13 e 14 da matéria de facto assente).

As funções mencionadas nos n.os 12 e 14 da matéria de facto assente são «funções de apoio na área de planeamento, designadamente, de apoio na execução de trabalhos na área de cartografia, com participação na gestão do arquivo numérico de cartografia, participação e gestão das bases cartográficas das estradas do país e execução de trabalho específico na área dos sistemas de informação geográfica» (n.º 2 da matéria de facto assente), as quais eram exercidas «por conta, ordem e direcção do extinto ICERR, nas suas instalações» (n.º 3 da matéria de facto assente).

Tais factos integram o conjunto de indícios que, no caso, são reveladores da existência de subordinação jurídica.

Em favor da inexistência da subordinação jurídica, o réu alega: (i) a admissão do autor foi efectuada através de convite, com a correspondente proposta, para apresentação de proposta para prestação de serviços; (ii) o pagamento, pela prestação de serviços acordada, foi efectuado contra emissão pelo autor de «nota de honorários» e não através de «recibo» ou «boletim de remunerações»; (iii) o pagamento foi efectuado com adiantamento de 10% do valor global dos honorários e o restante em seis prestações mensais, sem retenção da taxa social única e sem pagamentos à segurança social; (iv) ao pagamento dos honorários acresceu o IVA à taxa legal; (v) não pagamento de férias, subsídio de férias ou Natal; (vi) o autor é desenhador e a actividade contratada, dentro do âmbito do desenho informático, base cartográfica das estradas e pontes, é por natureza também exercida com autonomia e dirigida a um resultado; (vii) nada ficou provado quanto ao modo e forma como as funções/serviços foram exercidos.

Sucede, porém, que embora se tenha provado que, em 29 de Outubro de 2002 e na sequência de convite do extinto ICERR, o autor enviou a sua proposta para o fornecimento de serviços no âmbito do desenho assistido por computador, por um período de seis meses, no valor global de 7.140 €, com IVA (n.º 9 da matéria de facto assente), que tal proposta foi aceite e, a partir do dia 18 de Novembro de 2002, o autor passou a exercer as mesmas funções que anteriormente exercia para o réu, com base em contrato de prestação de serviços (n.º 10 da matéria de facto assente), «mediante o pagamento da quantia de 6.000,00 €, acrescido do respectivo IVA à taxa legal, no total de 7.140,00 €, sendo pago 10% desse valor no acto da adjudicação e o restante em seis prestações mensais» (n.º 11 da matéria de facto assente), também se apurou que o autor, apesar da celebração daquele contrato de prestação de serviços, «continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente (desde 15 de Novembro de 2001), nos mesmos termos e condições, continuando sujeito às ordens e direcção do R.» (n.º 12 da matéria de facto assente).

Por conseguinte, ao contrário da tese do recorrente, ficou demonstrado não só o modo, mas também a forma como o autor exercia a sua actividade em favor do réu, após as partes terem passado a designar a relação jurídica que as ligava como contrato de prestação de serviço, tendo-se apurado que essa actividade continuou a desenvolver-se como um contrato de trabalho, sendo as funções do autor exercidas por conta, ordem e direcção do réu, nas suas instalações, através de equipamento fornecido pelo réu e mediante o cumprimento de um horário de trabalho.

Isto é, não se provou que o autor tenha passado a exercer a sua actividade como desenhador, com autonomia e dirigida a um resultado, tendo-se demonstrado, antes, a inexistência de qualquer modificação quanto aos termos e condições em que o trabalho era executado pelo autor (n.º 12 da matéria de facto assente).

Neste quadro fáctico, não assume qualquer relevo jurídico significativo o formalismo que passou a ser observado no pagamento da contrapartida pela actividade laboral prestada, ou seja, a adopção da «nota de honorários», em vez do «recibo» ou «boletim de remunerações», nem que tenha sido formalizado o alegado «adiantamento de 10% do valor global dos honorários e o restante em seis prestações mensais, sem retenção da taxa social única e sem pagamentos à segurança social», que ao pagamento dos honorários tenha acrescido IVA à taxa legal ou que não se tenha formalizado, como tal, o pagamento de férias, subsídio de férias ou Natal.

É que, os alegados procedimentos decorrem, naturalmente, da configuração que as partes deram à relação jurídica como contrato de prestação de serviços.

Ora, o que está verdadeiramente em causa é saber se aquela relação jurídica, face à configuração que realmente assumiu, deve ser qualificada como contrato de trabalho ou de prestação de serviço.

Como é sabido, cabe em última instância ao tribunal operar a qualificação dos factos apurados, já que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, em conformidade com o previsto no artigo 664.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, pelo que, não coarcta a liberdade do julgador neste domínio a qualificação jurídica dos factos efectivada pelas partes.

Perante o acervo factual descrito, impõe-se concluir que a relação jurídica estabelecida entre as partes configura, substancialmente, um contrato de trabalho e não a contratação pública relativa à aquisição de serviços no âmbito do desenho assistido por computador, regulada pelo Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho.

Na verdade, ficou demonstrada a existência da subordinação jurídica do autor ao réu, já que, após a celebração do contrato de prestação de serviço, as funções do autor continuaram a ser exercidas por conta, ordem e direcção do réu, nas suas instalações, através de equipamento fornecido pelo réu e mediante o cumprimento de um horário de trabalho, em suma, porque se apurou que o autor se encontrava submetido à autoridade e direcção do empregador, que lhe dava ordens.

De todo o modo, o recorrente propugna que, a entender-se que se estaria perante um contrato de trabalho, sempre se trataria de um contrato de trabalho a termo, pelo período de 6 meses, e não de um contrato por tempo indeterminado: (i) porque o titulado contrato de prestação de serviços contém todas as menções essenciais referidas no artigo 42.º da LCCT; (ii) porque as partes quiseram vincular--se por um período limitado de 6 meses; (iii) porque nada, legalmente, obstava à renovação do anterior contrato de trabalho a termo; (iv) porque não se pode impor, contra a vontade das partes, um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Não tem razão.

Quando as partes ajustaram o dito contrato de prestação de serviço, o autor já tinha adquirido a qualidade de trabalhador permanente do extinto Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, desde 15 de Novembro de 2001.

Ora, determinando o n.º 3 do artigo 41.º-A da LCCT a nulidade do contrato de trabalho a termo celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente, carece do necessário apoio legal o entendimento propugnado pelo recorrente no sentido de que, no caso, se estaria perante um contrato de trabalho a termo, pelo período de 6 meses.

Por isso, não releva invocar, como faz o recorrente, que «o titulado contrato de prestação de serviços contém todas as menções essenciais referidas no artigo 42.º da LCCT», que «as partes quiseram vincular-se por um período limitado de 6 meses» e que «não se pode impor, contra a vontade das partes, um contrato de trabalho por tempo indeterminado».

Conforme já se referiu supra, citando ROMANO MARTINEZ, «as partes têm liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador» (obra citada, p. 615).

Quanto à alegação de que «nada, legalmente, obstava à renovação do anterior contrato de trabalho a termo», basta recordar que nos termos do n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002, de 18 de Maio, norma aduzida pelo réu para fazer cessar o contrato de trabalho a termo, em 14 de Novembro de 2002, os contratos de trabalho a termo certo vigentes nos serviços e organismos da administração central e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados «caducam no final dos respectivos prazos, sem possibilidade de renovação».

Tudo para concluir que é de qualificar como contrato de trabalho, e não de prestação de serviço, o celebrado entre o autor e o réu, no âmbito do desenho assistido por computador, verificando-se a unificação da relação laboral em causa, apesar dos vários contratos celebrados, pelo que se configura um único contrato de trabalho sem termo, vigente a partir de 15 de Novembro de 2001.

Improcedem, pois, as conclusões 6.ª a 9.ª da alegação do recurso de revista.

6. O recorrente sustenta que, embora o pessoal do réu estivesse sujeito, formalmente, ao regime do contrato individual de trabalho, deve atender-se, principalmente na constituição da relação de trabalho, a especificidades inerentes à natureza jurídica do réu, e que levam a que a constituição da relação de trabalho no réu siga as regras do emprego público, como a igualdade de acesso ao emprego e o concurso como base de selecção do pessoal, bem como a proibição da conversão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.

Trata-se de questão que só agora, no recurso de revista, foi suscitada, não tendo sido invocada na primeira instância, nem na alegação do recurso de apelação, e que não se apresenta examinada no acórdão recorrido.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (artigos 676.º, n.º 1, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões e não criá-las sobre matéria nova, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso.

O recorrente, em resposta ao parecer da Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, defende que «as normas do Decreto-Lei n.º 427/89 são normas imperativas, normas de interesse e ordem pública, reportando-se a direitos subtraídos à livre disponibilidade das partes contraentes, daí que a nulidade decorrente da sua violação não carece de ser invocada pelas partes, por ser de conhecimento oficioso».

Aceita-se a natureza imperativa das normas referidas e a imposição de ajuizar da respectiva violação.

6.1. O direito de acesso à função pública está consagrado no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, que determina que o mesmo se deve processar «em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».

Porém, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º dos estatutos do extinto ICERR, anexos ao Decreto-Lei n.º 237/99, o seu pessoal encontrava-se sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos seus estatutos e no diploma que os aprovou, sendo que a contratação do autor, em 15 de Novembro de 2001, bem como a celebração do contrato de trabalho a termo em causa decorreram à luz do regime jurídico do contrato individual de trabalho, e não do regime de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública.

Assim, não estando em causa uma relação jurídica de emprego público, não tem qualquer cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.

6.2. O recorrente invoca, ainda, a aplicação do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, pelo Decreto--Lei n.º 175/95, de 21 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, e pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho).

O Decreto-Lei n.º 427/89 regulamenta os princípios a que deve obedecer a relação jurídica de emprego na Administração Pública e foi emitido pelo Governo em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (alterado pelas Leis n.os 30-C/92, de 28 de Dezembro, 25/98, de 26 de Maio, 10/2004, de 22 de Março, e 23/2004, de 22 de Junho), diploma que aprovou princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal da função pública.

Segundo o regime do Decreto-Lei n.º 427/89, a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (artigo 3.º), podendo esta última revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º], sendo que, a partir da entrada em vigor do diploma legal em referência, ficou vedado ao Estado a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas no seu artigo 14.º, com responsabilização dos funcionários e agentes que tal possibilitassem (artigo 43.º).

O certo é, porém, que o Decreto-Lei n.º 427/89, ao mesmo tempo que prescrevia que as relações de emprego público não se poderiam constituir por forma diversa das previstas no dito artigo 14.º, veio determinar, no n.º 1 do seu artigo 44.º, epigrafado «Salvaguarda de regimes especiais», que ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho aplicavam-se as respectivas disposições estatutárias.

Neste mesmo sentido era já a previsão do n.º 4 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 189/89, de 2 de Junho, regime jurídico que o Decreto-Lei n.º 427/89 desenvolveu.

Consequentemente, estes dois preceitos salvaguardam a existência de regimes especiais, determinando a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao pessoal dos institutos públicos que revistam a natureza de serviço personalizado e se rejam pelo regime do contrato individual de trabalho.

Os contratos em causa nos autos foram celebrados com um instituto público na modalidade de serviço personalizado e que se regia pelo regime do contrato individual de trabalho, pelo que vigora a salvaguarda de regime especial consagrada no n.º 4 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 184/89 e no n.º 1 do artigo 44.º do Decreto--Lei n.º 427/89, razão pela qual a disciplina dessas relações contratuais devem observar as disposições estatutárias do instituto em causa e não o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública.

Deste modo, a salvaguarda de um regime especial e diferenciado para o pessoal do extinto ICERR impede que se aplique, no caso, o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública editado pelo Decreto-Lei n.º 427/89.

Não faz, por isso, sentido argumentar-se com as três formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 427/89) para concluir pela impossibilidade de conversão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, nem com a proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo certo, em contratos por tempo indeterminado, prevista no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98.

Por outro lado, também carece de fundamento legal invocar-se a violação da regra do concurso para ingresso na função pública, quando o legislador estabeleceu um regime especial para a relação de emprego no extinto ICERR, em que não se previa a obrigatoriedade de tal forma de selecção e recrutamento de pessoal.

6.3. Enfim, o recorrente invoca o regime da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, revogando os artigos 18.º a 21.º do Decreto-Lei n.º 427/89, que regulavam a «Admissibilidade», «Selecção de candidatos», «Estipulação do prazo e renovação do contrato» e «Limites à celebração» dos contratos de trabalho a termo certo na Administração Pública.

No que respeita às regras especiais agora aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo, o artigo 10.º da Lei n.º 23/2004 estabelece que «[o] contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática» (n.º 1), que «[o] contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho» (n.º 2) e que «[a] celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho» (n.º 3).

Sucede que, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do aludido diploma legal, «[f]icam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

Ora, sendo o autor admitido ao serviço do réu em 15 de Novembro de 2001, ocorrendo, em 20 de Dezembro de 2001, a celebração do contrato escrito de trabalho a termo certo, e a respectiva cessação, pelo recorrente, em 14 de Novembro de 2002, e tendo a contratação da alegada prestação de serviços cessado em 18 de Maio de 2003, é inquestionável que a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que entrou em vigor «30 dias após a data da sua publicação» (artigo 31.º), não se aplica às condições de validade e aos efeitos das relações jurídicas sucessivamente estabelecidas entre as partes, porque referentes a factos e/ou situações totalmente passados anteriormente à data da sua entrada em vigor.

Nestes termos, também não colhe a pretendida aplicação do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 23/2004 ao caso em apreciação.

6.4. De todo o modo, sempre convirá acrescentar que tendo-se concluído pela nulidade do contrato de trabalho a termo certo firmado em 20 de Dezembro de 2001, por ter sido celebrado posteriormente à aquisição pelo autor da qualidade de trabalhador permanente do extinto ICERR, não se configura qualquer conversão daquele contrato de trabalho a termo, em contrato sem termo; em conformidade, não tem aplicação, no caso vertente, a invocada proibição da conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.

Improcede, portanto, a conclusão 10.ª da alegação do recurso de revista.

7. O recorrente pretexta que importa proceder à rectificação da quantia que foi condenado a pagar ao autor, já que esta foi calculada com base na remuneração ilíquida (692 €) e não na líquida, «como é de direito».

Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º da LCCT, «[s]endo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença [alínea a)].

É certo que o texto legal não refere se o valor da retribuição a considerar é a retribuição ilíquida ou líquida.

Contudo, tal como se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Fevereiro de 2001, proferido no Processo n.º 2017/2000 (Incidente), da 4.ª Secção, a propósito da indemnização prevista no n.º 3 do artigo 13.º da LCCT, «[o]s termos em que essa disposição está redigida implica que a quantia a ter em conta é a ilíquida, pois é esta a que se deve entender como remuneração, e é sobre ela que devem incidir os legais descontos. Aliás, é sobre a importância assim calculada que incide o IRS, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 2.º do Código do IRS (cf. Circular n.º 13/89, de 3/8, do Ministério das Finanças).»

As considerações transcritas são transponíveis para o conceito de retribuição a atender no cálculo dos chamados salários intercalares ou de tramitação, previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da LCCT, já que resulta da própria letra da lei que a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir como contrapartida da actividade prestada, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais, por isso, improcede a conclusão 11.ª da alegação do recurso de revista.

8. O recorrente discorda, ainda, da fixação do montante de 430,37 € relativo ao diferencial não pago do subsídio de Natal no ano de 2003, já que, sendo a acção proposta em 6 de Novembro de 2003, apenas se contam as retribuições desde 6 de Outubro de 2003, o que implica que o autor, no caso da procedência da acção, apenas teria direito a 3/12 de 692 €.

Conforme dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da LCCT, sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada a pagar o «valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, desde a data do despedimento até à data da sentença».

Porém, se o trabalhador tardar mais de trinta dias a intentar a acção judicial de impugnação do despedimento, dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º da LCCT que da importância calculada nos termos da alínea a) do n.º 1 do mesmo artigo é deduzido o «[m]ontante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data de propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento».

Segundo ROMANO MARTINEZ (obra citada, p. 970), «[e]sta regra, que funciona como estímulo ao recurso célere à via judicial, constitui uma limitação à integral reparação do prejuízo, de modo a punir a inércia do trabalhador».
No caso em apreço, a cessação do contrato de trabalho ocorreu em 18 de Maio de 2003 e a acção deu entrada no dia 6 de Novembro de 2003, pelo que, são apenas devidas as retribuições respeitantes ao período desde 6 de Outubro de 2003.

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, «[o]s trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano».

Tratando-se o subsídio de Natal de um complemento salarial certo, que se vence periodicamente, está também abrangido pela previsão da alínea a) do n.º 2 do artigo 13.º da LCCT, que sanciona a inércia do trabalhador no recurso à via judicial.

Assim, em relação ao diferencial não pago do subsídio de Natal no ano de 2003, apenas assiste ao autor o direito a receber o valor proporcional do subsídio de Natal desde 6 de Outubro de 2003 a 31 de Dezembro de 2003, o que corresponde a 164,94 € [(692 €: 365 dias) x 87 dias].

Por conseguinte, procede a conclusão 12.ª da alegação do recurso de revista.

9. O recorrente entende, doutro passo, que devem deduzir-se à importância atribuída ao autor, a título de salários intercalares, os valores relativos à compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo e de pretensos rendimentos de trabalho auferidos pelo autor em data posterior ao despedimento.

Como já se referiu, não resulta da matéria de facto dada como provada que o autor tenha recebido qualquer compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo, nos termos do n.º 3 do artigo 46.º da LCCT, nem tal recebimento se pode presumir, como pretende o recorrente, uma vez que a lei não estabelece semelhante presunção, e ainda porque não foi produzida prova, que possibilitasse às instâncias inferir esse suposto pagamento (artigos 349.º a 351.º do Código Civil).
Logo, não há lugar à reclamada dedução de qualquer importância pertinente a compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo.

O mesmo se deve dizer relativamente à solicitada dedução de pretensos rendimentos de trabalho auferidos pelo autor em data posterior ao despedimento, cujo recebimento, também não se provou.

Na verdade, o sobredito recebimento, como facto modificativo ou extintivo do direito invocado pelo autor, depende de alegação e prova da empregadora (n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil).

Tal como se afirma no acórdão recorrido, «[c]abe ao R. alegar e provar que o A., posteriormente ao despedimento, [auferiu rendimentos] de trabalho, a deduzir conforme dispõe a alínea b) do n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, não consagrando a lei qualquer presunção sobre a existência desses rendimento[s], como parece deduzir-se da pretensão do R., ao defender que competia ao A. provar que não obteve "rendimentos de trabalho em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento". Prejudicada está, portanto, a pretensão do R. no sentido de se relegar para execução de sentença a liquidação desses eventuais rendimentos de trabalho: a liquidação em execução pressupõe o prévio reconhecimento da obrigação respectiva que, no caso vertente, não se sabe se existe».

Sufraga-se, inteiramente, o apontado entendimento, pelo que, improcede a conclusão 13.ª da alegação do recurso de revista.

10. Em derradeiro termo, o recorrente propugna que o autor pleiteou de má fé, por isso, deve ser condenado em multa e indemnização, nos termos dos artigos 456.º, n.º 1, e 457.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Para tanto, argumenta que o autor invocou factos pessoais, muito relevantes para a decisão da causa (alegou que após um mês e meio de trabalho o réu lhe impôs a assinatura do contrato a termo, que ele assinou para não perder o emprego e que após a cessação do contrato a termo o réu lhe impôs a prestação de serviços e que ele aceitou para não perder o posto de trabalho), sabendo perfeitamente que estava a alterar a verdade dos mesmos, fazendo-o consciente e voluntariamente.

E prossegue, «[b]asta atentar na matéria de facto (n.os 5, 9 e 10) para se comprovar que não eram verdadeiros».

Nos termos do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, «[d]iz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»

A litigância de má fé constitui, pois, o reverso dos deveres de cooperação, probidade e de boa fé processual impostos às partes.

Provou-se que, «[e]m 20 de Dezembro de 2001, A. e R. subscreveram um contrato de trabalho a termo certo, com a duração de seis meses, referindo-se nesse contrato que as funções e tarefas eram desempenhadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, tendo em conta o acréscimo excepcional de recolha e tratamento de dados, no âmbito do programa de temporais» (n.º 5 da matéria de facto assente), que, [c]om data de 29 de Outubro de 2002, na sequência [de convite do ICERR], o A. enviou a sua proposta para o fornecimento de serviços no âmbito de desenho assistido por computador, por um período de seis meses, no valor global de 7.140 €, com IVA» (n.º 9 da matéria de facto assente), e que «[t]al proposta foi aceite e, a partir do dia 18 de Novembro de 2002, o A. passou a exercer as mesmas funções que anteriormente exercia para o R., mediante "contrato de prestação de serviços", na sequência do convite referido e da proposta do A.» (n.º 10 da matéria de facto assente).

No entanto, não se descortina que se possa extrair desses factos que o autor tenha alterado a verdade de factos relevantes para a decisão da causa, uma vez que o próprio autor fez constar essa precisa factualidade na petição inicial (artigos 7.º, 8.º e 11.º).

Por outro lado, não ficou provado que as partes tenham acordado entre si, por ajuste verbal, em 15 de Novembro de 2001, qualquer contrato de trabalho a termo certo e, mesmo que tal ajuste tivesse ocorrido, conforme já se assinalou supra, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 42.º da LCCT, o contrato de trabalho a termo é um negócio formal, achando-se sujeito a forma escrita, cuja inobservância tem como consequência a nulidade da aposição da cláusula acessória do termo, mantendo-se, o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada.

Tudo para dizer que carece de fundamento legal a reclamada condenação do autor, como litigante de má fé, em multa e indemnização, por isso, improcedem as atinentes conclusões da alegação do recurso de revista.

III
Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder parcialmente a revista, alterando-se a condenação constante da sentença da primeira instância, confirmada pelo acórdão recorrido, em relação ao diferencial não pago do subsídio de Natal no ano de 2003, que agora se fixa no montante de 164,94 €.

No mais, confirma-se o acórdão recorrido.

O recorrente está isento de custas, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, cujas alterações só se aplicam aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2004 (artigos 14.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003).

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo do recorrido na proporção de 1/30, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 18 de Maio de 2006
Pinto Hespanhol (relator)
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto