Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
049523
Nº Convencional: JSTJ00012702
Relator: CARLOS ALVES
Descritores: LEGADO
FIDEICOMISSO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19371214049523
Data do Acordão: 12/14/1937
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 28-12-1937; COL OF ANO36,12 - RLJ ANO 70,270
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1937
Área Temática: DIR CIV - DIR SUC.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 1743 ARTIGO 1744 ARTIGO 1810 ARTIGO 1866.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1908/10/30 IN COL OF ANO8.
ACÓRDÃO STJ DE 1936/01/10 IN COL OF ANO35.
Sumário :
O legado de certa cousa a uma pessoa, sob a condição de passar a terceira, se aquela falecer sem descendentes, e condicional e valido e não substituição fideicomissaria.
Decisão Texto Integral:
Acordam os do Supremo Tribunal de Justiça:

A deixou testamento em que instituiu legataria da quinta de Granja a sua sobrinha B, e, por falecimento desta, se não deixar descendentes, legitimos ou ilegitimos, institui ao procurador C, a quem nomeia tambem herdeiro universal. Por outras palavras: a sobrinha e nomeada legataria da referida Quinta e sucedem-lhe os filhos, se os tiver, e por isso o procurador, so e chamado para o caso de aquela falecer sem descendentes.
O Ferreira e mulher, fundados em que se trata de legado deixado condicionalmente a uma e outro, pediram caução a A, que, por embargos, alegou, alem do mais, a excepção da nulidade da disposição por envolver um fideicomisso proibido.


A excepção procedeu nas instancias por se entender que a clausula testamentaria constitue uma substituição fideicomissaria condicional e proibida, mas improcedeu no acordão recorrido por se entender que o fideicomisso e a instituição condicional são institutos juridicos distintos, e que se aquele e proibido, salvas as excepções, a condicional e permitida e não se conformam um com a outra. O ponto de direito sustentado no acordão recorrido pode sintetizar-se assim: não ha fideicomissos condicionais.
Recorreu para o pleno a D, porque ficou vencida na revista, e alegou ser a decisão oposta a dos acordãos deste Tribunal de 30 de Outubro de 1908 e 10 de Janeiro de 1936, ambos na Colecção Oficial, volumes 8 e 35.
No primeiro julgou-se que a deixa de certa quantia a uma pessoa com a condição de passar, se esta falecer sem descendentes, a outra constitue um fideicomisso nulo.


No segundo afirmou-se que a instituição de uma pessoa como herdeira, sob a condição de, falecendo sem herdeiros legitimos, serem herdeiros outras pessoas, e substituição fideicomissaria e por isso nula.
Nos acordãos opostos admite-se, como se ve, o fideicomisso condicional, e por isso da-se a oposição que fundamenta o recurso, pelo que ha que resolver o conflito.


As instituições condicionais, suspensivas ou resolutivas, são permitidas, de uma maneira geral, pelos artigos 1743 e 1744 do Codigo Civil, contanto que não sejam impossiveis ou contrarias a lei, e a condição de existencia ou inexistencia de descendentes não e ferida de nulidade pelas disposições do Codigo sobre a materia.


A condição e integrante da instituição e por isso actua sobre ela suspendendo a aquisição ou resolução do direito, e nisto se distingue daquela, que so suspende a execução da disposição (Codigo Civil, 1810),
Por isso o segundo instituido, nada recebendo durante a pendencia da condição, não e beneficiario, e, realizada ela, o primeiro deixa de o ser pela resolução do seu direito.


Razão ha, pois, para se afirmar que no duplo legado condicional, como lhe chamam os franceses, o beneficio e singelo e não ha ordem sucessiva de legatarios por isso mesmo.


No fideicomisso, definido no artigo 1866 do Codigo Civil o testador encarrega o substituido de conservar e transmitir. por morte, ao substituto. E em virtude deste encargo de conservar e entregar que ha dois beneficiados, pois ambos adquirem o direito a morte do testador pela ordem da instituição, um apos a morte do outro. Ha, pois, um duplo legado e uma ordem sucessiva. E porque esta situação e efeito do encargo imposto pelo testador, o fideicomisso e imperativo pela propria definição.
Argumenta-se, porem, que na condicional ha tambem a obrigação de conservar para transmitir, porque se tiver filhos conserva e transmite a estes, se os não tiver, conserva e transmite ao procurador, que e o herdeiro nomeado.
Mas ha que considerar a diferença fundamental entre a disposição imperativa e a condicional e que reside na propria natureza do encargo e da condição.


Naquela tudo e certo, a dupla instituição, dois, ou mais beneficiarios e ordem sucessiva, ao passo que a condicional e caracterizada pela incerteza. O argumento por isso, não e exacto. Efectivamente na disposição condicional não ha conservação para transmitir, ou, antes, para entregar, mas um direito resoluvel de que o titular pode dispor com a mesma restrição, e do outro lado ha apenas uma expectativa, enquanto a condição não se verificar. A confusão vem exactamente de não se fazer a distinção atribuindo-se ao encargo e a condição os mesmos efeitos.
E aqueles que fazem do assunto uma questão de formula, que encobre no fundo uma substituição proibida, como os acordãos opostos, responde-se que tal doutrina levaria a supressão da clausula resolutiva nos testamentos, contra a propria lei, e que o que se deve antes procurar e a instituição que o testador quis fazer. E a intenção foi instituir legados condicionais e não fideicomisso, alias não deixaria a aquisição do legado pelo seu universal herdeiro dependente de a sobrinha falecer sem descendentes. A inserção da condição exclue o fideicomisso que, como imperativo, e disposição pura e simples.


Por ultimo dir-se-a que a admissão dos fideicomissos condicionais representa um alargamento da excepção a liberdade de disposição de bens e por isso de aplicação restrita, como tem sido reconhecido pela maioria dos julgados deste Supremo Tribunal.


Pelo exposto negam provimento e assentam no seguinte:
O legado de certa cousa a uma pessoa, sob a condição de passar a terceira, se aquela falecer sem descendentes, e condicional e valido e não substituição fideicomissaria.



Custas pelo recorrente.


Lisboa, 14 de Dezembro de 1937

Carlos Alves - Costa Santos - Cesar A. Santos -
- J. Soares - Lopes Cardoso - Sampaio Duarte -
- Alberto Placido - Abilio de Andrade - Luiz Osorio - Afonso de Albuquerque - E. Santos -
- Ramiro Ferreira - Adriano Fernandes - Avelino Leite - Magalhãis Barros.